Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5314/05.0TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ÓNUS JURÍDICO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
NEGLIGÊNCIA
CUMPRIMENTO
DESPACHO DE PROSSEGUIMENTO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO , PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA / DESERÇÃO DA INSTÂNCIA E DOS RECURSOS.
Doutrina:
- Paulo Ramos de Faria, O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, Revista Julgar on line, 2015.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 6.º E 281.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 20-08-2016, PROCESSO N.º1742/09.0TBBNV-H.E1.S1;
-DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 105/14.0TVLSB.G1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 15-01-2015, PROCESSO N.º 2998/03.8TCSNT.L1-6;
-DE 15-10-2015, PROCESSO N.º 20-11.0TBALM.L1.8;
-DE 04-11-2015, PROCESSO N.º 1928/12.0TTLSB.L1-4, TODOS IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 14-06-2016, PROCESSO N.º 1390/10.2TJPRT.P1, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 06-07-2016, PROCESSO N.º 132/11.0TBLSA.C1, IN WWW.DGSI.PT.

Sumário :
I - Tendo-se indicado, no despacho determinativo da suspensão da instância, o prazo pelo qual aquela perduraria e, bem assim, que, findo o mesmo, os autos aguardariam o impulso processual do autor nos termos do art. 281.º do CPC, é de concluir que este ficou ciente de que impendia sobre si o cumprimento do ónus de impulso processual (não cabendo, pois, ao juiz o dever de ordenar o prosseguimento dos termos da causa) e das consequências que adviriam do seu inadimplemento.

II - O dever de gestão processual (art. 6.º do CPC) tem como pressuposto o cumprimento do ónus de impulso processual, ainda que este seja imposto por determinação judicial, tanto mais que a mesma encontra respaldo na lei.

III - A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I - Relatório.


1. Nesta acção declarativa intentada, em Outubro de 2005, por AA contra BB, SGPS, S.A., e na qual peticiona a condenação da Ré no pagamento de € 2.125.000,00, foi em 14/9/2006 proferido despacho que, atendendo ao requerido pela mesma, determinou a suspensão da instância, nos termos do art° 279.°, n.° 1, até que fosse proferida decisão definitiva em acção que corria termos na 2.ª secção, da 2.ª Vara Cível de …, sob o n.° 901/05.0TVLSB.


2. Tendo sido junta certidão alusiva ao trânsito em julgado do Acórdão que concedera parcial provimento à Revista interposta pelos RR., nessa acção aludida em 1., foi proferido despacho que designou o dia 17/10/2016 para a realização de uma audiência prévia.


3. Informando as partes, no decurso de tal audiência prévia, existir forte probabilidade de se chegar a um acordo - requerendo assim ambos a suspensão da instância por 60 dias -, pela Exma. Juiz foi proferido o despacho seguinte:

- Atento o motivo invocado suspende-se a instância pelo prazo requerido prazo (art. 272º, nº 4, CPC).

Findo esse prazo aguardem os autos o impulso processual do Autor (art. 281º CPC).


4. Nada tendo sido requerido nos autos após o despacho aludido em 7., e conclusos os autos em 3/7/2017, foi na mesma data proferido o despacho que segue:

- "Atenta a falta de impulso processual do autor, declaro deserta a instância nos termos do artigo 281° n° 1 do CP. Civil.

Custas a cargo do autor (artigo 527° n° 1 do C.P.C.).

Notifique.

    

5. Discordando do assim decidido, pelo A. foi interposto para a Relação de Lisboa o competente Recurso de Apelação, o qual foi julgado improcedente.


6. De novo inconformado, pelo A. foi interposto para este Supremo Tribunal Recurso de Revista excepcional, invocando como pressupostos de admissibilidade as alíneas a) e c), do n.º 1, do art. 672.º, do CPC.

Considerando a Formação, aludida no n.º 3, do art. 672.º, do citado Código, preenchido esse primeiro invocado pressuposto e, logo, prejudicada a apreciação do restante, sem mais admitiu essa interposta revista excepcional.


7. A encerrar a sua douta alegação, o A./Recorrente formulou as conclusões [omitindo-se as seis primeiras, por isso que respeitantes à –concedida - admissão da revista] seguintes:

7. Mantendo-se os iguais os fundamentos do presente recurso de revista em relação ao recurso de apelação (do qual se recorre), entende o Autor que, para o efeito e salvo melhor entendimento, relevam os seguintes factos:

-     por douto despacho de 8 de Janeiro de 2016 foi declarada cessada a suspensão da instância (instância que estava suspensa quase há dez anos) e foi designado o dia 17 de Outubro de 2016 para a realização da audiência prévia (despacho com a ref. N° 342418364);

-     em 8 de Julho de 2016, foram os Autores notificados, na pessoa do seu mandatário, do douto despacho, que antecede, por ofício com a ref. N° 355458413;

-     em 17 de Outubro de 2016 realizou-se a dita diligência processual;

-    nessa diligência, as partes requereram uma suspensão da instância por 60 dias;

-     tal suspensão da instância foi deferida.

-    depois da audiência prévia não houve nenhum outro movimento processual, quer do Tribunal, quer dos Autores, quer da Ré.

-    até que foi proferido pelo Tribunal recorrido o douto despacho a declarar deserta a instância, despacho esse com a ref. N°367403418,

-     o qual foi notificado aos ora recorrentes em 6 de Julho de 2017, por ofício com a ref. N° 367641036.

8.   A questão é igual à que já havia sido suscitada no recurso de apelação: tendo sido invocado no douto despacho do Tribunal de 1a Instância o disposto no n° 1 do art. 281° do CPC, importa ter presente que tal norma implica dois pressupostos: a falta de impulso processual por mais de seis meses pela parte que ao mesmo estava obrigada; a negligência da parte na omissão do referido impulso processual.

9.    Como decorre do CPC, na actual versão, o processo civil não mais é exclusivamente um processo de partes e, por isso, compete ao Juiz da causa "...dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção...", pelo que

10.   A omissão de impulso processual pelas partes tem de corresponder à omissão da prática de acto que inelutávelmente conduz à paragem do processo.

11.   Ou seja, a omissão do impulso processual tem de corresponder à omissão de acto processual pelas partes (neste caso, pelo Autor) que só elas e mais ninguém pode praticar.

12.   Sucede que no caso dos autos, decorrido que foi o prazo de suspensão da instância requerido por ambas as partes para obterem um acordo, nada impedia o M.° Juíz da causa de ordenar o prosseguimento dos autos, no caso de o Autor nada vir dizer aos autos.

13.   Perante o silêncio (falta de impulso processual) do Autor, o M.° Juiz da causa podia e devia, atento o que se encontra estabelecido no art. 6º do CPC, ordenar o prosseguimento dos autos ou ordenar o que decidir pelo que tivesse por conveniente.

14.   Impunha-se-lhe, até e atenta a referida norma do art. 6º do CPC, que ordenasse o prosseguimento dos autos, tanto mais que o Juiz da causa não está isento do dever de cooperação com as partes.

15.   E cooperar é intervir nos autos com vista a uma decisão justa sobre o mérito da causa - o processo não existe para si próprio, existe, sim, para a realização da justiça e o Juiz da causa deve servir esse propósito.

16.   O Juiz da causa não pode estar à espera de uma qualquer omissão das partes para remeter o processo para a deserção - a lei obriga-o a ser processualmente interventivo, com vista à realização da justiça, sobretudo depois de oito anos que o Autor pacientemente esperou por uma decisão do Tribunal.

17.   Assim, a omissão de impulso processual, consubstanciada no facto de o Autor, decorrido que foi o prazo de seis meses, nada ter vindo dizer ou requerer nos autos, não constitui omissão de impulso processual nos termos definidos e requeridos pelo n° 1 do art. 281° do CPC.

18.   Ao decidir pela deserção da instância, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 6º, n º 1, 7°e 281º, n°1, do CPC.

19.   Mesmo que assim se não entenda, sempre o Tribunal recorrido não podia declarar a deserção da instância, sem previamente averiguar e julgar se o Autor, ao não requerer o prosseguimento dos autos, agiu ou não agiu com negligência.

20.   É que a deserção na actual versão do CPC - que muitos equiparam à interrupção da instância prevista no CPC antes da última reforma - impõe que as partes sejam ouvidas antes de ser proferida a decisão sobre a deserção, atenta a gravidade das consequências decorrentes da deserção.

21.   A jurisprudência, mormente a invocada pelo Autor, considera ser obrigatória a audição das partes e a necessidade de se estabelecer um contraditório antes de ser proferida decisão pelo Tribunal da causa a respeito da deserção,

22.   O que não se verificou.

23.   O certo é que, a considerar-se que só competia ao Autor o impulso processual (o que não se aceita: competia ao Autor, mas não só...), não está provado que ocorreu negligência da sua parte, pelo que não podia, nem pode, declarar-se a deserção da instância por acto (ou melhor, por falta de acto) imputável ao Autor.

24.   Não está provada a negligência do Autor - e sem negligência não há fundamento para a deserção, pelo que foram violados os n°s 1 e 4 do art. 281° do CPC.

25.   O douto acórdão recorrido deve, pois, ser revogado em conformidade com o exposto, ou seja, que antes de ser proferido o despacho a que alude o n° 4 do art. 281° do CPC deve o Tribunal ouvir as partes para avaliar se a falta de impulso processual decorre ou não de comportamento negligente.

E assim conclui no sentido de dever o presente recurso ser julgado provado e procedente.


8. Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FACTOS

Os factos a ter em conta são aqueles já elencados supra em sede de relatório.


III – DIREITO


1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC[2], o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

    De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que o A. ultima as respectivas alegações, cuidemos das questões em tal contexto suscitadas.


2. Assim, começa o A./Recorrente por no caso dos autos, decorrido que foi o prazo de suspensão da instância requerido por ambas as partes para obterem um acordo, nada impedia o M.° Juiz, perante o seu [do Autor] silêncio (falta de impulso processual), de ordenar o prosseguimento dos autos; antes, até, este procedimento se lhe impunha, atenta a norma do art. 6.º, no sentido de que ele, Juiz, se acha adstrito ao dever de cooperação com as partes.

Por isso – acrescenta o Recorrente essa omissão de impulso processual de sua parte não constitui omissão de impulso processual nos termos definidos e requeridos pelo n.º 1, do art. 281.°, pelo que, ao diferentemente decidir, infringiu o despacho recorrido o disposto neste preceito, bem como nos arts. 6.º, n.º 1 e 7.º.

            Vejamos:

     Enfrentando esta mesma questão, no acórdão ora recorrido consignou-se o que segue:

- “[…] Isto dito, recorda-se que os presentes autos, já com um período de vigência que quer-se acreditar que não é normal (porque pendente já há mais de 10 anos, e ainda praticamente no seu inicio ) , e em sede de uma audiência prévia - em 17/10/2016 - e a solicitação de ambas as partes, foi suspenso , agora ao abrigo do disposto no art° 269°,n°1, alínea c), do CPC, e fixando-se desde logo - por força do disposto no art° 272°, n°3, do CPC - o prazo durante o qual a instância ficaria suspensa.

Podendo o Juiz titular dos autos, de imediato, ter fixado desde logo a data para a continuação da audiência prévia [em data posterior ao decurso do prazo da suspensão de 60 dias, e no pressuposto de que a nada viessem entretanto as partes informar/requerer no processo], certo é que nenhuma data foi fixada para a continuação da diligência, antes ficou assente/decidido que findo o prazo da suspensão, ficavam os autor a aguardar o impulso processual do Autor, nos termos do art° 281º, do CPC.

Ou seja, em razão do conteúdo do despacho proferido em 17/10/2016, ficou claro que após o prazo da suspensão, os autos ficavam parados - não designando o Tribunal uma qualquer data para o reatamento da audiência prévia, isto por um lado, e, por outro, cabia ao autor o ónus de vir ao processo despoletar o impulso processual.

Ainda do conteúdo do despacho proferido em 17/10/2016, decorre outrossim que, cabendo ao autor o ónus de vir ao processo despoletar o impulso processual, o silêncio/inércia do autor seria apreciado/julgado nos termos do art° 281°, do CPC. ou seja, durando por mais de seis meses, conduziria à deserção da instância.

No essencial, portanto, é inquestionável que, perante o conteúdo do despacho proferido em 17/10/2016, ficou claro e assente sobre a quem cabia o impulso processual, se às partes (ou o autor), se ao próprio tribunal, e, por oura banda, ficaram outrossim as partes cientes/alertadas desde logo de quais as consequências (o da deserção da instância, qual cominação) de nada requererem após o decurso do prazo de suspensão.”

E estas considerações plasmadas, concluiu o Mm.º Juiz dizendo que “[…] revelam-se inatendíveis as conclusões recursórias do apelante na parte em que sustenta que, perante o seu silêncio (falta de impulso processual), podia e devia o M.° Juiz da causa , atento o que se encontra estabelecido no art. 6. do CPC, ordenar o prosseguimento dos autos ou ordenar o que decidir pelo que tivesse por conveniente.


Pois bem, vertida que fica toda esta douta argumentação, não vemos, salvo o muito respeito, como não sufragar plenamente a mesma, não se patenteie ela, no seu escorreito e lógico-dedutivo desenvolvimento, de irrefutável e convincente vigor.

E por isso nada de verdadeiramente inovatório se afigura ora de acrescentar, como tal se justificando, segundo cremos, o simples reporte para essa mesma argumentação, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 679.º e 663.º, n.º 5, dando aqui o seu teor por integralmente reproduzido. Sem que no entanto se deixe de acrescentar que ‑ como vem sendo reiteradamente salientado [3] ‑, o dever de gestão processual que nos termos do art. 6.º, recai sobre o Julgador, não deixa de ter como incontornável pressuposto o ónus do impulso processual que, por sua vez, às partes é também “ex lege” reclamado.

“In casu”, é certo que o impulso processual cometido ao A./Recorrente não o foi ao abrigo ou directa observância de especificada disposição legal, mas mediante despacho judicial. Sem embargo, menos verdade não é que este despacho foi proferido em estrita conformidade com a lei, tudo se passando pois, ao fim e ao resto, como se fosse dimanada desta fonte injuntiva tal determinação.

            Assim sendo, como se nos afigura, estava o A. irremissivelmente vinculado a cumprir esta determinação, não havendo lugar – leia-se, “obrigação“ – a qualquer substitutiva intervenção por parte do Exm.º Juiz, fazendo actuar o princípio da cooperação, ante a ausência de impulso por parte daquele. Impulso – insista-se – que, assim, apenas e só a ele competia.

      Como avançámos, a vertente objecção recursória queda-se, pois, improcedente.


3. Sustenta também o A./Recorrente que mesmo que se não entenda – a exemplo do que, como acabamos de ver, ocorre connosco - que ele, A./Recorrente, não omitiu qualquer impulso processual, sempre o Tribunal não podia declarar a deserção da instância, sem previamente averiguar e julgar se, ao não requerer o prosseguimento dos autos, ele agiu ou não agiu com negligência.

Na verdade – prossegue - a deserção na actual versão do CPC – que, mais diz, muitos equiparam à interrupção da instância prevista no CPC antes da última reforma - impõe que as partes sejam ouvidas antes de ser proferida a decisão sobre a deserção, atenta a gravidade das consequências decorrentes desta situação.

Assim – acrescenta para concluir - não se mostra provado que ocorreu negligência da sua parte, pelo que não podia, nem pode, declarar-se a deserção da instância por acto - ou melhor, falta dele - imputável a si, A./Recorrente.

       De novo – e uma vez mais antecipando -, diremos não estar de acordo com este entendimento, na consideração - que novamente se nos apresenta forçosa -, da bondade e razão que, contrapostamente, assistem ao acórdão ora sob censura.

     Com efeito, temos por totalmente certeira a sua judiciosa fundamentação quando, a respeito da ora enfocada questão, e na imediata sequência do término do extrato vazado sob antecedente “item” 2., se expressa o que passa a transcrever-se:

  - […] Do mesmo modo, e ficando desde as partes alertadas/avisadas para a cominação — deserção da instância — que adviria da respectiva inércia em vir aos autos requerer o seu prosseguimento - porque não alcançado o acordo - , não existia outrossim qualquer pertinência de, antes da prolação da decisão recorrida, determinar o tribunal a notificação de ambas as partes - de modo a cumprir o princípio do contraditório - para se pronunciarem sobre a referida matéria.

É que, como se decidiu em Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 14-06-2016 (6)[4] [ e socorrendo-se de Paulo Ramos de Faria (7)[5]], "O despacho a decretar a deserção da instância por força da aplicação de tal preceito não tem que ser, obrigatoriamente, precedido da audição prévia das partes nos casos em que, em algum momento nos autos, as mesmas tenham sido alertadas para as consequências da omissão do impulso processual pelo prazo de deserção.

De resto, como tem recentemente o STJ vindo a entender de forma consensual (8)[6] , não apenas a negligência a que se refere o n° 1 do art. 281° do CPC, não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objectiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente ), e que só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo, como, ademais, Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual ".

Destarte, inevitável é a improcedência da/s conclusão/s do Recorrente, impondo-se portanto a confirmação da decisão recorrida.”

     Frente a esta explanação, e ponderando os fundamentos seja doutrinário, seja jurisprudenciais, nela expendidos – neste último caso com particular saliência para os que radicam a sua proveniência neste Tribunal Supremo -, temos, pois, como totalmente insubsistente essa linha argumentativa do aqui Recorrente.

Mormente – anote-se - quando pretende que, dada a não verificação da sua prévia audição, nunca o seu omissivo comportamento – que sabemos agora dele, e só dele, exigível -, seria ou é susceptível de consubstanciar negligente falta de impulso processual de sua parte, a fazer desencadear, como ocorreu, a cominação prevista no n,º 1, do art. 281.º [7].

De tal sorte, e uma vez mais se nos impondo, em ordem, outrossim, a obviar a inúteis e despiciendos desenvolvimentos, remeter para essa douta explanação, uma última nota tão só no sentido de ressaltar da concorrência doutrinária de outros e diversos arestos, inequívoca e amplamente militando em conforto da mesma.

Como sejam, além do acima referenciado Ac. da R.L. de 4.11.2015, também o Acórdão desta Relação de 15.10.2015[8], e, bem assim, o Ac. da R.C de 6.07.2016[9], este na sua impressiva “sentença” proclamando que “[a] deserção da instância prescinde de qualquer juízo de culpa, equivalendo à “negligência” exigida pelo art. 281.º do CPC à mera imputabilidade à parte, e não a terceiro, da paragem do processo.”

Nestes termos, pois, e em suma, surgindo também quanto ao aspecto em presença o douto acórdão imerecedor de qualquer negativo reparo, sem mais finda-se com a seguinte


IV – DECISÃO

Por tudo o que exposto fica, nega-se a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo A./Recorrente.

                                                           *

                                                           *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 05 de Julho de 2018


Helder Almeida (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

_______

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.ª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e
              Exm.º Conselheiro Salazar Casanova.
[2] Aqui aplicável por força do disposto no n.º 1, do art. 7.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e ao qual respeitam os demais preceitos doravante a citar sem menção de proveniência.
[3] Cfr. Acs. da R.L: de 15.01.2015, Proc. n.º 2998/03.8TCSNT.L1-6, e de 4.11.2015, Proc. n.º 1928/12.0TTLSB.L1-4, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[4] Como se elucida nesta inscrita nota (6), proferido no Proc. n.º 1390/10.2TJPRT.P1, e acessível in dgsi.pt.
[5] Elucida-se nesta, que no estudo “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa – Breve Roteiro Jurisprudencial”, in Rev. Julgar on line – 2015.
[6]
[7] A propósito, e infirmando, de plano, este defensivo argumentário por parte do A./Recorrente, surge de relevo verter aqui um passo da síntese conclusiva do predito Acórdão deste S.T.J. de 14.12.2016, tal referindo que “ [c]onsiderando que a deserção da instância “per se” não implica a perda do direito de ação, considerando que o prazo de seis meses é um prazo suficientemente amplo para que os interessados possam ter conhecimento da ação suspensa e exercer, querendo, os seus direitos processuais, considerando ainda que, mesmo em caso de inércia a impor decisão que declare a deserção da instância, salvo fica sempre o justo impedimento, não se justifica interpretação corretiva da lei no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses e antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância. [sublinhados nossos].
[8] Proferido no Proc. n.º 20-11.0TBALM.L1.8, e acessível in dgsi.pt.
[9]