Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6/08.1TTPTG.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE AVENÇA
CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que a autora, na execução da sua actividade, estava sujeita à autoridade e direcção do réu, verificando-se uma relação de dependência da conduta da trabalhadora na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pelo empregador, é de concluir que a relação contratual entre eles estabelecida como contrato de avença preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, nos contratos de execução continuada, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução assumida, efectivamente, pelas partes.

2. A relação contratual estabelecida entre a autora e o empregador, que as instâncias qualificaram como contrato de trabalho, está ferida de nulidade, porque ajustada fora das situações legalmente previstas, em violação dos artigos 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, normas de inquestionável natureza imperativa.

3. Tendo-se concluído que a relação contratual estabelecida entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, não tem aplicação, no caso sujeito, o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 19 de Dezembro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Portalegre, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra o ESTADO PORTUGUÊS (Ministério da Justiça), pedindo que, declarado (i) «que a relação contratual estabelecida entre as partes consubstancia um contrato de trabalho», (ii) «que tal contrato, não obstante estar ferido de nulidade, produz efeitos como se fosse válido, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução», (iii) «que aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho se aplicam as normas sobre cessação do contrato», (iv) e «que a sua cessação, por declaração unilateral do Réu, tem os efeitos de um despedimento ilícito», (iv) o réu fosse condenado a pagar-lhe: a) as retribuições correspondentes a subsídio de férias e de Natal não pagas, no valor de € 12.469,90; b) a quantia de € 1.870,96, relativa ao período correspondente à licença por maternidade que não gozou, por força da cessação do contrato; c) uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade; d) o ressarcimento dos danos não patrimoniais, no valor de € 10.000; e) as retribuições que deixou de auferir, desde a data da cessação do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare que tal cessação tem os efeitos de um despedimento; f) juros legais, desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, em suma, que, em 7 de Janeiro de 2002, celebrou com o Instituto de Reinserção Social (actualmente, Direcção-Geral de Reinserção Social) um contrato de prestação de serviços em regime de avença, o qual, após sucessivas prorrogações, vigorou até 31 de Dezembro de 2006, data a partir da qual o réu operou a respectiva cessação, mediante comunicação datada de 16 de Outubro de 2006, sendo que, pese embora a designação adoptada, atenta a forma de execução, a relação estabelecida deve ser considerada como um contrato de trabalho, embora ferido de nulidade, daí que se tenha verificado um despedimento ilícito, com todas as consequências legais.

O réu contestou, excepcionando a incompetência do tribunal, em razão da matéria, por entender que o contrato em causa tem natureza administrativa e que a sua apreciação e interpretação compete aos tribunais administrativos; mas, ainda que assim não fosse, sempre competiria ao tribunal cível conhecer do pedido fundado em alegado incumprimento de um contrato de prestação de serviços; por impugnação, aduziu que a execução do contrato celebrado não ocorreu da forma alegada e, mesmo que se configurasse um contrato de trabalho, este carecia de autorização por parte do Ministério das Finanças, o que sempre determinaria a sua invalidade.

A autora respondeu, reafirmando que o contrato em causa é um contrato de trabalho e, como tal, o tribunal do trabalho é o competente para dirimir o litígio.

Após a realização do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando que a relação contratual estabelecida entre a autora e o réu tem a natureza de um contrato de trabalho, que, não obstante ferido de nulidade, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução e que aos factos extintivos do mesmo, antes da declaração da sua nulidade ou anulação, se aplicam as normas sobre a cessação do contrato de trabalho, tendo condenado o réu a pagar à autora € 29.678,36, a título de subsídios de férias e de Natal, diferença de licença por maternidade, indemnização e compensação, com juros, contados à taxa legal, desde 21 de Dezembro de 2007 e até integral pagamento.

2. Inconformado, o réu apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a sentença recorrida, sendo contra esta decisão do Tribunal da Relação que o réu agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

«I – Contrariamente ao doutamente decidido pelas instâncias, entendemos que não estamos perante um contrato de trabalho, mas sim de prestação de serviç[o], em virtude da actividade da trabalhadora (psicóloga);
II – Não se extrai da matéria de facto assente que a A. elaborasse as avaliações psicológicas em obediência a ordens emanadas da sua superiora hierárquica, mas sim com autonomia técnica, derivada dos seus conhecimentos técnicos e intelectuais;
III – A recorrida foi contratada pelo Instituto de Reinserção Social através de uma carta/convite para prestação de serviços de técnico superior, convite que a mesma aceitou, com prestação de serviços;
IV – A entender-se que estamos perante um contrato de trabalho, o mesmo tem de declarar--se nulo, por força do disposto no n.º 6 do art. 10.º do DL 184/89, de 2 de Junho;
V – Não podendo ser reconhecidos à recorrida, por efeito da nulidade, quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato,
VI – Pelo que o douto Acórdão recorrido violou o regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 184/89, designadamente o disposto no seu art. 10.º;
VII – Termos em que deve ser concedida a revista, julgando a presente acção improcedente.»

A recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

– Se a relação jurídica estruturada pelas partes como contrato de prestação de serviço em regime de avença se desenvolveu nesses precisos termos, ou se, pelo contrário, a configuração que realmente assumiu impõe que seja qualificada como contrato de trabalho [conclusões I) a III) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
– Se, configurando-se um contrato de trabalho, o mesmo é nulo, por força do disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, não podendo ser reconhecidos à recorrida, por efeito da nulidade, quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato [conclusões IV) a VI) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

a) A autora é licenciada em psicologia;
b) Em 7/1/2002, a autora e o então IRS – Instituto de Reinserção Social celebraram um acordo, que designaram por «contrato de prestação de serviços em regime de avença» onde fizeram constar, além do mais, as seguintes cláusulas:
1.ª Objecto do contrato — O primeiro outorgante (IRS) contrata o segundo outorgante (autora) para desenvolvimento da actividade de psicólogo, designadamente elaboração de perícias de personalidade, diagnóstico de competências sociais dos utentes e desenvolvimento de projectos nessas áreas;
2.ª Local — Fica o segundo outorgante obrigado a prestar os seus serviços na Equipa de Portalegre;
3.ª Remuneração — Como contrapartida do serviço prestado pelo segundo outorgante no âmbito deste contrato, será paga a remuneração certa mensal de Esc. 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos) ou euros 1.246,99 (mil duzentos e quarenta e seis euros e noventa e nove cêntimos), acrescidos de IVA, se a ele houver lugar;
4.ª Vigência — O presente contrato produz efeitos a partir da data de outorga do presente contrato e do início da prestação do serviço e vigorará pelo período de um ano, considerando-se tacitamente prorrogado por iguais períodos, podendo ser denunciado por qualquer das partes, com aviso prévio de sessenta dias e sem obrigação de indemnizar;
5.ª Vínculo — O presente contrato não implica para o segundo outorgante qualquer subordinação jurídica, nem confere a qualidade de agente;
c) O contrato supra referido vigorou, sem interrupção, até 31/12/06;
d) A remuneração a que se reporta a cláusula 3.ª do contrato foi paga à autora 12 vezes por ano, incluindo os períodos em que se encontrava de férias;
e) Na nota de abonos e descontos referente ao mês de Novembro de 2006, a autora foi identificada como funcionária 2665 e referida como técnico superior de 2.ª classe;
f) A autora exerceu funções equiparadas às de técnica superior de reinserção social;
g) No âmbito de tais funções, cabia à autora a realização de perícias sobre a personalidade e avaliações psicológicas, acompanhamentos no âmbito da Lei Tutelar Educativa e dos casos de incumprimento do exercício do poder paternal e avaliações das condições socioeconómicas no âmbito tutelar cível;
h) O local de trabalho da autora foi no 1.º andar da Rua ..., n.º ..., em Portalegre, local onde funcionava a equipa de Portalegre do Instituto de Reinserção Social;
i) A autora tinha aí um gabinete com uma secretária para seu uso exclusivo;
j) Aí se encontrava a documentação necessária ao exercício da actividade da autora, designadamente Manuais de Procedimento do IRS, códigos e legislação avulsa;
l) No exercício das suas tarefas, a autora utilizava material e equipamento do IRS, designadamente papel, computador, fotocopiadora, lápis, borrachas e esferográficas;
m) Os relatórios elaborados pela autora eram impressos em formulários pré--impressos em papel timbrado do IRS;
n) A autora exercia as suas funções entre as 9,00 horas e as 12,30 horas e as 14 horas e as 17,30 horas;
o) A autora, por vezes, exercia a sua actividade em Elvas, Évora e Setúbal, prestando apoio a outras unidades do IRS, já que este não possuía técnicos superiores de reinserção social licenciados em psicologia em número suficiente para exercerem as funções contratadas com a autora;
p) As deslocações efectuadas pela autora eram ordenadas pelo IRS;
q) Os veículos utilizados nas deslocações em serviço externo eram veículos do IRS conduzidos por funcionários deste;
r) No âmbito da sua actividade, a autora preparava os relatórios relativos às perícias e avaliações efectuadas;
s) Esses relatórios eram apresentados à coordenadora da equipa, BB, em papel de rascunho;
t) Tais relatórios podiam sofrer alterações por parte da coordenadora;
u) Só após a validação dos relatórios pela coordenadora é que estes eram passados a forma final;
v) Os relatórios preparados pela autora tinham na última página a assinatura da coordenadora por baixo da expressão «Visto – A Coordenadora»;
x) Os critérios de avaliação que a autora devia aplicar na execução das suas tarefas eram definidos pelo IRS;
z) Era a coordenadora quem distribuía o serviço à autora;
aa) A autora estava adstrita ao cumprimento dos prazos que lhe eram fixados;
ab) Vigoravam para todos os técnicos e para todo o território nacional os mesmos Manuais de Procedimentos;
ac) A autora frequentou duas acções de formação técnica relativa a alterações de Orientações Metodológicas constantes dos Manuais de Procedimentos, as quais decorreram em Lisboa e Faro;
ad) Após tais acções de formação, e numa fase inicial, os relatórios elaborados pela autora eram enviados para o DCAT – Departamento de Coordenação e Apoio Técnico e aí apreciados pela equipa de supervisão;
ae) A autora era convocada para estar presente em reuniões de trabalho, para as quais eram também convocados outros técnicos, pertencentes ao quadro, onde superiores hierárquicos transmitiam conhecimentos e davam orientações práticas;
af) A data e o local de tais reuniões eram determinados pela Direcção Regional do Sul do IRS, da qual a equipa de Portalegre estava dependente;
ag) Tais reuniões tiveram lugar nas instalações do IRS em Lisboa e em Faro;
ah) A autora quando faltava ao serviço comunicava à coordenadora;
ai) As faltas dadas eram descontadas em dias de férias;
aj) Durante o tempo que prestou trabalho para o IRS, a autora gozou férias;
al) A autora, enquanto ao serviço do IRS, trabalhou algumas horas em acções de formação profissional, dadas em horário pós-laboral, sem para o efeito haver pedido qualquer autorização;
am) Com data de 16/10/2006, o réu comunicou à autora que o contrato, referido em b), «foi considerado desnecessário, cessando em 31 de Dezembro» desse ano;
an) Com base na consideração respeitosa pelos serviços prestados e para evitar eventuais surpresas com a fria comunicação por escrito, a autora foi informada, por telefone, pelo Director Regional do Sul do IRS, em finais de Setembro de 2006, que iria terminar o contrato;
ao) Em finais de Setembro de 2006, a autora encontrava-se grávida;
ap) A autora tinha tido problemas com gravidezes anteriores;
aq) O filho da autora nasceu em 12/10/06;
ar) A autora gozou licença por maternidade entre 12/10/06 e 31/12/07;
as) A cessação do contrato provocou na autora sentimentos de desânimo, ansiedade e angústia;
at) A autora para fazer face às despesas do seu agregado familiar, recorreu a um empréstimo de pessoa amiga;
au) No âmbito do contrato, referido em b), a elaboração de perícias de personalidade e o diagnóstico de competências dos utentes, elaborados pela autora, resultavam respectivamente de exames realizados e inquéritos sociais elaborados por determinação de entidades competentes, entre os quais os tribunais;
av) A coordenadora endereçava as solicitações às técnicas em função do objectivo pretendido;
ax) A autora não possuía, porque não lhe era concedido, quer o cartão de identificação de funcionária, quer o cartão de livre-trânsito, uma prerrogativa dos funcionários;
az) Também não assinava o «Livro de Ponto» para confirmar a sua assiduidade e/ou pontualidade, o que era exigido aos funcionários.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. O acórdão recorrido, na linha do entendimento acolhido na sentença do tribunal de primeira instância, concluiu pela existência de um verdadeiro contrato de trabalho entre as partes, «já que o trabalho da Autora se processava com sujeição à autoridade e direcção do Réu, ou à hierarquia por este estabelecida».

O réu discorda, alegando que não se configura um contrato de trabalho, mas sim de prestação de serviço, «em virtude da actividade da trabalhadora (psicóloga)», e que não se extraía da matéria de facto assente «que a A. elaborasse as avaliações psicológicas em obediência a ordens emanadas da sua superiora hierárquica, mas sim com autonomia técnica, derivada dos seus conhecimentos técnicos e intelectuais», acrescentando que a recorrida «foi contratada pelo Instituto de Reinserção Social através de uma carta/convite para prestação de serviços de técnico superior, convite que a mesma aceitou, com prestação de serviços».

Discutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre a autora e o réu, desde 7 de Janeiro de 2002 até 31 de Dezembro de 2006, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos dessa relação, aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, não tendo aqui aplicação a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).

O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que se traduz numa valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, donde, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, em 1 de Dezembro de 2003 (cf., sobre esta matéria, os Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 1426/08, da 4.ª Secção).

2.1. Os contratos referidos têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 1152.º do Código Civil, cuja expressão literal viria a ser reproduzida no artigo 1.º da LCT, «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, «contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez, porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Pode, portanto, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza fundamentalmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto que na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, na redacção dada pelos Decretos-Leis n.os 248/85, de 15 de Julho, 299/85, de 29 de Julho, 215/87, de 29 de Maio, 427/89, de 27 de Dezembro, e 497/99, de 19 de Novembro, pela Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de Agosto, que previa a disciplina jurídica dos contratos de tarefa e avença na administração central, o qual, entretanto, foi revogado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, estatuía no respectivo artigo 17.º que «[o]s serviços e organismos poderão celebrar contratos de tarefa e de avença sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços» (n.º 1), caracterizando-se o contrato de avença «por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença» (n.º 3), sendo os serviços prestados em regime de contrato de avença «objecto de remuneração certa mensal» (n.º 4).
Note-se que, nos termos daquele artigo 17.º, o contrato de avença, «mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, pode ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar» e não confere ao particular outorgante a qualidade de agente (n.os 5 e 6).

2.2. A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente do poder de direcção que a lei confere ao empregador (n.º 1 do artigo 39.º da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT].

Porém, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal, como acontece com o exercício da actividade do médico, do engenheiro, do advogado.

A este propósito, afirmou-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Novembro de 1994, proferido no Processo n.º 4090 (Acórdãos Doutrinais, n.º 399, p. 363), «[a] dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nessas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho — local, horário, número de clientes, etc. A subordinação jurídica pode, assim, respeitar apenas à organização da actividade laboral, não obstante englobar também o poder de determinar a função do trabalhador, já que cabe ao empregador a distribuição do posto de trabalho segundo o organigrama da empresa e as necessidades desta. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a possibilidade de ordens e direcção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a actividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.»

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Saliente-se, por último, que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade, demonstrando que se integrou na estrutura organizativa do empregador.
2.3. No caso, está provado que a autora é licenciada em psicologia e que, em 7 de Janeiro de 2002, o então IRS – Instituto de Reinserção Social a contratou «para desenvolvimento da actividade de psicólogo, designadamente elaboração de perícias de personalidade, diagnóstico de competências sociais dos utentes e desenvolvimento de projectos nessas áreas», na Equipa de Portalegre [factos provados a), b), g) e au)].

Também ficou demonstrado que a autora prestava essa actividade em local definido pelo empregador [factos provados h), o), p), q), ac) e ag)], o qual controlava o modo de prestação da actividade laboral e lhe dava ordens [factos provados r) a ab) e ad) a af)], que os instrumentos de trabalho pertenciam ao réu [factos provados i) a m)] e que a autora cumpria um horário de trabalho e comunicava as faltas [factos provados n), ah) e ai)], auferindo uma remuneração mensal certa [facto provado b)].

O que tudo conjugado aponta no sentido de que a autora, na execução da sua actividade, estava sujeito às ordens, instruções e direcção do réu, verificando-se uma relação de dependência da conduta do trabalhador na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pelo empregador, impondo-se concluir que a relação contratual entre eles estabelecida preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, nos contratos por tempo indeterminado, como é o caso, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectivamente assumida.

Tal como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Março de 2007, Processo n.º 42/07, 4.ª Secção, «o nomen juris não é decisivo na qualificação da relação jurídica, que deverá antes ser estabelecida em função de elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato, sendo que esse, como outros elementos formais da relação de trabalho subordinado (como sucede em matéria de regime fiscal, retributivo ou de segurança social), são muitas vezes definidos por meras razões de conveniência e não representam um suporte declarativo inequívoco no sentido da escolha de um certo tipo contratual».
E não se diga que «não estamos perante um contrato de trabalho, mas sim de prestação de serviços, em virtude da actividade da trabalhadora (psicóloga)», já que a actividade profissional de psicóloga tanto pode ser exercida em regime de contrato de prestação de serviço, como em regime de contrato de trabalho subordinado.

E também não assume relevo jurídico significativo a circunstância de se ter provado que «[a] autora não possuía, porque não lhe era concedido, quer o cartão de identificação de funcionária, quer o cartão de livre trânsito, uma prerrogativa dos funcionários» e que «[t]ambém não assinava o “Livro de Ponto” para confirmar a sua assiduidade e/ou pontualidade, o que era exigido aos funcionários» [factos provados ax) e az)], porquanto tais procedimentos decorriam, naturalmente, da configuração que o réu pretendia dar à relação jurídica como contrato de avença.

Nesta conformidade, o conjunto dos factos provados quanto ao modo como o contrato foi efectivamente executado indica que a relação material estabelecida entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, pelo que improcedem as conclusões I) a III) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

3. O réu sustenta, por outro lado, que, caso se entenda «que estamos perante um contrato de trabalho, o mesmo tem de declarar-se nulo, por força do disposto no n.º 6 do art. 10.º do DL 184/89, de 2 de Junho», «[n]ão podendo ser reconhecidos à recorrida, por efeito da nulidade, quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato».

Por seu turno, as instâncias convergiram no entendimento de que o contrato de trabalho firmado entre as partes era nulo, por violar o regime de contratação de pessoal na Administração Pública, estabelecido no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, objecto de sucessivas alterações e revogado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, mas que, apesar de nulo, produzia efeitos, como se fosse válido, em relação ao tempo em que esteve em execução e relativamente aos efeitos dos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade, isto nos termos dos artigos 115.º e 116.º do Código do Trabalho de 2003.

3.1. O Decreto-Lei n.º 427/89 regulamentou os princípios a que obedecia a relação jurídica de emprego na Administração Pública e foi emitido pelo Governo em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (alterado pelas Leis n.os 30-C/92, de 28 de Dezembro, 25/98, de 26 de Maio, 10/2004, de 22 de Março, e 23/2004, de 22 de Junho, revogado, entretanto, pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), diploma que aprovou os princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal da função pública.

Segundo o regime do Decreto-Lei n.º 427/89, na redacção anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que é, no caso vertente, a aplicável, a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (artigo 3.º), sendo certo que o contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º], tendo ficado vedada aos serviços, organismos e pessoas colectivas submetidos ao dito regime jurídico a possibilidade de constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas naquele artigo 14.º (artigo 43.º).

Apresenta-se, pois, como inquestionável a proibição da celebração por parte do réu de contratos de trabalho por tempo indeterminado, nos termos dos conjugados artigos 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.

Tal proibição é absoluta, englobando, por isso, a contratação tácita, a contratação originária e a contratação por conversão, dado que os interesses públicos subjacentes a tal proibição são os mesmos, e dúvidas não pode haver também de que os interesses públicos prosseguidos conferem às sobreditas normas uma natureza imperativa, acarretando a nulidade dos contratos celebrados com violação daquelas normas, conforme resulta do preceituado no artigo 294.º do Código Civil, sendo que o artigo 286.º do mesmo Código prevê que «[a] nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal».

Deste modo, a relação contratual estabelecida entre a autora e o réu, que as instâncias qualificaram como contrato de trabalho subordinado, está ferida de nulidade, porque ajustada fora das situações legalmente previstas, em violação do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, normas de inquestionável natureza imperativa.

3.2. Decidida a qualificação do contrato como laboral e estando afirmada a sua nulidade, há que atender aos preceitos que estabelecem o regime específico da invalidade do contrato de trabalho.

Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho, ocorrida em 31 de Dezembro de 2006, portanto, em data posterior à da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se, no caso sujeito, o regime jurídico estipulado no Código do Trabalho de 2003.

O n.º 1 do artigo 115.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, preceitua que «[o] contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução».

Isto é, nos termos do transcrito normativo, a declaração de nulidade não tem efeito retroactivo, se o contrato foi executado, nem determina a emergência da obrigação de restituição recíproca do recebido.

Portanto, no apontado regime específico, a nulidade só opera para o futuro.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 116.º, «[a]os factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato».

Ou seja, a regra de que o contrato de trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado.

Tudo para concluir que à cessação unilateral do contrato por iniciativa do réu, antes da declaração oficiosa da sua nulidade, aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.

Ora, resulta dos factos provados am) e an), respectivamente, «[c]om data de 16/10/2006, o réu comunicou à autora que o contrato, referido em b), foi considerado desnecessário, cessando em 31 de Dezembro» e que «[c]om base na consideração respeitosa pelos serviços prestados e para evitar eventuais surpresas com a fria comunicação por escrito, a autora foi informada, por telefone, pelo Director Regional do Sul do IRS, em finais de Setembro de 2006, que iria terminar o contrato».

Assim, o réu fez cessar unilateralmente a relação laboral estabelecida com a autora, sem precedência de processo disciplinar, pelo que, nos termos do disposto no artigo 429.º, alínea a), tal comportamento representa um tipo de despedimento ilícito.

Cessando, desta forma, a relação laboral, a autora tem direito a receber, nos termos definidos pelas instâncias, salários intercalares e indemnização substitutiva da reintegração.

3.3. É certo que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, determina que «[s]ão nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução» (n.º 6) e prevê um regime específico destinado a sancionar a celebração de contratos de prestação de serviços fora do regime legalmente instituído, fazendo recair sobre os dirigentes que os celebrem ou autorizem, a responsabilidade civil e disciplinar pela prática de actos ilícitos, bem como a responsabilidade financeira, que se efectiva através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado (n.os 7 e 8).

Acresce que o acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Novembro de 2006, proferido no Processo n.º 1544/06, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, como documento n.º SJ200611080015444, decidiu que, em consequência da declaração de nulidade do contrato de prestação de serviço firmado por parte da Administração, «o trabalhador não pode reclamar quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que se não compreendam no quadro jurídico do contrato efectivamente celebrado, do mesmo modo que não pode exigir quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato, que pudessem derivar da diversa qualificação jurídica atribuível à relação contratual», sendo que «[a] única sanção estabelecida para a indevida celebração de contratos de prestação de serviços, por parte da Administração, é a prevista nos n.os 6 e 7 do citado artigo 10.º, que faz recair sobre os dirigentes que celebrem ou autorizem a celebração desses contratos a responsabilidade civil e disciplinar pela prática dos actos ilícitos, com a consequente cessação da respectiva comissão de serviço, bem como a correspondente responsabilidade financeira, efectivada através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado».

Todavia, esta orientação jurisprudencial foi, entretanto, abandonada.
Conforme é afirmado no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Setembro de 2009, Processo n.º 4646/06.5TTLSB.L1.S., da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, «não se afigura que deva ser objecto de cobrança de aplicação ao caso o dispositivo constante do n.º 6 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, em termos de ser interpretado no sentido de os efeitos do contrato celebrado entre as partes, uma vez declarado ele nulo, se haverem de ter como válidos relativamente ao tempo em que esse contrato esteve em execução, mas reportados à espécie contratual que deflui do nomen nele aposto, pois que, em verdade, o que se passou foi a celebração, desde o início, de um contrato de trabalho entre a autora e o réu».

De facto, tendo-se concluído que a relação contratual estabelecida entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, não tem aplicação, no caso sujeito, o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, pelo que improcedem as conclusões IV) a VI) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo do réu/recorrente.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2009

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra