Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1219/11.4TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: TERRAÇOS
USO PARA FIM DIVERSO
DIREITO AO REPOUSO
RUÍDO
CONFLITO DE DIREITOS
DIREITOS DE PERSONALIDADE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PROVA PLENA
Data do Acordão: 03/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DE PERSONALIDADE / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / PRODUÇÃO DE RUÍDOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - DIREITOS E DEVERES SOCIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais segundo Lições do Prof. Mota Pinto, p. 244.
- Antunes Varela, R.L.J., 114º, 75.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, volume I, 4.ª edição, 2007, p. 454.
- Pessoa Jorge, Pressupostos de Responsabilidade Civil, p. 201.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. III, 2ª edição, pp. 94, 95, 379.
- Rabindranath Capelo de Sousa, A Constituição e os Direitos de Personalidade - Estudos Sobre a Constituição, Vol. 2.°, Lisboa, 1978, p. 93 e ss.; O Direito Geral de Personalidade, pp. 104,117.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 335.º, N.ºS 1 E 2, 483.º, 1305.º, 1346.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) /2013: - ARTIGOS 425.º, 651.º N.º 1, 682.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 25.º, N.º1, 66.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 16-5-2000, C.J., 2000, 3.º, 16.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 9-1-1996, BMJ 453, 417;
-DE 17-1-2002, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 15-3-2007;
-DE 7-4-2011, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 29-4-2014,IN SUMÁRIOS DO S.T.J., DISPONÍVEIS EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
I - Refere o 425.º do NCPC (2013) que as partes só poderão juntar os documentos após o encerramento da discussão em 1.ª instância, no caso de recurso, cuja junção não tenha sido possível até aquele momento. Acrescenta o art. 651.º n.º 1 do mesmo diploma que as partes apenas poderão juntar documentos com as alegações de recurso, nas situações excepcionais referidas no art. 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, situações que não ocorrem no caso, razão por que foi certa a posição assumida pelo acórdão recorrido.

II - Face à factualidade assente, é-nos absolutamente impossível fazer um juízo sobre a legalidade ou ilegalidade administrativa do terraço. Quanto aos documentos invocados em favor da sua tese, não se tratando de prova vinculada e constituindo meros elementos probatórios (a analisar pelas instâncias), a apreciação deles por este Supremo resulta destituída de sentido.

III - A utilização do terraço como esplanada pela 2.ª ré constitui um uso anormal e anómalo da cobertura de um prédio, o que leva a que os proprietários do prédio vizinho, com êxito, logrem obter do tribunal, nos termos do art. 1346.º do CC, uma decisão tendente a fazer cessar esses ruídos e demais perturbações de sossego e recato.

IV - O direito ao repouso, descanso e saúde dos M. (enquanto direito de personalidade), têm um valor superior ao direito de propriedade da ré e ao direito (económico) de exercer e explorar uma actividade e dever, por isso, prevalecer sobres estes últimos. Tal não significa que não se deva procurar uma solução de compromisso e consequentemente, sempre que possível, se deva tentar conciliar esses direitos.

V - Se bem que se entenda que o espaço em questão, pelas razões ditas, não deva, nem possa, ser usado como esplanada nos termos referidos no acórdão, já a proibição de acesso à cobertura do prédio, ou seja, ao terraço, para aí se usufruir de vistas e outras utilidades não se justifica. Esta utilização além de não ser anómala (é normal que num prédio habitacional os moradores tenham acesso à sua cobertura retirando dessa entrada as correspondentes utilidades), não se vê que seja susceptível de causar aos autores incómodos e perturbações do sossego e muito menos de forma relevante.
Decisão Texto Integral:
             

             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                        1-1- AA S.A., BB e CC, instauraram acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, contra a DD e EE, Lda., pedindo a condenação das RR. a absterem-se de aceder e utilizar a cobertura superior do prédio sito na Rua … nº… em Lisboa e remover o corrimão, os cinzeiros , os chapéus de sol e os pontos de luz, a pagar-lhes a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da injunção anterior a título de sanção pecuniária compulsória, a pagar aos 2º e 3ª AA. a título de indemnização a quantia de € 35.000,00 por danos não patrimoniais sofridos e a pagar à 1ª A. indemnização por conta dos danos patrimoniais sofridos inerentes à desvalorização do imóvel sito na Rua do … nº … em Lisboa, a liquidar em execução de sentença , mas que se estima em valor não inferior a € 50.000,00 , como consequência directa da utilização da cobertura superior pelas RR.

   Fundamentam este pedido alegando, em síntese, a sociedade A. é dona do imóvel que identifica, um palacete de construção pombalina, integrado numa zona habitacional e histórica da cidade de Lisboa, e serem os 2º e 3º AA. os utilizadores de tal imóvel há mais de 20 anos, sendo aí que instalaram a sua residência. Contíguo ao seu prédio dos, existe um outro de que é dona a 1ª R. e inquilina a 2ª que nele fez instalar um estabelecimento de alojamento local (hostel), cujos hóspedes passaram a frequentar e utilizar uma cobertura clandestina do mesmo prédio – o que durante o período em que anterior inquilina a “Escola ...” esteve no prédio nunca sucedeu, o que tem devassado a privacidade dos 2º e 3ª AA., perturbado o seu descanso e serenidade, já que nela foi instalada uma esplanada com música, que em determinadas ocasiões é tocada ao vivo quando aí decorrem festas. Em consequência, o imóvel da sociedade A. desvalorizou-se o que compromete o lucro decorrente da sua eventual alienação.

   As RR. foram citadas regularmente, tendo ambas apresentado contestações.

         A R. EE Lda. defendeu-se, por impugnação, referindo que o terraço em causa foi ao longo dos tempos utilizado, que a própria CML autorizou a instalação no imóvel em apreço de um estabelecimento de alojamento local, descrevendo-o como possuindo um terraço, negando que a utilização que tem vindo a ser feita cause os transtornos e prejuízos alegados, tanto mais que as festas que ocorreram traduziram-se em eventos esporádicos realizados para celebrar ou comemorar determinados acontecimentos específicos.

    A R. DD alegou que a circunstância de ser senhoria do prédio em causa não é suficiente para ser responsável pelos danos alegados já que os AA. não lhe imputam a prática de quaisquer dos factos que lhes terão dado origem, negando em qualquer circunstância a existência daqueles.

   Na réplica os AA., pugnando pela improcedência da invocada ilegitimidade que reputaram de processual, requereram a condenação da 2ª R. como litigante de má - fé.

Realizou-se audiência preliminar na qual, designadamente, foi consignada, por acordo, a matéria de facto assente e a base instrutória.

  Procedeu-se a julgamento, em cuja audiência foi pelos AA. apresentado um outro articulado superveniente, que foi admitido, vindo a factualidade dele constante a ser incluída na base instrutória tendo, a final, sido fixada a matéria de facto.

 Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, decidindo:

                       “1. Condenam-se, ambas as Rés, a absterem-se de utilizar como esplanada o terraço (cobertura) superior do prédio sito na Rua ... nº … em Lisboa, condenando a Ré Zona Cómoda a daí remover os chapéus de sol.

                  2. Condena-se a Ré EE Lda., ao abrigo do disposto no artº 829º-A nºs 1 a 3 a pagar aos Autores BB e CC a quantia de € 100,00 por cada infracção e/ou atraso à obrigação estabelecida no nº1 ;

 3. Absolvem-se ambas as Réus do demais peticionado.”.

                                    

 Esta sentença foi objecto de aclaração, tendo-se exarado, em suma, que “o tribunal proibiu a utilização do terraço como esplanada. O acatamento de tal proibição passará – o bom senso o revela - por retirar do terraço todos os elementos que a componham”.

                       

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a 2ª R. e os AA., estes subordinadamente, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 27-11-2014, julgado improcedente o recurso de apelação subordinado interposto pelos AA. e julgar procedente o recurso de apelação interposto pela 2ª R., revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julgou-se a acção totalmente improcedente, absolvendo-se as RR. do pedido.

                       

                        1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido (parcialmente) como revista e com efeito devolutivo.

                       

                        1-4- Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                       “a) O acórdão recorrido merece censura porquanto fez uma errada aplicação da lei, da doutrina e da jurisprudência, atenta a matéria de facto que se encontra fixada pelas instâncias;

                       b) Estando em causa uma situação jurídica conflituosa pela qual se convoca a apreciação de um confronto do exercício do direito de propriedade e de exercício de uma atividade económica por parte das recorridas com os direitos de personalidade dos recorrentes BB e CC e o direito de propriedade da recorrente AA, o acórdão aplicou mal o disposto nos artigos 1346º, 1347º, 70º, nº 1 e 335º, nº 1 do Código Civil;

                        c) Uma vez que a aplicação daqueles normativos ao caso concreto, se densificava com outra legislação acessória, também esta foi censuravelmente violada quando concatenada com a interpretação daquelas, designadamente: o artigo 4º, n.º 2, alínea d) artigo 60º, n.º 1 do RJUE do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março); a Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro; o artigo 9º do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, em 24.10.1996 e publicado na Série 11 do Diário da República de 14.10.1997, o parágrafo 8 do artigo 1O.º do Decreto n.º 902 do Ministério do Interior, publicado no Diário do Governo, I Série - Número 177, de 30 de setembro de 1914; o Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, de 14 de fevereiro de 1903, publicado no Diário do Governo n.º 53, de 9 de março de 1903; o artigo do 56º Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março e atualmente no Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto; o Decreto-lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro (Regulamento Geral do Ruído); o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de abril; o Decreto-Lei n.º 268/2009, de 29 de setembro; o Regulamento de Segurança Contra Incêndios em Edifícios de Habitação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro e a Portaria 1532/2008, de 29 de dezembro;

                       d) Uma vez nesta causa se discutem direitos fundamentais (personalidade, propriedade e exercício de atividade económica) a interpretação e aplicação que o acórdão fez dos artigos 1346º, 1347º, 70º, n.º 1 e 335º, n.º 1 do Código Civil ao caso concreto é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, n.º 2, 25º, n.º 1 e 66º, n.º 1 da CRP;

                       e) Consequentemente, também saiu violada a interpretação e integração desses preceitos de harmonia com as regras do direito internacional, designada mente os artigos 3º e 25º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos;

                       f) O acórdão recorrido viola o artigo 1305º do Código Civil quando considera que as recorridas têm o direito de usar e fruir sem qualquer restrição da cobertura superior/terraço do imóvel sito na Rua ... n.º 7 em Lisboa, não obstante ter ficado abundantemente demonstrado que a obra de construção desse terraço não se encontra em conformidade com o projeto aprovado pela Câmara Municipal, no qual se encontra projetado um telhado para o local onde se encontra o referido terraço.

                        g) Dito de outro modo: uma vez que o terraço em causa não se encontra construído de acordo com a lei, porquanto não se encontra licenciado pela autoridade administrativa competente, o uso incondicional desse local, agora permitido pela decisão sob censura, passa a ser feito fora dos limites da lei por não terem sido observadas as restrições legais à sua existência, violando a 2ª parte daquela norma, o que tem que ser corrigido por esta revista.

                        h) Trata-se de uma obra ilegal (que a própria autoridade administrativa confirmou nomeadamente nos documentos de fls. 666 a 683) não colhendo razão ao acórdão, quando se refere que "não existem elementos de facto para aferir sobre a legalidade ou ilegalidade da obra do terraço";

                        i) O facto de se tratar de uma obra existente há mais de sessenta anos muito antes da entrada em vigor de toda a legislação administrativa invocada, designadamente o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março, não é argumento válido para se considerar sanada a ilegalidade da obra de construção do terraço;

                       j) De acordo com o disposto no artigo 60º, n.º 1 do RJUE, as edificações erigidas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas só não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes se no momento da respetiva construção cumpriam todos os requisitos materiais e formais exigíveis, e no caso concreto não cumpriam, atenta a invocada legislação administrativa de 1914 (data do último Projeto de Obra aprovado) e até de 1903, que sempre determinou que na cidade de Lisboa não poderá proceder-se a reconstrução ou modificação importante em prédios já construídos, sem licença da Câmara Municipal;

                       k) Não vinga também o argumento de que encontrando-se a decorrer uma fase administrativa com vista à regularização e licenciamento do terraço, fica prejudicada a discussão neste pleito quanto à verificação da legalidade ou ilegalidade da obra de construção do terraço; tal argumento viola as dimensões substantivas e processuais dos princípios do dispositivo (artigo 5º do CPC) e do contraditório (artigo 3º do CPC). A lei processual não admite, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, que o reconhecimento de direitos seja fundamentado em hipotéticas verificações de factos futuros e incertos, ainda não ocorridos à data do encerramento da discussão da causa, o que se encontra sustentado na doutrina e jurisprudência (vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 06.07.2004, no processo 04A2405 e de 07.04.2011, no processo 419/06.3TCFUN.L1.S1, disponíveis em www.dgsLpt, e Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. 2º, págs. 654 e 684);

                        l) Pelo que a hipotética legalização do terraço no futuro, é um facto que não tendo sido sequer alegado e discutido, não pode ter-se por adquirido ao ponto de influir na decisão sanando a falta de licenciamento da cobertura/terraço.

                       m) O acórdão violou a interpretação sistemática do artigo 1347º do Código Civil, ao concluir que "não cabe nesta ação verificar se a existência do terraço existente no prédio da primeira foi devidamente licenciado, na medida em que nem sequer é pedida a sua transformação em telhado", quando decorre do seu nº 1, que o proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras ou instalações se for de recear que possam ter efeitos nocivos não permitidos por lei, que conferem ao proprietário do prédio vizinho o direito de a tal se opor e do nº 2 decorre que a existência ou não de licença da autoridade pública para a construção e manutenção da obra é importante para a determinação das medidas necessárias a remover o prejuízo decorrente da obra, designadamente a sua inutilização;

                       n) Estando em causa precisamente o facto da recorrida DD ser proprietária de um prédio onde se encontra construída uma obra - a cobertura/terraço - que se alegou não estar licenciada e onde, nessa obra se encontra instalada um esplanada que para cuja utilização não existe licença. E que, da existência dessa obra e daquela instalação de esplanada promanam efeitos nocivos para os recorrentes, concretamente para a sua saúde e tranquilidade mal andou o acórdão, quando considerou inaplicável ao caso concreto aquele artigo 1347º;

                       o) Pela aplicação do artigo 1347º conjugado com o artigo 1305º do Código Civil ao caso concreto, deveria o acórdão ter concluído, face à prova produzida, que no prédio do qual é proprietária a recorrida DD situado no n.º 7 da Rua ... em Lisboa, foi realizada uma obra de construção que alterou o telhado para terraço e que não se encontra em conformidade com o projeto aprovado pela CML e que, só por esse facto se deveria ter interditado o acesso e uso daquela obra nos termos do artigo 1305º do Código Civil, o qual restringe o exercício dos direitos de uso e fruição do proprietário quanto aos seus bens, quando não se encontre observada a lei, e nessa medida não lhe permite ceder o a terceiros esse uso e fruição;

                        p) O acórdão viola ainda o artigo 1346º do Código Civil porquanto considerou que o mesmo não tinha aplicação ao caso concreto, e tem;

                       q) A interpretação sistemática do artigo 1346º com o artigo 1347º, ambos do Código Civil, revela que a proibição dos efeitos nocivos provenientes de um prédio, também se estende às atividades donde provêm essas emissões nocivas.

                       r) No caso concreto deve ter-se por preenchida a previsão do artigo 1346º, por se concluir que a conduta da recorrida Zona Comoda, na qualidade de arrendatária do n.º 7 da Rua ... em Lisboa, ao passar a utilizar nesse prédio - situado numa zona habitacional e cujo destino se encontra afeto à habitação - o terraço não licenciado como recinto de festas e eventos esporádicos e como espia nada com horário de funcionamento e preços fixados, com consumos de comida e bebidas, alcoólicas e outras, constitui um uso anormal do prédio para efeitos daquele artigo, por se traduzir numa disfuncionalidade, atento o destino sócio-económico que lhe deveria ser dado;

                        s) Encontrando-se este terraço muito próximo do prédio dos recorrentes (a parte mais próxima à distância de 1,33 m! da janela de um quarto) a utilização que dele é feita é causa direta, entre outras ofensas que se consideraram provadas, de perturbações no descanso e na estabilidade psíquica e emocional dos recorrentes BB e CC, ofensas essas que superam meros incómodos e mal estar para a qualidade de vida dos recorrentes, o que leva a considerar-se verificado o prejuízo substancial que, nos termos do aludido preceito, conjugado com o uso anormal, legitima de forma proporcional e adequada a interdição do acesso e a frequência daquele local, determinando a aplicação das injunções determinadas pela 1ª instância por cada dia de incumprimento;

                  t) A verificação do preenchimento dos requisitos de uso anormal e prejuízo substancial decorrente da atividade exercida no terraço, ressalta ainda da prova - desconsiderada pelo acórdão - de que no Projeto de Segurança contra Incêndios que integrou o processo de Iicenciamento para alojamento local apresentado pela recorrida Zona Cómoda, foi omitida a existência do terraço, o que é mais uma inobservância da lei, concretamente do Regulamento de Segurança Contra Incêndios em edifícios de habitação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro e a Portaria 1532/2008, de 29 de dezembro que torna o acesso e frequência do terraço sem quaisquer garantias, nomeadamente quanto à estabilidade do terraço e às formas de evitar que entre em colapso em caso de incêndio.

                       u) Tal interdição é de tal forma proporcionada e adequada - devendo ter sido procedente - quando resultou demonstrado que para as atividades exercidas no terraço não dispõe a recorrida Zona Cómoda de qualquer licenciamento, quando para aquele efeito a lei impõe várias restrições: o exercício da atividade de Habitação para efeitos de Alojamento Local- Estabelecimento de Hospedagem para a qual a recorrida Zona Cómoda estava licenciada não contempla aqueles serviços de festas e de espia nada; configurando esses serviços um uso comercial do edifício exorbita-se o destino permitido por lei para o prédio cingido ao uso habitacional o que viola o Regulamento do PDM da cidade de Lisboa, nomeadamente o artigo 4º, publicado na 2ª Série do Diário da República, de 30 de Agosto de 2012; para que na Rua ... as recorridas pudessem instalar e manter uma espia nada com as características da que ficou provada existir, sempre teriam que se munir de uma "Iicença especial de ruído" nos termos dos artigos 3º, alínea a), 14º alínea a) e 15º daquele Regulamento; Esplanada que para ser utilizada nos termos em que se demonstrou que as recorridas a utilizam (com consumos de refeições, e bebidas com preço fixo), requeria ainda o respetivo Licenciamento nos termos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de abril, que obviamente, como todos os demais é inexistente.

                       v) As ofensas aos direitos de personalidade dos recorrentes BB e CC assumem especial gravidade por se fazerem sentir naquela que é a sua única residência há mais de vinte anos (Ponto 24), onde sempre encontraram serenidade, conforto, privacidade e tranquilidade (Ponto 25) onde sempre pernoitaram, constituíram família onde sempre receberam familiares, amigos e hóspedes (Ponto 26);

                      w) Se a jurisprudência se basta com os "meros incómodos e mal-estar" quando sentidos na residência pelo uso anormal de uma atividade decorrente de prédio vizinho para os considerar como ofensas suficientes na verificação do prejuízo substancial do artigo1346º do Código Civil, muito mais se encontra demonstrada essa verificação quando as ofensas chegam a perturbar a estabilidade psíquica, o descanso, a tranquilidade dos ofendidos como é o caso que ocorre com os recorrentes na sua própria casa - factos dados como provados pelas instâncias e que o acórdão não aceitou, erroneamente, tutelar;

                       x) Esta tutela que assume no caso especial acuidade - e que o acórdão não relevou - no caso da recorrente CC, dada a especial sensibilidade que encerra a sua profissão de pianista para a qual passou a ser perturbada no local de ensaios que sempre foi a sua casa. "0 julgador ao aplicar a lei no âmbito do direito de personalidade não deve atender ao um tipo humano médio, ao conceito de cidadão normal e comum, antes deve ter em conta a especial sensibilidade do lesado tal como é na realidade”, in, Acórdão da Relação de Coimbra de 06.02.1990: CJ, 1990, 12 - 92;

                       y) Neste contexto, as providências pedidas pelos recorrentes no sentido de se interditar o acesso ao terraço, são totalmente adequadas e proporcionais, no caso concreto, à luz dos artigos 70º, 1305º e 1346º e 1347º do Código Civil, 66º, nº 1 da CRP e demais legislação já invocada, tendo havido por parte da decisão sob censura uma interpretação e aplicação inconstitucionais daquelas normas por violação dos artigos 25º, nº1 e 66º, nº 1 da CRP;

                       z) O acórdão violou ainda o instituto da colisão de direitos previsto no 335º do Código Civil conjugado com o artigo 70º do mesmo Código.

                        aa) A existência de uma colisão de direitos é meramente aparente no caso concreto, porquanto as recorridas DD e Zona Cómoda, não se apresentam como verdadeiras titulares do direitos de gozar e fruir do terraço tendo em conta que o mesmo é ilegal pelo que não é possível comparar a outros, e/ou restringir o exercício de um direito que não foi concedido;

                      bb) Quanto ao eventual direito à iniciativa privada do artigo 61º da CRP que o acórdão considerou relevante em defesa da recorrida Zona Cómoda, em abono se diga que o fez com total arbitrariedade, tendo em conta que não se encontra provado, porque a verdade é que não foi alegado um único facto em defesa deste direito que permita avaliar e ponderar a sua proteção em oposição aos direitos de personalidade dos recorrentes BB e CC, e direito de propriedade da recorrente AA;

                       cc) Mas mesmo a considerar-se, por mera cautela de patrocínio, haver aqui uma colisão de direitos, sempre o direito personalidade dos recorrentes BB e CC à comodidade do seu domicílio terão de prevalecer integralmente sobre o direito das recorridas e não adaptar-se, por ser aquele um direito eticamente superior, assim o considera a jurisprudência dominante;

                       dd) O pedido formulado pelos recorrentes, de interditar o acesso ao terraço assim evitando a produção de perturbações e ruídos que invadem o interior da sua habitação, é pois totalmente legítimo e proporcional, não colocando sequer em causa o prosseguimento da atividade exercida no estabelecimento de alojamento local, e quando estes dispõem de um espaço" jardim" amplo onde os seus clientes podem estar ao ar livre;

                        ee) Tendo o acórdão decidido pela existência de colisão de direitos e sacrificado radicalmente os direitos de personalidade dos recorrentes mantendo-os reféns do beneficio dos direitos patrimoniais das recorridas. Com esta decisão lesou de forma grave e desadequada e desproporcionada os direitos dos recorrentes, violando diretamente o artigo 335º, n.º 2 do Código Civil, cuja aplicação é, também neste caso, inconstitucional por violação dos artigos 18º, n.º 2, 25º, n.º 1 e 66º, n.º 1 da CRP;

                        ff) Consequentemente, porque a atividade exercida pelas recorridas é ilícita e as ofensas que dela decorrem são graves, o acórdão recorrido deveria ter subsumido os factos aos artigos 483º e seguintes do Código Civil responsabilizando as recorridas pelos danos aos direitos de personalidade dos recorrentes, tal com se encontra peticionado;

                       gg) Há ainda no conteúdo do acórdão um erro na aplicação da lei processual, concretamente, quanto aos artigos 425º e 651º do atual Código de Processo Civil que correspondiam respetivamente aos artigos 524º, n. º 2 e 693º - B. Ao abrigo desses normativos os recorrentes vieram requerer a junção de documentos que a 2ª instância não admitiu e cujo interesse nessa junção se mantém o que, sendo tal rejeição ilegal, também se submete à reapreciação deste Supremo Tribunal.

                       hh) Por tudo quanto se conclui, o acórdão recorrido deveria assim ter dado provimento ao recurso subordinado interposto pelas recorrentes dando provimento ao pedido de interdição de uso e acesso do terraço; à aplicação da injunção de € 100,00 por cada dia de incumprimento e à condenação das recorridas ao ressarcimento dos danos não patrimoniais dos recorrentes BB e CC.

                       Nestes termos, deve ser dado total provimento ao presente recurso de revista dando total provimento ao recurso subordinado dos recorrentes, revogando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa”.

                         

                       Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                       2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).

                       Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                       - Se a Relação deveria ter aceite a junção de documentos requerida pelos AA..

       - Se o terraço constitui uma construção administrativamente ilegal.

                        - Se a utilização do terraço, na forma com vindo a ser feito pela 2ª R., viola direitos subjectivos dos AA. residentes no prédio vizinho mais, concretamente, os seus direitos de personalidade.

   - Se os RR. devem ser condenados a pagar uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos 2º e 3ª AA..

                       

    2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1- A 1ª Autora é uma sociedade sediada na Suíça que é a legítima proprietária do imóvel sito na Rua ..., n.º … em Lisboa – cfr. documento junto aos autos a fls. 45 a 48 (A);

                       2- Construído em 1783, o imóvel é descrito como um digno exemplar de um palacete de construção pombalina, com a relevância histórica e patrimonial inerente - cfr. documento junto aos autos a fls. 52 a 70 (B);

                        3- A Rua ... integra-se numa zona histórica da cidade de Lisboa, indo desembocar no reconhecido Pátio da Pimenta (C);

                        4- O imóvel está integrado numa zona classificada como “zona habitacional” - cfr. documento junto aos autos a fls. 63 a 68 ( rectificado) (D);

                       5- O n.º 9 da Rua ... é composto de cave, r/c, três andares, sótão e quintal, o uso do imóvel está afecto a habitação - cfr. documentos juntos aos autos a fls. 49 a 51 (E);

                       6- No n.º 7 da Rua ..., contíguo à residência dos 2.º e 3.º Autores, encontra-se o imóvel do qual é proprietária a 1ª Ré - cfr. documentos juntos aos autos a fls. 71 a 73- e do qual é inquilina a 2ª Ré (admitido por acordo e ora consignado ao abrigo do disposto no artº 659º nº3 do CPC) - (F);

                        7- O nº 7 da Rua ... é composto por cave, r/c, 1.º e 2.º andares, mansarda e jardim, também este imóvel se encontra afeto a habitação - cfr. documento junto aos autos a fls. 74 e 75 (G);

                        8- A Escola ... antecedeu a 2ª Ré, durante cerca de vinte anos, na ocupação do imóvel sito no n.º 7 (H);

                        9- A Escola ... encerrou (I);

                       10- A 2ª Ré colocou um “corrimão” em volta da cobertura superior para resguardo de pessoas - cfr. fotografia que constitui o documento de fls. 80 (J);

                       11- Na noite de dia 14 de julho, teve lugar a primeira festa na dita cobertura, onde pessoas aí se mantiveram com luzes acesas, ingerindo bebidas (L);

                       12- A 2.ª Ré promoveu a colocação de chapéus de sol na cobertura conforme resulta das fotografias captadas no dia 18 de outubro de 2010 - cfr. fotografias que constituem os documentos de fls. 79 a 85 (M);

                       13- Na noite de 31 de dezembro de 2010, a 2.ª Ré recebeu em festa pessoas no seu Estabelecimento de Alojamento Local (N);

                       14- Volvidos alguns meses de uso ininterrupto da cobertura pelos seus clientes, por altura do Carnaval, a 2.ª Ré organizou e publicitou uma festa para celebrá-lo, tendo colocado todas as informações sobre o evento na sua página do Facebook - cfr. documento junto aos autos a fls. 96 (O);

                        15- O acesso a tal festa foi facultado a pessoas que não se encontravam hospedadas no Hostel (P);

                        16- No dia 6 de março de 2011, a 2.ª Ré contratou um conjunto de músicos para tocar ao vivo, tendo-a posicionado na extremidade mais próxima do imóvel onde os 2º e 3º Autores residem – cfr. documentos juntos aos autos a fls. 97 e 98 (Q);

                       17- Em tal festa a 2.ª Ré serviu bebidas contra o pagamento de um preço fixo publicitado num cartaz informativo colocado ao lado do balcão de bar - cfr. fotografia que consta de fls. 99 dos autos (R);

                        18- O prédio sito no n.º … da Rua ... integra um jardim – cfr. documentos juntos aos autos a fls. 103 a 105 (S) com a rectificação feita a fls. 1144);

                        19- A Câmara Municipal de Lisboa emitiu a informação constante de fls. 115 e 116 dos autos a pedido da ré EE, Lda. (T);

                        20- Por escritura notarial de 25 de Janeiro de 1952, FF vendeu à 1ª ré o prédio que constitui o n.º 7 da Rua ... na qual é feita menção à existência do terraço (cfr. documento fls. 161 a 176 dos autos) (U);

                       21- A Câmara Municipal de Lisboa, através do Alvará de Autorização de Utilização nº … 2010, titulou “a utilização de parte do edifício na Rua ... n.º … e 7ª (constituído por Cave, R/C, 1º andar com terraço contíguo, segundo andar, mansarda, sótão e logradouro a tardoz)” destinando-se o referido prédio, de acordo com o mesmo Alvará, a “Habitação para efeitos de Alojamento Local – Estabelecimento de Hospedagem (conforme fichas anexas)” (cfr. documento fls. 106 a 111 dos autos) (V);

                        22- E é nesse prédio que a 2ª Ré explora o denominado “GG Hostel” (X);

                       23- O terraço tem vários cinzeiros, para os seus frequentadores aí depositarem as beatas (Z);

                       24- Os 2.º e 3.º Autores, casados entre si, habitam em tal imóvel, com conhecimento e autorização da proprietária, há mais de vinte anos (AA – resposta ao quesito 3º);

                        25- Naquele que foi em tempos conhecido como Palácio ..., os 2.º e 3º Autores encontraram serenidade, conforto, privacidade e tranquilidade, sem renunciarem à centralidade de um pólo cosmopolita como a cidade de Lisboa (BB – resposta ao quesito 6º);

                       26- O n.º 9 da Rua ..., foi o local que os 2.º e 3.º Autores escolheram para que fosse, para sempre, a sua casa, onde sempre pernoitaram, e onde, ao longo da sua vida, constituíram família (filhos e netos) receberam familiares, amigos e hóspedes (CC – resposta ao quesito 7º);

                       27- O terraço a que se alude em V) encontra-se, na zona mais próxima, a 1,33 m da janela de um quarto existente ao nível do 1º andar do prédio referido em 5) (DD – resposta ao quesito 8º);

                       28- O terraço existe há, pelo menos, sessenta anos (EE – resposta ao quesito 9º);

                       29- No projecto camarário com o n.º …/1914 de 7 de Maio de 1914 consta desenhado, no local onde se encontra o terraço, um telhado (FF – resposta ao quesito 10º);

                       30- Quando o nº7 da Rua ... era ocupado pela Escola ..., o terraço não era habitualmente frequentado (GG – resposta ao quesito 12º);

                        31- O interior do quarto referido em DD), sobretudo se a janela estiver aberta ou a luz estiver acesa, é visível a quem utilize o terraço, sendo igualmente visível, nas mesmas condições, parte do interior de uma das salas (HH – resposta ao quesito 15º);

                        32- A 2ª Ré colocou no terraço e na zona mais próxima do prédio dos AA., uma barreira física com 0,76 m de altura por 1,265m de largura, transponível (II – resposta ao quesito 17º);

                        33- A 2ª ré pontuou o contorno do terraço com pontos de luz constituídos por uma mangueira de led’s brancos e candeeiros colocados no chão, onde outrora não havia qualquer iluminação (JJ – resposta ao quesito 19º);

                       34- Vários grupos de pessoas passaram a estar com habitualidade no terraço (LL – resposta ao quesito 20º);

                       35- Na festa a que se alude na alínea L) as pessoas ouviram música que era audível na casa dos Autores (MM – resposta ao quesito 21º);

                       36- No jardim dos Autores surgem beatas de cigarros (NN – resposta ao quesito 23º);

                       37- Os Autores vivem preocupados com o risco de incêndio inerente a um cigarro mal apagado (OO – resposta ao quesito 24º);

                       38- A frequência do terraço é mais intensa nos dias de bom tempo (PP – resposta ao quesito 26º);

                       39- A 2ª ré transformou aquele espaço numa esplanada susceptível de ser utilizada diariamente das 7h às 23h no período de verão e no período de inverno das 7h às 20h (QQ – resposta ao quesito 27º);

                        40- Habitualmente e quando o tempo o propicia, é nesse espaço que os frequentadores do Hostel tomam o pequeno-almoço, e permanecem a apanhar banhos de sol, os homens em tronco nu e as mulheres de biquíni (RR – resposta ao quesito 28º);

                       41- Bebem bebidas alcoólicas, tocam guitarra, riem e divertem-se, fruto do momento de férias que gozam (SS – resposta ao quesito 29º);

                       42- São essencialmente jovens de todos os locais do mundo (TT – resposta ao quesito 30º);

                        43- As luzes só são desligadas com o “encerramento” da esplanada (UU – resposta ao quesito 31º);

                        44- A música e as conversas havidas no terraço são, por vezes, audíveis no imóvel dos Autores até às 11 horas da noite (VV – resposta ao quesito 35º);

                       45- Na data de 31 de Dezembro de 2010, a 2ª Ré organizou uma festa de passagem de ano tendo algumas pessoas se concentrado no terraço até às primeiras horas do dia 1 de Janeiro (XX – resposta ao quesito 36º);

                      46- No evento a que se alude na alínea Q) da Matéria Assente o som ao vivo foi propagado por um sistema amplificado de som colocado para o efeito no local, contribuindo para o aumento exponencial dos decibéis do som emitido (ZZ – resposta ao quesito 37º);

                       47- A utilização do terraço nos moldes descritos tem perturbado o descanso e a estabilidade psíquica e emocional dos Autores BB e CC e em especial desta última Autora (AAA – resposta ao quesito 41º);

                       48- O jardim a que se alude na alínea S) é um espaço amplo, aprazível, com exígua vista de rio, e cujo uso não afecta a normal vivência dos 2.º e 3.ºAutores (BBB – resposta ao quesito 43º);

                       49- As rotinas diárias dos Autores tiveram que sofrer alterações (CCC – resposta ao quesito 46º);

                        50- Salvo quando o casal recebia visitas e familiares para jantar ou tomar um café ou aperitivo na sua casa, estes deitavam-se por volta das dez da noite, já que são pessoas matutinas (DDD – resposta ao quesito 47º);

                        51- A sala de visitas por excelência nos dias e noites de céu limpo era o aprazível jardim existente ao nível do r/c (EEE – resposta ao quesito 48º);

                       52- Tal local também era eleito pelos 2.º e 3.º Autores para tardes e serões de leitura (FFF – resposta ao quesito 49º);

                       53- Por vezes os Autores não conseguem adormecer à hora a que estavam habituados (GGG);

                        54- Nos dias de festa, os 2.º e 3.º Autores não dormem, dormitam, em estado de alerta induzido pelo ruído produzido pela 2.ª Ré (HHH);

                        55- Os Autores sentem-se embaraçados perante os seus amigos pelo uso que é dado ao terraço (III – resposta ao quesito 53º);

                        56- A 3.ª Autora, com 61 anos, é uma pianista e exerce ainda de forma intensa a sua actividade (JJJ – resposta ao quesito 56º);

                       57- O silêncio e a vivência num ambiente sereno são indispensáveis para os ensaios diários que a ocupam (LLL – resposta ao quesito 57º);

                       58- O ruído que por vezes é produzido no terraço perturba a concentração da Autora (MMM – resposta ao quesito 58);

                       59- A Autora está envolvida num projecto de gravação de um CD com HH, cantor lírico (NNN – resposta ao quesito 59º);

                       60- Os Autores eram pessoas mais tranquilas (OOO – resposta ao quesito 61º);

                       61- Os Autores sentem-se desconfortáveis naquele que é o seu lar (PPP – resposta ao quesito 66º);

                       62- Foram organizados dois eventos no terraço (antes da existência do Hostel) (QQQ – resposta ao quesito 68º);

                        63- Aquando da visita oficial a Portugal da Rainha Isabel II de Inglaterra, em Fevereiro de 1957, a sua chegada ao Rio Tejo foi observada por diversas pessoas a partir daquele terraço (RRR – resposta ao quesito 69º);

                       64- No terraço em causa, foi colocada uma barreira física – referida em 32) – destinada a impedir o acesso dos utilizadores do terraço à zona mais próxima do prédio onde residem os 2º e 3º Autores (SSS – resposta ao quesito 70º);

                       65- Da janela referida em DD) à mencionada barreira física e à parte do terraço que é objecto de uso distam mais de quatro metros (TTT – resposta ao quesito 71º);

                        66- Há muitos anos se encontram edificados, no terraço, bancos de cimento, em número de dezasseis encastrados nos muros de delimitação do terraço (UUU – resposta ao quesito 72º);

                        67- Esta iluminação (referida em 33), por norma, apenas fica acesa até às 23.00 horas (VVV – resposta ao quesito 75º);

                        68- O “Hostel” dispõe de um jardim, mais resguardado, com vista parcial sobre o Rio Tejo e a cidade de Lisboa, portanto de menor amplitude (em virtude de se situar numa cota inferior relativamente ao terraço, cota essa correspondente à diferença dos dois pisos do edifício com acesso pelo n.º 7-B), onde os utentes do “Hostel” podem apanhar banhos de sol (XXX – resposta aos quesitos78º e 79º);

                        69- Os hóspedes são aconselhados a não incomodarem os habitantes dos prédios vizinhos (ZZZ – resposta ao quesito 81º);

                       70- À excepção dos dias de festa, a música audível no terraço, quando a mesma está a ser reproduzida, é apenas música ambiente, de relaxamento, num volume de som perfeitamente regrado, muito baixo e sem picos de som (AAAA – resposta ao quesito 82º);

                       71- As festas a que se alude supra foram eventos esporádicos, realizados para celebrar ou comemorar determinados acontecimentos específicos ou para promover uma finalidade também específica (BBBB – resposta ao quesito 83º);

                       72- A festa de Carnaval realizada no ano de 2011, foi uma festa de fim de tarde para durar entre as 17.00 horas e as 21.00 horas, destinada, essencialmente, assim como a festa da passagem do ano, aos utentes do “Hostel”, pessoas amigas e alguns convidados (CCCC – resposta ao quesito 84º);

                        73- O terraço constitui um atractivo do “Hostel” (DDDD – resposta ao quesito 85º);

                        74- A colocação de cortinas nas janelas contribuiria para assegurar a privacidade dos Autores (EEEE – resposta ao quesito 86º);

                       75- No dia 2 de Junho de 2012, sem que tivesse sido obtida licença camarária, realizou-se no Hostel a comemoração de um casamento em que umas das nubentes era sua funcionária e os convidados ficaram hospedados no estabelecimento (FFFF – resposta aos quesitos 87º e 88º);

                       76- Parte da comemoração foi efectuada no terraço (GGGG – resposta ao quesito 89º);

                       77- Algumas das pessoas fumaram no terraço e deflagrou um incêndio no quintal dos Autores (HHHH – resposta ao quesito 91º);

                       78- Alguns dos convidados tentaram pôr termo ao incêndio com uma mangueira (IIII – resposta ao quesito 92º);

                       79- Foi a gerente da 2ª Ré que chamou os bombeiros (JJJJ – resposta ao quesito 94º);

                       80- O Projecto de Segurança contra Incêndios apresentado pela 2ª Ré na CML e cuja cópia consta de fls. 459 a 476 dos autos não faz alusão ao terraço (LLLL – resposta ao quesito 95º).

                       81- Existem regras do “Hostel” que proíbem os seus frequentadores de tomar banhos de sol no terraço (resposta ao quesito 77º)[1]

                       82- Não é permitido aos utentes do terraço aí tocarem qualquer instrumento musical ou reproduzirem música [resposta ao quesito 80º)[2].

                       2-3- Pese embora os recorrentes não coloquem para análise em primeiro lugar, porque se trata de uma questão adjectiva, iniciaremos a apreciação da presente revista pelo invocado erro na aplicação da lei processual, concretamente, pela rejeição pelo tribunal recorrido da junção de documentos aos autos que os AA. haviam requerido.

                       Segundo os recorrentes, os documentos, registos fotográficos, têm em cada um deles registada a data em que ocorreram e que se verifica ser superveniente a junção e serem novos os factos constantes deles. Tratando-se de registo fotográficos, sempre momentos únicos e irrepetíveis, não se entende como é que na decisão recorrida a junção dos documentos não foi aceite considerando que não se demonstrou que a apresentação anterior não foi possível. Uma vez que a decisão de 1ª instância considerou a providência adequada a evitar a continuação das ofensas e das ameaças de ofensas aos direitos de personalidade dos AA. a mera desinstalação da esplanada e, verificando-se que com o acesso do terraço em qualquer lugar e de qualquer modo os seus frequentadores criam uma esplanada, o que ocorreu depois de terem sido notificadas da sentença, foi esta mesma sentença no seu conteúdo “inocente” que motivou e legitimou a junção daquelas fotografias numa incessante e indiscutível procura da justiça.

                       A decisão que indeferiu a junção dos documentos é do seguinte teor:

                        “Os autores requereram a junção de sete documentos com as alegações do recurso subordinado e que se encontram de fls. 1060 a 1066. A junção de documentos com o recurso de apelação tem requisitos limitados estabelecidos no art.º 524º do Código de Processo Civil. Esses requisitos não se mostram verificados.

Em primeiro lugar, não são apresentados como documentos novos – posteriores à sentença recorrida, ou cuja apresentação anterior não tenha sido possível. Em segundo lugar, não visam a demonstração de factos posteriores aos articulados, mas factos que já se encontram incluídos na base instrutória. Em terceiro e último lugar, não foi qualquer ocorrência posterior que determinou a sua apresentação, para efeito da exigência contida no n.º 2 do preceito legal citado. O que determinou, na realidade, a sua apresentação em sede de recurso foi o facto de que a prova que os recorrentes produziram não convenceram a 1ª instância de modo a responder aos factos que agora os documentos pretendem demonstrar como estes gostariam e pretendiam.

Com efeito, foi a decisão de facto em si que determinou a apresentação dos documentos, mas essa circunstância não é a protegida pela norma. Deste modo, não se admite a junção dos documentos apresentados pelos autores com as suas alegações”.

                       Refere o 425º do C.P.Civil que as partes só poderão juntar os documentos após o encerramento da discussão em 1ª instância, no caso de recurso, cuja junção não tenha sido possível até aquele momento. Acrescenta o art. 651º nº 1 do mesmo diploma que as partes apenas poderão juntar documentos com as alegações de recurso, nas situações excepcionais referidas no art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

                       Dizem os recorrentes que os documentos (fotográficos) são supervenientes e que são novos os factos constantes deles.

                       Não é correcto este entendimento já que a situação do terraço que as fotografias, no seu entender, retratam e a que querem pôr cobro com a instauração da presente acção, nas suas próprias palavras já existia nesse momento (vide petição inicial). Por isso, as fotografias poderiam ter sido tiradas e juntas antes do encerramento da discussão em 1ª instância, pelo que nos parece que a impossibilidade de junção até este momento não se pode ter como assente.

                       Por outro lado e no que diz respeito à necessidade de junção dos documentos em razão da sentença proferida em 1ª instância é, igualmente, motivo insubsistente. Pelo facto de a sentença ter sido desfavorável aos apelantes, em parte, isso não é motivo, só por si, suficiente, para se admitir a junção dos documentos. É que a necessidade de junção por via do julgamento efectuado, só se verifica quando pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se torne necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida. Isto é, a junção só será possível se a necessidade do documento era imprevisível antes da prolação da decisão de 1ª instância, situação que patentemente se não verifica no caso vertente, pois o que ocorreu é que os recorrentes não lograram provar (parte) dos factos indagados na base instrutória. E claro que não é lícito aos recorrentes, através de junção de novos elementos probatórios, modificar a posição assumida pela 1ª instância quanto aos factos constantes na base instrutória.

                       Foi, assim, correcto o indeferimento da junção dos documentos por parte do tribunal recorrido.

                       2-4- Sustentam os recorridos que o terraço em causa não se encontra construído de acordo com a lei, porquanto não se encontra licenciado pela autoridade administrativa competente, o uso incondicional desse local, agora permitido pela decisão sob censura, passa a ser feito fora dos limites da lei por não terem sido observadas as restrições legais à sua existência. Trata-se de uma obra ilegal (que a própria autoridade administrativa confirmou nomeadamente nos documentos de fls. 666 a 683) não colhendo razão ao acórdão, quando se refere que "não existem elementos de facto para aferir sobre a legalidade ou ilegalidade da obra do terraço". O facto de se tratar de uma obra existente há mais de sessenta anos muito antes da entrada em vigor de toda a legislação administrativa invocada, designadamente o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, não é argumento válido para se considerar sanada a ilegalidade da obra de construção do terraço. De acordo com o disposto no artigo 60º nº 1 do RJUE, as edificações erigidas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas só não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes se no momento da respectiva construção cumpriam todos os requisitos materiais e formais exigíveis e no caso concreto não cumpriam, atenta a invocada legislação administrativa de 1914 (data do último Projecto de Obra aprovado) e até de 1903, que sempre determinou que na cidade de Lisboa não poderá proceder-se a reconstrução ou modificação importante em prédios já construídos, sem licença da Câmara Municipal. Não vinga também o argumento de que encontrando-se a decorrer uma fase administrativa com vista à regularização e licenciamento do terraço, fica prejudicada a discussão neste pleito quanto à verificação da legalidade ou ilegalidade da obra de construção do terraço. Tal argumento viola as dimensões substantivas e processuais dos princípios do dispositivo (artigo 5º do CPC) e do contraditório (artigo 3º do CPC). A lei processual não admite, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, que o reconhecimento de direitos seja fundamentado em hipotéticas verificações de factos futuros e incertos, ainda não ocorridos à data do encerramento da discussão da causa, pelo que a hipotética legalização do terraço no futuro, é um facto que não tendo sido sequer alegado e discutido, não pode ter-se por adquirido ao ponto de influir na decisão sanando a falta de licenciamento da cobertura/terraço.

                       Com esta argumentação os recorrentes esgrimem e sustentam a ilegalidade (administrativa) do terraço em questão, o que no seu prisma, leva a que o uso incondicional do local passa a ser feito fora dos limites da lei.

                       Em relação ao tema, que já havia sido levantado em termos da apelação, o douto acórdão recorrido respondeu dizendo “…não cabe nesta acção verificar se a existência do terraço existente no prédio da 1ª ré foi devidamente licenciado, na medida em que nem sequer é pedida a sua transformação em telhado.

Trata-se de uma obra existente há mais de sessenta anos, com enormes virtualidades de utilização, e portanto existente muito antes da entrada em vigor de toda a legislação invocada pelos apelantes nas suas alegações, nomeadamente na sua conclusão 44ª. Nem sequer se pode nesta acção decidir, como pretendem os apelantes, sobre a legalidade ou ilegalidade da obra do terraço também porque não existem elementos de facto para a sua aferição. Não basta dizer que uma obra é ilegal, há que alegar e provar os factos que permitam extrair tal inobservância legal.

Não basta, também, utilizar um parecer técnico, ainda que emitido pela autarquia competente, baseado numa legislação posterior à realização da obra, como já supra referimos, quando noutras situações já demonstradas no processo e referidas pelas testemunhas, a CML aceitou como antecedente válido a entrega de plantas e elementos de informação do prédio por parte da 2ª ré de onde já constava a existência do terraço. Sempre se chama a atenção para o teor do Alvará de Autorização de Utilização referido em II – 21) onde é feita menção expressa ao terraço. Além disso, encontrando-se a decorrer uma fase administrativa com vista à regularização e licenciamento do terraço, não pode este processo intervir sobre a qualificação da obra em causa, cuja eventual decisão sobre licenciamento é atacável por via de contencioso administrativo e não nos tribunais judiciais e muito menos numa acção que não tem como objecto o conhecimento da legalidade da obra”. Por isso, considerou a argumentação dos recorrentes em relação à ilegalidade do terraço como improcedente.

                        Como se sabe, este S.T.J., como tribunal de revista, não pode, em regra, imiscuir-se na apreciação da matéria de facto assente pelas instâncias. Como decorre do art. 682º nº 1 do C.P.Civil, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, sendo também que, como refere o nº 2 do mesmo artigo, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do art. 674º (isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova - prova vinculada -, situações arredadas do caso vertente).

                       Serve isto para dizer que, face à factualidade assente, é-nos absolutamente impossível fazer um juízo sobre a legalidade ou ilegalidade administrativa do terraço, como os próprios recorrentes devem convir[3]. É certo que invocam, em favor da sua tese, alguns documentos mas, como é bom de ver, não se tratando de prova vinculada e constituindo os mesmos meros elementos probatórios (a analisar pelas instâncias), a apreciação deles por este Supremo resulta destituída de sentido.

                       Acresce que, como bem refere o douto acórdão recorrido, no que toca à inexistência de direito válido das recorridas defendido pelos recorrentes (negação de direito a que leva a argumentação da ilegalidade da construção do terraço defendida pelas recorrentes), as AA. confundem exercício do direito de propriedade pelos donos, com a conformidade da coisa com o licenciamento camarário de obras feitas na mesma, o que ultrapassa o âmbito desta acção.

                       Com isto não se nega, obviamente, a possibilidade de junto das autoridades competentes (administrativas e até administrativas/judiciais) continuarem os AA. a esgrimir sobre a ilegalidade administrativa do terraço em questão.

                       De qualquer forma não deixaremos de sublinhar que, como se provou, o terraço existe há, pelo menos, sessenta anos, tendo sido utilizado algumas vezes anteriormente ao aproveitamento dado pela 2ª R., donde resulta que muito antes de os AA. irem viver para a casa em questão, já na casa ao lado existia o terraço com possibilidade do seu uso pelos anteriores donos e arrendatários. A sua não utilização ou o uso pouco frequente não gera na esfera jurídica dos recorrentes, qualquer direito, como eles parecem pretender, designadamente, ao afirmarem que aquando do arrendamento à Escola de Música nunca a cobertura havia sido frequentada por alunos, funcionários e corpo docente (vide arts. 27 e 28 da pi.).

                       Nesta conformidade e quanto a este aspecto a posição das recorrentes é insubsistente.

                        2-5- Posto isto entraremos no tema relevante e essencial que se levanta na presente revista e teve decisões divergentes nas instâncias, que é o saber se a utilização do terraço em questão na forma com vindo a ser feito pela 2ª R., viola direitos subjectivos dos AA. mais, concretamente, os seus direitos de personalidade.

                       Dizem os recorrentes que estando em causa uma situação jurídica conflituosa pela qual se convoca a apreciação de um confronto do exercício do direito de propriedade e de exercício de uma actividade económica por parte das recorridas com os seus direitos de personalidade, o acórdão aplicou mal o disposto nos artigos 1346º, 1347º, 70º, nº 1 e 335º, nº 1 do Código Civil. Discutindo-se direitos fundamentais (personalidade, propriedade e exercício de actividade económica) a interpretação e aplicação que o acórdão fez dos artigos 1346º, 1347º, 70º, nº 1 e 335º, nº 1 do Código Civil ao caso concreto é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, nº 2, 25º nº 1 e 66º, nº 1 da CRP e consequentemente, também saiu violada a interpretação e integração desses preceitos de harmonia com as regras do direito internacional, designada mente os artigos 3º e 25º nº 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O acórdão violou a interpretação sistemática do artigo 1347º do C. Civil, ao concluir que "não cabe nesta acção verificar se a existência do terraço existente no prédio da primeira foi devidamente licenciado, na medida em que nem sequer é pedida a sua transformação em telhado", quando decorre do seu nº 1, que o proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras ou instalações se for de recear que possam ter efeitos nocivos não permitidos por lei, que conferem ao proprietário do prédio vizinho o direito de a tal se opor e do nº 2 decorre que a existência ou não de licença da autoridade pública para a construção e manutenção da obra é importante para a determinação das medidas necessárias a remover o prejuízo decorrente da obra, designadamente a sua inutilização. Estando em causa precisamente o facto da recorrida DD ser proprietária de um prédio onde se encontra construída uma obra - a cobertura/terraço - que se alegou não estar licenciada e onde, nessa obra se encontra instalada um esplanada que para cuja utilização não existe licença. E que, da existência dessa obra e daquela instalação de esplanada promanam efeitos nocivos para os recorrentes, concretamente para a sua saúde e tranquilidade mal andou o acórdão, quando considerou inaplicável ao caso concreto aquele artigo 1347º. Pela aplicação do artigo 1347º conjugado com o artigo 1305º do Código Civil ao caso concreto, deveria o acórdão ter concluído, face à prova produzida, que no prédio do qual é proprietária a recorrida DD situado no n.º 7 da Rua ... em Lisboa, foi realizada uma obra de construção que alterou o telhado para terraço e que não se encontra em conformidade com o projecto aprovado pela CML e que, só por esse facto se deveria ter interditado o acesso e uso daquela obra nos termos do artigo 1305º do Código Civil, o qual restringe o exercício dos direitos de uso e fruição do proprietário quanto aos seus bens, quando não se encontre observada a lei, e nessa medida não lhe permite ceder o a terceiros esse uso e fruição. O acórdão viola ainda o artigo 1346º do Código Civil porquanto considerou que o mesmo não tinha aplicação ao caso concreto e tem. A interpretação sistemática do artigo 1346º com o artigo 1347º, ambos do Código Civil, revela que a proibição dos efeitos nocivos provenientes de um prédio, também se estende às actividades donde provêm essas emissões nocivas. No caso concreto deve ter-se por preenchida a previsão do artigo 1346º, por se concluir que a conduta da recorrida Zona Comoda, na qualidade de arrendatária do n.º 7 da Rua ... em Lisboa, ao passar a utilizar nesse prédio - situado numa zona habitacional e cujo destino se encontra afecto à habitação - o terraço não licenciado como recinto de festas e eventos esporádicos e como esplanada com horário de funcionamento e preços fixados, com consumos de comida e bebidas, alcoólicas e outras, constitui um uso anormal do prédio para efeitos daquele artigo, por se traduzir numa disfuncionalidade, atento o destino sócio-económico que lhe deveria ser dado.  Encontrando-se este terraço muito próximo do prédio dos recorrentes (a parte mais próxima à distância de 1,33 m da janela de um quarto) a utilização que dele é feita é causa directa, entre outras ofensas que se consideraram provadas, de perturbações no descanso e na estabilidade psíquica e emocional dos recorrentes BB e CC, ofensas essas que superam meros incómodos e mal estar para a qualidade de vida dos recorrentes, o que leva a considerar-se verificado o prejuízo substancial que, nos termos do aludido preceito, conjugado com o uso anormal, legitima de forma proporcional e adequada a interdição do acesso e a frequência daquele local, determinando a aplicação das injunções determinadas pela 1ª instância por cada dia de incumprimento. As ofensas aos direitos de personalidade dos recorrentes BB e CC assumem especial gravidade por se fazerem sentir naquela que é a sua única residência há mais de vinte anos (Ponto 24), onde sempre encontraram serenidade, conforto, privacidade e tranquilidade (Ponto 25) onde sempre pernoitaram, constituíram família onde sempre receberam familiares, amigos e hóspedes (Ponto 26). Se a jurisprudência se basta com os "meros incómodos e mal-estar" quando sentidos na residência pelo uso anormal de uma actividade decorrente de prédio vizinho para os considerar como ofensas suficientes na verificação do prejuízo substancial do artigo1346º do Código Civil, muito mais se encontra demonstrada essa verificação quando as ofensas chegam a perturbar a estabilidade psíquica, o descanso, a tranquilidade dos ofendidos como é o caso que ocorre com os recorrentes na sua própria casa - factos dados como provados pelas instâncias e que o acórdão não aceitou, erroneamente, tutelar. Esta tutela que assume no caso especial acuidade - e que o acórdão não relevou - no caso da recorrente CC, dada a especial sensibilidade que encerra a sua profissão de pianista para a qual passou a ser perturbada no local de ensaios que sempre foi a sua casa. "O julgador ao aplicar a lei no âmbito do direito de personalidade não deve atender ao um tipo humano médio, ao conceito de cidadão normal e comum, antes deve ter em conta a especial sensibilidade do lesado tal como é na realidade”. Neste contexto, as providências pedidas pelos recorrentes no sentido de se interditar o acesso ao terraço, são totalmente adequadas e proporcionais, no caso concreto, à luz dos artigos 70º, 1305º e 1346º e 1347º do Código Civil, 66º, nº 1 da CRP e demais legislação já invocada, tendo havido por parte da decisão sob censura uma interpretação e aplicação inconstitucionais daquelas normas por violação dos artigos 25º, nº1 e 66º, nº 1 da CRP. O acórdão violou ainda o instituto da colisão de direitos previsto no 335º do Código Civil conjugado com o artigo 70º do mesmo Código. A existência de uma colisão de direitos é meramente aparente no caso concreto, porquanto as recorridas DD e Zona Cómoda, não se apresentam como verdadeiras titulares do direitos de gozar e fruir do terraço tendo em conta que o mesmo é ilegal pelo que não é possível comparar a outros, e/ou restringir o exercício de um direito que não foi concedido. Quanto ao eventual direito à iniciativa privada do artigo 61º da CRP que o acórdão considerou relevante em defesa da recorrida Zona Cómoda, em abono se diga que o fez com total arbitrariedade, tendo em conta que não se encontra provado, porque a verdade é que não foi alegado um único facto em defesa deste direito que permita avaliar e ponderar a sua protecção em oposição aos direitos de personalidade dos recorrentes BB e CC, e direito de propriedade da recorrente AA. Mas mesmo a considerar-se, por mera cautela de patrocínio, haver aqui uma colisão de direitos, sempre o direito personalidade dos recorrentes BB e CC à comodidade do seu domicílio terão de prevalecer integralmente sobre o direito das recorridas e não adaptar-se, por ser aquele um direito eticamente superior, assim o considera a jurisprudência dominante. O pedido formulado pelos recorrentes, de interditar o acesso ao terraço assim evitando a produção de perturbações e ruídos que invadem o interior da sua habitação, é pois totalmente legítimo e proporcional, não colocando sequer em causa o prosseguimento da actividade exercida no estabelecimento de alojamento local, e quando estes dispõem de um espaço" jardim" amplo onde os seus clientes podem estar ao ar livre, tendo o acórdão decidido pela existência de colisão de direitos e sacrificado radicalmente os direitos de personalidade dos recorrentes mantendo-os reféns do beneficio dos direitos patrimoniais das recorridas. Com esta decisão lesou de forma grave e desadequada e desproporcionada os direitos dos recorrentes, violando directamente o artigo 335º nº 2 do Código Civil, cuja aplicação é, também neste caso, inconstitucional por violação dos artigos 18º, n.º 2, 25º, n.º 1 e 66º, n.º 1 da CRP.

                       Fazendo uma apreciação preliminar da extensa argumentação dos recorrentes, diremos que parte do seu raciocínio se baseia em circunstâncias factuais que não fazem parte do acervo de factos provados, sendo certo que, como é sabido, este Supremo só poderá aplicar o direito face à factualidade demonstrada. Sobre a recorrente invocação da ilegalidade administrativa do terraço em questão, já acima nos referimos, reafirmando que os elementos assentes não nos permitem fazer um juízo certo sobre a legalidade/ilegalidade de tal local.

                       Sobre a questão essencial em debate do douto acórdão recorrido afirmou que “a sentença recorrida julgou a acção com base, em suma, no confronto entre o direito das rés consagrado pelo art.º 1305º do Código Civil e o direito dos autores com base no art.º 70º do mesmo código, acabando por considerar que o exercício do primeiro invadiu ou estava a invadir o segundo direito”. Em ambas as apelações é invocado instituto da colisão de direitos previsto no art. 335º do Código Civil, …a apelante/2ª ré defende que os meros incómodos sofridos pelos autores não merecem tutela jurídica e muito menos tendo em atenção o princípio da proporcionalidade constante do art.º 335º. Os apelantes/autores, por seu turno, põem em causa a sentença invocando a violação das normas seguintes … Só depois de reconhecida a existência de direitos a cada uma das partes é que se poderá determinar se existe ou não colisão dos mesmos… Os direitos dos autores, apelantes no recurso subordinado, estão protegidos pelas citadas normas dos artºs 70º e 1346º do Código Civil, enquanto residentes, há mais de vinte anos, independentemente do título que o permite, no prédio contíguo ao das rés. Sendo essa a residência dos autores/apelantes… ainda que por tolerância da proprietária do imóvel, têm legitimidade substantiva para defender os direitos consagrados nas ditas normas contra as ameaças ou ofensas de terceiros. Trata-se de direitos pessoais e individuais e como tal inerentes à pessoa humana, tutelados no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, como direitos fundamentais na nossa Constituição, independentemente da localização pessoal, seja mesmo permanente ou temporária. Às rés assiste a defesa do direito consagrado no art.º 1305º do Código Civil, por via do qual é legislado o âmbito do direito fundamental e também consagrado no art.º 62º da CRP… Reconhecidos determinados direitos aos autores e às rés o exercício dos mesmos por parte daqueles não pode prejudicar o respectivo exercício por parte dos últimos e vice-versa, e sempre que se verifica uma colisão entre uns e outros há que recorrer então ao disposto no art.º 335º do Código Civil. Analisados os factos provados nos autos e mais relevantes para o conhecimento desta questão, consideramos que chamadas ofensas aos direitos dos autores não merecem a tutela do direito nos termos consagrados que na lei, quer na Constituição. Não se apurou qualquer ofensa è integridade física strito sensu dos autores. A imagem dos autores em nada é afectada, e mais do que qualquer pessoa que circule na via pública e se cruze com outras pessoas. Não se provou qualquer interesse especial na imagem e na vida dos autores por parte dos utentes do estabelecimento da 2ª ré. Nem o direito ao descanso é afectado de forma relevante que justifique uma protecção do direito de modo a criar constrangimentos na actividade da 2ª ré e no direito de uso e fruição do prédio vizinho ao da residência dos autores. Há que ter em conta que os prédios dos autos não se situam em qualquer uma zona rural ou pouco habitada, antes pelo contrário se situa na cidade mais desenvolvida e cosmopolita do país. Como decorre dos factos os imóveis situam-se numa das zonas mais centrais e frequentadas da cidade de Lisboa, com uma especial apetência para o turismo. Não se pode exigir ou esperar que numa zona como aquela em que os autores residem, junto ao Chiado, Bairro Alto e Cais do Sodré e próxima de Santos e do Rio Tejo, com uma frequência elevada de pessoas.

Consideramos que as rés tomaram as medidas exigíveis para minorar ao máximo a devassa da vida privada dos autores, da sua imagem e integridade moral e psíquica, bem como o seu repouso e descanso. O direito a um ambiente sadio por parte dos apelantes/autores em nada é afectado. Não se provaram quaisquer factos que demonstrem a violação do disposto no art.º 1346º do Código Civil por parte da 2ª ré.

A utilização do terraço por parte da 2ª ré, que é o que está verdadeiramente em causa, não afecta a vida dos autores de moldes a merecerem protecção especial do direito e cuja proibição, essa sim, afectaria de modo inaceitável o direito das rés consagrado no art.º 1305 do Código Civil. Também não estão apurados factos que integrem os requisitos do art.º 1347º do Código Civil invocado no recurso subordinado”.

                       Em razão destes fundamentos reconheceu o aresto recorrido que o direito das RR. (de propriedade) e a inexistência de direito ou direitos dos AA. que mereçam ser tutelados, levava a proceder a questão colocada pela apelante 2ª R. e a improceder a questão levantada no recurso subordinado pelos AA..

                        Vejamos:

                        Pela posição assumida pelas partes no processo, e como já vimos, o que está verdadeiramente em causa na presente acção é a utilização do terraço por parte da 2ª R., na forma como o tem vindo a fazer.

                    Por um lado, o uso do terraço pelo dono decorre do direito de propriedade[4], sendo que o art. 1305º do C.Civil estabelece que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.

                       Como refere Antunes Varela (RLJ, 114º, 75), “a regra geral, emanada desta disposição, é a de que o proprietário, como tal, goza de modo pleno e exclusivo, não apenas da faculdade de usar e fruir, mas também de dispor das coisas que lhe pertencem. Ressalvam-se apenas os limites traçados (de modo genérico) na lei, bem como as restrições por ela estabelecidas”. Ou seja, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos referenciados, com os limites e restrições decorrentes da lei.

                       Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (C.Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pág. 94 e 95) as restrições a que se refere a parte final do dispositivo em questão, podem ser de interesse público e de interesse privado. “Entre as restrições de direito público sobressai, pela gravidade do sacrifício imposto ao titular da propriedade, a expropriação por utilidade pública (art. 1308º)… Ao lado desta, muitas outras restrições estão previstas na lei. Há as restrições do direito de construir, por motivo de estética e higiene. Há-as resultantes da proximidade de certas vias de comunicação ou de correntes de água… As restrições de direito privado são as que resultam das relações de vizinhança. Têm elas em vista regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de os direitos de propriedade serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos[5].

                       Para o caso vertente interessa-nos as restrições de direito privado ao direito de propriedade, derivadas de evidente conflito de interesses entre vizinhos. “Por haver proximidade e contiguidade entre prédios, o proprietário não é livre de fazer tudo aquilo que se compreenderia num ilimitado “ius utendi, abutendi e fruendi”, têm de estabelecer-se restrições derivadas da necessidade de coexistência” (in Direitos Reais segundo Lições do Prof. Mota Pinto” de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, pág. 244).

                        Como restrição do direito de propriedade neste âmbito e com interesse para o caso vertente, estabelece o art. 1346º que o “o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, cheiros, calor ou ruídos, bem como a produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam".

                       São requisitos de aplicação deste dispositivo os seguintes:

                       a) A emissão de fumo, fuligem, cheiros, calor ou ruídos, ou a produção de trepidações e outros factos semelhantes; b) que os mesmos provenham de prédio vizinho; c) que as respectivas emissões importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho; d) ou que não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.

                        No que respeita a estes dois últimos requisitos, haverá a salientar que não se exige a sua verificação conjunta. Basta que um deles ocorra. Isto mesmo se demonstra pelo emprego da conjunção disjuntiva "ou", afastando-se a cumulação de elementos que apenas se concretizaria se se usasse a conjunção copulativa "e". 

                        Significa isto que, para o que aqui interessa, a disposição tanto se aplica quando as respectivas emissões importem um prejuízo substancial para a utilização do prédio vizinho, como quando as emissões não resultem da utilização normal do prédio donde provêm. Neste caso não é necessário que ocorra o prejuízo substancial para o uso do prédio vizinho. Estas emissões, seja quaisquer os prejuízos que causem, deverão sempre ser consideradas ilícitas (neste sentido vide o acórdão da Relação de Coimbra de 16-5-2000 de que foi relator, o relator do presente aresto, CJ 2000, 3º, 16).

                       Em síntese, poderemos assentar que para que uma pessoa, dona de um prédio vizinho[6], se possa opor à emissão de ruídos ou à produção de trepidações e outros factos semelhantes provenientes de outro prédio, devem tais emissões importar um prejuízo substancial para uso do seu imóvel. Igualmente essa pessoa o poderá fazer, mesmo que as emissões não impliquem um prejuízo substancial para esse uso, quando tais emissões resultem da utilização anormal do prédio donde provêm.

                        A utilização anormal do prédio “depende do seu destino económico, que deve ser apreciado objectivamente e em relação a cada caso … é seguro que a utilização normal do prédio depende, sempre, em alguma medida, das condições e dos usos locais” (Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 379).

                       No caso vertente, segundo cremos, deve ser, desde logo, colocada a hipótese de uso anormal do prédio, porque se provou que o espaço tem vindo a ser utilizado como esplanada, ou seja, local onde os hóspedes do estabelecimento tomam o pequeno-almoço, bebem bebidas alcoólicas, tocam guitarra, riem-se, divertem-se, onde permanecem a apanhar banhos de sol e onde se organizam festas. A utilização de um terraço de um imóvel, é compatível com o acesso para aí se usufruir de vistas, sol e outras utilidades, mas já escapa ao seu normal ou comum uso o seu aproveitamento como esplanada com os contornos mencionados, atendendo que se trata de um prédio integrado em zona habitacional.  

                       Para além desta hipótese, importa ainda considerar o caso de as emissões (de ruído)[7], importarem um prejuízo substancial para uso do imóvel vizinho (dos AA.)[8].

                       

                        Por outro lado, estabelece o art. 70º nº 1 do C.Civil que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral”, acrescentando o nº 2 da disposição que “independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”.

                       Face a estes dispositivos, conclui-se que a lei não contem uma definição geral ou uma definição do direito de personalidade, este abrange, na sua protecção, no âmbito do direito civil, todos aqueles “direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida» (Rabindranath Capelo de Sousa in A Constituição e os Direitos de Personalidade - Estudos Sobre a Constituição, Vol. 2°, Lisboa, 1978, pp. 93 e ss.). Segundo este mesmo autor “poderemos definir positivamente o bem da personalidade humana juriscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrado” (O Direito Geral de Personalidade, pág. 117). Assim, tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, designadamente, a culpa e a existência de um dano (art. 70°, nº 2, em ligação com o art. 483°). Neste sentido acrescenta o mesmo autor que “a lei civil reconhece protecção às pessoas tutela civil esta que se consubstancia quer no direito de exigir do infractor responsabilidade civil nos termos dos arts. 483º e segs. do Código Civil quer ainda no direito de «requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa cometida», através dos meios processuais previstos nos arts. 1474º e segs. do Código de Processo Civil” (obra referida pág. 104).

                        Por sua vez, o art. 25º nº 1 da Constituição afirma que a integridade moral e física das pessoas é inviolável. A respeito desta disposição Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição – 2007, pág. 454), referem que o “direito à integridade pessoal abrange as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa (n.º 1). Consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais”.

                        Quer dizer e para o que aqui importa, o referido art. 70º constitui uma norma geral de tutela da personalidade física e moral de uma pessoa, possibilitando a esta a reacção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua vida, à sua integridade física, à liberdade e à honra. A simples possibilidade de dano justifica a tutela decorrente do dispositivo. Evidentemente que na tutela da integridade física de uma pessoa se deve inscrever o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono. É sabido que a violação destes direitos, leva à degradação da saúde física e moral de um indivíduo. Neste sentido referiu-se adequadamente no acórdão deste STJ de 7-4-2011 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) que “sendo óbvio e inquestionável que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida na sua própria casa se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do referido direito fundamental de personalidade”. Também o aresto deste STJ de 17-1-2002 (no mesmo site), em sumário, referiu que “o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono são aspectos do direito à integridade pessoal, que faz parte do elenco dos direitos fundamentais”.

                        Por conseguinte, no âmbito da tutela dos seus direitos de personalidade, uma pessoa poderá usar e requerer as providências adequadas às circunstâncias concretas de forma a evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos das ofensas cometidas à sua integridade física e moral. E foi, precisamente, isto que pretenderam os AA. ao instaurar a presente acção[9].

                       Ao lado destes direitos, a jurisprudência tem vindo a considerar ainda o direito do ambiente tutelado pela própria Constituição da República Portuguesa ao estabelecer no seu art. 66º nº 1 que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios, assegurar tal direito, no quadro de um desenvolvimento sustentável e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, praticar as diversas actos e acções indicadas no nº 2 do dispositivo. Neste sentido refere-se no já indicado acórdão deste STJ de 7-4-2011 que “o direito do ambiente, enquanto causa de evidente poluição ambiental, com assento primacial no próprio texto constitucional, no plano dos direitos e deveres sociais, de natureza análoga aos direitos fundamentais, em que se insere o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66º), complementado e densificado pelas normas constantes da Lei de Bases do Ambiente, fundamentalmente orientada, imediatamente e em primeira linha, para a protecção de interesses colectivos ou difusos”.

           

                       Temos, assim, por um lado, o direito do proprietário (gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence), com os limites e restrições decorrentes da lei, designadamente do disposto no art. 1346º a que já nos referimos e, pelo outro, o direito da pessoa à protecção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral, na dimensão já referenciada, e o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado a que qualquer cidadão tem direito.             

                        Como conciliar estas realidades?

                       Estabelece o art. 335º nº 1 que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente os seus efeitos, sem maior detrimento para qualquer das partes”. Todavia, “se os direitos forem desiguais ou de espécies diferentes, prevalece o que deva considerar-se superior” (nº 2).

                       Quer dizer, em caso de colisão de direitos, sendo estes iguais, ou da mesma espécie, devem os titulares conciliá-los de forma a que não haja prejuízo para qualquer das partes. Porém, se os direitos forem desiguais ou de espécies diferentes, deve prevalecer o que seja de considerar superior. Como refere Pessoa Jorge “a superioridade de um direito em relação ao outro é feita em concreto, em ponderação dos interesses que cada titular visa atingir, não podendo afirmar-se que o interesse pessoal seja, em todas as circunstâncias, superior ao patrimonial” (Pressupostos de Responsabilidade Civil, pág. 201).

                       Temos para nós que em caso de colisão entre o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono num ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de uso, fruição que o proprietário tem sobre a coisa que lhe pertence, deve prevalecer aquele. É que aquele direito, implicando com a integridade física e moral do indivíduo, isto é, afectando os direitos de personalidade de uma pessoa, deve preponderar sobre o direito de propriedade (sobre o tema, vide entre outros o Acórdão deste STJ de 9-1-96, BMJ 453, 417). Assim também entendeu o acórdão deste STJ de 15-3-2007 ao afirmar que “os direitos de personalidade são direitos absolutos, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito, nomeadamente sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade comercial (P. Lima e A. Varela, C. C. Anot., 4ª ed., pág. 104, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, págs. 145-146, J. Gomes Canotilho, RLJ, 125º- 538). O direito ao repouso inscreve-se nesse conjunto de direitos imprescindíveis à existência, constituindo, enfim, uma componente dos direitos de personalidade”.

                       Todavia, regras de proporcionalidade e da justa composição dos interesses levam a que, mesmo o direito inferior (v.g. o direito de propriedade) deva ser respeitado até onde for possível e a sua limitação deve circunscrever-se à exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses. Referiu-se, a este propósito, no acórdão de 29-4-2014 deste STJ (in Sumários internos do STJ) “não obstante o direito ao repouso, descanso e saúde dos autores (enquanto direito de personalidade), terem um valor superior ao direito de propriedade da ré e ao direito económico de exercer e explorar uma actividade e dever, por isso, prevalecer sobres estes últimos, tal não significa que não se deva procurar uma solução que, ainda assim, equacione os direitos inferiores”.     

                       Para que a dita prevalência seja equacionada, será necessário provar-se que a acção ilícita (no caso, a emissão de ruídos) viole o direito ao repouso, tranquilidade e sono dos requerentes da providência, devendo integrar-se estas lesões no que estabelece o art. 1346º. Assim, para que os donos de um prédio vizinho, se possam opor à emissão de ruídos (ou à produção de trepidações e outros factos semelhantes provenientes de outro prédio), devem tais emissões importar num uso anormal do imóvel, ou num prejuízo substancial (ou seja, um dano considerável) para uso do seu imóvel. Nestas circunstâncias, sendo inconciliáveis os direitos em disputa, deve prevalecer, enquanto direito de personalidade, o direito ao repouso, descanso e saúde das pessoas lesadas.

                       Afirmou-se, em sumário, no já referido acórdão deste STJ 7-1-2002 de que “a ilicitude de um comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros, está no facto de, injustificadamente e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar tais baluartes de integridade pessoal”.

 

                       Postos estes entendimentos e princípios, recapitulemos os principais factos que, sobre o tema, ficaram demonstrados:

                       O nº 9 da Rua ..., foi o local que os 2º e 3º AA. escolheram para que fosse, para sempre, a sua casa, onde sempre pernoitaram, e onde, ao longo da sua vida, constituíram família (filhos e netos) receberam familiares, amigos e hóspedes.

                       O terraço a que se alude em V) encontra-se, na zona mais próxima, a 1,33 m da janela de um quarto existente ao nível do 1º andar do prédio dos AA.

                         O terraço existe há, pelo menos, sessenta anos.

                       O interior do quarto referido (dos AA.), sobretudo se a janela estiver aberta ou a luz estiver acesa, é visível a quem utilize o terraço, sendo igualmente visível, nas mesmas condições, parte do interior de uma das salas.

                       A 2ª R. colocou no terraço e na zona mais próxima do prédio dos AA., uma barreira física com 0,76 m de altura por 1,265m de largura, transponível.                               A 2ª R. pontuou o contorno do terraço com pontos de luz constituídos por uma mangueira de led’s brancos e candeeiros colocados no chão, onde outrora não havia qualquer iluminação, sendo que vários grupos de pessoas passaram a estar com habitualidade no terraço.

                       A frequência do terraço é mais intensa nos dias de bom tempo.  A 2ª R. transformou aquele espaço numa esplanada susceptível de ser utilizada diariamente das 7h às 23h no período de verão e no período de inverno das 7h às 20h

                       Habitualmente e quando o tempo o propicia, é nesse espaço que os frequentadores do Hostel tomam o pequeno-almoço, e permanecem a apanhar banhos de sol, os homens em tronco nu e as mulheres de biquíni.

                       Bebem bebidas alcoólicas, tocam guitarra, riem e divertem-se, fruto do momento de férias que gozam.

                        São essencialmente jovens de todos os locais do mundo.

                       As luzes só são desligadas com o “encerramento” da esplanada.    A música e as conversas havidas no terraço são, por vezes, audíveis no imóvel dos AA. até às 11 horas da noite.

                       A utilização do terraço nos moldes descritos tem perturbado o descanso e a estabilidade psíquica e emocional dos Autores BB e CC e em especial desta última A.

                        As rotinas diárias dos AA. tiveram que sofrer alterações.

                       Por vezes os AA. não conseguem adormecer à hora a que estavam habituados.

                       Nos dias de festa, os 2º e 3º AA. não dormem, dormitam, em estado de alerta induzido pelo ruído produzido pela 2ª R.

                       A 3ª A. com 61 anos, é uma pianista e exerce ainda de forma intensa a sua actividade.           

                       O silêncio e a vivência num ambiente sereno são indispensáveis para os ensaios diários que a ocupam.

                       O ruído que por vezes é produzido no terraço perturba a concentração da A.

                       A A. está envolvida num projecto de gravação de um CD com HH, cantor lírico.

                        Os AA. eram pessoas mais tranquilas.

                       Os AA. sentem-se desconfortáveis naquele que é o seu lar.

                       No terraço em causa, foi colocada uma barreira física, destinada a impedir o acesso dos utilizadores do terraço à zona mais próxima do prédio onde residem os 2º e 3º AA..

                        Da janela referida à mencionada barreira física e à parte do terraço que é objecto de uso distam mais de quatro metros.

                       Há muitos anos se encontram edificados, no terraço, bancos de cimento, em número de dezasseis encastrados nos muros de delimitação do terraço.            A iluminação, por norma, apenas fica acesa até às 23.00 horas.                                             Os hóspedes são aconselhados a não incomodarem os habitantes dos prédios vizinhos.                   

                       À excepção dos dias de festa, a música audível no terraço, quando a mesma está a ser reproduzida, é apenas música ambiente, de relaxamento, num volume de som perfeitamente regrado, muito baixo e sem picos de som.

                        As festas aludidas foram eventos esporádicos, realizados para celebrar ou comemorar determinados acontecimentos específicos ou para promover uma finalidade também específica.

                       A festa de Carnaval realizada no ano de 2011, foi uma festa de fim de tarde para durar entre as 17.00 horas e as 21.00 horas, destinada, essencialmente, assim como a festa da passagem do ano, aos utentes do “Hostel”, pessoas amigas e alguns convidados.

                        O terraço constitui um atractivo do “Hostel”.

                       A colocação de cortinas nas janelas contribuiria para assegurar a privacidade dos AA..

                       Existem regras do “Hostel” que proíbem os seus frequentadores de tomar banhos de sol no terraço.

                       Não é permitido aos utentes do terraço aí tocarem qualquer instrumento musical ou reproduzirem música.

                       

                       No douto acórdão recorrido, fazendo-se a apreciação dos factos provados, afirmou-se que “não se apurou qualquer ofensa è integridade física strito sensu dos autores. A imagem dos autores em nada é afectada, e mais do que qualquer pessoa que circule na via pública e se cruze com outras pessoas. Não se provou qualquer interesse especial na imagem e na vida dos autores por parte dos utentes do estabelecimento da 2ª ré. Nem o direito ao descanso é afectado de forma relevante que justifique uma protecção do direito de modo a criar constrangimentos na actividade da 2ª ré e no direito de uso e fruição do prédio vizinho ao da residência dos autores. Há que ter em conta que os prédios dos autos não se situam em qualquer uma zona rural ou pouco habitada, antes pelo contrário se situa na cidade mais desenvolvida e cosmopolita do país. Como decorre dos factos os imóveis situam-se numa das zonas mais centrais e frequentadas da cidade de Lisboa, com uma especial apetência para o turismo. Não se pode exigir ou esperar que numa zona como aquela em que os autores residem, junto ao Chiado, Bairro Alto e Cais do Sodré e próxima de Santos e do Rio Tejo, com uma frequência elevada de pessoas. Consideramos que as rés tomaram as medidas exigíveis para minorar ao máximo a devassa da vida privada dos autores, da sua imagem e integridade moral e psíquica, bem como o seu repouso e descanso. O direito a um ambiente sadio por parte dos apelantes/autores em nada é afectado. Não se provaram quaisquer factos que demonstrem a violação do disposto no art.º 1346º do Código Civil por parte da 2ª ré. A utilização do terraço por parte da 2ª ré, que é o que está verdadeiramente em causa, não afecta a vida dos autores de moldes a merecerem protecção especial do direito e cuja proibição, essa sim, afectaria de modo inaceitável o direito das rés consagrado no art.º 1305 do Código Civil. Também não estão apurados factos que integrem os requisitos do art.º 1347º do Código Civil invocado no recurso subordinado”. Em razão destes motivos, concluiu-se inexistir quaisquer direitos dos AA. que mereçam ser tutelados, pelo que se julgou improcedente a acção.

                       Não podemos aceitar, na sua totalidade, estes entendimentos e conclusão.

                        A nosso ver e sem dúvida apreciável somos em crer que a utilização do terraço nos moldes em que o tem vindo a ser pela 2ª R., tem causado aos AA., moradores do prédio vizinho, incómodos e perturbações do seu sossego, tanto mais que anteriormente o prédio era ocupado pela Escola ... e o terraço não era habitualmente frequentado. Os factos assentes denunciam estas circunstâncias, tendo-se, inclusiva e concretamente, provado que a utilização do terraço nos moldes descritos tem perturbado o descanso e a estabilidade psíquica e emocional dos AA. BB e CC e em especial desta última A.. Estes transtornos são derivados, essencialmente, dos ruídos, particularmente música, provenientes do terraço transformado em esplanada.

                       Provou-se também que foram realizadas festas no terraço em que as perturbações ao sossego dos mesmos AA. foram ampliadas, pese embora se tenha demonstrado que essas festas constituíram eventos esporádicos, realizados para celebrar ou comemorar determinados acontecimentos específicos ou para promover uma finalidade também específica.

                        Serão esses ruídos de moldes a perturbar de tal forma a vivência dos recorrentes, que deverão ser de todo proibidos, com a correspondente restrição ao direito de propriedade?    

                        Esta é a questão concreta, essencial, que nos é cometida para apreciação e decisão.

                       Já vimos que, nos termos do art. 1346º, para que uma pessoa, dona de um prédio vizinho se possa opor à emissão de ruídos, devem tais emissões ser provenientes de uma utilização anormal do espaço, ou um prejuízo substancial (ou seja, um dano considerável) para uso do seu imóvel. Donde resulta, neste caso, que o comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade de terceiros, terá que ir para além dos limites socialmente toleráveis e lesar, realmente, a integridade pessoal dos lesados.

                       Ora, se podemos aceitar que os incómodos e perturbações do sossego dos AA. (e devassa da sua vida privada) estão limitados, não só porque a 2ª R. colocou no terraço e na zona mais próxima do prédio dos AA. uma barreira física com 0,76 m de altura por 1,265m de largura destinada a impedir o acesso dos utilizadores do terraço à zona mais próxima do prédio onde residem os 2º e 3º AA. (da janela referida à mencionada barreira física e à parte do terraço que é objecto de uso distam mais de quatro metros), mas também porque foram estabelecidas regras (do “Hostel”) que proíbem os frequentadores do terraço de tomar banhos de sol no terraço e de aí tocarem instrumentos musicais ou reproduzirem música, o certo é que o uso anormal do espaço não demanda que o prejuízo para os vizinhos seja substancial. E já vimos que a utilização do terraço como esplanada constitui um uso anormal e anómalo de uma cobertura de um prédio, o que leva a dizer que a essa utilização imprópria conduz a que os proprietários do prédio vizinho, com êxito, logrem obter do tribunal, nos termos do referido art. 1346º, uma decisão tendente a fazer cessar esses ruídos e demais perturbações de sossego e recato.

                        Já dissemos acima que o direito ao repouso, descanso e saúde dos AA. (enquanto direito de personalidade), têm um valor superior ao direito de propriedade da R. e ao direito (económico) de exercer e explorar uma actividade e dever, por isso, prevalecer sobres estes últimos. Todavia, tal não significa que não se deva procurar uma solução de compromisso e consequentemente, sempre que possível, se deva tentar conciliar esses direitos. Serve isto para dizer que se bem que se entenda que o espaço em questão, pelas razões ditas, não deva, nem possa, ser usado como esplanada nos termos referidos, já a proibição de acesso à cobertura do prédio, ou seja, ao terraço, para aí se usufruir de vistas e outras utilidades não se justifica. Esta utilização além de não ser anómala (é normal que num prédio habitacional os moradores tenham acesso à sua cobertura retirando dessa entrada as correspondentes utilidades), não se vê que seja susceptível de causar aos A. incómodos e perturbações do sossego dos AA. e muito menos de forma relevante.

                        Em face dos direitos em confronto, o exercício do direito de propriedade em relação ao terraço pela R. (EE Ldª) não ultrapassa os limites do socialmente tolerável, dadas as circunstâncias de facto demonstradas. Teria um custo acentuado e radical para a 2ª R. a não utilização do terraço (e consequente cessação do aproveitamento das suas vantagens) e tal constituiria um dano muito superior ao sofrido pelos AA.. Nesta conformidade, se tal estivesse em causa (e não está já que sobre a questão – autónoma - incidiu a chamada dupla conforme), não poderíamos deixar de indeferir a pretensão dos AA. de impedir os RR. do acesso ao terraço.

                       

                       O recurso procede, pois, quanto ao (essencial) aspecto de utilização do espaço em causa como esplanada.

                       Quer isto dizer que se deve repristinar a decisão proferida na 1ª instância, o que significa que as RR. ficam condenadas “a absterem-se de utilizar como esplanada o terraço (cobertura) superior do prédio sito na Rua ... nº … em Lisboa, condenando a Ré Zona Cómoda a daí remover os chapéus de sol” e “todos os elementos que a componham” (este elemento resultante da aclaração efectuada).

                       Porque não existem razões para qualquer modificação, pelos fundamentos indicados na sentença de 1ª instância, mantém-se a condenação da R. EE Lda., ao abrigo do disposto no art. 829º-A nºs 1 a 3 a pagar aos AA. BB e CC a quantia de € 100,00 por cada infracção e/ou atraso à obrigação estabelecida.

                         

                       No que toca aos danos não patrimoniais sofridos pela A., igualmente se mantém o decidido em 1ª instância, para cujos fundamentos se remete. Sublinha-se que os factos provados não são de molde a justificar a atribuição de qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais, já que não revestem, a nosso ver, gravidade suficiente que mereçam a tutela do direito (art. 496º nº1 do C.Civil).

                       

                        III- Decisão:

                       Por tudo o exposto, dá-se parcialmente provimento à revista, condenando-se os RR. a absterem-se de utilizar como esplanada o terraço (cobertura) superior do prédio sito na Rua ... nº … em Lisboa, condenando a R. Zona Cómoda a daí remover os chapéus de sol e todos os (outros) elementos que a componham.

                        No mais, confirma-se o acórdão recorrido.

                       Custas pelos recorrentes e recorridos na proporção do respectivo vencimento.

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do C.P.Civil):

                       Lisboa, 1 de março de 2016

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

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[1] Facto aditado pela Relação na sequência da impugnação da matéria de facto pela 2ª R..
[2] Facto aditado pela Relação na sequência da impugnação da matéria de facto pela 2ª R..
[3] Os factos assentes referenciados nos nºs 19, 21, 29, são os únicos em que se referem interferências da Câmara Municipal de Lisboa, porém, como nos parece evidente, sem conteúdo útil para se poder aquilatar da legalidade/ilegalidade do espaço em questão.
[4] É certo que a 2ª R. é arrendatária do espaço, mas como correctamente se refere no douto acórdão recorrido (sem que se veja que os recorrentes aduzam algo em contrário, o direito “atribuído ao proprietário, pode ser exercido também pelo arrendatário, na medida em que este adquire por via do contrato de arrendamento o direito de uso e fruição do bem locado que assiste àquele, ainda que temporariamente”, sendo que ao mesmo “assiste, nomeadamente, os mesmos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e segs. (art.º 1037º, n.º 2, do Código Civil)”.
[5] Vide também sobre o mesmo tema “Direitos Reais segundo Lições do Prof. Mota Pinto” de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, págs. 243 e segs.
[6] No caso dos autos não se coloca em dúvida que os prédios em causa, são prédios vizinhos, sendo que estes, serão, normalmente, os prédios contíguos.
[7] Foi, essencialmente, na emissão de ruídos do prédio das RR. que os AA. fundamentam a presente acção (vide p.i., designadamente, arts. 41º, 51º, 57º, 59ºe 67º).
[8] Os recorrentes também invocam, a favor da sua tese, a violação pelas recorridas, do disposto no art. 1347º do C.Civil, mas tal invocação resulta destituída de sentido porque o dispositivo diz respeito a construção ou manutenção pelo proprietário, no seu prédio, de obras, instalações, ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, situações que patentemente se não verificam no caso vertente, como aliás, se menciona no douto acórdão recorrido.

[9] Como se refere correctamente no douto acórdão recorrido, estas evidenciadas “normas consagram como direitos fundamentais o que já tinha sido consagrado pelas normas invocadas pelos apelantes /autores da CEDH e DUDH, pelo que a violação daquelas implica a violação destas”.