Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
052439
Nº Convencional: JSTJ00008497
Relator: ROCHA FERREIRA
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
ONUS DA PROVA
ONUS DA ALEGAÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19460322052439
Data do Acordão: 03/22/1946
Votação: MAIORIA COM 5 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 11-04-1946; BOMJ ANO6,61; RLJ 78/407
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1946
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: L 1662 DE 1924/09/04 ARTIGO 5 PAR6 PAR8.
CPC39 ARTIGO 267 ARTIGO 485 A ARTIGO 491 ARTIGO 498 ARTIGO 519.
Sumário :
"E ao inquilino que incumbe alegar e provar que a acção de despejo, fundada em qualquer das infracções referidas nos paragrafos 6 e 8 do artigo 5 da Lei n. 1662, foi intentada fora do prazo neles estabelecido."
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em sessão de tribunal pleno:

A, invocando oposição sobre a mesma questão de direito entre o acordão de folha 248, que lhe negou a revista, e o de 29 de Outubro de 1943, publicado no Boletim Oficial, ano III, pagina 404, recorre para o tribunal pleno para que seja resolvido esse conflito de jurisprudencia e se fixe doutrina.
Como se decidiu no acordão de folhas 282, que admitiu o recurso, efectivamente existe essa oposição, pois que no acordão recorrido julgou-se que, sendo de caducidade o prazo do paragrafo 8 do artigo 5 da lei n. 1662 e tratando-se de facto extintivo do direito a acção, cumpria a re, ora recorrente, excepciona-lo e prova-lo; e no acordão ora invocado decidiu-se que, não sendo de prescrição, mas de caducidade , o prazo do paragrafo 6 daquele artigo, por se tratar de elemento constitutivo do direito de acção, era o autor que o teria de alegar e provar.


As conclusões da alegação da recorrente são as seguintes: a) O Supremo assentou em que o prazo do artigo 5, paragrafo 8, e de caducidade e não de prescrição; b) Firmado esse bom principio - ja estabelecido no acordão de folha 221 , que transitou -, impunha-se reconhecer que a alegação do Autor, na petição inicial, de ter sabido da infracção menos de seis meses antes de propor a acção era facto constitutivo do direito dele e cuja prova lhe incumbia; c) O direito do Autor ao despejo so poderia ser reconhecido quando ele provasse aquela alegação; d) O Supremo indevidamente qualificou o conhecimento de mais de seis meses como facto extintivo ou impeditivo do direito do Autor, pois e da essencia da caducidade que ela não faz extinguir direitos e apenas evita que os mesmos se constituam; e) A jurisprudencia do acordão de 29 de Outubro de 1943 e, portanto, preferivel a do acordão recorrido e deve ser firmada, tirando-se o respectivo assento.


O recorrido e o Excelentissimo Procurador da Republica sustentam a legalidade do acordão em recurso.


Não e exacta a doutrina do mencionado acordão de 1943 de que, não sendo de prescrição, mas de caducidade, o prazo do paragrafo 6 do artigo 5 da lei n. 1662 e se tratar de elemento constitutivo do direito a acção, e o autor que tem de alegar e provar que ela foi proposta dentro desse prazo.
A distinção entre a caducidade e a prescrição tem relevancia para o efeito da interrupção dos respectivos prazos.


Assim, o da caducidade interrompe-se pela propositura da acção (Codigo de Processo Civil, artigo 267); o da prescrição interrompe-se pela citação do reu para a acção (artigos 267 e 485, alinea a).


Mas tanto na caducidade como na prescrição se da a perda de um direito pelo seu não exercicio no prazo designado na lei.


E ha que distinguir o direito ao despejo por infracção do contrato da condicionalidade limitativa do exercicio desse direito, concretizada no prazo fixado e contado nos termos dos paragrafos 6 e 8 do artigo 5 da lei n. 1662.
Ora, como e obvio e resulta do seu proprio caracter restritivo, a lei estabeleceu tal condicionalidade em unicio e exclusivo beneficio do inquilino; e, portanto, um elemento de defesa, cujo uso não pode, por isso, ser atribuido ao senhorio como elemento do seu direito.


Do estabelecido no Codigo de Processo Civil sobre a alegação dos factos e onus de prova igualmente resulta não ser o proponente da acção obrigado a alegar e a demonstrar que ela foi tempestivamente intentada.
Com efeito, segundo o artigo 519:


Ao autor incumbe provar os factos constitutivos do direito em que a acção se funda, ou sejam, os que perante a lei são necessarios e suficientes para que esse direito judicialmente se defina e a acção possa proceder;
Incumbe ao reu a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo autor.


E alegando o reu factos novos que importem a absolvição do pedido, por verificação de factos que impeçam ou extingam o efeito juridico dos alegados pelo autor, tem de defender-se por excepção (artigo 491 e 498).
Ora o decurso do prazo para a propositura da acção e, irrecusavelmente, um facto extintivo do direito do autor, que portanto, tera de ser excepcionado e provado pelo reu, como se decidiu no acordão recorrido.
E, como ai se observou, no caso dos autos a tal, não obstava o facto de o Autor haver alegado que tivera conhecimento da infracção fundamento do despejo menos de seis meses antes de propor a acção, visto que o fez, não por imposição da lei, mas tão somente na previsão de que a re viesse alegar, como veio, que ela fora extemporaneamente proposta.
E, assim, de manter o referido acordão.


Pelos fundamentos expostos, negam provimento ao recurso, condenando a recorrente nas custas, e estabelecem o seguinte assento:


E ao inquilino que incumbe alegar e provar que a acção de despejo, fundada em qualquer das infracções referidas nos paragrafos 6 e 8 do artigo 5 da lei n. 1662, foi intentada fora do prazo neles estabelecido.



Lisboa, 22 de Março de 1946

- Rocha Ferreira - Magalhães Barros - F. Mendonça - Baptista da Silva - Baptista Rodrigues - Pedro de Albuquerque - Oliveira Pires - Roberto Martins - Julio de Seabra - Heitor Martins (vencido. Votei a revogação do acordão recorrido porque o termo peremptorio para o exercicio de um direito, cujo decurso determina a caducidade, e incluido no proprio direito, razão por que tem de considerar-se constitutivo do proprio direito. A caducidade contem-se no facto objectivo do decurso de tempo fixado para o exercicio do direito, e por isso não pode ser suspensa.
E sabido que a diferença entre prescrição extintiva e caducidade consiste essencialmente em que a prescrição extingue uma situação subjectiva, uma obrigação ja concretizada, ao passo que a caducidade extingue um mero poder legal, ou objectivo, razão por que ela pressupõe o interesse publico e tanto que não precisa de ser alegada para ser apreciada.
Portanto, se o autor alega que teve conhecimento do facto que a lei considera como fundamento de despejo em tempo de não haver caducidade, ha-de prova-lo. Se nada diz ao reu compete provar, se o alegar, que decorreu o prazo da caducidade e, portanto, se extinguiu o direito do autor a ver decretado o despejo.


Para o autor a caducidade constitui um facto extintivo, mas este tem de ser apreciado independentemente de alegação do reu (artigo 481, n. 3, do Codigo de Processo Civil), quando o possa ser.


Assim, no caso vertente, cumprindo ao autor provar a tempestividade da acção, a doutrina estabelecida, por falta da indispensavel maleabilidade, contraria as regras reguladoras do onus da prova) - Teixeira Direito (vencido, pelos fundamentos do voto antecedente) - Sampaio e Melo (vencido, pelos mesmos fundamentos, acentuando que a forma absoluta da doutrina do assento dispensa o autor, sobre o prazo do artigo 5, paragrafo 8, da lei n. 1662 - prazo de caducidade -, de fazer a prova do respectivo facto que alega, um dos fundamentos do seu direito (ver artigos 480, n. 4, e 519 do Codigo de Processo Civil), e e inconciliavel com a disposição generica do artigo 481, n. 3, do mesmo Codigo) - Raul Duque ( vencido. O reu defende-se por impugnação, contradizendo os factos alegados pelo Autor (artigo 491 do Codigo de Processo Civil), e por excepção, fazendo a prova dos factos positivos ou negativos que a ela servem de fundamento (artigos 498 e 519 do Codigo de Processo Civil).


Desde que ao Autor senhorio não incumba a obrigação de alegar e provar que esta em tempo de exercer o seu direito de propor a acção de despejo, por tal direito não ter caducado, não a alega, e por isso o Reu inquilino não pode contradizer o que afirmado ou alegado não foi pelo Autor.
Por outro lado, os prazos fixados na lei para o exercicio de um direito são de natureza substantiva porque na sua finalidade acompanham esses direitos para que estes possam ser exercidos, e por isso tais prazos não são de prescrição, que e de natureza processual, mas sim de caducidade.
Esta da-se pela extinção do direito de exercicio da propositura da acção que não se traduz em excepção.


Não sendo, como não e, uma excepção, e tanto que da caducidade tem de conhecer-se oficiosamente (n. 3 do artigo 481 do Codigo de Processo Civil), não tem de ser excepcionada pelo Reu, mas sim alegada pelo Autor senhorio como complemento da existencia do seu direito de propor a acção) - A. Cruz Alvura (vencido, por a tempestividade da acção ser uma condição de procedibilidade cuja verificação compete ao juiz (n. 3 do artigo 481 do Codigo de Processo Civil) em face dos elementos fornecidos com a petição inicial, um dos quais a indicação do facto que tenha sido termo inicial do prazo, conforme para o contencioso administrativo se ve de varias disposições, como a do artigo 838 do Codigo Administrativo, e so quando o reu impugnar a veracidade da indicação (final do paragrafo 2 daquele artigo) serem aplicaveis as regras legais do encargo da prova).