Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
052853
Nº Convencional: JSTJ00008492
Relator: PEDRO DE ALBUQUERQUE
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMERCIO OU INDUSTRIA
FORMA DO CONTRATO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19470527052853
Data do Acordão: 05/27/1947
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 27-06-1947; BMJ N1 ,259; RLJ 80,75
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1947
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CNOT35 ARTIGO 163 N7.
CPC39 ARTIGO 1047 PARUNICO.
DL 22661 DE 1933/06/13 ARTIGO 1.
DL 27235 DE 1936/11/23.
DL 17731 DE 1929/09/13.
DL 16732 DE 1929/04/13 ARTIGO 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1947/02/07 IN BOL OF ANOVII N39 PAG85.
Sumário :
"As disposições do artigo 1 do Decreto n. 22661, de 13 de Junho de 1933, e do paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil, são alicaveis aos primeiros arrendamentos de predios, ou de parte de predios para fins comerciais ou industriais, e somente não podem ser reconhecidos em juizo os novos arrendamentos da mesma natureza cujos contratos não constem de escritura publica".
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em sessão plenaria:

A requereu a posse judicial do predio descrito na Conservatoria do Registo Predial de Famalicão sob o n. 42376, e cuja transmissão foi registada a seu favor pela inscrição n. 21724, a folhas 97 do Livro G 30, por te-lo comprado por escritura de 16 de Novembro de 1942, e estar sendo ocupado sem titulo legitimo por B, padeiro, que se recusa a entregar-lho.
Alegou o requerido que e arrendatario, por contrato verbal, do res-do-chão e quintal do aludido predio, onde tem instaladas duas padarias, uma de pão de milho, e outra de pão de trigo, datando esse arrendamento de Fevereiro de 1942, e foi feito com C ao tempo dono do predio, por periodos renovaveis de um mes, e renda de 150 escudos, mais tarde elevada para 200 escudos, quando esse C vendeu o predio com as licenças das padarias, a D, a quem, depois, a requerente a comprou.


Alegou ainda que o contrato de arrendamento não foi reduzido a escrito, por culpa da actual senhoria, que se recusou a assinar a escritura, com o fundamento de não ter sido pago o imposto de selo devido, mas pode ele ser provado por qualquer meio de prova, nos termos do paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil.


A requerente na resposta a contestação, alegou que não tinha conhecimento de tal contrato de arrendamento, mas, ainda que existisse, não podia ser invocado em juizo, por não constar de escritura publica, como e exigido pelo Codigo do Notariado, e Decreto n. 27235, e não ser aplicavel ao caso a disposição do paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil.


A sentença decidiu mandar conferir a posse requerida, sem prejuizo do uso e fruição da parte do predio que o requerido ocupa, mas a Relação revogou-a, e mandou conferir a posse real e efectiva, sem respeito por esse uso e fruição, por não existir juridicamente o arrendamento invocado.
O Supremo revogou esse acordão da Relação, e manteve a decisão da 1 instancia, por acordão de folhas 253, do qual vem interposto agora para o Tribunal Pleno, o presente recurso, pela senhoria do predio em questão,
A, com o fundamento de estar em contradição com o de 9 de Janeiro de 1945, publicado no Boletim Oficial, ano V, n. 27, pagina 16, ambos proferidos sobre a mesma questão de direito, e no dominio da mesma legislação.
Ambas as partes apresentaram as suas alegações, e bem assim o douto magistrado do Ministerio Publico.


Tudo visto.


E manifesta, como se julgou no acordão de folhas 208, a oposição entre o acordão recorrido de folhas 253, e o de 9 de Janeiro de 1945, sobre a mesma questão de direito - aplicabilidade da disposição do paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil, aos arrendamentos de predios urbanos para fins comerciais ou industriais - pois, enquanto que neste se decidiu que so por escritura publica se podem provar tais arrendamentos, foi decidido no acordão recorrido que, embora a lei exija escritura publica para a sua prova, pode contudo o contrato provar-se por qualquer outro meio, quando o arrendatario demonstre que a falta de escritura e imputavel a negligencia, coação, dolo ou ma-fe do senhorio.


E não ha duvida tambem que as duas decisões foram proferidas no dominio da mesma legialação.


Ha, portanto, que resolver este conflito de jurisprudencia.
Diversas tem sido as formas de solucionar a questão, estando as soluções adoptadas pelo acordão recorrido, e pelo de 9 de Janeiro de 1945, em dois extremos diametralmente opostos, mas duas outras soluções intermedias ja teve o problema; uma que faz depender a validade do arrendamento do pagamento do imposto do selo e respectiva multa, podendo ele provar-se por qualquer meio de prova, desde que se mostre feito esse pagamento; e, por ultimo, outra recentemente foi seguida em que se faz a distinção entre primeiros e novos arrendamentos, e essa não exige a escritura publica para aqueles, mas exige-a para estes.


Vejamos qual a doutrina em que deve assentar-se.


Embora a solução que foi seguida pelo acordão recorrido, possa considerar-se, talvez, a mais justa e razoavel, por igualar, sob o ponto de vista em questão, os arrendamentos de predios destinados a comercio ou industria, aos destinados apenas a habitação, e por ser assim que melhor podiam acautelar-se os interesses dos arrendatarios daqueles predios, que não são menos de respeitar que os dos destinados so a habitação, ha que reconhecer, contudo, que não e essa a solução que melhor se harmoniza com as disposições legais ao caso aplicaveis.


Mas tambem, por demasiadamente rigorosa, a doutrina apoiada na letra da lei (n. 7 do artigo 163 do Codigo do Notariado), de que e sempre exigivel a escritura publica para a prova dos arrendamentos de que se trata, não parece ser a mais aconselhavel, porque, tal doutrina, se vingasse, viria criar serias dificuldades a grande numero de arrendatarios comerciais, que, em caso de despejo por falta de escritura de arrendamento, dificilmente poderiam conseguir novo local onde instalar os seus estabelecimentos, podendo ate resultar dai grave prejuizo para a economia nacional.
E, portanto, mais defensavel a doutrina recentemente seguida pelo acordão deste Supremo Tribunal, de 7 de Fevereiro ultimo, publicado no Boletim Oficial, ano VII, n. 39 pagina 85, em que se faz a distinção entre primeiros e novos arrendamentos, porque, defendendo-se por esse sistema os interesses do Estado, são de certo modo garantidos tambem os das partes interessadas.
Com efeito, o Decreto n. 27235, de 23 de Novembro de 1936, como os anteriores Decretos n. 17331, de 13 de Setembro de 1929, e n. 27154, tiveram por fim evitar a fuga do imposto de 5% que o artigo 2 do Decreto n. 16732 de 13 de Abril de 1929 mandou aplicar nas escrituras de trespasse de estabelecimentos comerciais, ou documentos de novo arrendamento de predios, ou parte de predios urbanos, ocupados por estabelecimentos comerciais ou industriais, ou sua dependencia, exigindo, para isso, os referidos diplomas que os novos arrendamentos dessa natureza, sejam, como os trespasses, reduzidos sempre a escritura, sem o que não poderão os respectivos contratos ser invocados, nem admitidos em juizo, ou perante qualquer autoridade ou repartição publica.
E, enquanto que assim e, por expressa determinação da lei, relativamente aos novos arrendamentos comerciais, que são os unicos que estão sujeitos ao referido imposto de selo, nada diz a lei a respeito dos primeiros arrendamentos, isto e, dos que não são novos.


E, pois de concluir do silencio da lei, que estes, os primeiros arrendamentos, porque não estão sujeitos ao pagamento de tal imposto, diversamente dos novos, podem fazer-se valer por todos os meios de prova, quando a falta de escritura seja imputavel ao senhorio ou ao arrendatario, nos termos do artigo 1 do Decreto n. 22661, de 13 de Junho de 1933, e paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil.


E consideram-se novos arrendamentos, para os referidos efeitos, em face do que preceituam os aludidos Decretos ns. 17331 e 27235, as locações de predios que a data dos contratos estejam ocupados por estabelecimentos comerciais ou industriais, e as daqueles que, embora nesse momento não estejam ocupados por estabelecimentos dessa natureza, ja, contudo, estiveram nessa situação ha menos de um ano; e ainda se consideram novos arrendamentos, os contratos referentes a predios ou parte deles, em que os proprios senhorios tenham nessa data, ou ja tiveram ha menos de um ano, um estabelecimento comercial ou industrial.


Pelo contrario, são primeiros arrendamentos, os respeitantes a predios, ou parte deles, onde nunca existiu qualquer estabelecimento comercial ou industrial, ou, se alguma vez existiu, ja passou mais de um ano da data dos respectivos contratos.


Estabelecidos, assim, estes principios, em conformidade com as citadas disposições legais - os novos arrendamentos, unicos sujeitos ao pagamento do imposto do selo de 5% so por escritura podem provar-se - os primeiros arrendamentos, isentos desse imposto, podem provar-se por qualquer meio quando a falta da escritura seja imputavel ao senhorio ou ao arrendatario - ha que fazer agora a sua aplicação ao caso que se discute.
Conforme vem provado pelas instancias, trata-se de um arrendamento comercial ou industrial, pois a parte do predio hoje da recorrente, e cuja posse ela requereu, esta sendo ocupada pelo recorrido, que ali tem instaladas duas padarias, tendo-a para esse fim arrendado por contrato verbal, celebrado em Fevereiro de 1942, com o antigo proprietario do predio, que foi quem montou ali os respectivos estabelecimentos de padaria, e os estava explorando por sua conta a data desse contrato, o qual tem, portanto, de se considerar como novo arrendamento sujeito ao pagamento do imposto de selo criado pelo artigo 2 do Decreto n. 16732, e tanto assim que o proprio recorrido o pagou ja, como se mostra pelo documento de folhas 47; e, porque tal contrato e muito posterior ao Decreto n. 17331, e não foi reduzido a escritura publica, nos termos desse mesmo decreto, e do artigo 1 do Decreto n. 27235, não pode ser reconhecido em juizo, para o fim que o recorrido o invocou - impedir que a recorrente fosse conferida a posse real e efectiva da parte do predio em questão.
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, e, revogando-se, consequentemente, o acordão recorrido, confirma-se o da Relação, com custas pelo reu, ora recorrido, e estabelece-se o seguinte assento:
"As disposições do artigo 1 do Decreto n. 22661, de 13 de Junho de 1933, e do paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil, são aplicaveis aos primeiros arrendamentos de predios, ou de parte de predios para fins comerciais ou industriais e somente não podem ser reconhecidos em juizo, os novos arrendamentos da mesma natureza, cujos contratos não constem de escritura publica".



Lisboa, 27 de Maio 1947

Pedro de Albuquerque (Relator) - Rocha Ferreira - Heitor Martins - A. Cruz Alvura - Artur A. Ribeiro - Amaral Cabral - Tavares da Costa - Oliveira Pires, (Vencido, porque entendo, pelas razões que vou expor, que a lei exige a escritura publica para os arrendamentos dos estabelecimentos comerciais ou industriais. O artigo 44 do Decreto n. 5411, preceituando que o arrendamento sera feito por escrito, estabeleceu uma regra geral relativa a forma do contrato de arrendamento dos predios urbanos. O paragrafo unico do artigo 1047 do Codigo de Processo Civil manteve uma regra de protecção aos arrendamentos de facto que ja vinha estabelecida no artigo 4 da lei n. 1662, no artigo 1 do Decreto n. 22661 e no paragrafo unico do artigo 150 do Decreto n. 21287.

Os Decretos ns. 17331, de 1929, e 27235, de 1936, são de caracter fiscal, e os seus preceitos relativos a forma dos arrendamentos comerciais ou industriais so visam ao pagamento do selo.
O Codigo do Notariado de 1931 e o primeiro diploma de caracter civil que, no artigo 147, n. 7 exige a escritura publica para esses arrendamentos; e a disposição e mantida pelo actual Codigo, de 1935, no n. 7 do artigo 163.
A escritura publica e um documento autentico, e, segundo o artigo 2428 do Codigo Civil, "A falta de documentos autenticos não pode ser suprida por outra especie de prova, salvo nos casos em que a lei assim o determinar expressamente".
Ora, nenhum preceito de lei determina expressamente que a forma da escritura publica prescrita para os arrendamentos comerciais ou industriais pode ser substituida por outro meio de prova.
Pela lei civil anterior ao Codigo de Notariado de 1931 so se atendeu ao interesse particular, ou fiscal.
O arrendamento de predios urbanos deviam constar de um simples escrito particular; mas podiam ser verbais os de pouco valor, e todos os arrendamentos de predios rusticos, mesmo os destinados a explorações comerciais ou industriais.
Dispõe o artigo 686 do Codigo Civil que "a validade dos contratos não depende de formalidade alguma externa, salvo daquelas que são prescritas na lei para a prova deles, ou que a lei, por disposição especial, declara substanciais".
Ora o Codigo de Notariado declara substancial ou insubstituivel a forma solene da escritura publica para a validade dos arrendamentos de estabelecimentos comerciais ou industriais e sublocações dos locais aos mesmos destinados, determinando que tais contratos "so poderão provar-se por escritura publica" (citados preceitos dos Codigos de 1931 e 1935).
O mesmo Codigo exige ainda a escritura publica para a prova de outros actos juridicos que, pela lei anterior, podiam ser realizados por simples escrito particular (Confronte-se os ns. 1, 2 e 3 do artigo 163 do Codigo do Notariado de 1935, com os artigos 1459,
1590 e 912 do Codigo Civil e artigos 113, 115 e 116 do Codigo Comercial).
E manifesto que e sempre de interesse e ordem publica a lei que exige a escritura publica como unica prova dos actos juridicos.
E a nulidade resultante da falta de escritura publica em tais casos e insanavel (artigo 10, paragrafo unico do Codigo Civil).
Não se compreenderia que, exigindo a lei a escritura publica para os arrendamentos sujeitos a registo (artigo 163, n. 6 do Codigo do Notariado), ou seja no caso previsto no artigo 1622 do Codigo Civil, a não exija para prova de contratos em que se confere ao inquilino direitos importantes como são o de poder trespassar o estabelecimento, sublocar o predio e exercer o direito de preferencia.
Esta em pleno vigor o preceituado no Codigo de Notariado quanto a forma dos arrendamentos comerciais ou industriais.
E, pois, de concluir que lei civil especial exige, expressa e claramente, no interesse e ordem publica, a forma solene da escritura publica como unica prova de todos os arrendamentos e sublocações de predios destinados a estabelecimentos comerciais ou industriais.
Como sustentou o ilustre Procurador Geral da Republica na sua douta exposição, se esses arrendamentos não constarem de escritura publica, são nulos e de nenhum efeito, não sendo de aplicar a tais casos o regime de protecção dos arrendamentos de facto por ser inconciliavel com eles.
O acordão tambem assim o entende, mas somente para os casos de "novos arrendamentos".
Mas o acordão funda-se em disposições da lei fiscal, estabelecidas com o unico fim de se evitar a fuga do imposto, e não atendeu a disposição expressa da lei civil, que não foi revogada pelo Decreto n. 27235.
Não faria sentido que a lei so exigisse a escritura publica nos "novos arrendamentos".
A exigencia da escritura so se compreende pela razão que referi.
Não foi em atenção ao valor do objecto do contrato nos "novos arrendamentos" que a lei fiscal exige para esses contratos a escritura publica.
O valor do estabelecimento comercial ou industrial depende de varias circunstancias, entre as quais, e principalmente, do local onde se encontra instalado, do credito de que goza o comerciante ou industrial, e da natureza do comercio ou industria que se exercia ou se começou a exercer.
Diz o acordão que a doutrina fundada no n. 7 do artigo 163 do Codigo do Notariado, se vingasse, viria criar serias dificuldades a grande numero de comerciantes, de que ate poderia resultar grave prejuizo para a economia nacional.
Mas os comerciantes sabem que, desde a publicação do Codigo de Notariado de 1931, entre os actos juridicos, que o artigo 147 desse Codigo sujeita a escritura, se incluem todos os arrendamentos e sublocações dos locais destinados a estabelecimentos comerciais ou industriais, e que a disposição foi mantida pelo novo Codigo no artigo 163, n. 7.
Se o legislador entendesse que da exigencia da escritura para tais arrendamentos poderia resultar grave prejuizo para a economia nacional, a disposição do n. 7 daquele artigo não teria sido mantida no novo Codigo.
A disposição continua em vigor, certamente porque ainda e considerada de interesse e ordem publica, razões que sobrelevam o interesse particular.
Azevedo e Castro (vencido pelos mesmos fundamentos) -
- Magalhães Barros (vencido pelos mesmos fundamentos) -
- Teixeira Direito (vencido pelos mesmos fundamentos) -
- Sampaio e Melo (vencido pelos mesmos fundamentos) -
- Raul Duque (vencido pelos mesmos fundamentos).