Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047526
Nº Convencional: JSTJ00012711
Relator: PONCES DE CARVALHO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
DIVIDA COMERCIAL
PRESUNÇÃO
MULHER
PROVEITO COMUM
EXECUÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19350409047526
Data do Acordão: 04/09/1935
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 07-05-1935; COL OF ANO34,96
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1935
Área Temática: DIR COM. DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CPC876 ARTIGO 924 ARTIGO 928 ARTIGO 1176.
CCOM888 ARTIGO 10 ARTIGO 15 ARTIGO 335.
CPCOM05 ARTIGO 143.
CCIV867 ARTIGO 12 ARTIGO 1114 PAR1 PAR2 ARTIGO 1230 ARTIGO 2517 ARTIGO 2518.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1929/03/01 IN COL OF ANO28 PAG74.
ACÓRDÃO STJ DE 1930/08/01 IN COL OF ANO29 PAG189.
Sumário :
Os embargos de terceiro são meio competente para a mulher casada com marido comerciante, executado por divida comercial, poder ilidir a presunção do artigo
15 do Codigo Comercial, com o fundamento de que a divida não foi aplicada em proveito comum do casal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os do Conselho no Supremo Tribunal de Justiça:

Condenado na 6 vara civel da comarca de Lisboa A a pagar a firma Borges & Irmão a quantia de 53708 escudos e 10 centavos, importancia de uma letra por ele assinada como aceitante, e sendo dada a execução a respectiva sentença, efectuando-se penhora nos moveis da habitação do executado e sua esposa, B, deduziu esta embargos de terceiro a execução, conforme o disposto no artigo 924 do Codigo do Processo Civil, alegando que, por o seu casamento ser sob o regime de completa separação de bens, eram seus proprios os bens penhorados, que não foi ouvida, convencida ou condenada na acção e subsidiariamente que a divida não tinha sido aplicada em proveito comum do casal. Foram os embargos contestados e, seguindo o processo seus termos, deu o juiz a sua sentença julgando os embargos procedentes. Tal decisão foi confirmada na Relação de Lisboa e neste Supremo Tribunal de Justiça por acordão de folha..., que, sob embargos, foi anulado por acordão de folha..., que ordenou a baixa dos autos a Relação para se tomar conhecimento das questões referidas nos embargos. Não se conformando a embargante com este acordão, dele interpos recurso para o tribunal pleno, nos termos do artigo 1176 do Codigo do Processo Civil, invocando oposição, sobre o mesmo ponto de direito, entre esse acordão e os de 1 de Março de 1929 e 1 de Agosto de 1930, publicados na Colecção Oficial, 28 ano, a pp. 74 e 75, e 29 ano, a pagina 189.
Minutaram as partes, e o acordão de folha..., tendo julgado existir a alegada oposição, mandou seguir o recurso para o tribunal pleno e por isso dele se conhece.


Existe de facto oposição entre o acordão recorrido e os acordãos citados.
A recorrida dona e portadora da letra, tendo o direito de a accionar contra os seus firmantes, nos termos do artigo 335 do Codigo Comercial, usou da acção do artigo 143 do Codigo do Processo Comercial, que corre contra os signatarios da letra, seus herdeiros e representantes. Como a letra foi assinada pelo marido da recorrente, so este tinha que ser chamado a acção, e, sendo demandado, foi condenado no pagamento da divida pedida.
Seguiu-se a respectiva execução contra o marido, mas a mulher, não como executada, porque o não era, mas como terceiro que esta na posse de certos bens, tendo em vista defender a sua meação, opos os embargos que lhe permite o artigo 924 do Codigo do Processo Civil, não so quanto aos seus bens dotais, ou proprios mas tambem nas hipoteses dos artigos 1114, paragrafo 1, e 1230 do Codigo Civil, sendo de concluir, visto a disposição dos artigos 12 do Codigo Civil e 928 do Codigo do Processo Civil, que o processo de embargos de terceiro e competente para nele se controverter se os bens penhorados eram ou não proprios da embargante pela escritura do seu casamento e se a divida foi ou não aplicada em proveito comum dos conjuges.
Tendo a embargante levantado estas questões nos embargos, a embargada procurou mostrar a sua improcedencia, com a materia contida na contestação aos mesmos embargos, em que afirma que os bens devem ser considerados comuns, por falta de registo da escritura de casamento da recorrente e que, por se tratar de divida comercial de marido comerciante, a presunção legal, sem ser ilidida por prova em contrario, e a de que a divida foi aplicada em proveito comum dos conjuges, sustentando nas suas alegações que se não verifica a hipotese dos artigos 1114, paragrafo 1, do Codigo Civil e 10 do Codigo Comercial, mas sim a do paragrafo
2 daquele artigo.


De facto não e aplicavel o artigo 10 do Codigo Comercial, porque a firma recorrida entende que pela divida respondem não so os bens do marido, como tambem a meação da mulher, e por isso não a fez citar para os termos do mesmo artigo, e igualmente não tem lugar a hipotese do paragrafo 1 do artigo 1114 do Codigo Civil, em que se fundam os embargos, mas a do paragrafo 2. A este paragrafo não faz referencia o citado artigo 924, porque, tratando ele do proveito do casal comum na divida, não podia a mulher embargar, visto a sua meação ser responsavel, e e, para provar que se verifica a hipotese do paragrafo
1 do referido artigo que nesta se fundam os embargos. A divida exequenda e uma divida comercial, porque provem de letra, que e acto comercial, e porque o devedor (executado) e comerciante, documento de folha..., certidão de folha..., e escritura de casamento a folha... do processo apenso.
Segundo o disposto no artigo 15 do Codigo Comercial as dividas desta natureza presumem-se contraidas em proveito de ambos os conjuges e ao seu pagamento ficam obrigados os bens comuns do casal (citado paragrafo 2 do artigo 1114 do Codigo Civil). Mas a presunção referida no artigo
15 do Codigo Comercial e uma presunção de direito a favor da exequente e por isso esta escusa de provar o facto que nela se funda nos termos do artigo 2517 do Codigo Civil, mas ficaria sem aplicação o disposto no artigo 2518 se não fosse permitido a mulher do executado ilidir essa presunção legal, provando que a divida exequenda não foi aplicada em proveito comum dos conjuges, para assim lhe aproveitar o disposto no paragrafo 1 do citado artigo 1114. Para tal fim a lei so lhe permite o uso de embargos de terceiro (artigo 924 do Codigo do Processo Civil).


Tendo pois a mulher do executado apresentado a sua defesa nos embargos que deduziu, como a lei lhe permite, e este processo competente para ela poder ilidir a referida presunção legal do artigo 15 do Codigo Comercial.
Pelo exposto, negam provimento ao recurso, confirmam o acordão recorrido, condenam nas custas a recorrente e estabelecem o seguinte assento:
Os embargos de terceiro são meio competente para a mulher casada com marido comerciante, executado por divida comercial, poder ilidir a presunção do artigo 15 do Codigo Comercial, com o fundamento de que a divida não foi aplicada em proveito comum do casal.


Lisboa, 09 de Abril de 1935

Ponces de Carvalho - Amaral Pereira - Arez - J. Soares - E. Santos _ J. Cipriano- B. Veiga - Crispiniano - Pires Soares - Mendes Arnaut - Silva Monteiro (vencido). A responsabilidade da mulher baseia-se na presunção de que as dividas provenientes de actos comerciais contraidas so pelo marido comerciante se presumem aplicadas em proveito comum dos conjuges (Codigo Comercial, artigo 15). Mas tal presunção apesar de legal precisa de ser declarada por uma decisão judicial, que tera de assentar no reconhecimento e verificação dos factos que a condicionam: a profissão do marido e a natureza e a proveniencia da divida.


E essa declaração por versar sobre objecto intimamente ligado, e substancia da divida controvertida so pode ser proferida na fase processual declaratoria de direito e com a intervenção de pessoa que por ela pode ser prejudicada, isto e, so pode serfeita na respectiva acção, a qual a mulher teratambem de ser chamada para que contra ela possa serinvocada e executada. Ora pela doutrina do assento verifica-se o inconveniente de se ir executar uma sentença contra quem não foi ouvido e convencido na causa e sem se lhe permitir sequer a defesa de embargos de executado.
Relegar para embargos de terceiro a discussão de responsabilidade da mulher, alem de conduzir ao inconveniente ja apontado, iria tambem alterar profundamente as normas regulares e tradicionais do processo, ampliando ilegalmente o ambito desse incidente, que e estritamente limitado a posse dos bens, e deslocando a obrigação de prova, impondo a mulher o encargo de fazer a prova dos factos negativos de que o marido não e comerciante ou de que a divida não provem de acto de comercio, quando era ao credor que cabia a obrigação de demonstrar na acção os factos positivos em que funda o seu pedido.


Alem de que pode tambem provocar decisões contraditorias, como seriam a de se julgar na acção que o marido era comerciante e a divida proveniente de acto comercial e a de se julgar depois o contrario nos embargos) - Carlos Alves (vencido pelos mesmos motivos) - A. Osorio de Castro (vencido pelos mesmos fundamentos) - Alfeu Cruz (vencido pelos mesmos fundamentos) - Alexandre de Aragão (vencido por identico motivo
- Tem voto de vencido do Ex. Juiz A. Campos, que não assinou por não estar presente - Ponces de Carvalho.