Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
172/12.1TBCBT.G1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
INCÊNDIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CRÉDITO
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 07/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – PLANO DE INSOLVÊNCIA / ENCERRAMENTO DO PROCESSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CESSÃO DE CRÉDITOS.
Doutrina:
-Adelaide Menezes Leitão, Direito da Insolvência, p. 174;
-Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, p. 424;
-Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, p. 564;
-Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115 p. 252, nota 1;
-Barbosa de Magalhães e Ferrer Correia, Reivindicação..., p. 206, ss. ; Lições, p. 229 e ss.;
-Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Abril de 2018, p. 315 e 316;
-Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, p. 231 e 287;
-Filipe Cassiano Santos, Plano de insolvência e Transmissão de Empresa, I Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, p. 144, 145 e 151;
-Gravato de Morais, Alienação e Oneração de Estabelecimento Comercial, 2005, p. 106 e 107;
-Orlando de Carvalho, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Ferrer Correia, p. 4-31;
-Paulo Tarso Domingues, Revista de Direito e Economia, Anos XVI a XIX – 1990 a 1993, p. 547;
-Pinto Coelho, O Trespasse do Estabelecimento e a Transmissão das Letras, Coimbra, 1946, p. 11, 12 e 19-23.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 5.º, 199.º E 230.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1 E 577.º.
Legislação Estrangeira:
LEI ALEMÃ – INSOLVENZPLAN.
Sumário :
I. Os credores da insolvente, ao aprovarem o plano de insolvência, adoptando a medida saneamento por transmissão de estabelecimento – art. 199º do CIRE – com a inerente constituição de uma nova sociedade para quem foi transmitido o estabelecimento da insolvente, compreendendo, expressamente, bens materiais: uma loja arrendada, um edifício industrial, um terreno, um conjunto de equipamentos, incluiu ainda o “negócio da insolvente”.

II. Tal transmissão constitui um trespasse de estabelecimento, aplicando-se, adaptadamente, as normas deste tipo contratual, mormente quanto ao âmbito de entrega.

III. Tendo ocorrido um incêndio que destruiu as instalações da insolvente, o montante da indemnização devida ao abrigo de contrato de seguro ao tempo vigente, tendo entretanto sobrevindo a insolvência da empresa segurada, e tendo sido adoptada a medida de recuperação referida em I), ante a ausência de estipulação em contrário, integra o património da sociedade actual criada ao abrigo do art. 199º do CIRE.

IV. Tal direito à indemnização nasceu na esfera jurídica de quem estaria numa relação jurídico-contratual (se não fosse a insolvência), na posição de “trespassante” e, nesse sentido, integra o negócio da insolvente que se quis abranger na medida de recuperação adoptada: o trespasse coenvolve a transmissão dos elementos corpóreos que pertenciam à insolvente, (o imóvel destruído pelo incêndio) e, no caso, a indemnização constitui reintegração do bem por equivalente pecuniário.

V. Um crédito indemnizatório, dada a sua função reintegrativa do património atingido pelo risco segurado, não sendo um imediato elemento produtivo da empresa constitui um seu activo ligado e, como tal, integra o negócio da insolvente enquanto empresa, como seu componente patrimonial, pelo que deve ser pago à sociedade autora, criada nos termos do art. 199º do CIRE, a indemnização de que era credora a insolvente.

Decisão Texto Integral:
Proc.172/12.1TBCBT.G1.S2

R-667 [1]              

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, Ld.ª” intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra:

 BB - Companhia de Seguros, S.A.

Pedindo a condenação desta última no pagamento de uma indemnização no valor de € 199.519,15, com base no contrato de seguro titulado pela apólice nº ....

Para tanto e em suma, alegou que, por via do processo de insolvência da sociedade “AA, Ld.ª” que correu termos sob o nº 50/08.4TCCBT, na sequência da homologação do plano de insolvência aí apresentado e homologado, o estabelecimento da insolvente foi alienado à aqui autora.

O referido estabelecimento era constituído, entre o mais, pelos “negócios da insolvente”, entre os quais se encontra o crédito de que a mesma era titular relativamente à ré, daí advindo a sua legitimidade activa.

Em Janeiro de 1999, a “AA, Ld.ª” celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo incêndio, o qual estava titulado pela apólice ....

Tal apólice tinha por objecto o seguro de matérias-primas (solas), contra incêndio, raio e explosão até ao montante de 40.000.000$00, sendo que o seguro foi aceite com data de 01/01/1999.

No dia 27.8.1999 deflagrou um incêndio nessas instalações, tendo sido consumidos e inutilizados todos os bens que aí se encontravam depositados, nomeadamente as solas, para além do próprio prédio, que ruiu.

O valor das mercadorias que se encontravam no edifício, à data do incêndio, atingia o montante de 40.076.941$00.

Imediatamente após a verificação do incêndio, a “AA, Ld.ª” deu conhecimento à ré do sucedido, tendo esta encarregado a “CC, Ld.ª” de proceder à elaboração de um relatório final sobre o sinistro.

Apesar das reclamações feitas pela autora à ré, esta veio protelando a sua liquidação através de sucessivos pedidos de elementos da contabilidade.

A ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Alegou que, no âmbito do processo de insolvência, a segurada e insolvente devia ter informado o administrador da insolvência (A.I.) da situação de incumprimento do contrato de seguro e da eventual existência do seu crédito sobre a ora ré.

O contrato de seguro já não se encontrava cumprido à data do início do processo de insolvência e da declaração de insolvência da segurada, pelo que a legitimidade para executar tal contrato cumpria ao A.I., nos termos do artigo 102º do CIRE, devendo o crédito resultante da execução do contrato cumprido servir para integrar o património da massa e pagar aos seus credores, em vez de ser agora reclamado pela autora.

Sustenta que a autora carece de legitimidade para a presente acção, pois que o direito de crédito da insolvente decorrente de um contrato não cumprido à data da instauração da insolvência, não deverá considerar-se como fazendo parte do negócio da insolvente, que foi transmitido para a autora por via do plano de insolvência aprovado. Mais ainda, tal crédito não foi atendido na avaliação do estabelecimento comercial da insolvente, nem consta expressamente daquele plano a cessão ou transmissão, por via da cessão desse crédito da massa insolvente, a favor da autora.

Alegou, por fim, que nos termos das condições gerais da apólice uniforme do seguro do ramo incêndio, no caso de falência ou insolvência do segurado, a responsabilidade da seguradora subsistirá para com a massa falida, nas mesmas condições, pelo prazo de sessenta dias, sendo que decorrido esse prazo a garantia do seguro cessará salvo se a seguradora, em acta adicional ao contrato, tiver admitido o respectivo averbamento.

Por impugnação, alegou que não foi possível apurar o valor da mercadoria segura armazenada no local aquando da deflagração do incêndio e consumida por este, porquanto, em consequência do sinistro, o material ali existente foi totalmente consumido e os elementos contabilísticos solicitados à segurada nunca foram facultados aos peritos, pelo que estes concluíram que não era possível determinar a quantidade e valor da matéria-prima segura armazenada à data do incêndio no local seguro e o seu valor.

Conclui que não sendo possível quantificar o valor dos danos indemnizáveis, a obrigação de indemnizar a cargo da ré não é exigível.

Em sede de réplica, a autora pugnou pela sua legitimidade activa, mais alegando, por um lado, que, contrariamente ao referido pela ré, entregou os elementos contabilísticos que lhe foram solicitados. Refere estranheza pelo facto de a ré ter os elementos comprovativos da anulação e não ter a apólice em si mesma.

Foi proferido o despacho a que alude o art.º 596º do Código de Processo Civil, tendo-se decidido, quanto à questão da ilegitimidade, que a transmissão do direito de propriedade sobre a empresa abrange todo o comércio jurídico que constituía o património do insolvente, desde que não ressalvado expressamente, pelo que o plano de insolvência, ao incluir expressamente os negócios da insolvente, transferiu também o crédito emergente do contrato de seguro celebrado com a ré, sendo irrelevante a questão atinente a saber se este foi, ou não foi, incluído na relação de bens da insolvência, pois esta não é constitutiva de direitos.

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Foi proferida sentença que decretou:

“Pelo exposto, vai a presente acção julgada procedente, com a consequente condenação da ré “BB-Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora “AA, Ld.ª”, a quantia de € 199.120,12 (cento e noventa e nove mil, cento e vinte euros e doze cêntimos), acrescida de juros contados desde a citação até integral pagamento”.

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Inconformada, a ré BB – Companhia de Seguros S.A. interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de 28.9.2017 – fls. 789 a 815 - julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão interlocutória que admitiu a intervenção espontânea de “AA Lda.” e confirmando as demais, bem como a sentença.

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Inconformada, a Ré recorreu de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça – alegando contradição com o Acórdão de 28.10.2015, da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Proc.633/12.2TBFLG.Pl, já transitado em julgado em 27.6.2016 – e sem prescindir e, subsidiariamente, que o recurso deveria ser admitido por violar o caso julgado, ou a autoridade do caso julgado, formado com a decisão constante daquele Acórdão.

A Formação, a que alude o art.672º, nº3, do Código de Processo Civil, determinou que o processo fosse remetido à distribuição para apreciação da excepção do caso julgado e se não fosse admissível a revista normal, voltasse a si para apreciação dos requisitos da revista excepcional.

Em sede de apreciação liminar da admissibilidade do recurso foi proferida a decisão de fls. 1042 a 1049 – afirmando – “Nestes termos, por não existir violação do caso julgado material (ou sequer formal), ou violação da autoridade do caso julgado, nos termos invocados pela Recorrente “BB”, afigura-se-me que, existindo dupla conformidade – nos termos afirmados pelo Acórdão da Formação -, não cabe recurso de revista ao abrigo do art. 629º, nº2, a) do Código de Processo Civil.”

Não tendo sido requerido que sobre a decisão do Relator recaísse Acórdão tirado em conferência, foram os autos remetidos à Formação que, por Acórdão de fls. 1060 a 1064, de 3.5.2018, admitiu o recurso de revista excepcional ao abrigo do art. 672º, nº1, c) do Código de Processo Civil – por considerar existir contradição de Acórdãos.

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A recorrente BB, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos discute-se a questão de saber “se o direito de crédito do segurado AA (Insolvente) à indemnização pelos danos decorrentes do sinistro ocorrido em 1999, concretamente da mercadoria (solas para calçado) destruída pelo fogo, que se encontrava armazenada nas suas instalações sitas em ..., freguesia de ..., concelho de ..., se transmitiu ou não para a aqui autora.” – cfr. pág. 23 do acórdão recorrido.

2. Além da presente acção, a Autora/Recorrida intentou outra acção contra a Seguradora/Recorrente, que correu termos com o nº633/12.2TBFLG, emergente de um outro sinistro (furto), participado e reclamado ao abrigo da cobertura de um outro contrato de seguro, celebrado entre a Recorrente e a sua Segurada, a sociedade “AA, Lda.”.

3. Esta sociedade, segurada da Recorrente, foi declarada insolvente no processo de insolvência que correu termos sob o nº.450/08.4TBCBT, no âmbito do qual a aqui Autora/Recorrida, a sociedade “AA Lda. II”, através do mecanismo previsto no art. 199º do CIRE - Saneamento por Transmissão – adquiriu o “negócio da insolvente”. – facto provado nº7 do acórdão recorrido.

4. Nas duas acções (os presentes autos e a que correu termos pela Instância Central de Penafiel, Comarca de Porto Este, com o nº633/12.2TBFLG, como resulta do acórdão fundamento junto como doc. l) discute-se a mesma questão fundamental de direito, resumindo-se a saber se os créditos emergentes dos contratos de seguro celebrados entre a Insolvente/Segurada e a Seguradora/Recorrente foram ou não transmitidos para a Aurora/Recorrida, ao abrigo da transmissão do estabelecimento comercial da insolvente, operada nos termos do art.199º do CIRE.

5. E nas duas acções foram proferidos acórdãos contraditórios sobre esta mesma questão, com entendimentos distintos sobre a questão da transmissão de créditos no âmbito do plano de insolvência e sua inclusão na expressão “negócios da insolvente”:

a) acórdão recorrido: entende que os créditos se transmitem, desde que não seja ressalvada a sua transmissão;

b) acórdão fundamento, cuja certidão se junta como doc. l: entende que só mediante expressa manifestação de vontade de todos os interessados, se poderão incluir, com a sua transmissão, os créditos e os débitos inerentes ao estabelecimento comercial.

6. O presente Recurso de Revista Excepcional do Acórdão recorrido deve, assim, ser admitido ao abrigo dos arts. 671º, nº1 e 3, 672º, nº l, alínea c) do Código de Processo Civil, dando-se cumprimento ao ónus que recai sobre a Recorrente, nos termos do nº2, alínea c) do mesmo artigo, com a junção da certidão do acórdão fundamento, transitado em julgado, e a identificação da questão fundamental de direito, decidida de forma contraditória naquele acórdão e no ora recorrido:

- Com a transmissão do estabelecimento comercial, ao abrigo do “Saneamento por Transmissão”, previsto no artº 199º do CIRE, os créditos da Insolvente transmitem-se para a nova sociedade desde que não sejam expressamente ressalvados na transmissão, como decidiu o Acórdão recorrido; ou só quando são expressamente mencionados no acordo/negócio que titula a transmissão, “mediante expressa manifestação de vontade de todos os interessados”, como decidiu o acórdão fundamento.

7. Sem prescindir e subsidiariamente, por mera cautela e dever de patrocínio, salvo sempre melhor opinião em contrário, o presente recurso de revista seria sempre admissível, ao abrigo do art.629º, nº2, alínea a) do Código de Processo Civil, por se verificar uma situação de ofensa de caso julgado, formado pelo acórdão fundamento sobre a mesma questão, que é saber se a Autora/Recorrida é parte legítima para intentar a presente acção.

8. O Acórdão recorrido ao decidir de forma contrária ao acórdão fundamento, ofendeu o caso julgado material ou a autoridade de caso julgado formado por esta decisão. Pelo que o presente recurso sempre seria admissível ao abrigo do disposto no art. 629, nº2, alínea a) in fine do Código de Processo Civil, o que à cautela e subsidiariamente se invoca. Para justificar a admissibilidade do recurso de revista.

9. Condição essencial à transmissão de créditos é o conhecimento da existência do crédito cedido, para que a vontade negocial da sua transmissão (quer identificando-o expressamente ou não ressalvando no negócio, consoante os entendimentos contraditórios dos acórdãos em confronto) se forme na esfera jurídica do cedente e se materialize, de forma expressa ou tácita, num contrato que tenha por objecto a sua transmissão.

10. Mas não só não está provado tal conhecimento, como resulta dos autos exactamente o contrário: os credores da insolvente desconheciam a existência do crédito aqui em discussão, o qual também não se encontrava reflectido na sua contabilidade, como resulta das informações prestadas pelo Presidente da Comissão de Credores, o DD, por ofício junto aos autos em 17/11/2014 (referência citius 397742), e a contabilista da empresa à data da insolvência, por ofício junto em 18/02/2015 (referência citius 115362).

11. E se os credores desconheciam a existência deste crédito não o podiam excepcionar da transmissão do estabelecimento da Insolvente, seguindo o raciocínio do acórdão recorrido.

12. Aderindo-se nesta matéria à fundamentação lúcida e sem factos pré-concebidos, porque não provados nos autos (como o conhecimento do crédito pelos credores), do acórdão fundamento, na parte em que conclui que, se o crédito não era do conhecimento dos credores da massa insolvente, nem existia a sua referência na contabilidade que reflectia a dimensão do activo (e passivo), aqueles não poderiam ter acordado na sua cedência, nem podiam tê-lo excluído por via do plano – cfr. pág. 11 do acórdão fundamento.

13. Nos presentes autos apenas se discute a transmissão da Insolvente para a Recorrida do crédito da indemnização emergente do contrato de seguro, em consequência do sinistro objecto dos autos, pois não está em causa a transmissão da posição contratual da Insolvente naquele contrato de seguro celebrado com a Recorrente.

14. O acórdão recorrido ao entender que o crédito reclamado nos presentes autos pela Autora/Recorrida, como os restantes créditos da Insolvente, estão abrangidos pela transmissão do estabelecimento desta, simplesmente porque não foram excepcionados do negócio por via da qual esta se operou, está a incluir os créditos do estabelecimento no seu âmbito natural ou normal, que integra os valores ou bens que o estabelecimento “transporta naturalmente consigo, sem dependência de uma concreta enunciação”, bens e valores esses que só não o acompanharão se houver uma exclusão expressamente referida de algum ou alguns deles.

15. Mas os créditos da empresa, neste caso da Insolvente, integram-se no âmbito máximo do estabelecimento, recorrendo à terminologia usada nesta matéria pela doutrina, em particular pelo Professor Orlando de Carvalho, que é o âmbito formado pelos elementos excepcionais ou acidentais, sendo necessário referi-los em pormenor e de forma expressa para que se possam considerar abrangidos pela negociação.

16. Por outro lado, não existindo no CIRE uma regra específica sobre a transmissibilidade dos créditos com a alienação do estabelecimento comercial, torna-se necessário aplicar as regras gerais do direito civil e comercial, nomeadamente a disciplina da cessão de créditos prevista nos artigos 577º e seguintes do Código Civil.

17. Sendo a cessão de créditos um contrato pelo qual o cedente transmite ao cessionário parte ou totalidade de um crédito, para que tal cessão se opere por via da transmissão do estabelecimento é necessário que o cedente conheça a existência do crédito e que seja feita menção expressa dessa cedência no acto (voluntário ou não) pelo qual a transmissão do estabelecimento se opera.

18. Como se conclui no acórdão fundamento, a regra é “a da não transmissibilidade dos créditos, a menos que o contrário seja convencionado pelos interessados” como resulta da boa aplicação do art. 577º do Código Civil e 192º, nº2 do CIRE e, entre outros, da doutrina maioritária (para não dizer unânime) citada na pág. 10 do acórdão fundamento e não, como se conclui no acórdão recorrido, que a regra é a da transmissibilidade de todos os créditos, se não for ressalvada a sua transmissão.

19. E não constando de forma expressa do plano de insolvência, pelo qual a Autora/Recorrida adquiriu o estabelecimento da Insolvente, que com a transmissão do estabelecimento desta estavam abrangidos e eram transmitidos os créditos da Insolvente, nomeadamente os que podiam ser reclamados junto da Ré/Recorrente, ao abrigo do contrato de seguro celebrado entre ambas, o crédito aqui reclamado não se transferiu para a Autora/Recorrida, que assim carece de legitimidade substantiva para a presente acção, como bem se decidiu no acórdão fundamento.

20. E não se diga, como é referido no acórdão recorrido, que decidir desta forma seria dar cobertura a uma decisão “contrária ao princípio da boa-fé (239º do Código Civil) e implicar um fim a que o Tribunal deve obstar, atento o disposto no art. 612º do Código de Processo Civil”, porque dessa forma a Recorrente “ficaria desonerada de qualquer pagamento” – cfr. pág. 27 do acórdão recorrido.

21. Pelo contrário, como bem se refere no acórdão fundamento, decidir de forma diversa da sustentada pela Recorrente nestes autos e naquela outra acção, também intentada pela Autora/Recorrida, onde reclama outro crédito da Insolvente decorrente de um sinistro, no valor de 147.720,32 €, “seria dar cobertura a uma forma de defraudar os interesses de todos os credores da insolvente” – cfr. doc. 11 do acórdão fundamento.

22. Aplicando-se aqui tout court o que se refere no acórdão fundamento sobre qual a decisão que defrauda os interesses dos credores, ao referir que “se os credores soubessem da possibilidade de existir um crédito da insolvente, no montante peticionado nos autos, certamente que, ou incumbiriam o administrador de insolvência de fazer cumprir o contrato de seguro, intentando a respectiva acção a favor da massa insolvente, ou o seu valor seria considerado no activo para efeitos de valorização do estabelecimento. Aceitar outra solução seria dar cobertura a uma forma de defraudar os interesses de todos os credores da insolvente” – cfr. pág. 11 do acórdão fundamento.

23. A omissão desta informação impediu os Credores de incumbirem o Administrador de Insolvência de fazer cumprir o contrato de seguro, e reclamarem junto da Seguradora/Recorrente o crédito objecto dos presentes autos (no valor de 199.519,15 €) e o crédito que foi objecto daquela outra acção (no valor de 147.720,32 €, como resulta do acórdão fundamento).

24. Não pode assim a condenação da Seguradora/Recorrente ser justificada, como o faz acórdão recorrido, por exigências de boa-fé e nos termos do art. 612º do Código de Processo Civil, pois dessa forma, como resulta do acórdão fundamento, está-se a legitimar uma actuação que visou defraudar os interesses dos credores da insolvente, a quem foi omitida no âmbito da insolvência a existência do crédito em causa, para agora ser reclamado pela Autora/Recorrida.

25. Atento tudo quanto se expôs, a questão fundamental de direito em discussão e que foi decidida de forma contraditória pelos dois acórdãos em confronto, que se resume em saber se um crédito (no caso, emergente de um contrato de seguro celebrado entre Insolvente/Segurada Seguradora/Recorrente), que não é expressamente referido/identificado pelas partes no negócio que titula a transmissão do estabelecimento comercial da Insolvente (no caso, o plano de insolvência, na modalidade de Saneamento por Transmissão, previsto no art. 199º do CIRE), é ou não transmitido para a adquirente (aqui Autora/Recorrida), deve ser decidida de acordo com o entendimento sufragado no acórdão fundamento, segundo o qual “os créditos ligados à exploração do estabelecimento comercial apenas poderão ser incluídos no âmbito da sua transmissão, mediante expressa manifestação de vontade de todos os interessados”, assim se revogando o entendimento contrário do acórdão recorrido e absolvendo a Ré do pedido, por se dar como provado não ser a Recorrida titular do direito que aqui pretende ver reconhecido.

26. Como resulta do supra exposto, com o nº 633/12.2 TBFLG, correu termos pela Instância Central de Penafiel, da Comarca do Porto Este, uma outra acção na qual foi proferida o acórdão fundamento, junto como doc. 1, e em que as partes e a causa de pedir que justifica a legitimidade da Autora/Recorrida são as mesmas da presente lide, residindo a única divergência nos sinistros objecto das duas acções (ali furto, aqui incêndio).

27. A questão que se discute sobre a legitimidade da Autora/Recorrida nas duas acções é a mesma, o que aliás as partes nos presentes autos o admitiram como fundamento para o pedido de suspensão da instância, como consta da acta de julgamento de 01/10/2015 a fls… dos presentes autos.

28. Salvo sempre melhor opinião em contrário, discordamos do acórdão recorrido em que sobre esta questão decidiu que “o decidido nessa acção (ilegitimidade activa da autora e consequente absolvição da ré da instância) constitui caso julgado formal, sendo a sua força obrigatória limitada ao processo onde foi proferida” - cfr. pág. 16 do acórdão recorrido.

29. Em nosso entender mais do que caso julgado formal, aquela decisão constitui caso julgado material, o que expressamente se invoca ao abrigo dos arts. 522º do Código Civil e 580º, 581º e 619º do Código de Processo Civil.

30. A decisão transitada em julgado, ora junta como doc. l, pronunciou-se, em termos definitivos, sobre os mesmos factos que fundamentam a causa de pedir sobre a legitimidade da Autora/Recorrida nos presentes autos, pelo que aquela decisão constitui caso julgado material sobre tal questão da legitimidade – cfr. entre outros, Acórdão da Relação de Coimbra de 18.02.2014, Proc.889/13.3TBPBL.C1, in www.dgsi.pt.

31. Quando não se entender estarmos perante uma situação que se enquadra no âmbito da figura do caso julgado material, então dever-se-á dar por assente a autoridade de caso julgado anterior, formado pelo Acórdão da Relação do Porto junto como doc. l. sobre a mesma questão discutida nestes autos, a propósito da legitimidade da Autora/Recorrida, uma vez que, tal como no caso em apreço, “a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere. Quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art. 498º do Código de Processo Civil.” - cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 17-12-2013, Proc. 3490/08.0TBBCL.G1, in www.dgsi.pt.

32. O acórdão fundamento aqui junto como doc. l, e que transitou em julgado a 27/06/2016, decidiu, de forma definitiva, pela ilegitimidade da Autora/Recorrida para intentar acção baseada nos mesmos factos que justificam a sua legitimidade ara a presente lide.

33. O acórdão recorrido ao decidir de forma distinta ofende o caso julgado formado pelo acórdão fundamento, sobre esta questão da legitimidade da Autora/Recorrida para reclamar da Seguradora/Recorrente um crédito emergente de um contrato de seguro, que se teria transmitido por via da insolvência da Segurada/Insolvente, invocando-se a autoridade de caso julgado da primeira decisão transitada em julgado sobre esta mesma questão, pois de outra forma o prestígio da justiça e dos Tribunais “seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 17/12/2013, Proc.3490/08.0TBBCL.G1, in www.dgsi.pt.

34. Além da necessidade de garantir a certeza ou segurança jurídica, pois “sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa”, como no caso em apreço, com decisões totalmente contraditórias sobre a mesma questão de direito e de mérito que envolve os mesmos sujeitos, no que à discussão da legitimidade da Autora/Recorrida respeita.

35. Nestes temos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, o presente recurso deve ser admitido e ser proferida por V. Exas douto acórdão que revogue o aqui recorrido, por ter feito má aplicação do direito aos factos que aqui se discute, nomeadamente, dos artigos 239º, 522º e 577º do C. Civil, 192º, nº2 do CIRE, 580º, 581º, 612º e 619º do Código de Processo Civil.

36. Na procedência do presente recurso e por aplicação das normas supra enunciadas, deve ser acolhido o entendimento sufragado pelo acórdão fundamento, junto como doc. l, segundo o qual considerando que os “créditos e débitos ligados à exploração do estabelecimento comercial apenas poderão ser incluídos no âmbito da sua transmissão, mediante expressa manifestação de vontade de todos os interessados”, como decorre do art. 577º do Código de Processo Civil e 192º, nº2 do CIRE, pelo que não constando a menção expressa do crédito aqui reclamado, e que a Autora/Recorrida pretende ver reconhecido, do Plano de Insolvência da Insolvente, não pode aceitar-se que por via da transmissão do estabelecimento desta, por via daquele plano, tenha operado a transmissão daquele crédito para a qui Autora/Recorrida, impondo-se a absolvição da Recorrente do pedido formulado nos autos.

37. Tal decisão é igualmente a que deve ser sufragada em obediência ao caso julgado material ou autoridade do caso julgado, formado pelo Acórdão Fundamento, transitado em julgado, e que decidiu de forma definitiva a questão da legitimidade da Autora/Recorrida, que se baseia na mesma causa de pedir, tanto na presente lide, como naquela onde foi proferida aquela decisão titulada pelo doc. l, o que se impõe em defesa do prestígio dos Tribunais e da segurança jurídica, assim fazendo V. Exas. a boa Justiça.

A Autora/recorrida contra-alegou, pugnando pela irrecorribilidade da revista quer normal, quer excepcional. A admitir-se o recurso, entende que a decisão recorrida deve ser confirmada.

***

    Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1) A sociedade “AA, Ld.ª” celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo incêndio, o qual estava titulado pela apólice ... – al. a) dos “factos assentes”.

2) Tal apólice tinha por objecto o seguro de matérias-primas (solas), contra incêndio, raio e explosão até ao montante de 40.000.000$00, sendo que o seguro foi aceite com data de 01/01/1999 – al. b) dos “factos assentes”.

3) No dia 27/08/1999 deflagrou um incêndio numas instalações da “AA, Ld.ª” abrangidas pela apólice referida em 2) – al. c) dos “factos assentes”.

4) Imediatamente após a verificação do incêndio, a “AA, Ld.ª” deu conhecimento à ré do sucedido – al. d) dos “factos assentes”.

5) A ré, ao tomar conhecimento do incêndio, encarregou a empresa “CC, Ld.ª” de proceder à elaboração de um relatório final sobre o sinistro – al. e) dos “factos assentes”.

6) Os peritos deslocaram-se ao local do sinistro tendo procedido a averiguações – al. f) dos “factos assentes”.

7) A sociedade “AA, Ld.ª” adquiriu todo o negócio da sociedade “AA Lda.” no âmbito do processo de insolvência que correu termos sob o nº 450/08.4TBCBT.

8) Por força do incêndio foram consumidas e inutilizados todos os bens que se encontravam depositados nas ditas instalações, nomeadamente as solas, para além do próprio prédio, que ruiu – “quesito 1º”.

9) O valor das mercadorias (solas e sapatos) ardidas que se encontravam no edifício à data do incêndio atingiu o montante de € 199.120,12 – “quesito” 2º.

10) Os agentes da ré na data da celebração do contrato de seguro deslocaram-se às instalações onde as solas estavam armazenadas tendo tido possibilidade de se aperceber do respectivo valor – “quesito 3º”.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se para a Autora, como adquirente do estabelecimento pertencente à insolvente, se transmitiu o direito à indemnização por danos causados por incêndio, sendo segurada a insolvente. 

Como resulta dos factos provados, a sociedade AA, Lda., celebrou com a Ré BB um contrato de seguro do ramo incêndio titulado pela apólice .... Tal apólice tinha por objecto o seguro de matérias-primas (solas) contra incêndio, raio e explosão até ao montante de 40.000.000$00, seguro que foi aceite com data de 1.1.1999.

  No dia 27.08.1999, deflagrou um incêndio numas instalações do AA, Lda., abrangidas por aquela apólice, tendo a segurada dado de imediato conhecimento à seguradora, ora Ré.

A sociedade AA, Lda. foi declarada insolvente no Proc. N°450/08.4TBCBT, tendo a Autora adquirido “todo o negócio” da sociedade insolvente.

 Por força do incêndio foram consumidas e inutilizados todos os bens que se encontravam depositados nas ditas instalações, nomeadamente as solas, para além do próprio prédio, que ruiu; o valor das mercadorias (solas e sapatos) ardidas que se encontravam no edifício à data do incêndio atingiu o montante de € 199.120,12.

Não se discute que a Autora, no contexto do plano de insolvência, adquiriu pelo valor de € 800 000,00 o estabelecimento comercial da insolvente, ao abrigo do art. 199º do CIRE.

Do plano consta que o estabelecimento é constituído por, uma loja arrendada, um edifício industrial próprio, terreno, conjunto de equipamentos, negócio da insolvente, e pessoal existente.    

 Ao tempo da aquisição pela Autora já tinha ocorrido o incêndio no estabelecimento da insolvente pelo que o direito à indemnização ao abrigo do contrato de seguro vigente com a Ré nasceu com esse facto.

O plano da insolvência é por muitos considerado um contrato atípico em que os credores dispõem de ampla margem negocial, salvaguardados princípios essenciais da liquidação universal e concursal, pelo que carece de homologação judicial, sendo uma delas o saneamento por transmissão previsto no art. 199º do CIRE que estatui – “O plano de insolvência que preveja a constituição de uma ou mais sociedades, neste Código designadas por nova sociedade ou sociedades, destinadas à exploração de um ou mais estabelecimentos adquiridos à massa insolvente mediante contrapartida adequada contém, em anexo, os estatutos da nova ou novas sociedades e provê quanto ao preenchimento dos órgãos sociais.”

Em anotação a este normativo, Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões no “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 564, escrevem:

“Pressuposto deste regime é o de que a massa insolvente integrasse, pelo menos, um estabelecimento que possa ser adquirido, “mediante contrapartida adequada”, para ser(em) explorado(s) por uma (ou mais do que uma) sociedade a constituir, no quadro do plano de insolvência.

Se o devedor for uma sociedade comercial, parece que a opção pela constituição de nova(s) sociedade(s) “destinadas à exploração de um ou mais estabelecimentos adquiridos à massa insolvente” não é incompatível com a deliberação da continuidade dela, nos termos do artigo 324º, mas dificilmente tal ocorrerá.”

Catarina Serra, na recente obra “Lições de Direito da Insolvência” – Almedina – Abril de 2018 – págs. 315-316, sobre a noção e finalidades do plano, escreve:

“O plano de insolvência corresponde ao Insolvenzplan da lei alemã (cfr. §§ 217 a 279 da InsO). Através dele é possível afastar parte do disposto no Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, perseguindo-se ainda finalidades liquidatórias ou não.

O plano de insolvência pode, de facto, ter finalidades liquidatórias e regular o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa solvente e a sua repartição pelos credores ou a responsabilidade do devedor após o fim do processo de insolvência (cfr. art. 192.°, n.°1). Mas pode ainda ter a finalidade de recuperação da empresa e regular as medidas para a atingir (cfr. art. 1.°, n.°1).

 Neste caso, ele configura aquilo que, depois da alteração da Lei n.°16/2012, de 20 de Abril, se chama um “plano de recuperação” (cfr. nº3 do art. 192.°), sendo o único instrumento que a lei prevê para este efeito.

 Modalidades do plano: Em rigor, a disposição do art. 195.°, n.°2, al. b), sugere a existência de quatro modalidades de plano: o plano de liquidação da massa insolvente (Liquidationsplan na Insolvenzordnung), o plano de recuperação (Sanierungsplan na Insolvenzordnung), o plano de saneamento por transmissão da empresa a outra entidade (Übertragungsplan na Insolvenzordnung e, naturalmente, o plano misto, que resulta da liberdade de combinar todas ou algumas das modalidades anteriores.”

Acerca da natureza desta via de recuperação – não muito usual nos planos de insolvência, Adelaide Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, pág. 174, escreve:

“O plano de transmissão deve ser incluído no domínio da recuperação que pode operar após a declaração da insolvência, porquanto se trata de uma medida de recuperação em sentido amplo, que visa a transmissão da empresa a terceiros de modo a que o correspondente valor de venda ingresse na massa insolvente e possa servir para o pagamento de créditos aos credores ainda sem a reorganização empresarial pressuposta na recuperação em sentido restrito. Ter-se-á de admitir uma visão abrangente da fenomenologia da recuperação da empresa no sentido da sua conservação quer nas mãos do próprio ou de terceiro…o plano de transmissão insere-se, assim, numa natureza oscilante entre recuperação e a liquidação empresarial.”.

Alexandre Soveral Martins, in “Um Curso de Direito da Insolvência”, pág. 424 afirma que “A transmissão de estabelecimento no saneamento por transmissão constitui um verdadeiro trespasse de estabelecimento”.

Também neste sentido Filipe Cassiano Santos, no Estudo “Plano de insolvência e Transmissão de Empresa” no compêndio “I Congresso de Direito da Insolvência”, sob coordenação de Catarina Serra, podendo ler-se, pág. 144:

“A lei prevê a possibilidade de o PI decidir a transmissão da empresa do insolvente a terceiro. Em que consiste, em geral, essa transmissão?

Estamos no domínio do direito privado. Nada no CIRE conduz a que se possa entender o termo transmissão com um sentido distinto daquele com que vale no direito civil e no direito comercial. Naquele, transmissão refere-se por regra à transmissão do direito e em particular à transmissão do direito de propriedade. Na doutrina da empresa, e nas leis mercantis, é sabido, a regra é a de que transmissão é um termo de conteúdo amplo e variável, correspondente a trespasse, mas que este termo é empregue normalmente no sentido de transmissão definitiva da empresa (isto é, do direito de propriedade sobre ela).

Assim, transmissão deve ser entendida em linha de princípio, e salvo explicitação em contrário do próprio PI, no sentido de transmissão do direito de propriedade sobre a empresa.”, na pág. 145:

 “O objecto da transmissão em causa é a empresa. Mas o objecto da medida, se não deve ser entendido de forma excessivamente estrita, não pode também ser compreendido de forma muito ampla, que retire sentido à autonomização desta medida em relação a outras e especificamente em relação à (pura e simples) liquidação do património – se a medida é diferente e sujeita a tratamento especial, há-de ter particularidades…Isto ponderado, parece-me claro que a medida supõe que haja e se mantenha uma empresa (o que não quer dizer que esteja a funcionar), ou mais do que uma, e que seja esta o objecto da medida: é a empresa como um “todo”, e não partes dela ou a empresa dividida ou desmembrada nos seus elementos singulares.” (destaque nosso)

Na pág. 151:

 “Transmissão e trespasse: breves apontamentos.

 Sendo a transmissão na transmissão uma modalidade de trespasse, aplicam-se, com as devidas adaptações, as regras deste, valem assim, por exemplo, as regras em matéria de âmbitos de entrega (mínimo, natural e máximo; e de transmissão de posições contratuais e, quanto aos créditos dos credores da insolvência, eles podem ser transmitidos para o terceiro.

 Por isto, não parece que as dívidas constituídas na exploração, sendo débitos puros, possam passar naturalmente com o estabelecimento – isto é, sem o assentimento de quem o adquire.”

 O art. 5º do CIRE define empresa como “toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica.”

Sendo pacífico que a medida de recuperação inserta no plano de insolvência foi a transmissão do estabelecimento, por ser de assimilar à figura do trespasse, importa apelar a este conceito.


           Pressuposto da existência de trespasse é a existência de um estabelecimento comercial ou industrial, ou seja, de uma empresa.

Acerca deste conceito, pode ler-se, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Ferrer Correia”, um texto do Professor Orlando de Carvalho – págs. 4-31 – denominado “Empresa e Lógica Empresarial”, constando na pág.5, a seguinte definição[2]:

 “Da nossa experiência da vida – linguística, mas não apenas – decorre que a empresa é, antes de tudo, um processo produtivo (concebida a produção em sentido amplo, de modo a abranger a produção, não só de bens ou de serviços, mas de qualquer valor acrescentado em termos de circuito económico) destinado à troca sistemática e vantajosa: ou seja, à formação de um excedente finan­ceiro que garanta quer a auto-reprodução do processo, quer o estí­mulo a essa auto-reprodução (sabido que sem auto-reprodução, incluindo a necessária reprodução ampliada, não há sistematicidade, e sem estímulo à auto-reprodução, esta, como dispêndio de energias, não se efectua).

 Sendo isso, porém, a empresa é necessariamente uma estrutura, isto é, um complexo organizado de meios ou de factores com o mínimo de racionalidade e estabilidade que lhe garanta o mínimo de autonomia funcional (ou técnico-produtiva) e financeira (ou económico-reditícia) que lhe permita emergir na intercomunicação das produções (ou no mercado, lato sensu.

O mercado é o lugar ideal da intercomunicação produtiva) como um centro emissor e receptor a se stante...” (sublinhámos).

            Também sobre tal conceito, Paulo Tarso Domingues, in “Revista de Direito e Economia”, Anos XVI a XIX – 1990 a 1993, – escreve, na pág. 547, depois de sufragar a definição do conceito do citado Mestre:

 “ (...) Se é verdade que a empresa é uma organiza­ção (enquanto reunião, combinação e coordenação de factores produti­vos que permite e visa, nos termos atrás referidos, a conclusão de um determinado processo produtivo), ela não se configura como uma orga­nização abstracta.

Ela é uma organização concreta, realizada, de factores produtivos – que não têm necessariamente de ser bens corpóreos, muito embora ela suponha normalmente um conjunto, mais ou menos amplo, de elementos (mobiliário, máquinas, etc.) que a corporizam e sensibili­zam – sendo, por isso, incorrecto concebê-la “num puro plano organi­zatório” como um bem incorpóreo puro.

A segunda nota é que se empresa/organização supõe normalmente – como se disse – um determinado lastro corpóreo, (maior ou menor), i.e., um certo número de bens que a corporizam (que têm ou podem ter autonomia económica e jurídica, podendo por isso, isoladamente serem negociados), ela, contudo, não se confunde nem se identifica com tais bens, nem sequer, com a soma dos mesmos.

A empresa tem outros elementos (despidos de autonomia jurídico­-económica, como sejam o crédito, o bom nome, etc.), que são valores novos, “sui generis”, próprios da empresa (que resultam da complementari­dade e da combinação dos diversos factores que a constituem) que se impõem, no mercado, como valores de acreditamento diferencial (valor de acreditamento enquanto valor de confiança pública, de confiança do público naquela empresa; diferencial, porque marca a diferença e dife­rencia aquela empresa relativamente a outras) e que, nesta medida, afir­mam a empresa como um valor de posição no mercado. (...) ”.
  O estabelecimento, que no plano jurídico é também designado, em sinonímia, como empresa é, pois, um complexo organizado de bens ou serviços, juridicamente uma universalidade, actuante ou apta a entrar em movimento, relacionando-se com o público, a sua clientela, apta a gerar lucros”.
Os tratadistas divergem quanto a considerar o estabelecimento como universalidade de facto, de direito, ou mista[3].
 Os mais relevantes juristas portugueses têm considerado o estabelecimento como unidade jurídica” – cfr. Pinto Coelho, “O Trespasse do Estabelecimento e a Transmissão das Letras”, Coimbra, 1946, pp. 11-12, 19-23, Barbosa de Magalhães e Ferrer Correia, “Reivindicação...” pp. 206, ss., “Lições.”, pp. 229, ss.
Os credores da insolvente, ao aprovarem o plano de insolvência adoptando o saneamento por transmissão – art. 199º do CIRE – com a inerente constituição de uma nova sociedade para quem foi transmitido o estabelecimento da insolvente, compreendendo expressamente bens materiais: uma loja arrendada, um edifício industrial, um terreno, um conjunto de equipamentos, incluiu o “negócio da insolvente”, tendo assumido os contratos de trabalho existentes com as respectivas antiguidades e o pagamento do preço em 100 prestações, destinado: “ao pagamento integral dos créditos garantidos e privilegiados; ao rateio do remanescente pelos credores comuns (…); ao pagamento das dívidas da massa insolvente” o que, como refere o Acórdão exprime, uma aposta a continuidade da empresa com todos os seus activos mediante o pagamento aos credores da quantia global de € 800.000 (com rateamento dos créditos comuns na medida do que faltasse após pagamento dos garantidos ou privilegiados e perdão total dos créditos subordinados) a efectuar pela nova sociedade, aqui autora, que também assumia, na íntegra e como condição da transmissão do estabelecimento, quer os trabalhadores, quer as dívidas da massa insolvente.”
De relevante, até para interpretação da declaração negocial – art. 236º, nº1, do Código Civil – que constitui o negócio jurídico sui generis da medida de recuperação adoptada no PI, é o facto de não constar que tivessem sido excluídos bens da insolvente; ou seja, fossem quais fossem as perspectivas da sociedade compradora, não se vislumbra que tivessem atomizado os elementos corpóreos ou incorpóreos da insolvente para do patrimonial dela colherem apenas o que se antevia frutificável, mas antes a assunção do passivo e o compromisso do seu pagamento, assim como a muito louvável assunção dos contratos de trabalho existentes e a antiguidade dos trabalhadores da insolvente, inculcam a intenção de não exclusão da indemnização de que era credora a insolvente representando um bem do seu património que ingressou na sociedade compradora, ora recorrente.
Como afirma Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, vol. I, pág. 231:
“Os bens de que o estabelecimento é feito ou, mais restritamente, os seus “factores produtivos” não são meramente agregados ou somados, não se encontram numa simples relação de intermutabilidade ou comutatividade. Estão articulados, inter-relacionados, estruturados estavelmente, com vista mico-produtivo). Quer dizer, o estabelecimento é uma organização. Dizendo de outra maneira (praticamente equivalente), o estabelecimento uma unidade complexa (unitas complex), isto é, global, não elementar instituída por partes diversas inter-relacionadas), e original (com qualidades próprias), um “todo [que] é mais que a soma das suas partes”, com propriedades “novas” ou “emergentes”.
Acerca do âmbito de entrega no trespasse, o Ilustre Tratadista escreve, pág. 287:
 “Num concreto negócio de trespasse, gozam as partes de liberdade para excluírem da transmissão alguns elementos do estabelecimento. Todavia, tal exclusão não pode abranger os bens necessários ou essenciais para identificar ou exprimir a empresa objecto do negócio. Desrespeitando-se o âmbito mínimo (necessário ou essencial) de entrega (constituído, portanto, pelos elementos necessários e suficientes para a transmissão de um concreto estabelecimento), impossibilitado fica o trespasse; objecto do negócio translativo serão então singulares bens (ou conjuntos de bens) de um estabelecimento, não o próprio estabelecimento.
Dizer a priori ou em abstracto quais os elementos integrantes do âmbito mínimo é, dissemo-lo já, inviável. Pode dar-se o caso de um determinado trespasse não poder dispensar a transmissão (juntamente com outros bens mais ou menos prescindíveis) de uma firma, ou uma marca, ou uma patente, ou um prédio, ou certas máquinas, ou certo know-how, etc.
Fazem parte do âmbito natural de entrega os elementos que se transmitem naturalmente com o estabelecimento trespassado, isto é, os meios transmitidos ex silentio, independentemente de estipulação ad hoc; tais bens, não havendo cláusulas a excluí-los, entram na esfera jurídica do trespassário […]
[…] Quanto a outros elementos, o silêncio das partes é acompanhado pelo silêncio da lei. Sabemos no entanto que o estabelecimento é organização de meios ou elementos para o exercício de uma actividade de produção destinada à troca. Sejam ou não essenciais para a existência daa empresa todos esses bens contribuem para a organização e são parte do estabelecimento. Sabemos também que ele é bem jurídico complexo-unitário, e coisa.
O mais razoável será, portanto, que aqueles elementos sobre que pesa o silêncio se transmitam naturalmente; trespassado o estabelecimento, fica o trespassante obrigado a entregar o complexo de bens que o compõem. Entre esses bens contam-se, por exemplo, máquinas, utensílios, mobiliário, matérias-primas, mercadorias, inventos patenteados, modelos de utilidade, desenhos ou modelos.
E os prédios? Os prédios têm suscitado mais controvérsia. Entendia tradicionalmente a jurisprudência que, na falta de estipulação específica, o trespasse não implica a transmissão do prédio (do trespassante) onde o estabelecimento funciona. Na doutrina, a pertinência dos imóveis ao âmbito natural é afirmada por uns e negada por outros.
Não descortino razões que validem um tratamento diferenciado do prédio em face de bens que, tal como ele, fazem parte do estabelecimento, são seus elementos. Tanto mais quanto é certo não ser em geral desprezível a importância dos imóveis…Por conseguinte, quando num contrato de trespasse se não faça menção à transmissão do prédio e não se conclua, por interpretação do negócio, que ele foi excluído, deve concluir-se que a propriedade do mesmo foi (naturalmente) transmitida”.
Rematando este primeiro ponto, assento este princípio: o trespasse coenvolve naturalmente a transmissão da propriedade de todos os elementos que a esse título pertenciam ao trespassante – podendo todavia nalguns casos um ou mais desses elementos não se transmitir, ou seja. Nos casos em que a exclusão resulta de uma disposição legal, ou é consequência mediata de uma cláusula negocial, ou corresponde à vontade real e concordante das partes (apesar de não ter correspondência no texto do respectivo documento) ”.
Importa realçar que o incêndio destruiu o prédio da insolvente: a indemnização devida pela seguradora reintegrará por equivalente esse bem. O direito à indemnização nasceu, em sentido adaptado, na esfera jurídica de quem estaria numa relação jurídico-contratual (se não fosse a insolvência), na posição de “trespassante”.
Se é certo que créditos, dinheiro, são a essência, ou até “meios de produção” de certos sectores de actividade como os bancos, um crédito indemnizatório, dada a sua função reintegrativa do património atingido pelo risco segurado, não sendo um imediato elemento produtivo da empresa constitui um seu activo ligado ao funcionamento e desenvolvimento da sua actividade.
No caso, a Autora pretende que a Ré a indemnize pelos danos causados por um incêndio que destruiu totalmente as instalações, sendo que a indemnização assumirá crucial importância para a prossecução do fim da sociedade compradora do estabelecimento da insolvente.
Tendo esse direito de crédito nascido com o sinistro que desencadeou a obrigação de indemnizar não se vislumbra fundamento para que a Ré recuse à Autora, que é titular da empresa insolvente, o direito que esta pretende fazer valer.
O contrato de seguro que visava a protecção dos bens da empresa, acautelando o risco que se verificou de incêndio, constitui uma garantia de funcionamento da empresa e do estabelecimento.
Importa, pese embora a afinidade, que a medida de recuperação insolvencial tem com o trespasse do estabelecimento comercial, sendo o CIRE omisso quanto à transmissibilidade dos créditos, não acolher acriticamente o regime do art. 577º do Código Civil relativo à cessão de créditos, para exigir como requisito de validade da cessão do estabelecimento comercial a menção expressa da cedência dos créditos e débitos ligados à exploração do estabelecimento.
Não se ignora a posição de Gravato de Morais, in “Alienação e Oneração de Estabelecimento Comercial”, 2005, págs. 106 e 107:
 “Em sede de trespasse, no silêncio dos contraentes, os créditos do alienante ligados ao estabelecimento não transitam para o adquirente. A regra é a de que o activo não se transfere automaticamente com o trespasse, a menos que a referida cessão resulte de um acordo expresso ou tácito entre os contraentes, sem necessidade do consentimento do devedor cujos efeitos em relação a este se produzem após notificação ou sua aceitação”.
Para lá da especificidade do saneamento pela transmissão ser um meio de recuperação num processo peculiar de liquidação/recuperação de uma empresa, revertendo o preço da aquisição a favor da massa insolvente, estranho seria que no silêncio dos credores que aprovaram a medida de recuperação, pudessem de boa fé sustentar que, não existindo menção expressa da cedência do crédito sobre a Ré, ele não foi transmitido.
Enfatiza-se que a natureza e especificidade do processo de insolvência, que não culminou na liquidação da insolvente, tendo o plano de insolvência sido aprovado, comtemplando o saneamento por transmissão, a não contestação atempada por parte dos credores, vale até como um acordo tácito entre os contraentes no peculiar negócio jurídico que constitui a aprovação do plano de insolvência.
Como correctamente assinala o Acórdão recorrido, “O contrato de seguro estava em vigor aquando do sinistro, que ocorreu anos antes da declaração de insolvência e que o crédito da transmitente (insolvente) existia no seu património, integrava a sua empresa ou estabelecimento quando o “Plano” foi aprovado, nele se procedendo à transmissão integral do estabelecimento ou empresa, pois nada foi expressamente ressalvado ou excepcionado a não ser a parte dos débitos a cuja redução se procedeu.”
A acolher-se a tese da Ré não terá esta que pagar a ninguém, no circunstancialismo do processo: à Autora, porque o crédito da indemnização não se lhe teria transmitido; à insolvente, dado o encerramento do processo de insolvência – art. 230º, nº1, do CIRE – perspectiva que a actuação de boa fé na execução dos contratos não acolhe.
Nesta perspectiva não merece censura o Acórdão recorrido.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:
Nega-se a revista.
Custas pela Ré/Recorrente.


              Supremo Tribunal de Justiça, 03 de Julho de 2018


Fonseca Ramos (Relator)
Ana Paula Boularot
Pinto de Almeida

______________
[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex. mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot.
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] O mesmo Ilustre Professor acerca da questão de saber qual a natureza do estabelecimento comercial escreveu: “A estrutura do estabelecimento, reflectindo o moderno condicionalismo é...alguma coisa de insólito; e não apenas de insólito, mas também de imprevisível pela fluidez de uma atmosfera em permanente mobilidade, e por essa mobilidade e pela complexidade de factores que, em cada minuto, lhe dão forma, alguma coisa de adverso à redução a um conceito necessariamente simplificante e estabilizante como é, no fim de contas, todo o conceito normativo” – “Critério e Estrutura do Estabelecimento”, pág. 14. 
[3]  Antunes Varela - Revista de Legislação e de Jurisprudência - Ano 115 pág.252, nota 1) afirma: “O termo “estabelecimento” tem um duplo significado: na linguagem corrente ou popular, significa a loja, o imóvel, as instalações materiais em que as mercadorias são colocadas para venda ao público: quando usada no seu sentido técnico-jurídico, aquela palavra designa a unidade ideal, complexa e abstracta, inserida em qualquer sector da actividade industrial ou comercial que abrange, além da sede, muitos outros elementos, corpóreos e incorpóreos, as mercadorias, os utensílios e equipamentos que, em cada momento se encontrem nas instalações próprias ou arrendadas”.