Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
750/15.7T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO EMPREGADOR
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2 E 563.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 127.º, N.º 1, ALÍNEA H), 281.º, N.ºS 1, 2 E 5 E 284.º.
REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 98/2009, DE 04 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 18.º E 79.º, N.º 3.
REGULAMENTO GERAL DE SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO NOS ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS: - ARTIGO 40.º, N.º 2.

Referências Internacionais:
DIRETIVA N.º 89/655/CEE, DO CONSELHO, DE 30 DE NOVEMBRO.
DIRETIVA N.º 95/63/CE, DO CONSELHO, DE 5 DE DEZEMBRO.
DIRETIVA N.º 2001/45/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 27 DE JUNHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-03-2007, PROCESSO N.º 06S1957;
- DE 19-06-2013, PROCESSO N.º 3529/04.8TTLSB.L2.S1;
- DE 19-06-2013, PROCESSO N.º 1294/04.8TTLRA.C1.S1;
- DE 29-10-2013, PROCESSO N.º 402/07.1TTCLD.L1.S1;
- DE 06-05-2015, PROCESSO N.º 220/11.2TTTVD.L1.S1;
- DE 27-04-2017, N.º 1523/13.7T2AVR.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O agravamento da responsabilidade acidentária sucede quando o acidente se deve à culpa do empregador ou que seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.

II. A diferença entre os dois fundamentos reside na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.

III. Em ambas as situações, resulta um agravamento da responsabilidade que se traduz no facto da responsabilidade pela indemnização incluir a totalidade dos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pelo trabalhador, nos termos gerais da responsabilidade civil e em a responsabilidade infortunística caber ao empregador.

IV. O ónus da alegação e da prova dos factos que constituem a violação das regras de segurança incumbe aos beneficiários do direito à reparação e à seguradora, por, relativamente aos primeiros (quando peticionada esta reparação especial) serem factos constitutivos do direito invocado, e por, relativamente à segunda (quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade) por serem factos modificativos/extintivos da sua responsabilidade.

V. A Portaria n.º 53/71, de 03 de fevereiro, que aprovou o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho em Estabelecimentos Industriais, no seu artigo 40º, n.º 2, dispõe que as máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique.

VI. A Empregadora que tinha, à data do acidente, em funcionamento uma prensa antiga sem a ter modificado ou transformado, apesar de haver alta probabilidade de originar acidentes, por não ter qualquer dispositivo de segurança, nomeadamente uma proteção em grade ou de outro tipo, de forma a envolver completamente toda a ferramenta e torná-la inacessível às mãos do trabalhador quando a punção desce, é responsável pela reparação dos danos derivados do acidente ocorrido com o trabalhador que com ela operava, quando se encontrava a retirar uma peça proveniente da fundição, que estava a ser limpa dos excessos/películas, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, o que lhe provocou o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita que se encontravam entre os seus elementos móveis.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 750/15.7T8MTS.P1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção[2]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

           

            - Relatório[3]:

        Frustrada a conciliação, na fase conciliatória, cuja instância se havia iniciado em 13.02.2015, AA, com o patrocínio do Ministério Público, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos – Instância Central - Juízo do Tribunal do Trabalho - Juiz 3, a presente ação declarativa de condenação, com processo especial, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, contra “BB, S. A.” e “CC, S. A.”, pedindo que se reconheça e declare que o sinistro em causa constitui acidente de trabalho e que se condene as rés, na medida das responsabilidades que forem apuradas, a pagarem-lhe:
a) A pensão agravada e atualizável no montante de € 3.037,65, devida desde 09.02.2015, sendo a responsabilidade da Ré seguradora, nos termos do artigo 79º, n.º 3 da Lei n.º 89/09, de 4/09, a pensão normal no montante de € 1.859,55.

b) A indemnização agravada pelos períodos de ITA e ITP de 75% no montante de € 7.527,88, sendo a responsabilidade da Ré seguradora, nos termos do artigo 79º, n.º 3 da Lei n.º 89/09, de 4/09 a quantia de € 713,90 (diferença entre o montante que lhe é devido, de € 5 858,77, e a quantia de € 5.144,87 que já recebeu).

c) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações em atraso, nos termos do art.º 135º do Código do Processo do Trabalho[4].

Pede, ainda, a condenação da seguradora a pagar-lhe, nos termos do artigo 79º, nºs 3 e 5, da Lei n.º 89/09, de 04/09:
a) O montante de € 33,30 de despesas com deslocações obrigatórias ao Instituto Nacional de Medicina Legal e ao Tribunal, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a tentativa de conciliação.


Pede, também, que lhe seja fixada uma pensão provisória.

            i). Para o efeito, alegou, em resumo, que no dia 26.02.2014, quando se encontrava no exercício das suas funções inerentes à categoria profissional de Operador de tratamento de materiais Grau 10, ao serviço da Ré “CC, S. A.”, dentro do seu horário de trabalho e nas instalações daquela, a trabalhar no equipamento de trabalho designado «B...», com o n.º interno 2 (utilizado para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, e provocou-lhe o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.

Em consequência sofreu traumatismo da mão direita, com amputação do 2º, 3º e 4º dedos.

 À data do acidente auferia uma retribuição anual de € 8 100,40 (retribuição base € 506,00 x 14 meses + alimentação em espécie com o valor de € 4,20 x 22 dias x 11 meses).

A 2.ª Ré, empregadora, tinha a sua responsabilidade transferida para a 1.ª Ré através da apólice n.º ..., pelo salário anual de € 7.084,00.

Como consequência direta e imediata do sinistro, ficou com as sequelas descritas no auto de exame médico, em face das quais foi-lhe atribuída uma IPP de 37,50%, com fator de bonificação de 1,5.

Esteve com uma I.T.A. de 27.02.2014 a 08.01.2015 (316 dias) e com ITP de 75% de 09.01.2015 a 8.02.2015 (31 dias), dia em que foi considerado clinicamente curado.

Despendeu em deslocações obrigatórias ao INML e ao Tribunal a quantia de € 33,30.

ii). Na tentativa de conciliação, no fim da fase conciliatória, as partes acordaram quanto à existência do acidente, ao salário auferido pelo sinistrado e à existência e validade do contrato de seguro.

iii). A ré seguradora “BB, S. A” contestou alegando, em síntese, que o acidente em apreço nos autos foi consequência da inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da empregadora que não colocou ao dispor do Autor a formação e equipamento adequado ao trabalho a efetuar, uma vez que a máquina em que laborava não reunia as condições e requisitos mínimos de segurança, pelas razões constantes na petição inicial.

Acresce que essa falta de segurança encontrava-se em desobediência aos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º do DL n.º 50/2005 de 25 de fevereiro, que estipula os “Requisitos mínimos gerais aplicáveis a equipamentos de trabalho” e que “a prensa” não respeitava o estabelecido no n.º 4, do artigo 56.º-A, da Portaria 53/71, de 03 de fevereiro.

Concluiu pugnando pela improcedência da ação na parte a ela atinente.

iv). Contestou, também, a ré empregadora, “CC, S. A.”, alegando que a máquina, em causa, está de acordo com as exigências de segurança e que o acidente ocorreu, por pura e simples, incúria do A., que não cuidou de aguardar que a máquina fizesse a operação até ao seu final, apesar de para tanto ter sido alertado pelos seus colegas e superiores hierárquicos.

Ora, o A. colocou a mão sob a parte superior da máquina – que é a que faz um movimento “de prensa” e “de cima para baixo” - sem aguardar que a máquina parasse o seu movimento completo, pelo que só a sua imprudência é que causou o acidente.

Os movimentos da máquina eram ordenados pelo próprio A., que fazia a mesma operação, tal e qual e consecutivamente, há mais de um ano.

Não tem, pois, o Autor direito a qualquer indemnização ou pensão.

Concluiu pedindo a sua absolvição dos pedidos.

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1). Deferindo-se o seu pedido de fixação de uma pensão provisória, foi-lhe fixada a pensão de € 194,40, tendo por referência uma IPP de 37,5% que lhe havia sido atribuída pelo INML, proferiu-se despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se procedeu à seleção da matéria de facto e foi ordenado o desdobramento do processo, com a abertura do apenso de fixação de incapacidade.

2). Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 16 de março de 2017, que julgou a ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e, em consequência, condenou as rés no pagamento ao autor, AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (artigo 135.º do CPT), das seguintes quantias:


a. A ré “BB, S.A.”, e sem prejuízo do direito de regresso contra a ré entidade empregadora, na pensão anual no montante de € 4.073,30 devida desde 09.02.2015, que ascende ao montante de € 4.089,59 a partir de 01.01.2016 e ao montante de € 4.110,04 a partir de 01.01.2017.

b. A ré “CC, S.A.”:

- € 2.986,67, a título de diferenças de indemnização, pelo período de incapacidade temporária;
- A pensão anual, no montante de € 2.508,28, devida a partir de 09.02.2015, a qual ascende ao montante de € 2518,31 a partir de 01.01.2016 e ao montante de € 2530,90 a partir de 01.01.2017.

Foi fixada à ação o valor de € 82.070,94 - artigo 120º do CPT.

II

          Inconformada com esta decisão, a Ré Empregadora dela interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto, ínsita nos pontos 20.º e 21.º, e invocando a não verificação dos pressupostos da sua responsabilidade agravada a que aludem os artigos 18º, n.º 1 e 79º, n.º 3, ambos da Lei n.º 98/2008, de 04.09.

            Ora, mantida que foi a decisão sobre a matéria de facto, por não ter sido conhecida a sua impugnação, dado que a recorrente não observou os ónus legalmente exigidos, por acórdão proferido, em 11 de setembro de 2017[5], o recurso foi julgado improcedente e, em consequência, mantida a sentença recorrida.

III

            Irresignada, mais uma vez, a Ré “CC, S. A.” interpôs recurso de revista[6], concluindo a sua alegação da seguinte forma:


1. “Afigura-se à Recorrente que o douto acórdão recorrido não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice" das normas e princípios jurídicos competentes;
2. O acidente de trabalho em análise ocorreu pela utilização de um "B..." cujo modelo é identificado por "CPE 150".
3. Conforme consta do ponto 22 dos factos assentes, a máquina não possuía Certificado CE, o que indicia que a mesma foi produzida em data anterior a 1985, uma vez que a marcação CE é obrigatória para produtos comercializados no Espaço Económico Europeu (EEE) desde esse ano de 1985.
4. Não ficou demonstrado que a máquina não estivesse em condições de operar, sendo, por isso, proibida a sua utilização.
5. Nada resulta nos presentes autos de que fosse possível promover pela alteração da máquina, transformando-a para que o acesso à zona de corte, ao volante, à cambota, à biela ou à corrediça fosse limitado, que impedisse o contato mecânico ou a aplicação de mecanismo de bloqueio na zona de desligado, factos a que se alude nos pontos 12, 13 e 14 dos factos provados.
6. Mais relevante ainda, não resulta minimamente demonstrado nos autos que tais medidas de segurança, se tivessem sido implementadas, impediriam o acidente em apreço.
7. Conforme se refere na douta sentença de 1.ª instância, "cabe ao beneficiário do direito à reparação por acidente de trabalho, quando a solicite (bem como à seguradora que pretenda ver desonerada a sua responsabilidade infortunística) o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa da entidade empregadora ou que o mesmo resultou da inobservância por parte desta de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras […].
8. O acidente propriamente dito deveu-se a um mau funcionamento de uma peça - linguete.
9. Dos autos decorre que nenhuma medida de segurança que pudesse ter sido aplicada, teria qualquer impacto ou efeito no sentido de evitar esse mau funcionamento da peça em questão.
10. O Autor sempre teria de colocar a sua mão na zona de extração da peça produzida, após o movimento completo da máquina.     
11. O que fez e que igualmente teria que fazer no caso de a máquina ter medidas consideradas de segurança tais como sinais de instruções de segurança ou protetores de acesso à zona de perigo a que se alude nos pontos 12, 13 e 14 dos factos provados.
12. Com efeito, o sinistrado sempre teria de meter a mão na máquina para proceder à retirada da peça, pois tal movimento não é realizado automaticamente, por forma a retirar a peça produzida.
13. Ficou plenamente demonstrado que, no caso do acidente em apreço nos presentes autos, a máquina executou por completo o seu regular movimento.
14. Razão pela qual carece de total sentido a constante na sentença de 1.ª instância e transcrita no douto acórdão recorrido que "se a máquina fosse dotada do exigível protetor de acesso quer ao volante, quer à cambota ou corrediça o acesso à zona operativa só seria possível com a máquina estivesse parada e assim não teria ocorrido o acidente".
15. Tendo a máquina realizado um segundo movimento de prensa, súbito e inesperado, tal apenas se poderá considerar um acidente.
16. A noção de acidente de trabalho reconduz-se a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho.
17. Nenhum dos pressupostos considerados indispensáveis para se verificar a alegada inobservância das regras de segurança no trabalho se encontra preenchido.
18. Dos autos ou dos factos dados como assentes não decorre que a entidade empregadora não haja observado ou tenha omitido a prática de normas ou regras de segurança, que, por sua vez, nunca foram sequer alegadas e devidamente discriminadas pelas partes.
19. Quer na sentença de 1.ª instância, quer no douto acórdão recorrido apenas se fala de eventuais violações de regras genéricas de segurança.
20.  No caso em apreço, não se logrou demonstrar qual a norma de segurança violada que, se tivesse sido aplicada, impediria a ocorrência do sinistro em apreço.
21. Pelo que inexiste motivação para que a decisão seja de atribuir a causa do acidente em apreço à "omissão da obrigação de proteção".
22. Em nenhuma altura ficou demonstrado que o acidente poderia ter sido evitado, fosse de que maneira e com a assistência de qualquer mecanismo.
23. Conforme se considerou no voto de vencido no douto acórdão em apreço, importa salientar que a matéria de facto provada não permite concluir no sentido de que a empregadora violou uma concreta norma de segurança que estava obrigada a implementar para a tarefa que o sinistrado executava.
24. Na verdade, como se refere no aludido voto, a matéria provada sob o ponto 29 dos factos não permite concluir, conjugado com a demais matéria de facto, que o acidente ocorreu porque, no caso, a empregadora deveria ter implementado um qualquer mecanismo que impedisse a rotação da engrenagem mesmo quando ocorresse a «falha» do linguete.
25.  Ainda de acordo com tal voto, não basta afirmar-se que inexistia qualquer proteção coletiva de segurança (factos 12 e 13 da matéria provada) na medida em que tal matéria é tão só conclusiva.
26. Com efeito, tendo em conta que o sinistrado, no momento em que ocorreu o acidente, estava a retirar a peça da máquina, seria de toda a relevância ter sido alegado e provado qual a proteção coletiva a adotar no caso e se a sua implementação não impedia o sinistrado de efetuar a tarefa que a executava, ou seja, que concreta medida de segurança se impunha e que não foi implementada.
27. Se não foram provadas quais as normas de segurança violadas que impediriam a ocorrência do acidente em apreço, inexistem factos que permitam concluir pela existência do nexo de causalidade entre a «invocada» violação das regras de segurança e o acidente, posto que tal matéria é matéria de facto e não de direito.
28. De igual modo, não resultou demonstrado nos autos nada que permita o entendimento plasmado no douto acórdão recorrido quando se afirma de forma infundada que "em palavras cruas, a Ré empregadora privilegiou os seus interesses nos custos de produção em detrimento da observância dos deveres que a lei impõe para assegurar as condições de segurança na execução do trabalho aos trabalhadores, mais concretamente, ao autor".
29. Nunca tinha havido qualquer acidente do género com a máquina em apreço durante os cerca de 40 anos de funcionamento do equipamento em causa.
30. Não pode a Recorrente conformar-se em que lhe tentem ser imputadas responsabilidades por um acidente imprevisto numa máquina que nunca tinha tido problemas, não obstante estar em funcionamento há muitos anos, onde se afirma que foram violadas normas de segurança sem serem especificadamente demonstradas nos autos quais foram as normas violadas que tais hipotéticas normas de segurança se tivessem sido cumpridas o acidente não teria ocorrido.
31. Acresce o facto de que o próprio sinistrado ter tido responsabilidade no incidente, conforme se refere a sentença proferida em 1.ª instância: "é certo também que esse contacto ocorreu na sequência de um ato voluntário do autor, já que este também poderia ter esperado mais uns segundos até retirar a peça da máquina, podendo assim até concluir-se que não foi a falta de proteção o único facto causal do acidente."
32. A Ré/Recorrente paga elevadas quantias às seguradoras precisamente para cobrir eventuais responsabilidades para este tipo de incidentes, para que a existência de acidentes imprevistos como o "sub judice", não lhe sejam imputados, imputações essas que poderão pôr em causa a solvabilidade da empresa, com riscos óbvios para a manutenção dos postos de trabalho.
33. Em face de tudo quanto foi exposto, resulta claramente demonstrado que no caso em apreço não foi violada qualquer norma de segurança por parte da Ré empregadora pelo que jamais poderá a mesma ser condenada a pagar ao sinistrado ou à Ré Seguradora, a título de direito de regresso, quaisquer quantias em virtude do sinistro em apreço.
34. Nesta conformidade, o douto acórdão recorrido violou as disposições legais constantes do artigo 18º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro.”

Terminou dizendo que o presente recurso de revista deve ser provido e, em consequência deve revogar-se o acórdão recorrido e ser substituído por outro que a absolva do pedido contra si formulado.

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            A Ré “BB, S.A.” contra-alegou manifestando a sua adesão e total concordância à decisão recorrida.

Refere que “como bem entendeu e decidiu o acórdão, aqui posto em crise pela Recorrente, e desde já se diga sem razão, "Os factos evidenciam, diremos mesmo à exuberância, que a Ré não observou os deveres que lhe são impostos por Lei".

Nenhuma duvida se coloca em concluir que a R. atuou com elevado grau de culpa e que existe o necessário nexo causal entre esta conduta e a produção do sinistro, significando isso que há prova plena dos factos necessários para concluir, como concluiu o tribunal a quo pela sua responsabilidade agravada."

Finalizou, dizendo que a causa foi bem decidida e que a ela adere inteiramente.       

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           Por sua vez, o recorrido AA, patrocinado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, em que pugna pela improcedência do recurso, e alegando que recaía sobre a Recorrente/ Empregadora o dever de observar as normas do n.º 1, artigo 16° do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, do n.º 2, do artigo 281º, do Código do Trabalho[7], da alínea a), do n.º 3, do artigo 3º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, e do artigo 15º, nºs 1 e 2, alínea c), da Lei 102/2009, de 10.09.

Mais aduziu que, como decorre da matéria de facto provada, nomeadamente dos factos 2º, 12 a 19°, 21º a 26º e 29º, a Empregadora não observou as referidas normas.

Assim sendo, concluiu que “[e]ntre essa conduta omissiva da recorrente e o acidente ocorre o necessário nexo de causalidade adequada, atento o teor dos factos provados 29° e 12° a 19°, já que se provou que «o acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1.° ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina»".

Finalmente, alegou que não lhe competia fazer a prova de que a máquina não estava em condições de operar, que era proibida a sua utilização, que não era possível promover a sua alteração de modo a impedir o contato mecânico ou a aplicação de mecanismo de bloqueio na zona de desligado e de demonstrar que se fossem implementadas, eventuais, medidas de segurança, impediriam o acidente, porque por não serem factos constitutivos do direito que invocara.

               

Com efeito, alega que essas circunstâncias, invocadas pela Empregadora, consubstanciam meras hipóteses, não constitutivas do direito invocado, mas incluídas no dever que lhe pertence “de garantir a segurança do trabalhador, nomeadamente através da utilização de máquinas equipadas com dispositivos de proteção”.

Terminou pedindo que a revista seja julgada improcedente porque provou, como lhe competia, que a máquina em causa não dispunha de protetores e/ou dispositivos de segurança, razão pela qual ocorreu o acidente de que foi vítima, e que a Recorrente não assegurou, como lhe competia, as condições de segurança daquele equipamento.

               

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O Ministério Público não emitiu parecer por, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, lhe estar vedado, dado exercer o patrocínio do Autor/sinistrado.

IV

        - Revista:

           

            Nestes autos a instância iniciou-se em 13 de fevereiro de 2015 e o acórdão recorrido foi proferido em 11 de setembro de 2017.

            Nessa medida, é aqui aplicável:

· O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

· O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

· A Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

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            Estão colocadas duas questões e que são:

- Se houve, por parte da Ré/recorrida, inobservância de normas de segurança;

- Em caso afirmativo, se existiu nexo de causalidade entre essa omissão e o acidente sofrido pelo Autor/trabalhador.

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           Cumpre, pois, julgar o objeto do recurso.

IV

                                              

            Da matéria de facto:

            As instâncias deram como provada a seguinte factualidade[8]:

1. “Em 03.09.2013 o autor foi admitido ao serviço da 2ª Ré «CC, SA» para, sob as ordens, direção e fiscalização desta, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Operador de Tratamento de materiais Grau 10.

2. No dia 26.02.2014, pelas 8H30, quando o A. se encontrava no exercício das suas funções, dentro do seu horário de trabalho, nas instalações da 2ª Ré, a trabalhar no equipamento de trabalho designado «B...», com o n.º interno 2 (utilizado para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, provocando o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita do trabalhador entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.

3. Do acidente supra descrito resultou traumatismo da mão direita, com amputação do 2º, 3º e 4º dedo.

4. À data do acidente o autor auferia uma retribuição anual de € 8.100,40 (retribuição base 506,00 x 14 meses + alimentação em espécie com o valor de € 4,20 x 22 dias x 11 meses).

5. A 2ª Ré Entidade Empregadora tinha a sua responsabilidade transferida para a 1.ª Ré através da apólice n.º ..., pelo salário anual de € 7.084,00.

6. Na tentativa de conciliação realizada em 09.03.2016 as Rés reconheceram o acidente supra descrito como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões descritas no auto de exame médico do INML e o acidente, a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho através da apólice n.º ..., pelo vencimento anual de € 7.084,00.

7. A Ré seguradora aceita o resultado do exame médico do INML que atribuiu a IPP de 37,5% com a bonificação de 1,5 e o período de ITA de 27.02.2014 a 08.01.2015, Contudo não aceita a responsabilidade pela reparação do acidente por entender que o mesmo se ficou a dever à inobservância das regras de segurança por parte da 2ª Ré, entidade empregadora, que permitia que o sinistrado laborasse numa máquina sem que estivessem reunidos os requisitos mínimos de segurança e a 2º Ré entidade empregadora aceitou o vencimento reclamado pelo A. contudo não aceita o resultado e a IPP atribuída e os períodos e graus de IT’s atribuídos pelo INML, não aceitando, igualmente, responsabilizar-se pela reparação do acidente de trabalho supra descrito, uma vez que entende que o sinistrado teve culpa na produção do acidente.

8. O autor recebeu da seguradora a título de indemnização por IT’s a quantia de € 5.144,87.

9. O Autor nasceu no dia ……..1957.

10. Como consequência do sinistro, o autor apresenta as seguintes sequelas:
- Membro superior direito: cicatriz cirúrgica, na face palmar, em forma de «U», com cerca de 10 cm, estendendo-se até ao dorso da mão 8 cm na região do terceiro metacarpo;
- Amputação total do 2º, 3º e 4º dedo, com reconstrução parcial da falange proximal do 2º dedo às custas de enxerto ósseo (observando-se perda de volume no local do 3º/4º dedo meta);
- Rigidez das articulações metacarpo falângicas e interfalângicas distais do 5º dedo.

11. O Autor esteve com uma I.T.A. de 27.02.2014 a 08.02.2015.

12. No momento do acidente o referido equipamento de trabalho «B...» não possuía proteção coletiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento/esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis.

13. O referido equipamento de trabalho não dispunha de qualquer proteção a limitar o acesso à zona operativa.

14. A referida máquina permite o acesso ao volante, cambota, biela e corrediça.

15. 15. A ferramenta/cabeçote/punção está desprotegida e acessível a qualquer operador.

16. O referido equipamento de trabalho dispõe de um dispositivo de comando bimanual (funcionamento síncrono simultâneo e contínuo).

17. Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe.

18. Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante.

19. Na referida máquina inexiste um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado.

20. Na referida máquina existem aberturas no quadro elétrico permitindo a entrada de poeiras e outras partículas.

21. No momento do acidente a máquina não se encontrava identificada, nem possuía placa identificativa.

22. E não possuía Certificado CE.

23. A máquina possuía um quadro com botões, comandos e sinalizadores, sem qualquer identificação, relativamente à função que desempenham.

24. Nas instalações da Ré – EE inexistiam instruções de segurança para prevenção dos riscos a que se está exposto durante o trabalho com máquina, bem como procedimentos de trabalho seguros.

25. O movimento de descida do cabeçote/punção realiza-se em poucos segundos.

26. Para operar a referida máquina o operador tem que utilizar, simultaneamente, as duas mãos para “dar ordens” à máquina, o que faz através das “botoneiras” (que estão colocadas em ambos os lados da máquina), e faz com que tenha, obrigatoriamente, que estar afastado da máquina, maxime, da zona de potencial esmagamento.

27. O autor sabia que a máquina, mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete poderia fazer um outro imediatamente a seguir.

28. Os movimentos da máquina eram ordenados pelo próprio autor, que fazia a mesma operação, tal e qual, consecutivamente, há mais de um ano.

29. O acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina.

30. Na sequência das sequelas de que sofre, o autor ficou a padecer de uma IPP de 37,5% com IPATH.

31. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor ocorreu a 08.02.2015.”

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            Do direito:

            

           - Inobservância de normas de segurança pela Empregadora:

            

           Neste recurso, as partes não estão de acordo quanto a saber se, face à factualidade provada, houve inobservância de regras de segurança pela Ré/empregadora e, em caso afirmativo, se existiu nexo causal entre essa inobservância e a ocorrência do acidente,

          Para a Empregadora, não se provou que não observou qualquer norma de segurança e também não se provou que existiu nexo causal entre essa não observância e o sinistro em causa.

           Para o Sinistrado e para a Ré/seguradora, o acidente ficou a dever-se, necessária e diretamente, à inobservância de normas de segurança por parte da Empregadora.
          
VI

          a). A alegação, desta revista, e respetivas conclusões são a repetição das alegações e das conclusões que Ré/empregadora apresentou no recurso de apelação.

          Aditou-lhe, apenas, os argumentos constantes do voto de vencido.

          Ora, as instâncias consideraram que o evento em causa resultou da falta de observação, por parte da Ré/empregadora, das regras de segurança no trabalho, pelo que concluíram no sentido da sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho em apreço, sem prejuízo da responsabilidade e do direito de regresso que assiste à Ré/seguradora, decorrente do contrato de seguro celebrado com aquela.

          Foi, deste modo, a Empregadora condenada nos termos do artigo 18º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro [Lei que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais[9]], que determina que “[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquela contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, de regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais.”
           Por sua vez, estabelece o artigo 79º, n.º 3, da LAT, que “[v]erificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.”
               O agravamento da responsabilidade acidentária sucede, pois, quando o acidente se deve à culpa do empregador ou que seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
           Nestas situações, resulta um agravamento da responsabilidade, que se traduz no facto da responsabilidade pela indemnização incluir a totalidade dos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais), sofridos pelo trabalhador, nos termos gerais da responsabilidade civil, e a responsabilidade pela reparação infortunística cabe ao empregador.
           A diferença entre os dois fundamentos reside na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.
           Na vigência da atual LAT, em caso de comportamento culposo do empregador, a seguradora satisfaz o pagamento ao lesado [responsabilidade a título principal][10] até ao limite dos danos cobertos pela responsabilidade objetiva - «caso não houvesse atuação culposa» -, e, pode exigir em regresso este valor ao responsável - artigo 79º, n.º 3, da LAT.
           Por sua vez, o ónus da alegação e da prova dos factos que constituem a violação das regras de segurança incumbe aos beneficiários do direito à reparação e à seguradora, por, relativamente aos primeiros, serem factos constitutivos do direito invocado [quando for solicitada/peticionada esta reparação especial - artigo 342º, n.º 1, do Código Civil] e por, relativamente à última, serem factos modificativos/extintivos da sua responsabilidade [quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade] – artigo 342º, n.º 2, do CC].

           Por outro lado, a mera inobservância de preceitos legais que se refiram à saúde e segurança no trabalho não confere, imediata e automaticamente, a responsabilidade da Empregadora pelas consequências do acidente de trabalho, pois tem que se verificar, também, a existência de um nexo de causalidade entre a inobservância e a produção do acidente, ou seja, essa inobservância tem que ser, direta e necessariamente, causal do acidente.

          Neste sentido tem decidido a jurisprudência desta 4ª Secção e Supremo Tribunal de Justiça.
          Por todos, veja-se o acórdão proferido em 19.06.2013, no processo n.º 1294/04.8TTLRA.C1.S1[11], cujo sumário é o seguinte:
I. Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º da Lei 100/97 (LAT), a responsabilidade – agravada – pela reparação do acidente do trabalho recai sobre a entidade empregadora, sendo a seguradora apenas subsidiariamente [atualmente a título principal[12]] responsável em relação às prestações normais previstas naquela lei.
II. No domínio da vigência da LAT[13] [como atualmente] a responsabilidade agravada do empregador tinha dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte (n.º 1); a inobservância pelo empregador das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (n.º 2); sendo que a diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.
III. Compete aos beneficiários do direito a esta reparação especial, ou à seguradora quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
IV. Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade para a responsabilizar, de forma agravada, pela reparação do acidente, sendo, ainda, necessária, a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.

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Como se disse, está em causa no presente recurso saber se a responsabilidade pela reparação dos danos derivados do acidente dos autos é imputável à Ré empregadora, por violação das normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

           Diz a Empregadora que não se provou que norma concreta de segurança não tenha observado e que, também, não se provou que existiu nexo causal entre essa não observância e o sinistro em causa.

         Para o efeito, começa por alegar que a máquina em que ocorreu o acidente, “B...” “CPE 150”, foi construída antes de 1985, porque tendo sido dado como provado que “não possuía Certificado CE”, e dado que a marcação CE só se tornou obrigatória para os produtos comercializados no Espaço Económico Europeu (EEE) desde esse ano, não pode a mesma ter sido construída em data posterior.
           Mais alega que, na data da sua construção, não eram exigidas as atuais medidas de segurança, pelo que, não se tendo provado que a máquina não estava em condições de ser utilizada, não era, por isso, proibido o seu uso.

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           Tendo em conta que apenas se deu como provado [pontos 21 e 22] que “no momento do acidente a máquina não se encontrava identificada, nem possuía placa identificadora” e que “não possuía certificado CE”, não se pode retirar dessa factualidade que a referida máquina foi construída antes de 1985.
           Com efeito, o que se provou foi que a referida máquina não se encontrava, à data do acidente, identificada e nem possuía Certificado CE.
          Tudo o mais aduzido pela Recorrente, não passa de meras afirmações sem qualquer suporte fáctico.

          Mas mesmo que, por mera hipótese, se trate de máquina que tenha sido construída antes de 1985, e que não tenha, desde a sua origem, os meios de segurança necessários e adequados para evitar acidentes, como foi o caso, tal não significa que a mesma pudesse ser utilizada, dadas as normas concretas, específicas e de cumprimento obrigatório sobre segurança e saúde no trabalho, cuja implementação cabe à entidade empregadora.
          
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O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, está consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, resultando igualmente da alínea f), do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

Por sua vez, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro[14], consagra no artigo 127º, n.º 1, alínea h), que o empregador deve adotar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram da lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, e dispõe no artigo 281.º, nºs 1, 2 e 5, ao enunciar os princípios gerais de segurança e saúde em matéria de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção e que a lei regula os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar.

              De acordo com o previsto no artigo 284º, do CT, a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro[15], veio estabelecer o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho.

De acordo com o seu artigo 5º, n.º 1, o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador.

               Acresce que o seu artigo 15º, impõe que o empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho (n.º 1) e deve, igualmente, zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta, nomeadamente, os seguintes princípios gerais de prevenção (n.º 2).

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Estando em causa a utilização de equipamentos de trabalho em estabelecimentos industriais, as medidas de segurança concretas, específicas e de cumprimento obrigatório, cuja implementação cabe à entidade empregadora, e que por ela não foram observadas, constam do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 28 de fevereiro, e da Portaria 53/71, de 03 de fevereiro [alterada pela Portaria n.º 702/80 - Diário da República n.º 219/1980, Série I de 22.03.1980].

              a). O Decreto-Lei n.º 50/2005, de 28 de fevereiro, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de novembro, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de dezembro, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

              É aplicável, exceto na medida em que regimes especiais disponham diversamente, a todos os ramos de atividade, nos sectores privado, cooperativo e social, e ao trabalhador por conta de outrem e respetivo empregador.

O seu artigo 2º, alíneas a), b), e e), define, para efeitos do diploma, «Equipamento de trabalho» [qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho], «Utilização de um equipamento de trabalho» [qualquer atividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza] e por «Operador» [qualquer trabalhador incumbido da utilização de um equipamento de trabalho].

              O artigo 3º, estipula, por sua vez, que para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, além do mais, o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização, e o artigo 8º, n.º 1, determina que o empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.

               Assim:

               - Os requisitos mínimos previstos nos artigos 11º a 29º, são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado [artigo 8º, n.º 1];

              - Os sistemas de comando de um equipamento de trabalho que tenham incidência sobre a segurança devem ser claramente visíveis e identificáveis e ter, se for caso disso, uma marcação apropriada [artigo 11º];

               - Os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma ação voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam [artigo 12º]:
a. Ser postos em funcionamento;
b. Arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta;
c. Sofrer uma modificação importante das condições de funcionamento, nomeadamente velocidade ou pressão.

              - O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem [artigo 13º, n.º 2];

              - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas [artigo 16º, n.º 2].

             

              b). Por sua vez, a Portaria n.º 53/71, de 03 de fevereiro [alterada pela Portaria n.º 702/80 - Diário da República n.º 219/1980, Série I de 22.03.1980], aprovou o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais.

Esta Portaria aplica-se a todos os estabelecimentos industriais públicos, cooperativos ou privados onde se exerça atividade constante da tabela anexa ao Decreto n.º 46924, de 28 de março de 1966, e suas alterações.

               A atividade exercida pela Empregadora consta naquela tabela.

              

Dispõe-se no artigo 3º, que são obrigações gerais da entidade patronal, cumprir as disposições do presente Regulamento, demais preceitos legais e regulamentares aplicáveis, bem como as diretivas das entidades competentes no que se refere à higiene e segurança do trabalho e adotar as medidas necessárias, de forma a obter uma correta organização e uma eficaz prevenção dos riscos que podem afetar a vida, integridade física e saúde dos trabalhadores ao seu serviço;

                Concretamente determina:

                - No artigo 40º:

               - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que acionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objetos;
               - As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique.

               - No artigo 42º:

               - Os órgãos para a transformação do movimento rotativo em alternativo, ou vice-versa, tais como cruzetas, bielas, excêntricos, manivelas e similares, devem estar convenientemente protegidos, a menos que se encontrem em posição inacessível.

               - No artigo 44º:

              - Os protetores e os resguardos devem ser concebidos, construídos e utilizados de modo a assegurar uma proteção eficaz que interdite o acesso à zona perigosa durante as operações; não causar embaraço ao operador, nem prejudicar a produção; funcionar automaticamente ou com um mínimo de esforço; estar bem-adaptados à máquina e ao trabalho a executar, fazendo, de preferência, parte daquela; permitir a lubrificação, a inspeção, a afinação e a reparação da máquina.

              - Todos os protetores devem ser solidamente fixados à máquina, pavimento, parede ou teto e manter-se aplicados enquanto a máquina estiver em serviço.

               - No artigo 56º-A, n.º 4:

              - As prensas devem ter proteções em grade ou de outro tipo, de forma a envolverem completamente a ferramenta e a torná-la inacessível às mãos do trabalhador quando a punção desce e que os comandos devem ser de preferência bimanuais para que as mãos do trabalhador estejam sempre afastadas da ferramenta quando esta desce.

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          Em obediência ao determinado no artigo 40º, n.º 2, da Portaria n.º 53/71, de 03 de fevereiro, aqui aplicável por se tratar de estabelecimento industrial, o “B...” em questão, mesmo que tenha sido construído antes de 1985, o que não se provou, por ser uma máquina antiga, construída e instalada sem dispositivos de segurança eficientes, devia a Empregadora tê-la modificado ou protegido pois o risco existente com o seu funcionamento assim o justificava e exigia, colocando-lhe um dispositivo de segurança, ou seja, de proteção coletiva para prevenir ou impedir o risco do contacto mecânico com o respetivo operador, nomeadamente dos seus elementos móveis.
          Também era sua obrigação, de acordo com o disposto nos artigos 42º e 56º-A, primeira parte, da mesma Portaria, ter protegido convenientemente o acesso, à biela, cambota, corrediça e ao volante, limitando-o, bem como devia ter colocado na prensa uma proteção em grade ou de outro tipo, de forma a envolver completamente toda a ferramenta e a torná-la inacessível às mãos do trabalhador quando a punção desce.

          Estas medidas de segurança, deveres e obrigações, concretos e de observância obrigatória, pertencem ao empregador, ou seja, são da sua responsabilidade, como resulta quer dos artigos 3º, e 16º, n,º 1, do Decreto-Lei n.º 5/2005, de 28 de fevereiro, quer dos artigos 40º, 42º e 56º-A, da Portaria n.º 53/71 de 03 de fevereiro.

           

Contudo, como resulta dos pontos 12º a 15º, 17º a 19º, 27º e 28º, da matéria de facto a Empregadora não as observou, tendo-as omitido.

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Sustenta, ainda, a Empregadora, que não se provou que alterações devia fazer na máquina, ou seja, que medidas concretas de segurança devia adotar para a transformar, e se eram possíveis, para que o acesso à zona de corte, ao volante, à cambota, à biela, ou à corrediça fosse limitado, e impedisse o contato mecânico ou a aplicação de mecanismos de bloqueio ou na zona de desligado [factos a que se alude nos pontos 12, 13 e 14, dos factos provados].

           Mais alega que também não se provou que se tivessem sido implementadas essas alterações e medidas o acidente não teria ocorrido na mesma.

Todavia, não incumbia ao Autor qualquer ónus de prova sobre as alterações que se deviam fazer na máquina em causa, ou seja, que medidas concretas de segurança se deviam adotar na sua modificação a proteção.

O mesmo acontece sobre a possibilidade, ou não, da sua transformação.

           Com efeito, a obrigação da implementação das medidas de segurança nesse equipamento cabia ao empregador, nos termos das normas conjugadas dos artigos 3º, alíneas a) e ), e 40º, n.º 2, ambos da Portaria n.º 53/71.

            Acresce que, caso não houvesse possibilidade de efetuar as alterações necessárias e adequadas no equipamento em questão, ou se este as não comportasse, não podia o empregador utilizá-lo, mesmo estando em condições de operar, pois a segurança dos trabalhadores incumbidos de o usar continuava em risco, desprotegida e não salvaguardada.

Continuando a funcionar, como aconteceu, estava a Recorrente a violar quer a Constituição quer a legislação que versa sobre a segurança do trabalhador na prestação do seu trabalho e, especificamente, o disposto no artigo 40º, da Portaria n.º 53/71.

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          - Existência nexo de causalidade entre a omissão das medidas de segurança e o acidente sofrido pelo Autor:

           Alega a Empregadora que não está identificado o nexo de causalidade entre a ausência de medidas de segurança e o acidente ocorrido, que estando assente que o acidente se deu em virtude do mau funcionamento do linguete, o mesmo não se deu pela ausência dos aludidos protetores e que, mesmo tratando-se de uma zona de perigo e que a mesma estivesse protegida por protetores, o trabalhador sempre teria de aceder àquela parte da máquina com a própria mão por forma a retirar a peça produzida.

           Ora, são as instâncias que procedem ao apuramento da matéria de facto relevante para a solução do litígio e somente a Relação pode emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de exceção legalmente previstas, só conhece da matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova, ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça só pode proceder à análise e à modificação da matéria de facto mas limitadas às hipóteses contidas nos artigos 674º, n.º 3, e 682º, nºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

               Ora, estes normativos são aplicáveis em processo laboral por força da remissão feita pelo artigo 81º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho.

São, assim, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de alteração e apreciação da matéria de facto, muito restritos.
Acresce que o juízo de causalidade numa perspetiva meramente naturalística de apuramento da relação causa/efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563° do Código Civil.
Este artigo consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias.

A teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstrato, adequado e apropriado para provocar o dano.
Assim sendo o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
           Tem sido esta a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.
              Assim decidiu o acórdão de 27.04.2017, proferido no processo n.º 1523/13.7T2AVR.P1.S1[16], cujo sumário é o seguinte:
1. Não cabe no âmbito do recurso de revista alterar o julgamento de facto que vem das instâncias, salvo quando estejam em causa meios de prova com valor tabelado ou regras que exijam determinado meio de prova (cf. artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC).
2. Quanto ao nexo de causalidade, necessário enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar, apenas compete ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se foram ou não observados na subsunção dos factos os critérios legalmente definidos pelo artigo 563.º do CC.
3. Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do citado artigo 563.º do CC.
4. Um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata; em regra, é produto de um encadeamento ou sequência de causas.
5. […]
6. […].


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               Ora, provou-se que o acidente ocorreu quando o Autor se encontrava a trabalhar com uma máquina de prensa designada «B...», (utilizada para limpar os excessos/películas de peças provenientes da fundição), e ao retirar a peça da máquina, o linguete não parou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, e provocou-lhe o entalamento/esmagamento dos dedos da mão direita do trabalhador entre os elementos móveis do referido equipamento de trabalho.
               Provou-se também que:
- No momento do acidente o referido equipamento de trabalho «B...» não possuía proteção coletiva que prevenisse ou impedisse o risco de contacto mecânico ou entalamento/esmagamento da mão do sinistrado pelos elementos móveis.
- O referido equipamento de trabalho não dispunha de qualquer proteção a limitar o acesso à zona operativa.
- A referida máquina permite o acesso ao volante, cambota, biela e corrediça.
- A ferramenta/cabeçote/punção está desprotegida e acessível a qualquer operador.
- O referido equipamento de trabalho dispõe de um dispositivo de comando bimanual (funcionamento síncrono simultâneo e contínuo).
- Devido ao tipo de acionamento, se o linguete estiver “solto” quando se liga o motor a prensa dá um golpe.
- Após paragem ou interrupção da energia, a máquina pode executar golpes, devido à inércia do volante.
- Na referida máquina inexiste um dispositivo de corte geral da energia pneumática, com possibilidade de bloqueio na zona de desligado.
- O Autor sabia que a máquina mesmo depois de fazer um movimento de prensa, num mau funcionamento do linguete poderia fazer ouro imediatamente a seguir.
- O movimento de descida do cabeçote/punção realiza-se em poucos segundos.

     
          Interpretada globalmente a decisão de facto, forçoso é concluir, como o fizeram as instâncias, que foi a omissão da obrigação de proteção que causou o acidente “porque a prensa era acessível em pleno funcionamento da máquina, sendo que não seria inédito um mau funcionamento do linguete (cf. ponto 27, dos factos), e ainda que o movimento da descida do cabeçote/punção se realiza em poucos segundos.
           Na verdade, se a máquina fosse dotada do exigível protetor de acesso quer ao volante quer a cambota ou corrediça o acesso à zona operativa só seria possível [quando] a máquina estivesse parada e assim não teria ocorrido o acidente” – sentença da 1ª instância acompanhada pelo acórdão recorrido.

              Acresce que um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata sendo, em regra, o produto de um encadeamento ou sequência de causas.

              Contudo, nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada.

               Sendo assim, há que ponderar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não objetivamente provável que a omissão das medidas de proteção, que deviam ser implementadas pela Empregadora, podia originar um acidente de trabalho, atingindo a integridade física do trabalhador que com ela estivesse a operar.

          Fazendo essa ponderação, a resposta só pode ser afirmativa, pois havendo ausência e omissão total das medidas de segurança que deviam ser implementadas pela Empregadora, a probabilidade objetiva de originar e de causar um acidente de trabalho era muito elevada.  

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Improcedem, por isso, as conclusões da alegação do recurso de revista.


VII

           Pelo exposto, delibera-se negar a revista e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

            Custas pela Ré/Empregadora.

            Anexa-se o sumário do Acórdão.

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            Lisboa, 01 de março de 2018

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

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[1]
002/2018 – (FP) – CM/PH
[3] - Negrito e sublinhados nossos.
Relatório feito com base nos Relatórios da sentença e do acórdão recorrido.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Tem um voto de vencido, com o seguinte teor:
- “Tendo a Ré seguradora invocado a violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora cabe àquela o ónus da prova.
Salvo o devido respeito, a matéria de facto provada não permite concluir no sentido de que a empregadora violou uma concreta norma de segurança que estava obrigada a implementar para a tarefa que o sinistrado executava. Na verdade, para além de não se perceber bem o modo como o sinistrado atuava na tarefa que executava, o facto 29 [O acidente ocorreu porque o linguete não travou a rotação da engrenagem no final do 1º ciclo de rotação, quando o autor retirava a peça da máquina] não permite concluir, conjugado com a demais matéria de facto, que o acidente ocorreu porque, no caso, a empregadora deveria ter implementado um qualquer mecanismo que impedisse a rotação da engrenagem mesmo quando ocorresse a «falha» do linguete.
Com efeito, não basta afirmar-se que inexistia qualquer proteção coletiva de segurança [factos 12 e 13] na medida em que tal matéria é tão só conclusiva. Com efeito, tendo em conta que o sinistrado, no momento em que ocorreu o acidente, estava a retirar a peça da máquina, seria de toda a relevância ter sido alegado e provado qual a proteção coletiva a adotar no caso e se a sua implementação não impedia o sinistrado de efetuar a tarefa que executava, ou seja, que concreta medida de segurança se impunha e que não foi implementada.
Por outro lado, inexistem factos que permitam concluir pela existência do nexo de causalidade entre a «invocada» violação das regras de segurança e o acidente, posto que tal matéria é matéria de facto e não de direito.
Por fim, cumpre referir que a questão tratada no acórdão - acidente devido a força maior - é questão nova que não foi colocada pela apelante no seu articulado.
Em suma: com os fundamentos referidos concluiria não se ter provado a violação de qualquer norma de segurança por parte da empregadora, procedendo o recurso nesta parte.”
[6] - O recurso de revista é admissível, nos termos do artigo 671º, n.º 3, “a contrario”, do CPC, porque existe um voto de vencido, ao dispor que “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
[7] - Doravante CT.
[8] - O Tribunal da Relação não alterou a matéria de facto.
[9] - Doravante LAT.
[10] - Anteriormente era uma responsabilidade meramente subsidiária.
[11]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fd1da72effb0627e80257b900038febe?OpenDocument.
No mesmo sentido os acórdãos de 14.03.2007, de 06.05.2015, de 29.10.2013, de 19.06.2013, proferidos, respetivamente, nos processos 06S1957, 220/11.2TTTVD.L1.S1, 402/07.1TTCLD.L1.S1 e 3529/04.8TTLSB.L2.S1, todos em www.dgsi.pt.
[12] - Responsabilidade limitada às prestações que seriam devidas, caso não houvesse atuação culposa, mas com direito de regresso contra os outros responsáveis.
[13] - Lei 100/97, de 13 de setembro.
[14] . Doravante CT.
[15] - Não são aplicáveis as alterações feitas pelo Decreto-Lei n.º 88/2015, de 28 de maio, pela Lei n.º 146/2015, de 09 de setembro, e pela Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto.
[16http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/762e87355ce1bb9280258114003d90ff?OpenDocument