Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047532
Nº Convencional: JSTJ00012717
Relator: SILVA MONTEIRO
Descritores: COMPETENCIA
CAPITÃO DO PORTO
TRIBUNAL MARITIMO
ABALROAÇÃO
AVARIA MARITIMA
DANO
CAUÇÃO
ARRESTO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19340525047532
Data do Acordão: 05/25/1934
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 077-06-1934; COL OF ANO33,159; RT ANO52,165
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1934
Área Temática: DIR COM - TRANSP MAR.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC876 ARTIGO 364 ARTIGO 1176.
D 21287 DE 1932/05/26.
CPCOM05 ARTIGO 10 ARTIGO 46.
D 5703 DE 1919/05/10 ARTIGO 3.
RSH892 ARTIGO 223 ARTIGO 225 ARTIGO 228.
D 9704 DE 1924/05/21.
Referências Internacionais: CONV BRUXELAS ART6.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1931/03/10 IN COL OF ANO30 PAG59.
Sumário :
Os capitães dos portos tem competencia para julgar as causas sobre avarias motivadas por abalroação, embora ocorrida fora das suas aguas jurisdicionais, quando o navio abalroador nelas for encontrado.
Para garantia dos prejuizos causados não se pode requerer nos tribunais ordinarios a caução ou o arresto do navio abalroador enquanto a respectiva causa não for julgada pelo capitão do porto e submetida legalmente a jurisdição dos mesmos tribunais.
Decisão Texto Integral:
Acordam os do Conselho no Supremo Tribunal de Justiça, reunidos em tribunal pleno, nos termos do artigo 1176 do Codigo do Processo Civil, modificado pelo decreto n. 21287, de 26 de Maio de 1932.

Perante a extinta 2 vara comercial da comarca de Lisboa moveu a A, com sede nesta cidade, contra e a empresa B, domiciliada em Paris, arresto no vapor Kerguelin, pertencente a esta empresa, e que acidentalmente se achava fundeado no Tejo, com o fundamento de que tal vapor abalroara por sua exclusiva culpa, no dia 13 de Junho de 1931, o vapor Melo, que e propriedade da sociedade requerente, e que então se achava fundeado no rio Escalda, Belgica, fazendo-lhe diversas avarias cujo pagamento se pretendia por essa forma assegurar.


Tanto a 1 instancia, como a Relação julgaram legal e legitima essa diligencia, mas em recurso interposto pelo respectivo capitão Guyon Joseph este Supremo Tribunal anulou essas decisões, não so porque, havendo a arrestante recorrido ao processo geral do arresto, este não podia ser decretado sem a justificação dos requisitos exigidos nos artigos 364 do Codigo do Processo Civil e 46 do Codigo do Processo Comercial, cuja dispensa so tem cabimento quando se use da acção especial do artigo 180 deste Codigo, mas tambem porque, sendo tal arresto um incidente ou preparatorio da acção de indemnização, não podia o tribunal comercial, que e um tribunal de recurso contra a decisão da capitania do porto, a quem primariamente compete conhecer de tal acção, avocar o julgamento desse incidente enquanto a causa não estivesse legalmente submetida a sua jurisdição.
Ora como este Supremo Tribunal se estivesse ja pronunciado pela incompetencia dos capitãis dos portos para julgar as questões relativas a abalroamentos passados fora das suas aguas jurisdicionais e consequentemente pela competencia exclusiva dos tribunais judiciais para conhecer não so das respectivas acções de indemnização como tambem do pedido de caução e arresto (acordão de 10 de Março de 1931, publicado na Colecção Oficial, ano 30, pagina 59), trouxe a sociedade arrestante o presente recurso, baseado na oposição entre as duas decisões.
A contradição e manifesta e por isso este Supremo Tribunal, confirmando o recebimento do recurso, passa a ocupar-se do seu merecimento.
A materia a decidir e que constitue o unico ponto de oposição de direito entre os dois acordãos cifra-se nas seguintes interrogações:
Os capitãis dos postos tem competencia para julgar as causas relativas a abalroações ocorridas fora dos limites das suas aguas jurisdicionais?
E, quando tenham, podem os tribunais judiciais decretar a caução e o arresto do navio abalroador para garantia dos prejuizos causados sem que na capitania do porto se tenha feito previamente o julgamento da abalroação?
Para justificar a procedencia do seu recurso invoca a sociedade recorrente, alem das razões expostas no anterior acordão, que funda a falta de competencia dos capitãis dos portos no artigo 3 do decreto n. 5703, de 10 de Maio de 1919, que estabelece como area da sua jurisdição a linha do maximo preiamar de aguas vivas ate ao limite das aguas territoriais, o argumento, que considera decisivo, dimanado do artigo 6 da Convenção de bruxelas, que declara que a acção de indemnização de perdas e danos, sofridas por efeito de abalroação, não depende nem do protesto nem de qualquer outra formalidade especial.


O que tudo examinado:


Este Supremo Tribunal entende que deve manter o acordão recorrido pelas seguintes razões:


1 - A fixação da area de jurisdição dos capitãis dos portos, longe de contrariar a sua doutrina, antes a autoriza e confirma, pois com tal fixação implicitamente ficam sujeitos e submetidos a sua autoridade todos os navios que entrem nessas aguas.


2 - Pelo artigo 10 do Codigo do Processo Comercial o tribunal da comarca onde for encontrado o navio abalroador e competente para conhecer das questões sobre a abalroação, qualquer que seja o lugar onde esta haja ocorrido.
E como a jurisdição comercial e a jurisdição maritima são jurisdições paralelas, correlativas e interdependentes, obedecendo ambas as mesmas regras de competencia local, sendo a da autoridade maritima concomitante da do tribunal em cuja area ela exerça as suas funções, igual competencia cabe aos respectivos capitãis dos portos.


E isto tambem se deduz claramente do preceito do artigo 223 do regulamento de 1 de Dezembro de 1892, ainda em vigor, que estende e amplia a competencia dos capitães dos portos aos abalroamentos passados com navios que aportem as suas aguas jurisdicionais.


3 - Em face dos decretos n. 5703, de 10 de Maio de 1919, e n. 9704, de 21 de Maio de 1924, as acções de indemnização por abalroamento não podem ser intentadas nos tribunais ordinarios sem que o pedido seja primeiramente submetido ao julgamento dos capitães dos portos, e esses tribunais constituem um verdadeiro juizo de recurso quanto as decisões destas autoridades maritimas.


Logicamente não se pode tambem formular perante este juizo um pedido, que e consequencia do pedido principal, enquanto este se não achar legalmente submetido a sua jurisdição.


Nem ha necessidade de o fazer, visto que os capitãis dos portos tem igualmente competencia para autorizar o embargo do navio e a caução (regulamento de 1 de Dezembro de 1892, artigos 225 e 228).


4 - Prescindir da capitania do porto não corresponde a simples eliminação duma formalidade especial, mas a abolição duma instancia legal de julgamento.
Nestes termos, este Supremo Tribunal, negando provimento ao recurso, profere o seguinte assento:


Os capitãis dos portos tem competencia para julgar as causas sobre avarias motivadas por abalroação, embora ocorrida fora das suas aguas jurisdicionais, quando o navio abalroador nelas for encontrado.


Para garantia dos prejuizos causados não se pode requerer nos tribunais ordinarios a caução ou o arresto do navio abalroador enquanto a respectiva causa não for julgada pelo capitão do porto e submetida legalmente a jurisdição dos mesmos tribunais.


Lisboa, 25 de Maio de 1934

Custas pela recorrente.


Silva Monteiro - Crispiniano - B. Veiga - E. Santos -
- Alexandre de Aragão - A. Campos - Ponces de Carvalho -
- Azevedo Soares - Pires Soares - J. Soares - Arez -
- Mendes Arnaut - Albuquerque Barata (Visconde de Olivã).