Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
053910
Nº Convencional: JSTJ00007427
Relator: CAMPELO DE ANDRADE
Descritores: INCOMPETENCIA ABSOLUTA
RECURSO DE ACORDÃO DA RELAÇÃO
AGRAVO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19520502053910
Data do Acordão: 05/02/1952
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG Iª 16-05-1952 ; BMJ N31, 338
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1952
SA CARNEIRO RT ANO68 PAG235. A DOS REIS RLJ ANO82 PAG325.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 668 N4 N5 ARTIGO 721 N2 ARTIGO 722 ARTIGO 754 N2 ARTIGO 755 ARTIGO 763 ARTIGO 765 ARTIGO 766.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1941/10/24 IN BOL OF ANOI PAG431.
ACÓRDÃO STJ DE 1943/12/17 IN BOL OF ANOIII PAG512.
ACÓRDÃO STJ DE 1944/02/04 IN BOL OF ANOIV PAG66.
ACÓRDÃO STJ DE 1949/03/15 IN BMJ N12 PAG248.
ACÓRDÃO STJ DE 1950/04/25 IN BMJ N18 PAG319.
ACÓRDÃO STJ DE 1950/11/28 IN BMJ N22 PAG222.
ACÓRDÃO STJ DE 1951/03/06 IN BMJ N24 PAG196.
ACÓRDÃO STJ DE 1951/06/12 IN BMJ N25 PAG325.
Sumário :
E de agravo o recurso que compete do acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação, quando o fundamento do recurso seja a incompetencia absoluta do tribunal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

Pelo Doutor A e mulher foi proposta na comarca de Braga uma acção de processo sumario contra B, C e mulher.
Julgada parte ilegitima no saneador a re B, a acção seguiu depois apenas contra os reus C, vindo a final a ser julgada improcedente pela sentença de folhas 117 verso.
Mas, tendo os autores apelado, a Relação do Porto, por seu acordão de folhas 200, em que conheceu do objecto da apelação, revogou aquela sentença e julgou a acção procedente, condenando os ditos reus C e mulher no pedido.
Desse acordão, bem como de outro proferido a folhas 264 sobre nulidades, interpuseram os reus recurso de revista para este Supremo Tribunal, com o fundamento de que a Relação havia decidido com incompetencia absoluta.
O recurso foi admitido como de revista e assim foi distribuido no Supremo, tendo depois sido minutado e contraminutado.
Como, porem, os autores tivessem levantado a questão previa de não poder conhecer-se do recurso, alegando varios motivos, entre eles o de ser o valor da causa inferior a alçada da Relação, este Supremo Tribunal, apreciando essa questão, decidiu, no seu acordão de folhas 297, que do recurso deve conhecer-se, independentemente do valor da causa, desde que se fundamenta na incompetencia absoluta do tribunal, tendo mais decidido que, por ser esse o fundamento do recurso, e o agravo, e não a revista, o recurso competente.
E ordenou-se no mesmo acordão que o recurso seguisse como agravo os seus termos.
De tal acordão recorreram então os reus C e mulher para o tribunal pleno, alegando oposição entre o dito acordão e o acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 1 de Fevereiro de 1941, publicado no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, ano 1, a paginas 131, sobre a mesma questão de direito, pois que, enquanto no acordão recorrido se decidiu que o recurso deve seguir como agravo, e não como revista, no acordão de 1941, em que se versou essa questão, decidiu-se precisamente o contrario, isto e, que o recurso devia ser a revista, e não o agravo.
Admitido o recurso, apresentadas as alegações a que se refere o artigo 765 do Codigo de Processo Civil e cumprido o que se determina no artigo 766 do mesmo Codigo, foi proferido o acordão de folhas 348, em que se decidiu que o recurso prosseguisse, por se ter entendido que existe entre os dois acordãos a alegada oposição sobre a mesma questão de direito e que se verificam os demais requisitos exigidos pelo artigo 763.
Alegaram então os reus, recorrentes, sobre o objecto do recurso, no sentido de demonstrarem que do acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação compete o recurso de revista, quando o fundamento do recurso para o Supremo seja exclusivamente a incompetencia absoluta do tribunal.
Por parte dos autores, hoje representados nestes autos por seus filhos e herdeiros, ja devidamente habilitados, tambem foram apresentadas alegações, mas no sentido de que dum acordão da Relação naquelas condições e quando o recurso para o Supremo tenha so aquele fundamento, o recurso que compete e o agravo.
O Excelentissimo Representante do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal tambem se pronuncia, no seu douto parecer de folhas 374, no sentido de ser o agravo, e não a revista, o recurso que compete.
Diz, porem, que, embora o caso concreto dos autos seja o de decidir qual o recurso que compete do acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação, quando o recurso para o Supremo se fundamente apenas na incompetencia absoluta do tribunal, o certo e que o problema e mais amplo, importando decidir qual o recurso que compete de um acordão da Relação nas condições apontadas, quando o fundamento do recurso for a violação da lei de processo.
Tudo visto e considerado, cumpre apreciar e decidir:
Conforme ja se acentuou no acordão de folhas 348, o problema de direito que e posto para decisão deste tribunal pleno consiste em resolver qual o recurso que compete de um acordão da Relação proferido em apelação e que do objecto de apelação tenha conhecido quando o fundamento do recurso para o Supremo seja exclusivamente o da incompetencia absoluta do tribunal.
E inegavel que tanto o acordão recorrido como o de 1 de Fevereiro de 1941, que se invoca como oposto aquele, se pronunciaram sobre essa questão de direito, mas em sentido oposto, visto que no acordão de 1941 se decidiu ser a revista, e não o agravo, o recurso competente, ao passo que no acordão recorrido se decidiu ser competente o agravo, e não a revista.
Existe, pois, oposição entre os dois acordãos sobre a mesma questão de direito.
E tambem não oferece duvida que esses dois acordãos foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação, sendo, alem disso, de presumir o transito em julgado do acordão de 1941, dado que nada em contrario foi, a tal respeito, alegado por parte dos recorridos.
Posto isto, vejamos qual a solução a dar ao presente conflito de jurisprudencia, ou, melhor, qual a doutrina que, por mais conforme a letra e ao espirito da lei, deve prevalecer, fixando-a em assento.
O Codigo de Processo Civil estabelece, no seu artigo 754, n. 2, que cabe recurso de agravo para o Supremo do acordão da Relação que admita recurso, salvo nos casos em que couber recurso de revista ou de apelação.
Por consequencia, e pondo de parte a hipotese de apelação para o Supremo, por não interessar ao presente recurso, temos que, se o acordão da Relação admite recurso e se não for caso de revista, o recurso que cabe interpor, e, portanto, o recurso competente, sera então o agravo.
No artigo 721, n. 2, do dito Codigo preceitua-se que cabe recurso de revista do acordão da Relação proferido sobre recurso de apelação, quando conhecer do objecto de apelação.
Mas, segundo o disposto no artigo 722 do mesmo diploma, o recurso de revista so pode ter por fundamento a violação da lei substantiva.
Assim, para que o recurso de revista possa ter cabimento, não basta que o acordão da Relação tenha sido proferido em recurso de apelação e que do objecto de apelação tenha conhecido. E ainda necessario que o recurso tenha por fundamento a violação da lei substantiva, como expressamente se exige naquele artigo 722.
Nestas condições, chega-se directamente a conclusão de que não cabe recurso de revista de um acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação, se o recurso não se fundamentar em violação de lei substantiva.
E, se não cabe revista, por não se invocar tal fundamento, o recurso que cabe de um tal acordão sera, por consequencia, o de agravo, nos precisos termos do mencionado artigo 754, n. 2, do referido Codigo de Processo Civil.
Por outro lado, o recurso de agravo para o Supremo, conforme se estabelece no artigo 755 desse Codigo, pode ter por fundamento ou a violação da lei de processo ou, especialmente, a incompetencia absoluta do tribunal ou a ofensa do caso julgado, fundamentos estes que, afinal, todos se traduzem em violação ou errada aplicação de normas processuais.
Ve-se, assim, que o Codigo indica, por forma bem expressa, a incompetencia absoluta do tribunal, assim como a ofensa do caso julgado e qualquer outra violação ou errada aplicação da lei do processo, como fundamentos privativos do recurso de agravo, excluindo tais fundamentos da revista, o que esta em completa harmonia com o preceito do artigo 722, que para a revista so admite como fundamento a violação da lei substantiva.
Dizem os recorrentes que, para determinar se o recurso a interpor de um acordão da Relação deve ser a revista ou o agravo, so ha que ter em conta os artigos 721, n. 2, e 754, n. 2, do Codigo de Processo Civil, por serem esses os preceitos em que se definem os casos em que cabe um ou outro desses recursos, não havendo que considerar para esse efeito os artigos 722 e 755, que apenas nos indicam os fundamentos de cada um dos ditos recursos.
E dizem mais que as normas que indicam os fundamentos não devem prevalecer sobre as que determinam os casos em que cabe revista ou agravo, pois estas e que devem prevalecer sobre aquelas.
Não tem razão.
O Codigo, depois de indicar, no artigo 721, os casos em que cabe recurso de revista, preceituando, no seu n. 2, que esse recurso cabe de acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação, determina, por forma clara e expressa, no artigo 722, que so a violação de lei substantiva pode fundamentar o recurso de revista.
Condiciona-se, assim, o cabimento do recurso de revista, no caso do n. 2 do artigo 721, a exigencia do artigo 722, quanto ao fundamento de tal especie de recurso.
Deste modo, para que possa determinar-se se cabe ou não recurso de revista de um acordão da Relação, não basta que o acordão de que se recorre satisfaça as condições indicadas naquele artigo 721, n. 2. E necessario ter tambem em atenção o preceito do referido artigo 722.
Dentro do sistema do Codigo, não podem, portanto, isolar-se essas duas disposições.
Tem de ser consideradas em conjunto, porque se completam, uma indicando as condições a que deve satisfazer o acordão da Relação de que se recorre, outra indicando o fundamento do recurso.
So perante essas duas disposições, consideradas em conjunto, e que se podera concluir se cabe ou não recurso de revista.
Em conclusão: e o agravo, e não a revista, o recurso que compete para o Supremo de um acordão da Relação que do objecto de uma apelação tenha conhecido, se o recurso tiver apenas por fundamento a incompetencia absoluta do tribunal ou a ofensa do caso julgado ou qualquer outra violação de lei do processo.
Esta conclusão, que plenamente se justifica pelos motivos que se deixam expostos, esta, de resto, em perfeita conformidade com a jurisprudencia que desde 1941 se vem afirmando como dominante neste Supremo Tribunal, como pode ver-se, entre outros, dos acordãos de 24 de Outubro de 1941, de 17 de Dezembro de 1943 e de 4 de Fevereiro de 1944, publicados no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, respectivamente, no ano I, a paginas 431, ano III, a paginas 512, e ano IV, a paginas

66; de 15 de Março de 1949, de 25 de Abril e de 28 de Novembro de 1950, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 12, a paginas 248, n. 18, a paginas 319, n. 22, a paginas 222, e de 6 de Março e de 12 de Junho de 1951, no mesmo Boletim, a paginas 196 do n. 24 e a paginas 325 do n. 25.
Tambem se pronuncia nesse sentido a Revista dos Tribunais pela pena do Doutor Sa Carneiro, como se mostra a paginas 235, ano 68, daquela Revista, sendo tambem nessa orientação a autorizada opinião do Professor Doutor Jose Alberto dos Reis, expressa por varias vezes na Revista de Legislação e Jurisprudencia, especialmente a paginas 325 e seguintes do ano 82.
Pretende o Excelentissimo Representante do Ministerio Publico, conforme ja se salientou, que, embora o caso concreto dos autos consista em decidir qual o recurso que compete do acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação, quando o recurso se fundamente exclusivamente na incompetencia absoluta do tribunal, ha, todavia, vantagem em dar ao problema maior amplitude, abrangendo na decisão a hipotese de o recurso se fundamentar na violação da lei do processo.
Tal pretensão não e, porem, de atender.
E que o Supremo Tribunal, funcionando em tribunal pleno, tem de proferir a sua decisão restringindo-a ao ponto ou pontos de direito que o acordão recorrido tenha decidido, como se depreende do disposto no artigo 763 e na segunda parte do artigo 765, ambos do Codigo de Processo Civil, não podendo, alem disso, deixar-se de ter em atenção o que se dispõe no artigo 668, ns. 4 e 5 do mesmo Codigo.
A hipotese decidida no acordão recorrido e a de o recurso se fundamentar exclusivamente na incompetencia absoluta do tribunal. So essa hipotese, portanto, ha que decidir.
Nestes termos, e pelo que fica exposto, negam provimento ao recurso, confirmam o acordão recorrido, condenando nas custas os recorrentes, e estabelecem o seguinte Assento:
"E de agravo o recurso que compete do acordão da Relação que tenha conhecido do objecto de uma apelação, quando o fundamento do recurso seja a incompetencia absoluta do tribunal".


Lisboa, 02 de Maio de 1952

Campelo de Andrade, Rocha Ferreira, A.Bartolo, Jaime de Almeida Ribeiro, Bordalo de Sa, A. Cruz Alvura, Piedade Rebelo, Julio M. de Lemos, Lencastre da Veiga, Correia Marques, Pedro de Albuquerque, Artur A. Ribeiro, Jose de Abreu Coutinho, Roberto Martins, Raul Duque.