Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01331/12.2BELRS
Data do Acordão:06/17/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26050
Nº do Documento:SA22020061701331/12
Data de Entrada:10/22/2018
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem interpor para este Supremo Tribunal, recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17 de Maio de 2018, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional deduzido por A……….., da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30 de Maio de 2017, que julgando verificada a caducidade do direito de acção, absolveu a Fazenda Pública no processo de oposição que por aquele foi deduzido à execução fiscal n°3255200901001280 que contra si havia sido instaurado para a cobrança coerciva de dívidas de IRS, do ano de 2005, no valor global de 13.468,45€.

Alegou tendo concluído:
A) A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal “ad quem” no presente recurso, é a de estabelecer se, em sede de citação de pessoa singular em processo de execução fiscal por carta registada com aviso de recepção, enviada para o seu domicilio fiscal, mas ali recebida por pessoa diversa do citando, será de enviar posteriormente ao executado a carta registada prevista no artigo 241.º do Código do Processo Civil ao tempo em vigor, correspondente ao actual artigo 233.º do mesmo diploma.
B) O que, como adiante se desenvolve, contraria a prática já estabelecida de perfeição da citação em execução fiscal por carta registada com aviso de recepção sem necessidade de qualquer diligência posterior.
C) Neste contexto, parece-nos completamente verificada a necessidade de admissão desta Revista como verdadeira “válvula de escape do sistema”, uma vez que o acórdão recorrido, na nossa opinião, incorreu num erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito - em clara violação de lei substantiva, que afecta e vicia a decisão proferida, tanto mais que assentou e foi fruto, de um desacerto ou de um equívoco.
D) Por outro lado, entendemos que o presente Recurso de Revista é absolutamente necessário por estar em causa uma questão de relevância jurídica fundamental por estar em causa o modo como é feita a chamada ao processo executivo do próprio executado, indiscutivelmente um momento essencial de qualquer processo, cujo quadro legal tem de ser claro e perfeitamente estabelecido dada a insegurança que implicaria qualquer dúvida nesta matéria, tanto para a AT como entidade exequente como para os particulares que se venham a encontrar nesta situação.
E) Trata-se, por isso, salvo melhor opinião, para além de se tratar de uma questão jurídica muito relevante, também assume uma importância social fundamental dado o enorme volume de sujeitos citados em processos de execução fiscal pela forma agora posta em causa, uma vez que a solução agora adoptada, ao poder constituir um precedente para a apreciação de muitos outros casos futuros, tem implicações que extravasam este caso concreto.
F) Por isso, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face da presente decisão, existe a possibilidade de ser vista como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão, na nossa opinião, se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução futura dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do STA, na qualidade de órgão de regulação do sistema, como condição para dissipar dúvidas.
G) Assim sendo, encontram-se preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos no art.º 150.º do CPTA que, no seu n.º 1, prevê que “Das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
H) Dispondo, o n.º 2 do referido art.º 150.º que “A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”.
I) E de acordo com Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª Edição, 2017, anotação ao artigo 150.º, pág. 1147) “(…) O STA tem entendido, em jurisprudência consolidada, que o recurso de revista previsto no presente artigo 150.º é também admissível no âmbito do contencioso tributário (acórdãos de 14 de Dezembro de 2011, Processo n.º 1075/11, e de 29 de junho de 2016, Processo 825/15), considerando aplicáveis a esse tipo de recurso os pressupostos definidos neste artigo (acórdãos de 12 de janeiro de 2012, Processo n.º 899/11, de 26 de abril de 2012, Processos n.ºs 1140/11, 237/12 e 284/12, de 25 de setembro de 2013, Processo n.º 1013/13, e de 24 de maio de 2016, Processo n.º 1656/15.”
J) Como nos diz o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Processo:0488/18 de 24.05.2018) “O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.
K) Razão por que se crê estarem presentes – no que à questão dos autos concerne – os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no art.º 150.º do CPTA, devendo, por isso, o presente recurso ter seguimento.
L) Quanto ao mérito do presente recurso, o acórdão recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação dos artigos 192.º do Código do procedimento e Processo Tributário e do artigo 241.º da versão anterior do Código do Processo Civil ao tempo aplicável, correspondendo ao actual artigo 233.º do CPC, pelo que, na nossa opinião, não deve manter-se.
Vejamos porquê:
M) Na sentença em primeira instância foi julgado verificada a caducidade do direito de acção no processo de Oposição interposto pelo agora recorrido no âmbito do processo de execução fiscal já identificado.
N) Para o que aqui nos interessa, aquela decisão teve a seguinte motivação (conforme citado a fls. 5 do Acórdão do TCA Sul que, por comodidade se reproduz:
“(…) No entanto, após a penhora, o Oponente veio a ser citado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255200901001280 em 16/06/2009 (ponto 7 do probatório).
Com efeito, a citação realizada após a penhora obedeceu aos procedimentos legais: foi enviada carta registada com aviso de recepção para citação do executado, a qual foi rececionada no seu domicílio por terceira pessoa, tendo o aviso de receção sido assinado por essa terceira pessoa, não há qualquer outro documento que comprove que a carta foi entregue ao citando. Nem tinha de haver, pois a lei presume, salvo demonstração em contrário, que a carta lhe foi entregue (artigo 230/1 do Novo CPC).
O) No ponto 7 do probatório igualmente ficou estabelecido que: “Em 16.06.2009, após a penhora de várias contas bancárias é remetida ao Oponente para o seu endereço fiscal na Rua ………, n.º.., .. Dtº, 1050-… Lisboa “Citação após penhora”, cujo aviso de recepção é assinado por …………”
P) Esta factualidade não foi posta em crise no recurso apresentado pelo Oponente que se limitou a arguir a necessidade da carta registada ao citando prevista no artigo 241.º do CPC, pelo que deve dar como definitivamente estabelecida a matéria de facto supra referida nos presentes autos.
Q) Diz-nos o n.º 2 do artigo 35.º do CPPT que “A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada.”
R) A correspondência deverá ser enviada para a sua residência habitual que, em termos fiscais, corresponde ao domicílio fiscal do executado, de comunicação obrigatória nos termos do artigo 19.º da L.G.T.
S) No artigo 192.º, n.º 1 do CPPT estabelece-se que as citações pessoais são concretizadas nos termos do Código do Processo Civil.
T) Como vimos, neste caso concreto, a citação foi efectuada por carta registada com aviso de recepção enviada para o domicílio fiscal do executado e ali recebida, embora não pelo executado mas por uma outra pessoa terceira, que se identificou e assinou o aviso de recepção.
U) E no artigo 236.º do CPC (Citação por via postal), ao tempo aplicável, prevê-se que :
1 - A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, para a respectiva sede ou para o local onde funciona normalmente a administração, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo 235.º e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
2 - No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
3 - Antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.
4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando. (negrito nosso)
V) E só “Frustrando-se a via postal, a citação é efectuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando” (Artigo 239.º, n.º 1 do CPC) ou seja, este tipo de citação apenas tem uma natureza residual, a que apenas se recorre quando esgotados os outros meios sem sucesso.
W) E acrescenta-se no Artigo 238.º, n.º 1 do CPC (Data e valor da citação por via postal) que “A citação postal efectuada ao abrigo do artigo 236.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
X) Na nossa opinião, é este o regime aplicável à presente situação.
Y) Até porque, parece-nos, o legislador, ao empregar nesta norma expressões como “considerar-se feita” e “tem-se como efectuada”, tem como objectivo comunicar que o procedimento é suficiente e estão preenchidos os requisitos para que o efeito pretendido se verifique, não carecendo, portanto, de qualquer diligência posterior para se complementar, designadamente a prevista no artigo 241.º que, na nossa opinião, não tem aplicação na presente situação.
Z) A jurisprudência cível tem-se pronunciado desde há muito se tem pronunciado pela validade da notificação efectuada através de carta registada com aviso de recepção nos termos supra desenvolvidos, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo n.º 2136/2007-8 de 29/03/2007), o Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra (no Processo 133/15.9T8SCD-A.C1 de 02/02/2016) o Acórdão Supremo Tribunal de Justiça (no Processo n.º 07A997, datado de 05/08/2007), todos já anteriormente citados e para onde remetemos, nomeadamente para o último cujo desenvolvimento nos parece particularmente esclarecedor.
AA) Em todos eles, como se vê, não há referência a qualquer necessidade de envio posterior da documentação por carta registada para o Executado como condição de perfeição da sua citação.
BB) A doutrina divide-se nesta matéria. E se Jorge de Sousa efectivamente defende a aplicação do regime do artigo 241.º do CPC nestes casos (cfr. CPPT Anotado, 2007, II vol., pág. 275), mais recentemente os autores têm-se afastado desta posição.
CC) Defende Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade (Contencioso Tributário, 2017, Almedina, II vol. Pág. 562) que “Nestes casos em que a realização da citação se baseia numa presunção, o executado poderá ilidi-la, fazendo prova que a carta não lhe foi entregue, que não teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados ou da impossibilidade de comunicação da alteração do domicílio ou sede, nos termos do artigo 192.º, n.º 3 do CPPT. Esta possibilidade de ilisão da presunção verificar-se-á ainda nos casos em que o aviso de recepção seja assinado por terceiro, na medida em que a citação efectuada em pessoa diversa do citando capaz de transmitir o conteúdo do acto é equiparada a citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrario, que o executado dela teve oportuno conhecimento, tal como resulta do n.º 1 do artigo 230.º e do n.º 4 do artigo 225 do CPC (negrito nosso).
DD) No mesmo sentido, dizem-nos Jesuíno Alcântara Martins e José Costa Alves (Procedimento e Processo Tributário, Uma Perspectiva Prática, 2015, Almedina, pag.277) que “(…) a citação que seja realizada em pessoa diversa do citando capaz de transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal e presume-se, salvo prova em contrário, que o executado dela teve oportuno conhecimento – n.º 4 do artigo 225.º do CPC” acrescentando que “Na efectivação da citação é indispensável verificar se a citação foi concretizada na pessoa do executado, porque, em caso contrário, este beneficia de uma dilação de cinco dias. Esta situação ocorre sempre que a citação tenha sido realizada nos termos do n.º 2 do artigo 228.º (carta entregue a qualquer pessoa que se encontra na sua residência ou local de trabalho) ou dos n.ºs 2 e 4 do artigo 232.º (certidão feita em terceiro por afixação) do Código de Processo Civil. Esta dilação decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 245.º do CPC.
EE) Mas, como se constata, em nenhum dos casos se defende qualquer necessidade de envio posterior da documentação, nem da aplicação no caso de citação por carta registada com aviso de recepção do previsto no artigo 241.º (actual artigo 233.º).
FF) E, na nossa opinião, até em termos concretos se revela muito difícil, se não impossível, cumprir o prazo de 48 horas previsto na norma referida para estas situações, uma vez que só a devolução pelos serviços postais do aviso de recepção devidamente assinado demora, na melhor das hipóteses, um dia, a que tem que acrescer o procedimento burocrático interno (registo de entrada, distribuição, entrega do documento ao funcionário encarregado da tarefa, recolha dos elementos a enviar do processo, envio, registo postal, etc.).
GG) Partindo do princípio que o legislador consagra as soluções mais acertadas (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil) não nos parece que este procedimento seja o legalmente adoptado, até porque, salvo melhor opinião, só faz sentido em situações de citação com contacto pessoal, em que o funcionário mandatado para o acto de citação já tem em seu poder toda a documentação e, por isso, logo que regressa ao seu serviço pode, de uma forma simples e expedita, proceder ao seu envio por carta registada, sem qualquer demora.
HH) E, por outro lado, constata-se que o recorrente se limitou a arguir uma questão formal, uma alegada falta de envio da carta registada, isto é, nunca foi arguida a falta de entrega da documentação pelo sujeito que a recebeu, nem qualquer desconhecimento de elementos do próprio processo executivo (montante da dívida, proveniência, meio de defesa, etc.), apenas o elemento referido.
II) Pelo que não foi afastada, nem sequer foi alegado, e, por isso, nunca poderá ser ilidida a presunção prevista no n.º 4 do artigo 225.º do CPC (actual artigo 233.º), ou seja, terá de se concluir pelo oportuno conhecimento do conteúdo por parte do executado da citação aqui em causa e, por consequência, ficar estabelecido que foi validamente citado em 16.06.2009.
JJ) Consequentemente a presente Oposição terá de ser considerada como intempestiva, como efectivamente já foi feito na decisão de primeira instância.
KK) Concluindo, com todo o respeito, não nos podemos conformar com a posição assumida segundo a qual foi preterida na presente situação a formalidade legal prevista no artigo 241.º (actual 233.º) do CPC, uma vez que, no nosso entendimento, neste caso concreto, não nos parece aplicável a norma referida, pelo que vimos pedir a revista desta decisão, com as inerentes consequências legais ao caso aplicáveis.
Por todo o exposto e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o douto acórdão recorrido, julgando a Oposição como intempestiva, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se no sentido da não admissão da revista por entender não estarem verificados os pressupostos ínsitos no artigo 150º do CPTA.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Há, então, que apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, ao abrigo do qual foi interposto, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso, aliás, dão conta os recorrentes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional.
Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

Vejamos, então.
Vem interposto recurso de revista do acórdão proferido nos autos, no qual, com fundamento em “a preterição da formalidade legal prevista no artigo 241.º (actual artigo 233.º) do CPC constitui uma formalidade necessária cuja omissão cabe na previsão do artigo 198.º (actual 191.º do CPC)”, se decidiu revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos para que os mesmos prosseguissem.
O recorrente invoca ser outra “a prática já estabelecida de perfeição da citação em execução fiscal por carta registada com aviso de recepção sem necessidade de qualquer diligência posterior”.
E, para tal, adianta jurisprudência em sentido contrário ao decidido, bem como estar dividida a doutrina tributária quanto à aplicação da dita formalidade no caso da carta registada com aviso de receção ser remetida para citação ser recebida por terceiro.
No caso dos autos, o recorrido veio a invocar ter tido conhecimento da execução apenas com a comunicação da penhora das contas bancárias que lhe foi dada pelo banco, bem como ainda não lhe ter sido dado conhecimento da liquidação.

Deve-se atentar que o entendimento do acórdão recorrido foi tido a propósito do conhecimento invocado pelo recorrido quanto a ter tido da execução, apenas com a comunicação da penhora das contas bancárias que lhe foi dada pelo banco e que tal serviu para justificar a apresentação efetuada de oposição a execução fiscal, há uma textura de interesses diferente da que em geral ocorre com a citação.
Por outro lado, não ocorre a invocada relevância social, porquanto a este Supremo Tribunal há muito se pronunciou quanto a, tratando-se de uma citação pessoal é de aplicar subsidiariamente o previsto no art. 241.º do C.P.C., a que corresponde o atual art. 233.º, conforme foi referido no acórdão recorrido – veja-se, nomeadamente, o acórdão de 4-11-2009, proferido no processo n.º 676/09 -, pelo que ao persistir-se na dita prática só se pode concluir ser a mesma incorreta.
Assim, não se pode considerar também que o decidido esteja ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência, nem da doutrina, ainda que a mesma se encontre dividida.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.


Lisboa, 17 de Junho de 2020. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.