Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0267/20.8BEFUN
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
LEGALIDADE
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
CPPT
Sumário:I - Nos meios processuais indicados no nº 1 do art. 52º da LGT e no nº 1 do art. 169º do CPPT podem ser incluídos outros meios procedimentais e processuais que tenham por objecto a «legalidade da dívida exequenda».
II - A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.
III - A Acção Administrativa, é meio próprio para obter a suspensão da execução fiscal por dívida de IRC quando através dela se questiona a legalidade do acto de indeferimento do reembolso dos PEC´S considerados não dedutíveis pela AT cujos valores foram tidos em conta nas liquidações da dívida em cobrança na execução fiscal pois que é a exigibilidade desta dívida que, em última análise, está causa naquele meio impugnatório.
Nº Convencional:JSTA00071153
Nº do Documento:SA2202105260267/20
Data de Entrada:04/12/2021
Recorrente:A............, – SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT - RAM
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:LGT ART52 N1
CPPT ART169 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………., – SGPS, S.A., melhor identificada nos autos, visando a revogação da sentença de 15-02-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou totalmente improcedente a reclamação que apresentara do despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1, datado de 05 de novembro de 2020, que lhe indeferira o pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 2810201601178261.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A……….. – SGPS, S.A., as seguintes conclusões:

“a) A Recorrente não concorda com o teor da sentença que julgou a reclamação judicial improcedente, indeferindo o pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal.
b) O Tribunal a quo entendeu que acção administrativa intentada pela Recorrente não tem efeito suspensivo porquanto na mesma não se discute a legalidade da dívida exequenda ou a legalidade da sua cobrança.
c) A Recorrente não pode concordar com tal decisão, uma vez que a ação administrativa de impugnação de ato administrativo é um meio idóneo para o efeito de suspender o processo de execução fiscal.
d) A acção em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (Processo n.° 21/20.7BEFUN) tem por base a legalidade da dívida em causa no referido processo de execução fiscal.
e) Nos termos do disposto no art.169.°, n.° 1, CPPT, a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda.
f) Contudo, alguma jurisprudência entende que os elencos do artigo 52.°, n.°1 da LGT e do artigo 169.°., n.°1 do CPPT, também incluem a acção administrativa de impugnação como meio processual idóneo para suspender a execução, dado o caráter impugnatório desta acção.
g) A Recorrente considera que o Tribunal não andou bem ao considerar que a ação administrativa intentada pela Recorrente não produz efeitos suspensivos relativamente ao processo de execução fiscal.
h) A acção administrativa em questão tem por base a legalidade da dívida em cobrança, pois visa o reembolso dos PEC’s pagos que não foram considerados dedutíveis e que deram origem à liquidação em que o processo de execução fiscal se baseia.
i) Se vier a ser dada razão à Recorrente na acção pendente no TAF do Funchal, o direito ao reembolso dos referidos valores terá implicação direta na dívida que está agora a ser cobrada no processo de execução fiscal em questão.
j) A Recorrente lançou mão da acção administrativa de impugnação pelo facto de configurar o meio judicial idóneo para reagir ao despacho de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução, na qual é objeto de discussão a legalidade da dívida em causa
Termos em que requer que seja aceite o presente recurso, com subida imediata e com efeito suspensivo, devendo, na procedência do presente recurso, a decisão do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que determine a suspensão do presente processo de execução fiscal até que seja proferida decisão final relativa à ilegalidade da liquidação aqui em causa.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no parecer que se segue:

“1 – A…………., – SGPS, S.A. vem recorrer da douta sentença proferida nos autos, que julgou improcedente a presente Reclamação Judicial, indeferindo o pedido de manutenção de suspensão do processo de execução fiscal subjacente, por se mostrar correcta a decisão que havia sido reclamada, e isto, porque a acção administrativa, em concreto, intentada pela reclamante não se mostrar idónea para operar a pretendida suspensão, por não ter por objecto o ataque da legalidade da dívida exequenda – não pagamento dos PEC,s - , não cabendo, portanto, na previsão do disposto no artigo 169º, nº 1 do CPPT e artigo 52º da LGT. Decisão com a qual se não conforma.
Para tanto, alega nos termos conclusivos que constam de fls., e, em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de julgamento quanto à aplicação e interpretação do direito aplicado, pois, em seu entender deveria ter sido julgada a Reclamação totalmente procedente.
Pede, a final, a revogação da decisão devendo ser julgada procedente a Reclamação por si deduzida.
2 – A recorrida não contra-alegou.
3 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta sentença recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta interpretação dos factos e da lei e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada, apoiando-se em jurisprudência pertinente deste STA e doutrina que a propósito cita, não ser passível de quaisquer censuras.
4 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.”
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Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Foi emitida em nome da ora Reclamante liquidação de IRC n.º 2016.012910449413, referente ao exercício de 2015, no valor de € 46.920,70 – cfr. informação constante de fls. 04 a 06 dos autos (suporte digital).
2. Para cobrança do IRC apurado por referência a 2015, referido no ponto antecedente, foi instaurado no Serviço de Finanças do Funchal - 1 o processo de execução fiscal n.º 2810201601178261 – cfr. informação constante de fls. 04 a 06 dos autos (suporte digital).
3. A Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2016.012910449413, referida no ponto 1., solicitando a utilização dos PEC´s suportados pelas sociedades suas dominadas no montante total de € 95.902,80, conforme foi apresentando na Declaração Modelo 22 n.º 2810-2016-C0283-3, referente ao exercício económico de 2015, oferecendo com a mesma garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º 2810201601178261 – cfr. projeto de decisão de fls. 27 a 31/verso do Processo Administrativo (PA) junto ao proc. n.º 21/20.7BEFUN, conforme certidão de fls. 90 a 170 dos autos (suporte digital), bem como informação constante de fls. 04 a 06 dos autos (em suporte digital).
4. Na sequência do indeferimento do pedido de reclamação graciosa n.º 2810201604003063 mencionada no ponto antecedente, a Reclamante interpôs o recurso hierárquico n.º 2810201710000077 – cfr. projeto de decisão de fls. 27 a 31/verso do PA junto ao proc. n.º 21/20.7BEFUN, conforme certidão de fls. 90 a 170 dos autos (suporte digital).
5. O recurso hierárquico n.º 2810201710000077 foi indeferido com fundamento, entre o mais, em que “não foram despoletados os mecanismos legais previstos no n.º 3 do art.º 93.º do CIRC, necessários para efeitos de reembolso, motivo pelo qual não se procedeu a esse procedimento, e bem, em sede de reclamação graciosa” – cfr. fls. 27 a 32 do PA junto ao proc. n.º 21/20.7BEFUN, conforme certidão de fls. 90 a 170 dos autos (suporte digital).
6. Em 24 de maio de 2018, deu entrada na AT-RAM pedido de revisão oficiosa, “ao abrigo do disposto no art. 78, n.º 4 da LGT”, subscrito pela sociedade Reclamante, solicitando o reembolso dos PEC´s suportados pelas sociedades suas dominadas que não foram utilizados, e cuja dedução no cálculo do IRC devido pelo grupo societário no exercício de 2015 não foi aceite – cfr. fls. 22 a 25 do PA junto ao proc. n.º 21/20.7BEFUN, conforme certidão de fls. 90 a 170 dos autos (suporte digital), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. O pedido de revisão referido no ponto antecedente foi indeferido por despacho da Diretora Regional da AT-RAM, datado de 15 de outubro de 2019, em concordância com anterior informação n.º 95 (de 14 de outubro de 2019), com fundamento em que:
“[…] a revisão oficiosa não se mostra meio adequado à pretensão do contribuinte, dada a existência do procedimento próprio/especial previsto no art. 93.º do CIRC, o qual não foi acionado pelo sujeito passivo.
Em todo o caso, entendemos não se verificarem os requisitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT para a apreciação do pedido, por entendermos que houve um comportamento negligente do contribuinte derivado da sua conduta omissiva, ao não ter solicitado o reembolso no prazo e termos do artigo 93.º do CIRC.
Assim, salvo o devido respeito por diversa opinião, ocorrendo causa que obste ao conhecimento do pedido de revisão deverá esta ser rejeitada conforme disposto no artigo 173.º alínea d) do CPA ex vi do artigo 2.º alínea c) da LGT” – cfr. fls. 11 a 12/verso do PA junto ao proc. n.º 21/20.7BEFUN, conforme certidão de fls. 90 a 170 dos autos (suporte digital), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. No dia 20 de janeiro de 2020, a ora Reclamante apresentou “ação administrativa de impugnação de acto administrativo”, tendo por objeto “o despacho proferido em 15/10/2019, pela Exma. Senhora Directora Regional da Autoridade Tributária e dos Assuntos Fiscais da RAM, que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, por si apresentado nos termos do n.º 4 do art. 78.º da LGT, solicitando o reembolso dos PEC´s pagos e que não foram considerados dedutíveis ao IRC do exercício de 2015” – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. A ação administrativa referida no ponto antecedente encontra-se a correr termos neste Tribunal sob o n.º 21/20.7BEFUN – cfr. consulta plataforma SITAF.
10. Por ofício n.º 8178, datado de 26 de outubro de 2020, foi a Reclamante notificada pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 nos seguintes termos:
“Atendendo a que o processo de reclamação graciosa n.º 2810201604003063, em que é reclamante A………….., SGPS SA, NIF …………., bem como o respetivo recurso hierárquico - processo 2810201710000077, foram indeferidos, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 2018-02-12, fica por este meio notificada para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento da dívida a ser exigida no processo de execução fiscal n.º 2810201601178261, no âmbito do qual foi prestada garantia bancária, sob pena de a mesma ser acionada” – cfr. fls. 37 dos autos (suporte digital) e doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Em resposta ao ofício mencionado no ponto antecedente, a Reclamante, por requerimento datado de 03 de novembro de 2020, solicitou à Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1 a manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 2810201601178261, com os seguintes fundamentos:
“Como tivemos já oportunidade de explicar, a ação em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que corre termos com o n.º 21/20.7BEFUN, tem por base a legalidade da dívida aqui em causa, já que visa o reembolso dos PEC´s pagos que não foram considerados dedutíveis ao IRC do exercício de 2015 e deram origem à liquidação que está na base do presente processo de execução fiscal. Sendo dada razão à A……………., SGPS, SA, o direito ao reembolso dos referidos valores terá implicação na dívida que está agora a ser cobrada no referido processo de execução fiscal, o que se encontra devidamente garantido.
A referida ação foi interposta por ser o meio judicial idóneo (e não a impugnação judicial) para reagir neste caso concreto e, nos termos do disposto no artigo 169.º do CPPT, discute-se nesta ação a legalidade da dívida aqui em causa (por não consideração do reembolso dos PEC´s no exercício de 2015)” – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. No dia 05 de novembro de 2015, o Serviço de Finanças do Funchal - 1 prestou a seguinte informação:
“I – DO PEDIDO
Em resposta à N/ notificação enviada a coberto do ofício n.º 8178 de 2020-10-26 veio a empresa A…………,, SGPS, NIF ……….. solicitar a manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 2810201601178261, informando o seguinte:
[…]
II – DA ANÁLISE
[…]
Neste caso, e conforme se pode verificar através da petição de impugnação que se junta em anexo, no âmbito do processo de impugnação n.º 21/20.7BEFUN não está a ser discutida a liquidação de IRC n.º 2016.012910449413 no valor de € 46.920,70, mas o reembolso dos PEC´s pagos e que não foram considerados dedutíveis ao IRC do exercício de 2015.
Para melhor compreensão, se eventualmente o processo de impugnação for julgado totalmente procedente, a liquidação de IRC de 2015 e que está a ser exigida no processo de execução fiscal n.º 2018201601178261 não vai ser anulada, porque o que está em causa é o reembolso ou não dos PEC´s, pelo que não faz sentido mantermos a suspensão do processo de execução fiscal n.º 2018201601178261.
Pelo exposto sou de parecer que o pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 2018201601178261 deverá ser indeferido.
À consideração superior” – cfr. fls. 40 dos autos (suporte digital) e doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu despacho de concordância da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal - 1, datado 05 de novembro de 2020 – cfr. fls. 52 dos autos (suporte digital) e doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
14. A Reclamante foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 2810201601178261 mencionada nos pontos 12. e 13., por ofício n.º 8718, rececionado em 11 de novembro de 2020 – cfr. fls. 38 a 54 e 56 dos autos (suporte digital) e doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
15. A presente reclamação foi apresentada no dia 23 de novembro de 2020 – cfr. fls. 08 dos autos (suporte digital).
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a reclamação que apresentara, padece de erro de julgamento por ter decidido que a acção administrativa de impugnação, intentada pela Recorrente, não produz efeitos suspensivos relativamente ao processo de execução fiscal, porquanto na mesma não se discute a legalidade da dívida exequenda ou a legalidade da sua cobrança, não cabendo, consequentemente, na previsão do disposto no artigo 169.º, n.º 1 do CPPT e no artigo 52.º da LGT.
Atentemos.
Considera o Mº Juiz a quo que “No caso dos autos, temos que o pedido apresentado pela Reclamante tendente à revisão oficiosa dos atos de entrega especial por conta efetuados pelas sociedades suas dominadas, foi objeto de decisão expressa por parte da AT-RAM, que o rejeitou com fundamento na inadequação daquele meio procedimental à pretensão do contribuinte e, ainda, na não verificação dos requisitos previstos no n.º 4 do art. 78.º da LGT para apreciação do pedido (i.e. com base em circunstâncias que obstaram ao conhecimento do mérito do pedido de revisão).
Não tendo a AT-RAM se pronunciado, no ato de indeferimento praticado, sobre o mérito da pretensão deduzida no pedido de revisão dos PEC´s - considerando tratar-se de pedido inadequado e baseado em comportamento negligente do contribuinte -, o meio processual adequado de reação é a ação administrativa, meio que a Reclamante lançou mão, interpondo a ação administrativa n.º 21/20.7BEFUN.
Todavia, o objeto dessa ação administrativa, que consubstanciará a pretensão do interessado, nos termos n.º 2 do art. 66.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), será a condenação da Entidade Demandada (AT-RAM) à prolação de uma decisão de mérito sobre o pedido de revisão do ato tributário apresentado (que constitui o “ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado” a que se refere o n.º 1 do apontado art. 66.º do CPTA), que não a apreciação da “legalidade da dívida em causa pela não consideração do reembolso dos PEC´s no exercício de 2015.”
Destarte, a ação administrativa intentada pela Reclamante não tem nem pode ter a virtualidade suspensiva a que se alude no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, visto na mesma não estar em discussão a legalidade da dívida exequenda ou a legalidade da sua cobrança, mas tão só a legalidade da decisão da AT-RAM que considerou verificada circunstância que obsta ao conhecimento do mérito do pedido de revisão oficiosa que tem por objeto o reembolso dos PEC´s suportados pelas suas dominadas e que não foram considerados dedutíveis ao IRC do exercício de 2015.
Nestes termos, ao ter concluído pelo indeferimento do pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 2810201601178261, a decisão reclamada fez correta aplicação do direito e, dessa forma, não merece censura.”
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente evocando uma certa jurisprudência que consagra o entendimento de que os elencos do artigo 52.°, n.°1 da LGT e do artigo 169.°., n.°1 do CPPT, também incluem a acção administrativa de impugnação como meio processual idóneo para suspender a execução, dado o carácter impugnatório desta acção, sendo que a acção administrativa em questão tem por base a legalidade da dívida em cobrança, pois visa o reembolso dos PEC’s pagos que não foram considerados dedutíveis e que deram origem à liquidação em que o processo de execução fiscal se baseia e, se vier a ser dada razão à Recorrente na acção pendente no TAF do Funchal, o direito ao reembolso dos referidos valores terá implicação directa na dívida que está agora a ser cobrada no processo de execução fiscal em questão. Pede, por isso, a suspensão do presente processo de execução fiscal até que seja proferida decisão final relativa à ilegalidade da liquidação aqui em causa.
Determinemos de que lado está a razão.
Relembre-se que o art. 169.º, n.º 1 do CPPT, estabelece que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que seja prestada garantia ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Por seu turno, o art. 52.º da LGT institui que a cobrança da prestação tributária se suspende em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução fiscal que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, dependendo essa suspensão, como determina o n.º 2 do preceito da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
No presente caso a reclamante, ora recorrente, intentou Acção Administrativa (AA) pedindo a condenação da Entidade Demandada (AT-RAM) à prolação de uma decisão de mérito sobre o pedido de revisão do ato tributário apresentado (que constitui o “ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado” a que se refere o n.º 1 do apontado art. 66.º do CPTA).
Emerge, igualmente, do probatório que a reclamante, ora recorrente, prestou a garantia que lhe foi fixada pelo Chefe do Serviço de Finanças com vista a suspender o processo de execução fiscal e cuja manutenção visa com esta reclamação.
Uma vez que foi prestada a garantia fixada para o efeito, a questão que se coloca, é a de saber se a AA é, face ao ordenado nas normas mencionadas (art. 169.º do CPPT e 52.º da LGT), meio processual admissível para obter a suspensão do processo de execução fiscal em causa, que foi instaurada para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2015, sem que haja sido considerada a dedução dos ajuizados PEC´s cujos valores foram, muito naturalmente, tidos em conta para efeitos de liquidação pois os montantes pagos a título de pagamento especial por conta (PEC) podem ser dedutíveis aos valores apurados.
Cingidos tematicamente à questão de avaliar da possibilidade legal de obter o reembolso do montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) e atendendo às finalidades subjacentes ao pagamento especial por conta – o qual consiste numa entrega antecipada por conta do imposto relativo à atividade normal do sujeito passivo, calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, efectuando-se os pagamentos durante o período de constituição do facto tributário, é forçoso interpretá-lo nos termos do artigo 90.º, n.ºs 1 e 2 CIRC como dedutível ao montante da colecta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria colectável). E a AT pelas razões que ficaram explanadas na factualidade considerou a sua não dedutibilidade despoletando a reacção da contribuinte visando obter o reembolso dos PECs é que culminou com a presente AA.
Ora, o certo é que nem o art. 169.º do CPPT nem o art. 52.º da LGT abarcam expressamente a AA no elenco dos meios processuais adequados a obter a suspensão do processo de execução fiscal (e, em regra, de facto, não o será pois esse meio processual, regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, não se destina a apreciar a legalidade dos actos de liquidação [art. 97.°, n.° 1, alínea p) e n.° 2 do CPPT]), tem vindo a considerar-se que tal elenco não é absolutamente fechado, ocorrendo casos em que a AA pode ter o alcance que aqui se discute nomeadamente quando esteja questionada a inexigibilidade da dívida.
Nesse sentido se pronuncia Jorge Lopes de Sousa, na anotação 3 ao art. 169.º do CPPT (in Código de Procedimento e Processo Tributário, 6ª Ed., 2011, págs. 208.º e sgs.), quando comenta que o elenco dos meios processuais referidos nas normas citadas não é fechado, nele podendo ser incluídos outros meios procedimentais e processuais que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda. E, admite-o também a jurisprudência deste STA modelada no Acórdão de 06.02.2013, no Recurso nº 041/13 ao sintetizar que “Dada a natureza impugnatória da legalidade da dívida exequenda da acção administrativa especial esta deve ter-se como compreendida entre os meios processuais cuja dedução permite a suspensão da execução fiscal nos termos das leis tributárias, embora o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT se lhe não refira expressamente.”
Cumpre realçar que, conquanto no artigo 169º nº 1 do CPPT se aluda somente a meios processuais que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, já o artigo 52.°, n.º1 da LGT inclui uma formulação mais ampla ao usar a expressão “ilegalidade ou inexigibilidade” da dívida exequenda, conceitos que manifestamente são mais abrangentes do que a mera “ilegalidade da liquidação” da dívida exequenda.
Na senda do acórdão deste STA de 22-01-2014 extraído no Recurso nº 01868/13, citado na própria sentença e disponível em www.dgsi.pt, não pode descurar-se a prevalência da LGT na hierarquia das leis tributárias pelo que havemos, também, de nos ater e considerar para a solução do presente recurso o conceito de inexigibilidade da dívida exequenda.
E tem de entender-se que a AA apresentada pela reclamante, ora recorrente, tem por objecto, a anulação do acto que indeferiu o pedido da ora recorrida de reembolso dos PEC´s e a condenação da AT à prática do acto de deferimento daquele mesmo pedido, pelo que, a eventual procedência dos pedidos formulados produzirá relativamente à divida exequenda os mesmos efeitos ou efeitos semelhantes aos que produziria a eventual procedência de impugnação judicial que tivesse por objecto a apreciação da legalidade do actos de liquidação da dívida exequenda, ou seja, a anulação parcial das liquidações de IRC em cobrança coerciva, com a consequente devolução das quantias pagas, como impõe o artigo 133° do CPA.
É que somos forçados a concluir que, tendo sido sindicada na AA a legalidade do acto de indeferimento do requerido reembolso dos PEC´s cujos valores foram tidos em conta por se terem considerado não dedutíveis e, assim, basearam as liquidações da dívida em cobrança na execução fiscal, acaba por ser a inexigibilidade desta dívida que, em última análise, está causa naquele meio impugnatório, não podendo afirmar-se peremptoriamente que na dita Acção Administrativa «não está em causa a liquidação do tributo subjacente ao PEF».
Estamos, pois, perante um meio processual que, pelo menos, tem por objecto a inexigibilidade da dívida exequenda, sendo este o condicionalismo relevante para admitir a possibilidade de suspensão da execução fiscal, independentemente do meio utilizado, o que no presente recurso se verifica.
Destarte, o recurso tem de proceder e, consequentemente, deve revogar-se a sentença e julgar-se procedente a reclamação com a inerente anulação do despacho reclamado decretando-se a suspensão do presente processo de execução fiscal até que seja proferida decisão final na identificada AA.
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3- Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a reclamação mantendo-se, em consequência, a suspensão do processo de execução fiscal nos termos peticionados pela reclamante.

Custas a cargo da recorrida.
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O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Conselheiros, Aníbal Ferraz e Paula Cadilhe Ribeiro.
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Lisboa, 26 de Maio de 2021

José Gomes Correia