Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0305/14.3BEPRT
Data do Acordão:01/22/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:INTERPRETAÇÃO
IUC
Sumário:I - Compulsados apenas os elementos tradicionais da hermenêutica jurídica teríamos de concluir que o artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC incidia sobre os veículos matriculados em Portugal após a entrada em vigor da norma (2007), mesmo que tivessem previamente obtido uma outra matrícula num Estado-membro da União Europeia em data anterior a 1981;
II - Do elemento histórico da interpretação jurídica é até possível concluir-se que aquela norma visava imprimir um tratamento diferente (de resultado intencionalmente discriminatório) entre os veículos com matrícula anterior a 1981, incidindo intencionalmente sobre aqueles que tivessem sido matriculados em outro Estado-membro com o objectivo de reduzir a respectivas importações;
III - Todavia, como o despacho do TJUE veio tornar inequívoco, essa diferença de tratamento é violadora do disposto no artigo 110.º do TFUE, pelo que há-que proceder a uma interpretação do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC em conformidade com o direito europeu e considerar que também não estão abrangidos pela incidência do imposto os veículos com matrícula anterior a 1981, que tenham sido matriculados até essa data em outro Estado-membro da União Europeia, mesmo que lhes venha a ser atribuída nova matrícula em Portugal depois da entrada em vigor do IUC (ou seja, após 2007).
Nº Convencional:JSTA000P25429
Nº do Documento:SA2202001220305/14
Data de Entrada:07/08/2019
Recorrente:A........
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A…………, com os sinais dos autos, interpôs RECURSO DE REVISTA, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de Maio de 2018 que concedeu provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a acção intentada contra o acto de liquidação de IUC, incidente sobre veículo matriculado inicialmente noutro Estado-membro e matriculado em território nacional após a entrada em vigor do CIUC, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - A presente Revista deve ser admitida por estarem verificados os respectivos pressupostos (n.º 1 e 2, do art.º 150.º, do CPTA), porquanto a questão controvertida se reveste de importância fundamental atenta a sua relevância jurídica e social, sendo, ainda, a aceitação do recurso essencial para uma melhor aplicação do direito;
2 - Em causa nos presentes está a interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, do CIUC e a sua articulação com as disposições do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, designadamente, a do artigo 110.º atinente ao princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados Membros e à proibição de imposições fiscais internas discriminatórias,
3 - Com vista a determinar se um veículo automóvel matriculado pela primeira vez num Estado Membro da EU antes de 1981 fica sujeito a IUC se importado para Portugal e lhe for atribuída uma matrícula após 1 de Julho de 2007, atendendo a que os veículos matriculados em Portugal antes de 1981 não estão sujeitos a este imposto, ou seja, se, para efeitos de incidência de IUC deve ter-se em conta a data da primeira matrícula de um veículo automóvel, quando esta tenha sido efectuada antes de 1981 noutro Estado Membro da EU;
4 - A situação em causa nos autos prende-se, concretamente, com a sujeição a IUC de um veículo automóvel antigo, de 1955, matriculado pela primeira vez no Reino Unido nesse ano e importado para Portugal em 2007, onde foi classificado como sendo de interesse museológico para o património cultural nacional;
5 - A Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a entender que os veículos que tenham sido importados de outro Estado Membro e matriculados em Portugal após 1 de Julho de 2007, integram a categoria B do IUC, mesmo quando tiverem sido matriculados pela primeira vez noutro Estado Membro antes dessa data – cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea b) do CIUC,
6 - E, em resultado deste entendimento quanto à liquidação do Imposto Único de Circulação a veículos automóveis antigos, que penaliza e discrimina estes veículos que enriquecem o nosso património cultural, tem-se vindo a assistir a uma saída sistemática destes veículos do país, os quais têm vindo a ser vendidos para o estrangeiro, num claro prejuízo para o património cultural nacional;
7 - Os Veículos antigos são veículos de estrada accionados mecanicamente que têm, pelo menos, 30 anos de idade, sendo conservados e mantidos em condições correctas de um ponto de vista histórico, não sendo utilizados como meio de transporte do dia-a-dia e que fazem, por essa razão, parte da herança técnica e cultural – cfr. alínea a) do n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 554/99;
8 - Em consequência desta tributação em IUC, há veículos raros ou até únicos que saem do país, por via de uma leitura enviesada de um dispositivo legal (CIUC), com graves consequências para o património cultural, já que são veículos que se perdem para sempre, e que nunca mais retornarão a Portugal;
9 - Por esta razão, tem relevância jurídica e social a questão que se coloca, seja no âmbito da interpretação das disposições do Código do Imposto Único de Circulação a este respeito e tendo em conta as implicações desta questão ao nível do direito comunitário, seja, ainda, no âmbito das consequências que advirão para o comércio internacional de automóveis antigos e da preservação deste património cultural;
10 - Há que ter presente, a este respeito, a disposição constante do artigo 1.º do Código do Imposto Único de Circulação, segundo a qual “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”,
11 - Bem como, o princípio da livre circulação de mercadorias entre Estados Membros da EU previsto no art. 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que impede a discriminação, ao nível da tributação interna, dos bens importados em relação aos bens não importados;
12 - Assim, em nome dos princípios da equivalência e da igualdade tributária expressamente previstos no artigo 1.º do Código do Imposto Único de Circulação, não pode equiparar-se o custo ambiental e viário de um veículo que se destina a circular diariamente, com o de um automóvel antigo que apenas de forma residual e esporádica circulará pelas vias públicas,
13 - E tem que dar-se relevância, para este efeito, ao facto de se tratar de um veículo matriculado há mais de 50 anos, ainda que noutro Estado Membro da União Europeia, sob pena de se violar o Tratado de Funcionamento da União Europeia no que tange à discriminação entre os produtos importados e os nacionais;
14 - A decisão recorrida não perfilhou este entendimento, considerando não ter qualquer relevância, para efeitos de incidência de IUC, a matrícula atribuída noutro Estado Membro da EU antes de 1981,
15 - Contrariando o que vem sendo entendido pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, em primeira instância, e foi confirmado, de forma expressa, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de reenvio prejudicial, através do Despacho de 17 de Abril de 2018, no Processo C-640/17, de que a data da primeira matrícula atribuída noutro Estado Membro da UE, releva para aferir da incidência do IUC, afastando essa incidência quando a mesma é anterior a 1981 em face do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do CIUC;
16 - Também por esta razão, deverá ser admitido o presente recurso de revista, tendo presente a possibilidade da melhor aplicação do direito que resultará da reapreciação do entendimento sobre a matéria num número indeterminado de casos futuros, tendo como escopo a uniformização do direito;
17 - Com efeito, a decisão recorrida considera que “(…) a lei portuguesa não reconhece qualquer relevância para efeitos de IUC à matrícula efectuada noutros países nem à data da sua aquisição, mas sim à data da matrícula ou registo em Portugal. Assim, o facto de o veículo ter recebido a matrícula "374EMV" em 6/6/1955, no Reino Unido, não tem qualquer reflexo na tributação em IUC em Portugal.”,
18 - Interpretação que, a nosso ver e salvo o devido respeito, viola os princípios da equivalência e da igualdade tributária, bem como, o princípio da livre circulação de bens entre Estados Membros e a inerente proibição de imposições internas discriminatórias dos bens importados;
19 - Na verdade, em face da previsão do artigo 1.º do CIUC impõe-se que os automóveis antigos sejam objecto de uma discriminação positiva em face dos automóveis não considerados antigos, atendendo ao diferente impacto ambiental e viário que a circulação de uns e outros provoca;
20 - Estamos perante um imposto que incide sobre a circulação rodoviária, sendo a própria norma que institui o imposto que impõe a observação, na sua aplicação, do princípio da equivalência como critério de igualdade tributária, que deve ser aferida em função do impacto ambiental e viário provocado pela circulação do veículo sujeito a imposto;
21 - Não pode tratar-se de forma igual situações que são, manifestamente, diferentes, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária que, além da consagração constitucional que por si só obriga ao seu acolhimento, tem expressa menção no artigo 1.º do CIUC, que prevê e caracteriza o Imposto Único de Circulação;
22 - Donde, os automóveis classificados como antigos e matriculados há mais de 30 anos, ainda que noutro Estado Membro da EU, tenham que ser discriminados para este efeito,
23 - Dado que, além de o impacto ambiental e viário provocado pela circulação dos mesmos ser incomparavelmente inferior – dado que a sua utilização é, inevitavelmente, esporádica e não habitual como sucede com os automóveis não antigos – a matrícula atribuída em Portugal é da época da primeira matrícula atribuída ao veículo, e que é reposta em circulação de forma a preservar os elementos distintivos da antiguidade do veículo automóvel;
24 - E assim, se os veículos em causa foram matriculados antes de 1981, não se encontram sujeitos a IUC face ao previsto no art. 2.º, n.º 1, alínea a) do CIUC;
25 - Foi este mesmo o entendimento emanado do Tribunal de Justiça da União Europeia no Processo n.º C-640/17, por via de reenvio prejudicial promovido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em que foi colocada, precisamente, a questão da incidência do IUC sobre veículos usados e da relevância da data da primeira matrícula do veículo num país dos Estados-membros da EU;
26 - Tendo a resposta sido a de que “O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado Membro ser superior à dos veículos não importados similares.”;
27 - É à luz desta disposição, conjugada com o disposto no art. 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 1.º e 2.º, n.º 1 do CIUC, que deve ser dada relevância, para efeitos de incidência de IUC, à data da primeira matrícula atribuída ao veículo automóvel em qualquer Estado Membro da União Europeia;
28 - Deste modo, se um veículo automóvel matriculado em Portugal antes de 1981 não está sujeito a IUC por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do CIUC, também um veículo matriculado em qualquer Estado Membro da EU antes de 1981 não está sujeito a este imposto;
29 - É este o entendimento que deve prevalecer em face do regime jurídico aplicável;
30 - Pelo exposto, a decisão recorrida ao não proceder ao correcto enquadramento das questões sub judice fez errada interpretação e aplicação do direito aplicável, devendo, por isso, ser revogada;
31 - Ao decidir nos termos em que o fez, a decisão recorrida violou, além do mais, as seguintes normas:
· Do Código do Imposto Único de Circulação, os artigos 1.º e 2.º, n.º 1;
· Da Lei Geral Tributária, o artigo 55.º;
· Do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o artigo 110.º;
· Da Constituição da República Portuguesa, os artigos 8.º, 13.º, 103.º e 266.º.
Nestes termos, deve presente Recurso ser admitido e, concedendo-se provimento ao mesmo, ser revogada a decisão recorrida».


2 – A Recorrida não apresentou contra-alegações.

3 – Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.
O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser admitida a revista.
Em apreciação preliminar sumária, foi admitida a revista com os seguintes fundamentos: “Trata-se de questão que, com esta vertente, assume alguma complexidade jurídica – pois que exige a concatenação das normas de Direito aplicáveis com as regras do Direito Europeu -, vertente esta que o TCA-Norte não considerou e sobre a qual este STA também nunca emitiu pronuncia, justificando-se plenamente que o faça pois a questão da eventual violação de normas europeias e de conhecimento oficioso, a questão é susceptível de repetição num número indeterminado de casos futuros e as decisões conhecidas de 1ª instância são contrárias ao entendimento adoptado pelo TCA-Norte no acórdão recorrido, que não ponderou a eventual dimensão europeia da questão colocada, antes a resolveu em estrito cumprimento das normas legais nacionais que regem o IUC
Após distribuição, foram os autos novamente com vista ao Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu parecer que conclui nos seguintes termos: “Entendemos, assim, que se impõe a concessão da revista e a consequente revogação do acórdão recorrido, e em substituição julgar-se procedente a impugnação judicial e determinar-se a anulação do ato tributário”.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
No acórdão recorrido foram considerados os seguintes factos provados: «(…):
1. O veículo ligeiro de passageiros com matrícula ………., marca …….., …….., do ano 1955, é propriedade do impugnante – Facto não controvertido; Cfr. doc. 2 e 4 juntos com a pi.
2. A data da primeira matrícula do veículo referido em 01) é de 1955 – Cfr. fls. Doc. 2 junto com a PI constante de fls. 08) do processo físico, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
3. Em 2007 o Cube Português de Automóveis Antigos declarou que a viatura referida em 01) “tem interesse para o património cultural nacional” - Cfr. fls. 08/09 do processo físico.
4. À viatura referida em 01) foi atribuída a matrícula ………. do ano de 1955 pelo facto do mesmo ter interesse Museológico para o Património Cultural Nacional - Cfr. fls. 10 do processo físico.
5. O veículo ………… foi importado da Inglaterra e reposta a matrícula em Portugal em 2007 – Cfr. fls. 11/12 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
6. O impugnante foi notificado em 2013 para pagar IUC de 2009, 2010, 2011 e 2012 relativamente ao veículo ………., considerando a Administração Fiscal que aquele veículo pertence à categoria B) e a matrícula era de 2007 – Cfr. doc. 1 junto com a pi, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
*
FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, não ficou provado que a matrícula ………. (sic) é datada de 2007».

Antes de adentar na questão que nos cumpre decidir no âmbito do presente recurso de revista cabe salientar, a respeito da matéria de facto, que o objecto do recurso é o acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte, pelo que tomamos como assente o que aí se decidiu a este respeito, designadamente a correcção que tacitamente se opera relativamente à matéria de facto da decisão de primeira instância quando aí se afirma o seguinte: «O mês de agosto de 2007 corresponde à data da reposição em circulação da matrícula ……… e não à data de 1.ª matrícula do veículo que é de 6/6/1955. O ano de 2007 corresponde ao ano em que o veículo foi legalizado em Portugal, mas isso não impede que se trata de automóvel antigo matriculado em 1955. O releva para efeitos de sujeição a IUC é a data da primeira matrícula e não o ano de reposição de uma matrícula antiga em circulação».


2. Questão a decidir
Saber se: i) um veículo automóvel que tenha sido matriculado pela primeira vez num Estado-membro antes de 1981 e venha depois a ser importado para Portugal e aqui lhe venha ser atribuída uma matrícula após 1 de Julho de 2007 está abrangido pela incidência do Imposto Único de Circulação (de ora em diante apenas IUC) atento o facto de os veículos matriculados em Portugal antes de 1981 não estarem sujeitos a este imposto, para o que importa determinar é se se deve ter em conta a data da primeira matrícula, mesmo que ela tenha sido atribuída por outro Estado-membro, ou apenas na data da matrícula atribuída em Portugal; e ainda, ii) a concluir-se que a incidência é determinada pela data da atribuição da matrícula em Portugal, saber se esse regime legal é ou não contrário ao direito europeu, designadamente se viola ou não os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação das mercadorias no espaço comunitário (atento o decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C-640/17).

3 – Do direito

3.1. A delimitação legal do âmbito de incidência do IUC

À data dos factos, i. e., nos anos de 2009 a 2012 (anos a que respeitam as liquidações impugnadas) a incidência objectiva do IUC era, no que aqui importa, assim recortada no n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho

Artigo 2.º

Incidência objectiva

1 - O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:

a) Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código;

b) Categoria B: Automóveis de passageiros referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg, matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código;

(…)

-

Artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos

1 - Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:

a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;

(…)

d) Automóveis de passageiros com mais de 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor;

Como se infere da leitura das normas transcritas, o imposto não incidia (delimitação negativa de incidência) sobre os veículos da Categoria A, registados ou matriculados em Portugal, cuja primeira matrícula tivesse sido atribuída em data anterior a 1981, mas não indicava se essa primeira matrícula teria de ter sido obtida em Portugal ou se aquela delimitação negativa de incidência abrangia também os veículos matriculados pela primeira vez, em data anterior a 1981, em outro país da União Europeia ou de qualquer outro Estado.

E foi precisamente nesta “zona de incerteza” normativa que recaiu a factualidade dos autos, respeitante à sujeição ou não ao IUC de um veículo automóvel antigo, de 1955, matriculado pela primeira vez no Reino Unido nesse ano e importado para Portugal em 2007.

A Administração Tributária entendeu que o veículo estaria sujeito a IUC, por interpretar a norma no sentido de abranger apenas as matrículas atribuídas pelas autoridades nacionais, razão pela qual se teria se considerar sempre e unicamente a data da primeira matrícula atribuída em Portugal.

Esta interpretação foi primeiro rejeitada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que considerou que se deveria atender à data da primeira matrícula do veículo, independentemente da autoridade que a emitira, e, em consonância, anulou as liquidações de IUC referentes aos anos de 2009 a 2012.

Mas a interpretação sufragada pelo TAF do Porto viria a ser rejeitada pelo Tribunal Central Administrativo – Norte, que acolheu a tese da Administração Tributária, afirmando que «o facto de o veículo ter recebido a matrícula “374EMV” em 6/6/1955, no Reino Unido, não tem qualquer reflexo na tributação em IUC em Portugal. Em Portugal recebeu a matrícula …………. apenas em 2/8/2007. O CIUC é aplicável a partir de 1/1/2007 quanto aos veículos de categoria B matriculados a partir dessa data e a partir de 1/1/2008 quanto aos restantes veículos, por força do disposto no art.º 14.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29/6 que procedeu à aprovação do CIUC (…) pelo que a matrícula do ………. está sujeita a incidência pelas regras do CIUC (…)». E aderiu a esta tese estribando-se no elemento literal da interpretação jurídica: «A partir desta formulação legal resulta claro que a lei portuguesa não reconhece qualquer relevância para efeitos de IUC à matrícula efetuada noutros países nem à data da sua aquisição, mas sim à data da matrícula ou registo em Portugal» (destacado do texto original).

Antes de avançar para os argumentos do direito europeu, vale a pena destacar que, no plano nacional, a norma cuja interpretação aqui se discute foi integrada numa proposta de lei (proposta de Lei 118/X) apresentada pelo Governo ao Parlamento em Março de 2007, no âmbito da então denominada “reforma global da tributação automóvel”, e compulsados os elementos históricos, coligidos no site do Parlamento a respeito desta iniciativa legislativa (Cf. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=33413 (último acesso em 6 de Janeiro de 2020)., importa lembrar que a intenção do legislador histórico foi precisamente a de tributar os veículos importados com matrículas mais antigas na mesma medida que os veículos novos matriculados em Portugal para desincentivar aquelas importações. Nesse sentido são inequívocas as palavras do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no debate parlamentar de apresentação da proposta de lei: “[U]m outro aspecto, que não referi há pouco mas que aproveito agora para mencionar, é que, com esta reforma e com a redução gradual da componente monofásica na tributação pelo registo, o que irá haver é uma desmotivação maior para a importação de sucata. Quer queiramos, quer não, Portugal, por imposições comunitárias, transformou-se num importador de sucata, de carros que muitas vezes já não estão em condições de circulação, porque somos obrigados a dar uma redução da tributação do imposto automóvel. Ora, a partir do momento em que essa componente for diminuindo, a motivação para a importação de carros em fim de vida diminui, porque um carro desses, uma sucata circulante, passará a pagar o mesmo imposto de circulação que pagará um carro novo. Portanto, vai haver aqui também uma medida indirecta de natureza ambiental” (V. Diário da Assembleia da República de 29 de Março de 2007, p. 30.).

Assim, não só o elemento literal, como sublinhou o Tribunal Central Administrativo – Norte, mas também o elemento histórico da interpretação normativa apontava para o tratamento fiscal diferenciado entre os veículos – como o que está em causa nestes autos – com matrículas anteriores a 1981 quando essa matrícula fosse atribuída no estrangeiro ou em Portugal.

Desconhece-se de que modo é que o legislador havia configurado a conformidade jurídico-normativa desta solução político-legislativa (intencional, já o vimos) com o disposto no direito europeu, e de que forma é que a questão foi suscitada no debate com os ‘players’ do sector e quais as conclusões alcançadas. É que infelizmente são poucos os elementos oficialmente disponibilizados de que o poder judicial se possa socorrer no âmbito desta tarefa hermenêutica de controlo – quer por estarmos perante uma proposta de lei [i. e. um acto normativo que sendo formalmente do Parlamento é preparado pelo Governo e, no caso, entregue como reforma legislativa “chave na mão”], quer por não terem sido anexados a essa proposta os documento produzidos no âmbito do debate prévio conduzido pelo Governo, (do qual se dá conta na apresentação da iniciativa legislativa: “[J]á agora, gostaria de aproveitar para fazer um agradecimento às associações que participaram no debate, porque este foi um bom exemplo, e nem sempre há bons exemplos. Esta proposta foi apresentada depois de ter tido lugar um debate com as associações do sector e com as associações e grupos ambientalistas, que tiveram um comportamento exemplar”(V. Diário da Assembleia da República de 29 de Março de 2007, p. 30.), assim limitando in casu a amplitude e a qualidade do escrutínio judicial dos actos do poder estadual.

Acresce que, embora se tenha identificado a intencionalidade histórica da norma (da discriminação negativa dos veículos importados, pode dizer-se assim) não é fácil apreender o seu conteúdo teleológico de um ponto de vista global e sistemático, pois, desde logo, não se compreende bem de que forma é que, deixando de fora do âmbito da incidência deste imposto veículos com primeira matrícula atribuída em Portugal em data anterior a 1981 se conseguiria (ou terá conseguido) “(…) acentuar de forma gradual e progressiva a componente ambiental na fórmula de cálculo da fiscalidade automóvel, de modo a motivar a compra de veículos menos poluentes (…)” (V. Diário da Assembleia da República de 29 de Março de 2007, p. 24.) ou prosseguir “(…) uma nova política para o abate de viaturas em fim de vida por razões também ambientais(…)”( Idem, ibidem).

Em suma, compulsados os elementos da interpretação normativa, dúvidas não restam de que a norma que definiu o âmbito de incidência objectiva do IUC visava, como bem concluiu o Tribunal Central Administrativo – Norte, um tratamento diferente (intencionalmente discriminatório segundo o legislador histórico) entre os veículos matriculados pela primeira vez em Portugal e no estrangeiro e que os veículos matriculados pela primeira vez em Portugal após 2007 estariam abrangidos por aquela norma de incidência, mesmo que tivessem uma matrícula anterior a 1981 atribuída por outro Estado-membro.

3.2. Da conformidade do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC com o direito europeu, em particular com o disposto no artigo 110.º do TFUE

Questão diferente da interpretação normativa que se alcança por aplicação das regras da hermenêutica, é a de saber se o sentido determinado – ou seja, o segmento normativo interpretativo ao qual se há-de subsumir a factualidade para alcançar a decisão – é em si conforme com as normas do direito europeu; tarefa que hoje consubstancia, também, um complemento da hermenêutica tradicional.

Com efeito, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante apenas CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

E com relevância para o caso, dispõe o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia o seguinte:

Artigo 110.º

(ex-artigo 90.º TCE)

Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.

Ora, para saber se o segmento normativo interpretativo que se extrai do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC é conforme com o disposto no artigo 110.º do TFUE exige-se, também, uma interpretação do disposto naquele artigo do TFUE. E embora os tribunais dos Estados-membros sejam competentes para aplicar o direito europeu, a competência para a interpretação dos Tratados cabe, segundo o disposto no artigo 267.º, al a) do TFUE, ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Aliás, como se acrescenta no referido artigo 267.º, § 3.º do TFUE, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos Tratados] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal” – obrigação de efectuar um reenvio prejudicial.

Porém, como resulta da denominada jurisprudência do TJUE sobre o “acto claro” (Caso Da Costa en Schaake NV e outros, proc. C-28/62), “pode não existir a obrigação [de reenvio prejudicial] quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a uma que já tenha sido objecto anteriormente de uma decisão com carácter prejudicial em assunto análogo”. É precisamente o que sucede aqui face ao decido no Despacho do TJUE, de 17 de Abril de 2018, no processo C-640/17, no âmbito do reenvio prejudicial, efectuado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a respeito de um veículo matriculado pela primeira vez em 20 de Outubro de 1966 no Reino Unido, ao qual foi atribuída nova matrícula em Portugal em 31 de Maio de 2013 e que foi objecto de um acto de liquidação de IUC em 2014.

Na resposta exarada no Despacho acima referido, o TJUE afirmou o seguinte: «(…)

12 Há que começar por recordar que o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros, em condições normais de concorrência. Este artigo visa eliminar qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas discriminatórias aos produtos provenientes de outros Estados-Membros (Acórdão de 9 de junho de 2016, Budişan, C-586/14, EU:C:2016:421, n.° 19 e jurisprudência referida).

13 Para o efeito, o artigo 110.°, primeiro parágrafo, TFUE proíbe os Estados-Membros de fazerem incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas superiores às que incidem sobre os produtos nacionais similares (Acórdão de 9 de junho de 2016, Budişan, C-586/14, EU:C:2016:421, n.° 20).

14 A este respeito, segundo jurisprudência constante, um sistema de tributação só pode ser considerado compatível com o artigo 110.° TFUE se se demonstrar que está organizado de modo a excluir, em todas as hipóteses, que os produtos importados sejam tributados mais fortemente do que os produtos nacionais e, portanto, que não comporta, em caso algum, efeitos discriminatórios (Acórdãos de 19 de março de 2009, Comissão/Finlândia, C-10/08, não publicado, EU:C:2009:171, n.° 24, e de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.° 28).

15 Por outro lado, o Tribunal já declarou que, em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados (Acórdãos de 17 de julho de 2008, Krawczyński, C-426/07, EU:C:2008:434, n.° 31, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C-2/09, EU:C:2010:312, n.° 31).

16 Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado-Membro são produtos nacionais do mesmo, na aceção do artigo 110.° TFUE. Quando esses produtos são vendidos no mercado dos veículos usados desse Estado-Membro, devem ser considerados produtos análogos aos veículos usados importados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste. Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado-Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados-Membros constituem produtos concorrentes (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e de 7 de julho de 2011, Nisipeanu, C-263/10, não publicado, EU:C:2011:466, n.° 24).

17 Daqui resulta que o artigo 110.° TFUE obriga cada Estado-Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e de 7 de julho de 2011, Nisipeanu, C-263/10, não publicado, EU:C:2011:466, n.° 25).

18 No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que o Imposto Único de Circulação em causa no processo principal é cobrado anualmente sobre, nomeadamente, qualquer veículo automóvel ligeiro de passageiros matriculado ou registado em Portugal, variando o seu montante, designadamente, em função da data da primeira matrícula do veículo considerado em Portugal. Este imposto é, pois, aplicável tanto aos veículos novos como aos veículos usados e aos veículos importados de outros Estados-Membros e matriculados pela primeira vez em Portugal, como ainda aos veículos já presentes no mercado nacional.

19 No entanto, os veículos automóveis ligeiros de passageiros, como o veículo importado em causa no processo principal, estão isentos de Imposto Único de Circulação caso tenham sido matriculados em Portugal antes de 1981, ao passo que os veículos similares matriculados noutro Estado-Membro antes de 1981 estão sujeitos ao referido imposto, por terem sido matriculados pela primeira vez em Portugal após essa data.

20 Por outro lado, esses mesmos veículos integram a categoria A quando tiverem sido matriculados pela primeira vez em Portugal entre 1981 e 1 de julho de 2007, data de entrada em vigor do CIUC, e a categoria B quando tiverem sido matriculados pela primeira vez em Portugal após 1 de julho de 2007. Em contrapartida, os veículos similares que tenham sido importados de outro Estado-Membro e matriculados em Portugal após 1 de julho de 2007 integram a categoria B, mesmo quando tiverem sido matriculados pela primeira vez noutro Estado-Membro antes dessa data. Os veículos importados para Portugal após 1 de julho de 2007 e matriculados pela primeira vez noutro Estado-Membro antes de 1 de julho de 2007 são, assim, objeto de uma tributação sistematicamente superior à tributação de que são objeto os veículos similares não importados e matriculados pela primeira vez em Portugal antes dessa mesma data.

21 Consequentemente, a regulamentação nacional em causa no processo principal aplica aos veículos usados e importados de outros Estados-Membros após 1 de julho de 2007 uma tributação sistematicamente superior à que incide sobre os veículos usados nacionais similares, na medida em que não tem em conta a data da primeira matrícula dos veículos importados nos outros Estados-Membros. Desta forma, tem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar, assim, a importação de veículos usados similares.

22 Atendendo às considerações expostas, há que responder à questão prejudicial que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado-Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado-Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado-Membro ser superior à dos veículos não importados similares.

(…)»

Assim, não cabem dúvidas de que o segmento normativo interpretativo que se extrai do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC segundo as regras da hermenêutica jurídica não é conforme com o disposto no artigo 110.º do TFUE, pelo que importa proceder a uma interpretação do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC em conformidade com o direito europeu e concluir, consequentemente, que os actos de liquidação de IUC relativos ao veículo identificado dos autos são ilegais por o mesmo ter sido matriculado antes de 1981 e, como tal, não estar abrangido pelo âmbito de incidência daquela norma.

Em complemento, acrescente-se apenas que a redacção da norma foi, entretanto, modificada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, redacção que (nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 26.º da referida Lei n.º 119/2019) produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020, passando a estabelecer o seguinte:
Artigo 2.º
Incidência objectiva

1 - O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:

a) Categoria A: Automóveis ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2 500 kg que tenham sido matriculados, pela primeira vez, no território nacional ou num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde 1981 até à data da entrada em vigor do presente código; (destacado nosso).

Esta alteração legislativa que veio consagrar uma solução normativa que procura estar em conformidade com a jurisprudência europeia antes mencionadareforça o que concluímos antes quanto à interpretação que se extraía no preceito normativo na sua redacção anterior segundo as regras da hermenêutica jurídica, obrigando a uma interpretação da norma em conformidade com o direito europeu para obviar a que a decisão do caso enferme de ilegalidade abstracta.

Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
- compulsando apenas os elementos tradicionais da hermenêutica jurídica teríamos de concluir que o artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC incidia sobre os veículos matriculados em Portugal após a entrada em vigor da norma (2007), mesmo que tivessem previamente obtido uma outra matrícula num Estado-membro da União Europeia em data anterior a 1981;
- do elemento histórico da interpretação jurídica é até possível concluir-se que aquela norma visava imprimir um tratamento diferente (de resultado intencionalmente discriminatório) entre os veículos com matrícula anterior a 1981, incidindo intencionalmente sobre aqueles que tivessem sido matriculados em outro Estado-membro com o objectivo de reduzir a respectivas importações;
- todavia, como o despacho do TJUE veio tornar inequívoco, essa diferença de tratamento é violadora do disposto no artigo 110.º do TFUE, pelo que há-que proceder a uma interpretação do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do CIUC em conformidade com o direito europeu e considerar que também não estão abrangidos pela incidência do imposto os veículos com matrícula anterior a 1981, que tenham sido matriculados até essa data em outro Estado-membro da União Europeia, mesmo que lhes venha a ser atribuída nova matrícula em Portugal depois da entrada em vigor do IUC (ou seja, após 2007).

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a impugnação judicial procedente;

Custas nesta instância pela Recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Lisboa, 22 de Janeiro de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) – Paulo Antunes – Francisco Rothes.