Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01971/16.0BELRS
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
II - Tendo o acórdão recorrido decidido de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal e não sendo aduzidos novos argumentos, nem havendo conhecimento de controvérsia jurisprudencial ou doutrinal sobre a questão, não é de admitir a revista.
Nº Convencional:JSTA000P27840
Nº do Documento:SA22021060901971/16
Data de Entrada:05/21/2021
Recorrente:A...............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 1971/16.0BELRS
Recorrente: A…………………….
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, não se conformando com o acórdão proferido em 11 de Março de 2021 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/a85434062984f2908025869600410ddf.) – que, negando provimento ao recurso por ele interposto, manteve a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que o julgou parte ilegítima na impugnação judicial que, na sequência da notificação que lhe foi efectuada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, deduziu contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado efectuada a uma sociedade de que foi administrador –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A) Estabelece o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista” que: “1- Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 2- A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3- Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado. 4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais em causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

B) Como resulta do n.º 1 do artigo transcrito a excepcionalidade do recurso de revista estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

C) Ora, no caso dos presentes autos, o douto Tribunal a quo, considerou erradamente, “(…) no caso em apreço, mesmo perante um conceito amplo de legitimidade para o processo judicial tributário (quaisquer pessoas que provém interesse legalmente protegido) e perante o próprio conceito de interesse legalmente protegido, não se vê que tal pressuposto processual possa ser atribuído ao recorrente pois não é nem sujeito passivo da liquidação impugnada, nem é responsável subsidiário (não está a ser responsabilizado subsidiariamente pois não foi contra ele ordenada reversão no processo de execução fiscal n.º 4 do artigo 23.º da LGT; n.º 3 do art. 9.º do CPPT), nem conforme acima se conclui, é titular de interesse legalmente protegido, na medida em que, por um lado, o acto tributário de liquidação objecto desta impugnação judicial projecta os seus efeitos na esfera jurídica e patrimonial do sujeito passivo de IVA, a sociedade B………………., S.A., e não na esfera jurídica e patrimonial do recorrente, mero representante legal dessa sociedade e, por outro lado, a notificação que lhe foi feita no âmbito do processo ……………………., não incorpora qualquer liquidação de imposto operada em nome do recorrente, nem lhe confere legitimidade para intervenção no processo judicial tributário.

D) Acrescentando, no douto acórdão de que aqui se recorre que “Deste modo, forçoso é concluir que a sentença recorrida não padece de erro de julgamento por ter julgado o Impugnante, ora Recorrente parte ilegítima e ter absolvido a Fazenda Pública da instância.

E) Salvo o devido respeito, esta questão é de elevada relevância jurídica e social, até porque, provado que foi, que o Recorrente foi notificado nos termos e para os efeitos na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, e sabendo-se que o pagamento exclui a punibilidade dos factos, tem por isso interesse legítimo para impugnar os actos de liquidação adicional de IVA objecto dos presentes autos.

F) Estabelece o n.º 2 do artigo 9.º do CPPT que “A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que, em conjunto com o devedor principal.

G) Ora, o Recorrente, ao ser notificado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, é notificado para efectuar o pagamento dos valores constantes da mesma, sob pena de prosseguimento do procedimento criminal. Logo, existe aqui, uma exigência de cumprimento da obrigação tributária.

H) A definição de que o responsável solidário, quando notificado para proceder ao pagamento (artigo 105.º n.º 4 alínea b) do RGIT) é parte ilegítima ou legítima no processo tributário cujo pagamento é exigido, é uma questão de extrema relevância social e jurídica, e tal decisão torna-se imperiosa para uma melhor aplicação do direito.

I) Como se escreveu no acórdão do STA de 02 de Abril de 2014, recurso n.º 1853/13, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, “(…) o preenchimento do conceito indeterminado, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência, quer ao nível da doutrina. Já relevância fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indicadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a decisão de correntes jurisprudências e doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

J) In casu, é indubitável que a utilidade da decisão a proferir nos presentes autos extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio. Na medida, em que o acto administrativo de notificação nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, é efectivamente condição objectiva de punibilidade do procedimento criminal.

K) A mesma jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador cuidou de sublinhar na exposição de motivos das Propostas da Lei n.ºs 92/VII, e 93/VIII, de uma válvula de segurança do sistema, que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

L) Ora, salvo o devido respeito, e nos termos do acima exposto, o Recorrente, demonstra nas presentes alegações de recurso que a questão colocada a V/Exas. assume uma relevância jurídica e social de extrema importância, e consequentemente, sendo o mesmo necessário para uma melhor aplicação do direito. Pelo que, deve o mesmo ser admitido.

M) O douto acórdão de que aqui se recorre julgou, incorrectamente, procedente a excepção peremptória de ilegitimidade activa do Recorrente, o que conduziu à absolvição do pedido. Acrescentando, para tal, que o Recorrente se arroga titular de uma relação jurídica material que se vem a demonstrar não existir.

N) Salvo o devido respeito, tal não pode merecer acolhimento. Não podendo, consequentemente, o acórdão recorrido produzir efeitos no ordenamento jurídico. Tendo, indubitavelmente, de ser substituído por outro.

O) Pois que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provém interesse legalmente protegido.

P) Acrescentando o n.º 2 do mesmo dispositivo legal que, “A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.

Q) Acresce que, estatui o artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) no seu n.º 1 que, “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

R) Salvo o devido respeito, do teor da norma legal acima transcrita, verifica-se a exigência ao destinatário da notificação nos termos do artigo 105.º do RGIT, do pagamento da obrigação tributária.

S) Aliás, sob pena de sendo responsável subsidiário na obrigação de pagamento vir a ser responsabilizado, pelo não pagamento e como autor do alegado crime de abuso de confiança fiscal.

T) Por tudo isto, e tendo o aqui Recorrente, sido notificado, como ficou provado nos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 105.º n.º 4 alínea b) do RGIT, bem como tido contra o mesmo, na qualidade de responsável solidário proferido despacho de acusação do crime de abuso de confiança fiscal, é de todo incompreensível que o Tribunal a quo, considere que o mesmo não tem legitimidade, em virtude de não ter um interesse legalmente protegido.

U) Mais, ao ser solicitado ao mesmo o pagamento do imposto, sob pena de prosseguimento de procedimento criminal, as liquidações objecto dos presentes autos, projecta inequivocamente os seus efeitos na esfera jurídica e patrimonial do aqui Recorrente.

V) Pois que é de todo incompreensível que o Recorrente tenha legitimidade e seja considerado responsável subsidiário no procedimento criminal, e que no processo judicial tributário seja considerado parte ilegítima.

W) Desta forma, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar não só que o Recorrente não tem interesse legalmente protegido, bem como os actos impugnados não produzem efeitos na esfera jurídica do mesmo.

X) Ora, o Recorrente, durante os anos de 2005 a 2007, foi gerente da sociedade B…………………., S.A., pessoa colectiva número ……………….

Y) E como já supra referido, por esse facto, nos termos do disposto no artigo 105.º n.º 4 alínea b) do RGIT, foi notificado para proceder ao pagamento das importâncias decorrentes das liquidações adicionais e dos respectivos juros de mora, e coima aplicável.

Z) E, por conta destes factos, foi constituído arguido e condenado no âmbito do processo de inquérito n.º ………….. Sendo que, a referida sociedade comercial veio a ser objecto de liquidação.

AA) Desta forma, é indubitável a conclusão de que o Recorrente tem efectivamente interesse em demandar e consequentemente tem plena legitimidade processual e material.

BB) As liquidações adicionais objecto nos presentes autos, tiveram origem nas seguintes facturas: (i) Nota de Débito n.º 11/2005, de 31/03/2005; (ii) Nota de Débito n.º 12/2005, de 30/04/2005; (iii) Nota de Débito n.º 13/2005, de 31/05/2005; (iv) Nota de Débito n.º 14/2005 de 30/06/2005; (v) Nota de Débito n.º 15/2005, de 31/07/2005; (vi) Nota de Débito n.º 16/2005 de 31/08/2005; (vii) Nota de Débito n.º 17/2005 de 30/09/2005; (viii) Nota de Débito n.º 2/2004 de 30/07/2004; (ix) Nota de Débito n.º 3/2004 de 31/08/2004; (x) Nota de Débito n.º 4/2004 de 30/09/2004; (xi) Nota de Débito n.º 5/2004 de 31/10/2004; (xii) Nota de Débito n.º 6/2004 de 30/11/2004; (xiii) Nota de Débito n.º 7/2004 de 30/12/2004.

CC) E da breve análise das referidas facturas, constata-se que as mesmas se referem única e exclusivamente a cedência de pessoal. Constata-se ainda que a B…………….., S.A., apenas e somente pretende ser reembolsada dos montantes despendidos relativos ao pessoal cedido.

DD) Ora, a cedência de pessoal não é considerada, para efeitos de tributação de IVA, como prestação de serviços, desde que, o montante debitado à entidade a quem foi cedido o pessoal, corresponda comprovadamente, ao reembolso exacto das despesas com ordenados ou vencimentos, os respectivos encargos com a segurança social, e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela entidade a quem pertencem os trabalhadores, por força de contrato de trabalho, ou outra legislação aplicável.

EE) É este, efectivamente o caso dos presentes autos.

FF) É aliás, este o entendimento da doutrina expressa pela administração fiscal, que na sequência do despacho n.º 384/99 – XII, de sua Exa. o Ministro das Finanças de 13/10/1999, foi elaborado o Ofício-Circulado n.º 30019 de 04/05/2000, da Direcção de Serviços de IVA, que, tendo em vista a uniformizar procedimentos, divulga a não sujeição a imposto das operações de cedência de pessoal em todas as situações em que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas na legislação aplicável (v. g. prémios de seguros de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensão, etc.).

GG) Sendo este o entendimento e a obrigatoriedade desde o ano de 2000, aquando da emissão das facturas aqui em causa, em 2004 e 2005, e que originaram as liquidações adicionais objecto dos presentes autos, a B……………., S.A., não devia, nem podia liquidar IVA. Pois que, as operações tituladas pelas mesmas são a “cedência de Pessoal”, e como tal, não sujeitas a IVA.

HH) Porém, e erradamente, a mesma emitiu as facturas e liquidou o IVA correspondente. E isto, a pedido da equipa de inspecção tributária que aí se encontrava a efectuar o procedimento de inspecção. Consequentemente, as mesmas deram origem a correcções meramente aritméticas.

II) Acresce que, tais facturas originaram os montantes de IVA constantes das Liquidações adicionais, criando desta forma, um imposto que não é devido. E consequentemente, uma dívida indevida de IVA para a sociedade, e inclusive imputando ao administrador da sociedade, a prática de ilícito criminal.

JJ) Assim, os actos de liquidações adicionais encontram-se feridos de nulidade nos termos do disposto no artigo 161.º n.º 2 alínea k) do Código de Procedimento Administrador (CPA).

KK) “A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o acto totalmente ineficaz. É insusceptível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo”, Acórdão do TCA Norte, Processo 00007/09.2BEMDL, de 09/06/2010, disponível em http://www.dgsi.pt.

LL) Desta forma, os actos de liquidação adicional de IVA são nulos, em virtude de criarem obrigações pecuniárias não previstas na lei, porque as operações que as originaram são operações não sujeitas a IVA.

MM) Pelo que tais actos não podem ser mantidos na ordem jurídica, tendo de ser declarados nulos, com todas as cominações legais.

NN) Atento o acima transcrito, e salvo o devido respeito é inconcebível que o Tribunal a quo tenha considerado o Recorrente parte ilegítima.

OO) Pois que, o mesmo juntou aos presentes autos, cópia da notificação que lhe foi efectuada pela Autoridade Tributária, e onde consta efectivamente “fica notificado na qualidade de responsável solidário” (artigo 9.º n.º 1 do CPPT).

PP) Mais, na notificação aqui mencionada é solicitado o pagamento do montante alegadamente em dívida, logo, existe aqui uma exigência em relação ao Recorrido do cumprimento da obrigação tributária (artigo 9.º nº. 2 do CPPT).

QQ) Acresce que, na notificação objecto dos presentes autos, e já junta aos mesmos, consta a informação de que o Recorrente dispõe do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário sob pena de prosseguimento do processo criminal.

RR) Sob a epígrafe “Abuso de Confiança”, o artigo 105.º do RGIT “1- Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2- Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei a preveja. 3- É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente. 4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.

SS) Verificamos, deste modo que o legislador estabeleceu um pressuposto adicional de punibilidade segundo o qual a não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida. Com esta alteração, o legislador visou diferenciar as situações daqueles contribuintes que cumprem a obrigação declarativa e dos outros que nada fizeram.

TT) Mesmo que se verifique o integral preenchimento o tipo incriminador, dá-se agora uma oportunidade àqueles que cumpriram a obrigação declarativa acessória à entrega do imposto devido. Poderão evitar a punição criminal, mantendo-se a contra-ordenacional, se nos trinta dias seguidos à notificação que lhe deve ser feita, pagarem a prestação tributária, os juros e a coima prevista no artigo 114.º do RGIT, pela não entrega no prazo legal.

UU) Caso o contribuinte pague, opera-se a descriminalização dos factos, os quais não perdem a natureza ilícita pois o sancionamento a título contra-ordenacional mantém-se intacto (há que pagar a coima prevista no artigo 114.º do RGIT para que se beneficie dessa condição). (Neste sentido vide entre outros, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.11.2007, proferido no processo n.º 2210/07-1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

VV) No caso concreto, como vimos, o Recorrente foi notificado para os efeitos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, e sabendo-se que o pagamento exclui a punibilidade dos factos mostra-se-nos inquestionável que a omissão da recorrida é susceptível de lesar um direito ou interesse legítimo em matéria tributável. De facto, a extinção da dívida fiscal por prescrição não faz prescrever a responsabilidade criminal, porém torna não exigível o montante da dívida tributária.

WW) Desta forma, e por tudo o supra explanado, fica demonstrada e provada a legitimidade processual e substantiva do Recorrente.

XX) Pelo que, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, merece total censura, devendo, concomitantemente, ser o mesmo ser revogado e substituído por outro que considere o Recorrente parte legítima.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas. deve o presente recurso ser admitido, e o acórdão proferido pelo Tribunal a quo substituído por outro que considere o Recorrente parte legítima e que conheça do objecto dos presentes autos».

1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.3 Tendo verificado a tempestividade do recurso e a legitimidade do Recorrente, a Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul ordenou a sua remessa o Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto, após ter enunciado os requisitos da admissibilidade do recurso de revista e elaborado em torno dos mesmos, com referência à jurisprudência deste Supremo Tribunal, com a seguinte fundamentação:

«[…] a questão em controvérsia nos autos, não nos parece preencher tais requisitos. Desde logo, a questão em si não reveste uma complexidade ou originalidade de tal modo relevante que justifique um duplo grau de jurisdição, como também não nos parece verificar-se “relevância social”, pois tais pressupostos encerram em si um mais, que no caso não se vislumbra e muito menos se mostra “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” a admissão do presente recurso de revista ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA. Aliás, a decisão sob recurso mostra-se bem fundamentada e mostra-se apoiada em jurisprudência dos tribunais superiores nomeadamente deste STA, cuja pronúncia se mostra sobre questões idênticas, não se oferecendo, no caso presente, complexidade ou originalidade relevantes. Antes, a recorrente mostra-se inconformada com a decisão sob recurso e tem como objectivo a reapreciação da sua pretensão.
Posto isto, tem-se como certo que a melhor aplicação do direito a que a lei se refere não compreende situação como a verificada no desenvolvimento dos autos, cuja solução não passa pela intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, a matéria do recurso, não é fundamento para uma admissão extraordinária do recurso.
Não se vê, pois, razão que fundamente ou justifique a admissão da revista, pelo que esta não deverá ser admitida».

1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido, da qual nos permitimos salientar os seguintes factos:

«[…]

L) Foi notificado [o ora Recorrente], por ofício de 29/07/2011, no âmbito do processo de inquérito NUIPC ………….., para, na qualidade de gerente da B……………….., S.A., no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento das quantias a que se reportam as liquidações impugnadas, podendo beneficiar da extinção do procedimento criminal (conforme resulta de fls. 14 a 17).

[…]

N) A notificação referida em L), foi remetida pela Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa no âmbito do processo de inquérito n.º …………….., tendo a notificação o seguinte conteúdo:
«Nos termos da al. b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT fica notificado, assim como as seguintes sociedades das quais é gerente ou administrador: (...).; C………………….. S.A. (antes, B…………., Segurança Integrada, S.A.); (...)
Para pagar (...) as importâncias relativas ao IVA apurado referente às mencionadas sociedades e nos períodos abaixo discriminados, constantes até à presente data no processo de inquérito acima identificado (...)
C………………… S.A.: Total das liquidações: (...) N.º Liquidação: 07028710, (...); Montante: € 538.200,78; (...); N.º Liquidação: 07028702 (...); Montante: € 485.877,30 (...);N.º Liquidação: 07028698 (...); Montante: € 437.301,60; (...).
Tenha-se em conta, nos termos do citado prazo legal, que só haverá lugar a punibilidade se o pagamento das dívidas em causa não for efectuado no prazo acima referido. (...)» – cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto como documento n.º 1 com a petição inicial a págs. 14 a 17 dos autos

[…]».

2.1.2 Embora do acórdão recorrido conste que quem foi notificado nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º não foi o ora Recorrente, «antes o tendo sido a sociedade «B………………, S.A.», na pessoa do Impugnante/Recorrente, na respectiva qualidade de representante legal», a verdade é que do facto provado sob o alínea N), acima transcrita, resulta, que foram notificados o Recorrente, na sua própria pessoa e enquanto pessoa física, e as sociedades de que ele é gerente ou administrador, pessoas colectivas, também na pessoa do ora Recorrente, na «qualidade de gerente ou administrador», ou seja, legal representante, daquelas sociedades. É o que concluímos do teor do ofício referido nesse facto: «Nos termos da al. b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT fica notificado, assim como as seguintes sociedades das quais é gerente ou administrador» (sublinhado nosso).


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ou seja, o recurso de revista excepcional não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, i.e., que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que «[…] o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf. acórdão de 2 de Abril de 2014, proferido no processo com o n.º 1853/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.2.1.2 O Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul porque considera que este padece de erro de julgamento, na medida em que confirmou o julgado em 1.ª instância, de que o Recorrente é parte ilegítima na impugnação judicial.
É certo que no presente recurso o Recorrente questiona também a legalidade das liquidações de IVA que impugnou.
Há, no entanto, que ter presente que a única questão apreciada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, sindicando o juízo efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi a da legitimidade activa. Aliás, o acórdão recorrido terminou afirmando expressamente: «[…] forçoso é concluir que a sentença recorrida não padece de erro de julgamento por ter julgado o Impugnante, ora Recorrente, parte ilegítima e ter absolvido a Fazenda Pública da instância. // Termos em que se nega provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, e considerando-se prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão».
Assim, a única questão relativamente à qual iremos apreciar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso é a questão da legitimidade activa do ora Recorrente para a impugnação judicial e que, tendo presente a alegação do Recorrente, podemos sintetizar nos seguintes termos: o gerente de uma sociedade que não entregou o IVA que resulta de declaração apresentada e, por isso, foi constituído arguido em inquérito criminal por crime de abuso de confiança fiscal, tendo sido notificado enquanto pessoa física ao abrigo da alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT, tem legitimidade para impugnar judicialmente as liquidações que deram origem às dívidas para cujo pagamento foi notificado, ainda que não tenha sido proferido contra ele despacho de reversão na execução fiscal instaurada contra a sociedade para cobrança coerciva?

2.2.1.3 Em ordem à demonstração de que estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso, o Recorrente invocou, por um lado, a relevância jurídica e social da questão, uma vez que a posição adoptada no acórdão recorrido o deixa «à mercê do apuramento efectuado correcta ou incorrectamente pelos órgãos da administração tributária, sem lhe ser possível atacar a liquidação adicional praticada em violação das normas legais, e cujo pagamento lhe é imputado», sendo que o facto de ter sido notificado «para efectuar o pagamento dos valores constantes das liquidações adicionais de IVA, aqui em causa, sob pena de prosseguimento do procedimento criminal» contra ele, significa que lhe está a ser feita «uma exigência de cumprimento da obrigação tributária», motivo por que a questão da sua legitimidade para poder impugnar a legalidade da liquidação que lhe deu origem se afigura de grande importância, para além de ser inequívoco que «a utilidade da decisão a proferir nos presentes autos extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio». Por outro lado, invocou também que o acórdão recorrido fez errado julgamento da questão da legitimidade, pois «da breve análise da notificação efectuada, e já junta aos presentes autos, é inequívoca a transferência da responsabilidade para cumprimento da obrigação para o aqui Recorrente».
A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, bem como o acórdão recorrido, na resposta que deram à questão estribaram-se num acórdão deste Supremo Tribunal – proferido em 28 de Novembro de 2012, no processo n.º 648/12 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6be19f686e26399a80257acb005aed6a.) – em que a matéria de facto é em tudo idêntica à dos presentes autos: o aí recorrente também havia sido constituído arguido no processo-crime e foi notificado nos termos da alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT, não só na qualidade de representante legal da sociedade também arguida no processo criminal, mas também na sua pessoa física.
Aí foi dada resposta cabal a todos os argumentos ora expendidos pelo Recorrente e, salvo o devido respeito, na ausência de novos argumentos em sentido contrário, bem como na ausência de jurisprudência ou doutrina em sentido divergente, não encontramos justificação para que este Supremo Tribunal volte a pronunciar-se sobre a questão em sede de revista.
Concluímos, pois, que não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 285.º do CPPT.


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2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - Tendo o acórdão recorrido decidido de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal e não sendo aduzidos novos argumentos, nem havendo conhecimento de controvérsia jurisprudencial ou doutrinal sobre a questão, não é de admitir a revista.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

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Custas pelo Recorrente.
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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento.
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Lisboa, 9 de Junho de 2021. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.