Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01391/12.6BESNT |
Data do Acordão: | 09/08/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS EXCESSO DE QUOTA NA HERANÇA |
Sumário: | I - O recurso versa exclusivamente matéria de direito quando as questões que nele se colocam se resolverem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, sendo que, nesse caso, cabe ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para dele conhecer [cf. arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT].
II - Para efeitos da tributação em IMT do «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas», não há que indagar do carácter oneroso ou gratuito da aquisição desse excesso (designadamente por o herdeiro que havia de receber tornas do sujeito passivo ter prescindido das mesmas), nem sequer da natureza aquisitiva ou declarativa da partilha, sendo precisamente para afastar a discussão doutrinária sobre a natureza desse fenómeno e da sua subsunção, ou não, às demais regras de incidência objectiva, que o legislador, querendo tributá-lo, consagrou expressamente a sujeição do mesmo ao IMT, na previsão da alínea c) do n.º 5 do art. 2.º do Código desse imposto. |
Nº Convencional: | JSTA00071243 |
Nº do Documento: | SA22021090801391/12 |
Data de Entrada: | 09/30/2020 |
Recorrente: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A.......... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | RECURSO JURISDICIONAL |
Objecto: | SENTENÇA DO TAF DE SINTRA |
Decisão: | CONCEDE PROVIMENTO |
Área Temática 1: | IMT |
Legislação Nacional: | ART. 5.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CIMT |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1391/12.6BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial interposta pela acima identificada Recorrida, após indeferimento de reclamação graciosa, anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), que a este foi efectuada por a AT ter considerado haver «excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas». 1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «A) O presente recurso reage contra a sentença proferida que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Impugnante identificada supra contra a notificação por si recebida da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IMT n.º 3467327, de 02.11.2011, no montante de € 6.032,58, que incidiu sobre o excesso da sua quota em herança, relativa aos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos …….e …….., ambos da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra. B) A Fazenda Pública não se conforma com o sentido da decisão recorrida entendendo que a mesma se presta a dificuldades interpretativas introduzindo todo um enquadramento jurídico que contraria a posição que os Colendos STJ e STA têm nesta matéria nomeadamente, não só a natureza da partilha diz respeito mas ao momento a que a mesma faz retroagir os seus efeitos em termos civis (e tributários) perdendo de vista, em todo o caso, o enquadramento jurídico e a fundamentação à luz do Direito Fiscal. C) Está em causa, também, apesar do Tribunal a quo se ter alicerçado no Direito Comum (nomeadamente na presumida relação bilateral e creditícia entre o credor e o devedor); a apreciação substancial da questão tal como o Direito Tributário a dimensiona; a sua natureza pública; as vicissitudes e finalidades próprias que o caracterizam e que o distinguem dos outros ramos do Direito – sobre o qual, aliás, a douta sentença recorrida não sentiu a necessidade de produzir entendimento. Essencialmente, entendeu apenas concluir que estamos presença de um negócio gratuito (doação) excluído de tributação à luz das regras de incidência do CIMT. D) A posição da Ré impede-a, porém, de aceitar (até para o próprio direito civil tratando-se de vicissitudes sinalagmáticas, produto daquela que é a autonomia da vontade dos particulares) que possa fazer sentido o recurso ao instituto da remissão, que, por um lado, mais não é do que uma causa de extinção da obrigação, que, por outro, deva ser aplicado ao instituto sucessório da partilha (não contratual) e que pressupõe a ideia de uma dívida que em bom rigor nunca se chegou a constituir como tal precisamente em virtude de um direito de crédito que nunca se chegou a gerar (por via da renúncia às tornas) partindo-se daí para a qualificação do negócio como sendo de natureza gratuita – invertendo o juízo que deve presidir à qualificação da sua natureza (onerosa ou gratuita). E) Por último, estando em causa, como já dissemos, a resolução de uma questão tributária impõe-se saber se esta dimensão mereceu pronúncia da parte do tribunal a quo. F) O ordenamento jurídico português estabelece o princípio da retroactividade da partilha, segundo o qual os efeitos jurídicos desta retroagem à data da abertura da herança. G) Só depois de realizada a partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança extinguindo-se o património autónomo da herança indivisa, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão. H) A sentença recorrida assumiu, pois, uma posição contrária em termos de enquadramento à jurisprudência enunciada quer pelo STJ quer por este Colendo STA citada supra, sublinhando-se que em termos civilísticos a partilha não assume natureza constitutiva o que enfraquece logo à partida a relevância que a renúncia às tornas por parte do cônjuge sobrevivo (enquanto também ele herdeiro legitimário) assume na discussão do objecto dos autos considerada como aquilo que em termos fiscais prefiguramos como uma declaração com uma carga ética iminentemente anti-jurídica. I) À mencionada natureza meramente declarativa opõe-se, no polo oposto da equação, a eventual natureza constitutiva que sabemos estar vedada à partilha por imperativo legal previsto nos art. 2050.º e 2119.º, ambos do C.C. J) O Colendo STA aderindo ao enquadramento da sentença proferida no processo 832/06.6BESNT deste TAF de Sintra produziu orientação jurisprudencial no sentido de fazer retroagir os efeitos da partilha à abertura da sucessão suportado precisamente no disposto nas disposições enunciadas supra – afastando a sua natureza constitutiva mediante a adesão que fez à fundamentação da sentença ali produzida. K) É verdade que a remissão prevista no art. 863.º do CC constitui, em termos contratuais (e apenas nessa dimensão), uma das causas da extinção da dívida. L) Recorde-se, porém, que a remissão só aparece em virtude da posição ilegal que o tribunal a quo tem sobre a natureza contratual da partilha ao arrepio dos arts. 2050.º e 2119.º CC e que não só não tem respaldo na lei como até se mostra contrariada pela própria jurisprudência do STA que reporta os efeitos da partilha à data da abertura da sucessão confirmando-a como um instituto de direito sucessório afastando a natureza constitutiva e contratual que a mesma pudesse ter. M) Não sendo assim, em rigor, e face ao que é dado por provado, o bem que é atribuído ao herdeiro legitimário e que supera a quota-parte indivisível que o mesmo tem na herança advém desta última. O bem não recaiu sobre a esfera patrimonial do cônjuge sobrevivo nem este é titular dele, pelo que o cônjuge sobrevivo em momento algum transmitiu o bem aos demais herdeiros legitimários (nomeadamente à Impugnante) para que a remissão possa derivar de um negócio sinalagmático entre o credor e o devedor. N) A renúncia às tornas mais não consubstancia do que uma declaração unilateral produzida no seio da sucessão em que, por partilha, se determinam os bens a atribuir aos herdeiros legitimários pressupondo não uma dívida do herdeiro legitimário para com o cônjuge sobrevivo fruto de uma relação obrigacional estabelecida entre os dois, mas a compensação resultante da atribuição de um bem da herança que excede a quota-parte que o herdeiro legitimário tem nesta última. O) O bem vem, como dissemos, à titularidade da Impugnante directamente transmitido da herança do autor da sucessão. A renúncia às tornas mais não consubstancia do que uma declaração unilateral produzida no seio da sucessão em que, por partilha, se determinam os bens a atribuir aos herdeiros legitimários pressupondo não um direito de crédito que supostamente o cônjuge sobrevivo tem sobre a Impugnante (herdeira legitimária) fruto de uma relação obrigacional estabelecida entre os dois, mas a compensação resultante da atribuição de um bem da herança que excede a quota-parte que o herdeiro legitimário tem nesta última. P) A partilha procede à divisão dos bens do autor da herança. Dessa divisão o que há é uma obrigação de pagamento de tornas que assegure em termos patrimoniais o preenchimento da quota-parte que cada herdeiro legitimário tem direito. Q) A relação jurídica nunca é bilateral. No mínimo será sempre triangular (e variará em função do número de herdeiros). Tem sempre de se contar com a herança (até aquele momento indivisa) pois que os bens a ela pertencem. R) A obrigação de pagamento de tornas resulta não de uma dívida, mas do excesso que a transmissão daquele bem proveniente da herança produz. S) No direito civil a renúncia permite dispensar, se quisermos, a obrigatoriedade de compensar o outro herdeiro pelos bens que se leva a mais, não saindo daí, seja para efeitos civis ou fiscais, com propriedade, nenhum direito de crédito na esfera do cônjuge sobrevivo, ou, uma dívida (perdoada) sobre a esfera do herdeiro cujo bem extravasou o quinhão. T) Aliás, se o imóvel nunca entrou na titularidade do cônjuge sobrevivo como é possível conceptualizar a ideia de doação? De que forma, em termos jurídicos, é possível qualificar este último como doador? Doador de um bem alheio? Doador de um bem da própria herança indivisa? U) Se a isto somarmos o facto de em causa estar a apreciação de factos tidos por relevantes à luz do direito fiscal, então, toda esta questão eleva-se a uma superior dimensão porque a relação jurídico-tributária deixa de ser meramente bilateral para ser triangular entrando em cena um novo actor que é a AT enquanto sujeito activo da relação jurídico-tributária que prossegue como atribuição a defesa do interesse público que decorre da própria tributação enquanto instrumento de satisfação das necessidades financeiras do Estado e, em última análise, a satisfação das necessidades colectivas da população e que não deixaria de ser visto como um terceiro de boa-fé a quem o excesso da quota-parte sujeito a tornas produz um crédito fiscal de que o próprio tem o direito de se ver ressarcido. V) Acresce que, para que a remissão pudesse ser ainda que incorrectamente aplicada ao direito fiscal e havida como uma doação tinha que o carácter de liberalidade (art. 863.º, n.º 2, CC) se mostrar cabalmente provado pelo Impugnante – o que não está, inegavelmente, pois que não consta tenha sido levado ao probatório. W) Que o excesso da quota-parte dos herdeiros está sujeito a tornas não se suscitam dúvidas que esteja. Isso é facto assente que, como vamos ver a seguir, decorre, in casu, dos fins visados pela própria sucessão legitimária que no que à protecção dos herdeiros legitimários diz respeito limitando inclusivamente aquela que é ou foi a vontade do de cuius. X) Relativamente ao excesso e apesar de sujeito a tornas (em termos civis) não se alcança que à luz da hermenêutica fiscal e da interpretação jurídica tivesse sido intenção do legislador fazer depender a onerosidade da transmissão do pagamento daquelas. O que em tudo vai ao encontro do modo como o próprio direito civil tende a qualificar a Partilha e a determinar a natureza meramente declarativa dos seus efeitos. Y) Sublinhe-se que em lado algum a norma de incidência exige o efectivo pagamento das tornas ou isenta de imposto quem beneficiou da renúncia declarada por outro herdeiro legitimário, (in casu, o cônjuge sobrevivo), sequer a elas alude ou remete – condicionando o preenchimento da norma de incidência ao aludido pagamento. Z) A constituição do excesso da quota-parte e a sujeição ao pagamento das tornas qualificam a transmissão como sendo de natureza onerosa. Se a jusante desse momento o cônjuge sobrevivo renuncia às tornas isso não impede que na divisão dos bens o excesso da quota já tenha sido preteritamente produzido e que objectivamente a transmissão já não possa ser qualificada como onerosa e, como tal, tributável à luz do IMT. AA) A própria renúncia às tornas, contrariamente ao que entende o tribunal a quo, mais não revela senão um corolário ou uma manifestação da natureza onerosa da própria transmissão e que não deixa de o ser em virtude das tornas a que legalmente está sujeito o excesso da quota- parte da Impugnante na herança – independentemente da posição tomada pelo cônjuge sobrevivo em termos civis. BB) Em tudo coerente com a redacção da própria norma de incidência real que decorre do art. 2.º, n.ºs 1 e 5, alínea c), do CIMT. CC) As regras da interpretação jurídica reforçam a posição sufragada pela AT. DD) A jurisdição comum adopta, assim, uma noção objectiva sobre aquela que é a natureza onerosa da partilha não qualificando a sua natureza em função seja do efectivo recebimento das tornas (apesar de declarado como tal), ou, mutatis mutandis, do efectivo pagamento (apesar da sua declarada renúncia). EE) Na sucessão legitimária, a preocupação do legislador na atribuição dos bens a certos familiares é mais marcada tendo por finalidade e fundamento a protecção patrimonial da família nuclear: cônjuge, descendentes e ascendentes (art. 2157.º). FF) A caracterização da família como instituição fundamental da sociedade resulta directamente dos arts. 36.º e 37.º da CRP impondo ao Estado obrigações no sentido de dignificar a família e a auxiliar a prosseguir as elevadas tarefas que lhe estão reservadas na vida social (arts. 67.º e 68.º CRP). GG) Sufragando-se a posição que a AT tem nesta matéria facilmente se vislumbra o interesse público preconizado pelo Direito Fiscal na defesa ou preservação dos fins visados pela própria Sucessão Legitimária, dissuadindo por via da tributação quem, por contrapartida da renúncia às tornas de um dos seus herdeiros (que se autodesampara ao arrepio do fim visado pela sucessão legitimária), obtém um acréscimo que excede a sua quota na herança. HH) Ora o cônjuge sobrevivo pode renunciar às tornas. Porém, em termos legais a sua quota indisponível há muito está fixada e, portanto, se o direito nesta modalidade de sucessão procura preservar a atribuição dos bens à família que inclui o próprio cônjuge sobrevivo que é inegavelmente um herdeiro legitimário cuja posição tem vindo a ser reforçada em termos jurídicos – então o acréscimo que pressupõe a sujeição ao pagamento de tornas constitui sempre a realização de um negócio oneroso. E que o próprio IMT tributa como tal. II) Há que reconhecer que foge à racionalidade jurídica, civil ou fiscal (in casu pelo solo propósito de fugir à tributação) sem evidência alguma do pretendido espírito de liberalidade, que um herdeiro legitimário como é o cônjuge sobrevivo não repudiando a herança, renuncia à compensação que lhe é devida face ao excesso provocado na esfera patrimonial dos demais herdeiros legitimários – atentando contra a própria protecção que o legislador do Código Civil pretendeu assegurar por via da sucessão legitimária na defesa de fins e atribuições constitucionalmente consagradas ao Estado. JJ) Ou seja, na prática o próprio herdeiro legitimário renunciante, desprotegendo-se, atenta, por um lado, contra a ratio que a própria lei civil em termos de protecção patrimonial lhe confere, no que constitui revelada conduta antijurídica, sem que, por outro lado, se alcance ou se dê por provada a motivação que está por detrás de uma conduta que não tem outra explicação senão proceder à divisão dos bens da herança recorrendo à renúncia às tornas como um expediente que tem como único propósito o não pagamento do imposto e que é devido à luz das regras de incidência do CIMT. KK) Com todo o respeito por posição diversa, não nos parece, pois, sustentável, à luz seja dos fins visados pela sucessão e/ou do direito fiscal que deva ser dada relevância jurídico-fiscal a uma mera declaração de renúncia às tornas sem que tenha sido alegado e se mostre provado um motivo que cabalmente justifique a legalidade desta conduta permitindo-se a fuga ao imposto relativamente a um facto tributário que tem por base uma transmissão objectivamente onerosa tributável em sede de IMT. LL) Pelo exposto, entendemos ser de imputar à sentença recorrida os seguintes vícios: MM) Prefigurando-se como mais aceitável a posição sufragada pela Ré pela eventual virtude possa merecer (V/ Excelências assim o determinarão…) escapando, por um lado, não só às contradições e insuficiências aqui imputadas em termos de fundamentação à sentença recorrida, como as que decorrem da posição que este Colendo STA sufragou no acórdão proferido em 26 de Outubro de 2016 no processo 053/2015 quando aderiu à fundamentação da sentença proferida no processo 832/06.6BESNT deste TAF de Sintra, mas às considerações que densificadamente expusemos. NN) Mostram-se ainda violados os seguintes normativos legais: art. 2050.º, 2119.º, 863.º, n.º 1 e 2, 2157.º, e 9.º todos do Código Civil; arts. 36.º, 37.º, 67.º e 68.º da CRP; art. 2.º, n.º 1 e n.º 5, alínea c), do Código do IMT; arts. 11.º, n.º 3 e 74.º, ambos da LGT. OO) A sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que reconhecendo os fundamentos jurídicos esgrimidos pela Ré julgue procedente o presente recurso e ordene a baixa dos autos à primeira instância para apreciação do último vício invocado pela Impugnante. V/Exas, porém, melhor decidindo não deixarão de fazer a prudente justiça». 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que o Supremo Tribunal Administrativo se declare incompetente em razão da hierarquia, atento o disposto no n.º 1 do art. 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art. 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). 1.5 O parecer foi notificado à Recorrente e ao Representante da Fazenda Pública para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia, o que nenhum deles fez. 1.6 Cumpre apreciar e decidir, havendo, primeiro que aferir da competência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia para apreciar o recurso e, depois e se for caso disso (i.e., se concluirmos no sentido da competência), que verificar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que a liquidação de IMT impugnada enferma de ilegalidade por violação da regra de incidência objectiva, designadamente, se incide ou não imposto pelo excesso recebido pela Impugnante (ora Recorrida) sobre a sua quota hereditária na partilha de bens imóveis efectuada por óbito de seu pai atento o facto, que a sentença considerou afasta a tributação, de a sua mãe – cônjuge sobrevivo do de cujus – ter prescindido das tornas a que tinha direito. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «A) Em 12.10.2011, foi celebrada escritura de partilha da herança de B………, tendo sido declarados únicos herdeiros os seus dois filhos, a Impugnante e o seu irmão, e a cônjuge sobreviva, casada sob o regime da comunhão geral de bens – cf. doc. 2 junto com a p.i. B) O acervo hereditário partilhado era constituído por dois prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos …….. e …., ambos da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra, descritos nas verbas um e dois da referida escritura, com o valor patrimonial declarado de € 1.703,98 e € 185.290,00, respectivamente, e um prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo ….. da secção R da mesma freguesia, descrito na verba três e com o valor patrimonial declarado de € 93.297,69 – cf. doc. 2 junto com a p.i. C) Foram atribuídos aos citados bens valores iguais aos valores patrimoniais perfazendo o valor total de € 280.291,77 – cf. doc. 2 junto com a p.i. D) Na partilha mencionada em A) foi adjudicada à ora Impugnante a nua propriedade dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos …. e …., da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra – cf. doc. 2 junto com a p.i. E) Ainda de acordo com o disposto na escritura de partilha mencionada em A), o usufruto dos referidos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ……e ……, da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra foi adjudicado ao cônjuge sobrevivo, com 73 anos à data da escritura da partilha, prescindindo das tornas a que tinha direito no montante de € 140.112,60 – cf. doc. 2 junto com a p.i. e fls. 27 e 28 do processo administrativo tributário (PAT) apenso (pasta I/II). F) Acto Impugnado: Em 02.11.2011 foi emitida a liquidação oficiosa de IMT n.º 3467327, no montante de € 6.032,58, pelo “Excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas”, com base nos seguintes elementos: IMAGEM G) Do valor que antecede a ora Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 5.116,02 – cf. fls. 26 do PAT apenso (pasta II/II). H) Em 06.12.2011 o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I.P. (IGESPAR), certificou, a requerimento da ora Impugnante, e em relação aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ……..e ……, ambos da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra, que: I) Em 13.04.2012 a ora impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação identificada em F), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando, em síntese, o erro na determinação da matéria colectável e a isenção de imposto de acordo com o n.º 7 do art. 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro – cf. fls. 2 a 6 do PAT apenso (pasta I/II). J) Por despacho de 30.10.2012 a reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos constantes da informação da mesma data sobre a qual foi exarado, e que aqui se dá por reproduzida, da qual resulta, além do mais, o seguinte: K) Em 05.11.2012 a Impugnante foi notificada da decisão que antecede – cf. fls. 28 a 40 do PAT apenso (pasta I/II). L) A Impugnação foi apresentada em 19.11.2012, via fax, na Direcção de Finanças de Lisboa – cf. fls. 3 e 30 a 39 do suporte físico dos autos». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida naquele tribunal, que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida, anulou a liquidação de IMT que a AT efectuou a esta no pressuposto de que, na partilha dos bens imóveis da herança aberta por óbito do seu pai, recebeu bens que excedem a sua quota, o que, a seu ver, constitui transmissão onerosa sujeita a tributação, nos termos do disposto no art. 2.º, n.ºs 1 e 5, alínea c) do Código do IMT (CIMT). 2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA 2.2.2.1 Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, pertence à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF]. 2.2.2.2 A Procuradora-Geral-Adjunta arguiu a incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia com o fundamento de que «[d]a leitura e análise das conclusões das presentes alegações proferidas no âmbito do recurso somos levados a concluir que a matéria nelas vertida não é essencialmente de direito já que é colocada também matéria de facto à apreciação e da qual o recorrente pretende retirar apoio para a sua pretensão com consequência jurídica diversa da assente na decisão recorrida, ou seja pretende com este recurso ver discutidos factos, desde logo, tal retira-se, por ex., das conclusões M), V) e OO), aliás, a final, pede que o recurso obtenha provimento e os autos baixem à 1.ª instância para reanálise da prova». Vejamos: 2.2.2.3 Tudo visto, concluímos que o presente recurso não suscita controvérsia factual e que a matéria nele controvertida se limita exclusivamente à actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados. 2.2.3 DA INCIDÊNCIA OBJECTIVA A Recorrente discorda da sentença recorrida na parte em que esta considerou que não era devido IMT pelo excesso de bens imóveis recebidos pela ora Recorrida, relativamente à sua quota-parte (quota ideal) na herança aberta por óbito do seu pai. 2.2.4 DA REMESSA À 1.ª INSTÂNCIA PARA CONHECIMENTO DA QUESTÃO QUE A SENTENÇA DEU COMO PREJUDICADA Como acima deixámos dito, o provimento do recurso não significa que possa, desde já, julgar-se a impugnação judicial improcedente. 2.2.5 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso versa exclusivamente matéria de direito quando as questões que nele se colocam se resolverem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, sendo que, nesse caso, cabe ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para dele conhecer [cf. arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT]. II - Para efeitos da tributação em IMT do «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas», não há que indagar do carácter oneroso ou gratuito da aquisição desse excesso (designadamente por o herdeiro que havia de receber tornas do sujeito passivo ter prescindido das mesmas), nem sequer da natureza aquisitiva ou declarativa da partilha, sendo precisamente para afastar a discussão doutrinária sobre a natureza desse fenómeno e da sua subsunção, ou não, às demais regras de incidência objectiva, que o legislador, querendo tributá-lo, consagrou expressamente a sujeição do mesmo ao IMT, na previsão da alínea c) do n.º 5 do art. 2.º do Código desse imposto. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e determinar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fim de aí ser conhecida a questão que a sentença considerou prejudicada. Custas pela Recorrida, que ficou vencida no recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento como adjuntos. * |