Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0559/18.6BEALM
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I - Em sede de reclamação do acto do órgão da execução fiscal (art. 276.º do CPPT), se o acto sindicado tiver natureza administrativa, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do meio impugnatório.
II - A substituição da garantia prestada em ordem à suspensão da execução fiscal na pendência da discussão graciosa ou contenciosa da legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda é admitida excepcionalmente, quando o executado provar o interesse legítimo na substituição e dela não resultar prejuízo para o credor tributário (cf. art. 52.º, n.º 7, da LGT).
III - Não questionando o órgão da execução fiscal o interesse legítimo na substituição, nem a idoneidade da garantia apresentada em substituição, o prejuízo para o credor tributário tem de ser interpretado à luz dos princípios que enformam a actividade administrativa (designadamente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público com respeito pela protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da proporcionalidade, cf. art. 266.º, da CRP, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e arts. 3.º, 4.º e 7.º, do CPA).
IV - Assim, não pode aquele órgão recusar a substituição com o fundamento de que a garantia na modalidade já prestada lhe garante um grau de liquidez superior ao da garantia oferecida em substituição, que não constitui parâmetro legalmente relevante no juízo de aferição da idoneidade da garantia; nem sequer com o fundamento de que a exigência da sua concordância para a prestação da garantia na modalidade pretendida – hipoteca voluntária – o dispensa de fundamentar a sua recusa, pois, ao invés, a maior liberdade de apreciação do pedido implica deveres acrescidos de fundamentação, reportados a elementos objectivos.
Nº Convencional:JSTA000P23991
Nº do Documento:SA2201812200559/18
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pela sociedade acima identificada (adiante também denominada Recorrida), anulou a decisão do Director de Finanças de Setúbal, que indeferiu o pedido de substituição da garantia que havia sido prestada, sob a forma de garantia bancária, por hipoteca voluntária de imóvel, pertença da Recorrida, no entendimento de que se verificam todos os pressupostos que permitem essa substituição, tal enunciados no art. 52.º, n.º 7, da Lei Geral Tributária (LGT).
1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«I. Ficou decidido nos Autos ter o Órgão de Execução Fiscal, ao recusar a substituição da garantia bancária pela hipoteca com os fundamentos que constam do despacho reclamado, incorrido em vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos, consagrados nos artigos 52.º, n.º 7 e 55.º da LGT, em conjugação com o artigo 199.º do CPPT, devendo, por isso, o referido acto reclamado ser anulado. Decisão com a qual, e com todo o respeito devido, não se concorda;
II. Em causa está a recusa pela AT da pretensão de substituição de garantia anteriormente prestada pela executada – garantia bancária – por uma outra – hipoteca sobre um imóvel –, o qual a Reclamante apresentou também para garantia de dois outros processos de execução fiscal. E, nos termos do disposto no n.º 7 do art. 52.º da LGT, a substituição da garantia obedece a três diferentes requisitos: excepcionalidade, prova de interesse legítimo do executado e não resultar prejuízo para o credor tributário, exigindo ainda, o n.º 2 do art. 199.º do CPPT a concordância da Administração Tributária na constituição de hipoteca voluntária;
IV. Quanto ao requisito da excepcionalidade, refere José Maria Pires (Coord.) e Outros, na pág. 515 da obra citada, que tal significa que terá de provar o requerente que “tal interesse legítimo não poderia ter sido invocado na altura da prestação da garantia, por nesse momento não se poder prever, com razoabilidade, a verificação das circunstâncias actual ou potencialmente lesivas das quais resulta o interesse legítimo na substituição. A referência à imprevisibilidade em termos razoáveis deve ter por critério de aferição a do homem mediano e normalmente diligente na condução dos seus negócios” – esta prova não foi feita pela aqui Reclamante;
V. Também a prova do interesse legítimo caberia à requerente da substituição da garantia, a qual se entende não ter sido feita. Com efeito, foram invocadas dificuldades de obtenção de crédito bancário. No entanto, tal não só não configura situação de excepção, não previsível aquando da prestação da garantia bancária, como não será também prova de interesse legítimo na substituição, pois em nenhum momento faz a Reclamante prova de ser tal garantia e respectivos encargos impeditiva da obtenção de crédito bancário – junta como documento n.º 3 aos Autos um email em que é a própria executada – e não qualquer entidade bancária – quem refere “redução de garantias bancárias com o Novo Banco”;
VI. Veio depois juntar comprovativos dos encargos/comissões incorridos com a prestação da garantia. No entanto, tais encargos decorrem necessariamente da própria figura da garantia bancária. Não poderão, por si só, servir de fundamento a interesse legítimo na substituição da garantia – caso assim fosse sempre haveria interesse legítimo de substituição para todas as situações de prestação de garantia bancária;
VII. O Tribunal “a quo”, fazendo uso do Acórdão do STA, de 15.02.2012, refere que “a mera invocação do risco hipotético de mercado ou menor grau de liquidez da hipoteca não pode consubstanciar por si só prejuízo para o credor na substituição, uma vez que se trata de risco característico da hipoteca que o legislador já ponderou ao considera-la “garantia idónea” para suspender a execução”. Previamente a tal consideração – que cai já na última parte do n.º 7 do art. 52.º da LGT – haverá que apreciar do interesse legítimo e, utilizando argumento em tudo idêntico sempre se dirá que a mera invocação de despesas incorridas com a prestação de garantia bancária não pode consubstanciar, só por si, interesse legítimo na substituição da garantia, pois decorre do mero funcionamento daquele instituto;
VIII. Quanto ao requisito do (não) prejuízo para o credor tributário, como ficou referido na Douta Sentença, “No caso em análise, não oferece dúvida que a garantia bancária confere à Administração Fiscal maior garantia, uma vez que torna desnecessário o desenvolvimento pela AT de quaisquer ulteriores procedimentos, que envolvem necessariamente a execução da hipoteca.”. E parece que a questão deve também ser vista desse prisma. Isto porque, não estando em causa garantia absoluta (como dito pelo Tribunal “a quo”), está em causa a substituição de uma garantia anterior, regime legal distinto daquele aplicável à prestação da garantia ab initio;
IX. Acrescenta-se que, na eventualidade de ser executada a garantia que se pretende apresentar em substituição da anterior, teria a Autoridade Tributária que proceder à venda do bem, sendo o valor base fixado para a mesma de 70% do valor patrimonial, por conjugação do disposto nos arts. 248.º e 250.º do CPPT. Pelo que, atento o valor patrimonial do imóvel dado para substituição da garantia anteriormente oferecida e o valor total em cobrança coerciva nos pefs que a executada pretende que o mesmo garanta, existirá sempre o risco de se verificar ser tal garantia insuficiente;
X. E caso a AT o viesse a fazer, deixariam necessariamente de estar garantidas as outras execuções nas quais a hipoteca do imóvel foi também oferecido, pelo que, também por aqui, está a AT a salvaguardar o interesse público na cobrança;
XI. Pelo que, bem andou a AT ao decidir que a hipoteca oferecida “não deverá ser aceite em substituição da garantia bancária anteriormente prestada por não estarem reunidos os pressupostos legais previstos no n.º 7 do artigo 52.º da LGT, designadamente por a garantia bancária melhor assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido”;
XII. E no processo de execução fiscal, previamente à preocupação dos encargos ou repercussões na esfera da executada da garantia que prestou, há que ponderar o interesse público da cobrança dos tributos e da maior ou menor probabilidade de sucesso em proceder a essa cobrança, face às várias modalidades de garantia legalmente previstas e admissíveis. A “execução fiscal é um processo cujo interesse tutelar é o da cobrança do crédito” e os “créditos tributários têm natureza pública e a sua incobrabilidade tem efeitos danosos que ultrapassam largamente os interesses do Estado, dado que se projectam sobre todos os contribuintes”, estando proibida a concessão de moratórias ilegais – cfr. pág. 507 da obra citada;
XIII. Por outro lado, decidiu o Tribunal pela anulação do despacho de indeferimento do pedido de substituição da garantia. No entanto, e salvo melhor opinião, tal anulação do despacho não levará necessariamente à obrigatoriedade de aceitação da garantia oferecida em substituição, mas antes acarretará nova pronúncia pela AT quanto ao que veio solicitado;
XIV. Requerimento que, como explanado supra, não se entende fundamentar a excepcionalidade nem o interesse legítimo, devendo sempre ser indeferido por não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 7 do art. 52.º da LGT;
XV. Pelo que, a anulação do acto reclamado apenas levará – necessária e legalmente – a novo acto de recusa de substituição da garantia (ainda que com diferente fundamentação), mantendo-se a garantia bancária prestada já. E nestes termos, porque assim terá de ser, deverá o Despacho Reclamado manter-se, ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto, por se afigurar evidente que a decisão tomada é a única legalmente possível;
XVI. Por fim, e atendendo ao facto de, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 7.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos recursos a taxa ser fixada nos termos da tabela I-B [ainda que pela alínea a) do n.º 1 do art. 15.º do RCP esteja a Fazenda dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça], e tendo sido atribuído à causa o valor de 517.143,86 Euros, sendo assim superior a 275.000,00 Euros, requer-se desde já a V. Ex.ªs que seja determinada a dispensa do pagamento, a final, do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7 do art. 6.º do mesmo RCP.
XVII. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito, tendo violado o disposto no art. 52.º da LGT e art. 199.º do CPPT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, declarada nula, ou revogada e substituída por douto Acórdão que julgue o pedido improcedente».
1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1.4 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:
«A. Tendo em conta a matéria de facto provada nos presentes autos, entende a ora Recorrida que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser mantida;
B. Desde logo porque, contrariamente ao que vem alegado pela RFP, a AT não pode ter a veleidade de legislar através de Ofício, violando manifestamente o princípio da legalidade fiscal, em sentido material e em sentido formal, previstos nos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, al. i), da CRP;
C. Por outro lado, no que diz respeito aos requisitos constantes do artigo 52.º, n.º 7, da LGT, não se pode também admitir que à Recorrida se imponham, para efeitos de substituição de garantia, pressupostos que não têm qualquer correspondência com a letra da Lei;
D. Em concreto, é ilegal, por violação do disposto no artigo 52.º, n.º 7, da LGT, o entendimento de acordo com o qual a substituição de garantia só ocorre se o sujeito passivo fizer prova das “circunstâncias excepcionais” em que assenta o seu pedido;
E. É que essa excepcionalidade assenta, como se demonstrou, na prova dos dois (únicos) requisitos legalmente previstos: o interesse legítimo na substituição e a inexistência de prejuízo (efectivo) para o credor tributário;
F. Pese embora tal lhe não fosse legalmente exigido, o que é certo é que a ora Recorrida demonstrou que, na data em que prestou a garantia bancária cuja substituição requereu, não poderia ter antecipado, por um lado, que os encargos com a prestação e manutenção da mesma aumentariam e, por outro lado, que atravessaria um processo de reestruturação que traria impactos muito negativos para os seus resultados;
G. E tudo isto ficou demonstrado nos presentes autos, contrariamente ao afirmado pela AT;
H. Ademais, foi efectuada prova cabal da observância dos demais requisitos necessários para a substituição de garantia:
a. O interesse legítimo na substituição da garantia, consubstanciado na diminuição dos correspondentes custos; e
b. A inexistência de prejuízo para o credor tributário, face à idoneidade da garantia prestada.
I. Com efeito, não procede a tese da AT segundo a qual o interesse legítimo para a substituição da garantia carece de prova dos custos incorridos e das existentes limitações ao financiamento bancário, porque tal prova foi já junta aos autos pela ora Recorrida e aceite pelo Tribunal a quo;
J. Relativamente à inexistência de prejuízo para o credor tributário, veio a AT defender que a menor liquidez da garantia a prestar obstaria à admissibilidade da substituição, justificando este entendimento com o n.º 2 do artigo 248.º e com o n.º 1 do artigo 189.º do CPPT;
K. Mas tal como tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, a existência de prejuízo não se pode referir a aspectos qualitativos das garantias, mas sim à subordinação da garantia (em concreto) a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito;
L. Por último, alegou a AT que, qualquer que fosse a decisão judicial, esta não merecia acatamento porquanto o novo despacho a proferir acarretaria, necessária e invariavelmente, um novo indeferimento;
M. Tal posição exprime de forma absolutamente clara e inequívoca o desrespeito pelas decisões judiciais, em manifesta violação do disposto no artigo 205.º, n.º 2, da CRP;
N. Do mesmo modo como a AT persiste em ignorar o comando legal que a obriga a adaptar as suas orientações genéricas – incluindo o Ofício – conflituantes com a jurisprudência superior;
O. E se assim é, como não pode deixar de ser, resulta claro que a substituição da garantia não poderia ter sido indeferida, nos termos em que foi, nem poderá voltar a ser recusada;
P. Razão pela qual, e em suma, de deverá manter a Douta Sentença Recorrida, nos exactos termos em que foi proferida.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública, e a Sentença Recorrida ser mantida, nos seus exactos termos,
Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!».
1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]
Nos termos do disposto no artigo 52.º/7 da LGT “ A garantia pode, uma vez prestada, ser excepcionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulta prejuízo para o credor tributário”.
São pressupostos da possibilidade substituição da garantia:
1.º- Que seja feita prova do interesse legítimo, o que envolve a prova da lesão ou prejuízo na esfera de direitos e interesses legalmente protegidos do executado.
2.º- Que seja feita prova da excepcionalidade da substituição, ou seja, de que tal interesse legítimo não poderia ter sido invocado na altura da prestação da garantia, por nesse momento não se poder prever, com razoabilidade, a verificação das circunstâncias actual ou potencialmente lesivas das quais resulta o interesse legítimo na substituição. A referência à imprevisibilidade em termos razoáveis deve ter por critério de aferição o do homem mediano e normalmente diligente na condução dos seus negócios.
3.º- A substituição não ocasione prejuízo para o credor tributário (Lei Geral Tributária, anotada, 2015, Almedina, página 515/516, José Maria Fernandes Pires (Coordenador) e Outros.
O acto sindicado ancora-se nos seguintes fundamentos/argumentos:
1- A garantia bancária oferece uma liquidez que a hipoteca não possui; “a substituição da garantia bancária prestada nos autos acarreta prejuízo para a AT, no sentido que a garantia bancária acautela melhor o crédito e permite a satisfação imediata do crédito garantida no caso de necessidade de se executar essa garantia, o que não sucede no caso da hipoteca”;
2- “(…) o contencioso da executada prende-se com a natureza e valor da “prestação contributiva (taxa) a pagar ao ICA; “pelo que é razoável concluir que haverá dívida nova ao ICA e, consequentemente, novo contencioso (e associado a essa dívida nova). Donde a dívida nova, passando a ser objeto de cobrança coerciva através da excepção fiscal no SF de Lisboa-6 (…) poderá a executada oferecer como garantia a hipoteca, como aliás já fez no PEF 33362018011032453”;
3- “No caso hipotético da executada obter sentença desfavorável e se os presentes autos de execução fiscal tivessem como garantia a hipoteca oferecida, a AT (DF de Setúbal no SF de Palmela) por lei teria que executar a hipoteca, afectando os interesses da executada na suspensão do PEF 3336201801032453, repita-se a correr termos no SF de Lisboa-6 (alínea E do probatório).
Com todo o respeito, os argumentos referidos em 2 e 3, porque têm como pano de fundo a eventual verificação de factos futuros, que podem nem, sequer, vir a acontecer não têm relevância jurídica para a economia da questão controvertida, pois que, como se dá nota na sentença recorrida e assinala a reclamante/recorrida na sua PI, trata-se de meros juízos de prognose, sem qualquer base legal que permita justificar a recusa da substituição da garantia prestada, uma vez que não integra o critério e legal de aferição da idoneidade da garantia.
Assim, o único fundamento juridicamente relevante avançado pela AT para indeferir a pretensão da recorrida prende-se com o hipotético prejuízo para o credor tributário, uma vez, que, em seu entender, a garantia bancária acautela melhor o crédito e permite a satisfação imediata do crédito garantido e, presumivelmente, oferece liquidez, que uma hipoteca de um imóvel não proporciona.
Temos, assim, que, no caso em análise, apenas está em causa saber se ocorre e verificação do mencionado 3.º pressuposto, ou, seja, se a substituição da garantia ocasiona prejuízo para o credor tributário.
Atente-se que o tribunal tem de se limitar à apreciação do acto reclamado tal como ele ocorreu apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual, pois que o interessado só pode defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se extraíram os efeitos lesivos.
É, pois, inadmissível qualquer tentativa de justificar o acto por razões de facto e de direito que não constam da sua fundamentação, sob pena de o interessado ficar prejudicado em juízo (acórdão do STA, de 11/03/2015 - P. 01212/14, disponível em www.dgsi.pt).
Com interesse para a análise da questão está, nomeadamente, provado nos autos que:
1.º- O SLF fixou a garantia a prestar em € 517.143,86;
2.º- Foi apresentada garantia bancária pelo referido montante;
3.º- Foi requerida a substituição da garantia prestada por hipoteca voluntária sobre o prédio correspondente ao artigo matricial urbano 18425 da freguesia de Palmela, concelho de Setúbal, com o VPT de € 1.471.810,00.
Vejamos, pois se a substituição da garantia prestada (garantia bancária) pela hipoteca voluntária sobre o já identificado imóvel causa ou não prejuízo ao credor tributário, isto é se esta garantia é ou não idónea para garantir o pagamento da obrigação exequenda.
Nos termos do estatuído nos artigos 169.º e 199.º/1 do CPPT a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do PEF, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Nos termos do n.º 2 do citado artigo 199.º, a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
Como refere o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, III volume, páginas 411/412) “A garantia, fora dos casos a que se aplica o CAC, pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente.
(…) A garantia tem de ser idónea para assegurar os créditos do exequente.
Para ser idónea para este feito, a garantia não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia, como por exemplo a possibilidade de denúncia unilateral pela entidade que a presta, ou limitação temporal.
Só uma garantia incondicional e abrangendo a globalidade do período de pendência do processo de execução fiscal até ao momento do pagamento dos créditos tributários poderá ser considerada idónea para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Por isso, no caso de a garantia assentar na mera nomeação de bens à penhora no prazo previsto no n.º 6 do art. 199.º do CPPT, como se prevê no seu n.º 4, a suspensão da execução será condicionada e provisória, mantendo-se apenas se se concretizar a penhora de bens que assegurem o pagamento em dívida exequenda e do acrescido, pois não se justificaria que se considerasse garantida a dívida depois de se constatar que não foi possível efectuar a penhora dos bens nomeados ou se verificar que eles são insuficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Esta é uma conclusão que se impõe por evidentes considerações de ordem lógica, mas que tem apoio explícito no n.º 3 do art. 52.º da LGT que estabelece que «a administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente apara o pagamento da dívida exequenda e acrescido»”.
Na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes, o da administração fiscal na efectivação da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida.
Daí que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse do exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado.
Ora, como resulta do probatório o valor da garantia a prestar é de € 517.143,86., sendo que o VPT do imóvel objecto de hipoteca ascende a € 1.471.810,00.
A garantia oferecida em substituição é, pois, manifestamente idónea e, como tal, essa substituição não ocasiona prejuízo para o credor tributário.
De facto, desde que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a AT não pode recusar a substituição da garantia com base em aspectos qualitativos das garantias, designadamente quanto à maior ou menor liquidez imediata, sob pena de violação dos normativos dos artigos 199.º do CCPT e 52.º/7 da LGT (acórdão do STA, de 15/02/2012 - P. 0126/12, disponível em www.dgsi.pt).
Nas conclusões XIII a XV a recorrente invoca o princípio do aproveitamento do acto administrativo, que obstaria à anulação do acto sindicado, uma vez que aquela anulação apenas levaria à prática de novo acto de indeferimento da substituição da garantia, ainda que com fundamentação diferente.
Ora, salvo melhor juízo, parece-nos certo que tal princípio não pode ter aplicação no caso em análise, pois que não resulta evidenciada a inevitabilidade da prática de acto de indeferimento do pedido de substituição da garantia prestada».
Já quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, após enunciar e apreciar a legislação aplicável, deixou dito: «[…]
Ora, no caso dos autos é certo que o recurso não é de especial complexidade, nos termos enunciados.
De facto, no presente recurso jurisdicional está em causa a apreciação de um dos pressupostos legais da substituição de garantia prestada, mais concretamente, o alegado prejuízo para o credor tributário.
Afigura-se que a causa é de complexidade inferior ao comum, pois que já existe jurisprudência do STA sobre a matéria, aliás, citada pela decisão recorrida.
As partes tiveram uma conduta processual, absolutamente, normal.
O remanescente da taxa de justiça em dívida no recurso ascenderá a € cerca de 1.481,00, sendo certo que a taxa de justiça normal devida ascende a € 816,00.
Assim sendo, uma vez que a conduta processual das partes a tal não obsta e a questão a decidir se afigura de complexidade inferior ao comum, parece justificar-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. (acórdão do STA, de 14/11/2018 - P. 01013/12, disponível em www.dgsi.pt)».
1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir a questão de saber se a sentença decidiu correctamente quando julgou que o órgão da execução fiscal incorreu em violação de lei quando indeferiu o pedido de que a garantia prestada pela Executada, mediante garantia bancária, fosse substituída pela constituição de hipoteca sobre um prédio de que é dona.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«A) Em 30 de Outubro de 2014, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Palmela, o processo de execução fiscal n.º 2208201481014716, contra a sociedade “………….., S.A.”, actualmente designada por “A……….., S.A.”, respeitante à taxa devida por operadores de serviços de televisão por subscrição a pagar ao Instituto do Cinema e Audiovisual, I.P., no valor de € 402.151,31 – cfr. autuação e certidão de dívida a fls. 1 a 2 do PEF apenso;
B) Solicitada a fixação do montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução fiscal identificada na alínea antecedente, a Reclamante, por correio electrónico, de 26 de Novembro de 2014, foi informada que “o montante da garantia a prestar será de € 517.143,86. O anterior montante de € 514.900,85 só tinha juros de mora contados até ao final do corrente mês e não contemplava a taxa de justiça devida. (...)” – cfr. documento da AT relativo ao cálculo de garantia a fls. 10 e e-mail de fls. 11 do PEF apenso;
C) Em 3 de Dezembro de 2014 foi apresentada a garantia bancária n.º N00395545, com data de 01/12/2014, emitida pelo Novo Banco, S.A., no valor de € 517.143,86, tendo por Ordenadora a sociedade “……………, S.A.”, actualmente designada por “A………….., S.A.”, ora Reclamante, e Beneficiária a Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviços de Finanças Palmela, para garantir a suspensão do processo executivo n.º 2208201481014716 – cfr. fls. 15 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
D) Em 2 de Abril de 2018, por requerimento dirigido ao Serviço de Finanças de Palmela, a Reclamante veio solicitar a autorização para substituir a garantia bancária, melhor identificada na alínea antecedente, pela constituição de uma hipoteca voluntária sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 18425, da freguesia de Palmela, Concelho de Setúbal, sito no Lugar de poços, em Palmela, afecto a armazéns e actividade industrial, com o valor patrimonial tributário actual de € 1.471.810,00 – cfr. fls. 57 a 61 e 71 do PEF apenso, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
E) Em 4 de Maio de 2018, na sequência do requerimento identificado na alínea antecedente, foi elaborada «Informação» n.º 170/2018-EADE pelo Técnico da Administração Tributária, com o seguinte teor: “(…)















(…)” – cfr. fls. 77 a 90 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
F) Em 17 de Maio de 2018, o Director de Finanças Adjunto de Setúbal proferiu despacho de indeferimento do pedido de substituição de garantia, com base nos fundamentos constantes da Informação identificada na alínea antecedente – cfr. despacho a fls. 79 do PEF apenso;
G) Em 5 de Junho de 2018, a ora Reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Palmela, a presente Reclamação do despacho identificado na alínea antecedente – cfr. fls. 3 dos autos;
H) No período compreendido entre os anos de 2015 a 2017, a Reclamante suportou o valor total de € 20.541,00 com a garantia bancária, identificada na alínea C) da factualidade assente, a título de comissões periódicas e de prorrogação, acrescido do valor da comissão de emissão da garantia, em 01/12/2014, que ascendeu ao montante de € 3.718,64 – facto alegado nos artigos 24.º e 25.º da p.i. e no requerimento de 03.09.2018, não impugnado pela Fazenda Pública, corroborado pelo teor dos docs. a fls. 37 a 38 e 64 e ss. dos autos;
I) No ano de 2018, a Reclamante já suportou comissões periódicas, com a referida garantia bancária, no valor de € 2.130,64 – facto alegado no artigo 6.º do requerimento de 03.09.2018, não impugnado pela Fazenda Pública, corroborado pelo teor dos documentos de fls. 37 a 38 e 64 e ss. dos autos».
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2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A Executada, que instaurou reclamação graciosa questionando a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda (Cfr. a informação transcrita na alínea E) dos factos provados.), obteve a suspensão da execução fiscal mediante garantia bancária, que prestou em Dezembro de 2014.
Em 2 de Abril de 2018, mantendo-se a discussão sobre a legalidade daquela liquidação, agora em impugnação judicial (Idem.), a Executada, invocando a acumulação dos prejuízos com a manutenção da referida garantia bancária e a mudança operada na sua situação económico-financeira, pediu que a mesma fosse substituída pela constituição de hipoteca voluntária sobre um prédio de que é dona.
O Director de Finanças de Setúbal, admitindo em tese a substituição da garantia prestada e apesar de reconhecer o interesse da Executada na substituição, recusou-a com os seguintes fundamentos, que passamos a enunciar por remissão para a sentença recorrida, que aqui transcrevemos: «[…]
- A garantia bancária oferece uma liquidez que a hipoteca não possui; “a substituição da garantia bancária prestada nos autos acarreta prejuízo para a AT, no sentido que a garantia bancária acautela melhor o crédito e permite a satisfação imediata do crédito garantido no caso de necessidade de se executar essa garantia, o que não sucede no caso da hipoteca”;
- “(...) o contencioso da Executada prende-se com a natureza e valor da “prestação contributiva (taxa)” a pagar ao ICA; “pelo que é razoável concluir que haverá dívida nova ao ICA e, consequentemente, novo contencioso (e associado a essa dívida nova). Donde a dívida nova, passando a ser objecto de cobrança coerciva através da execução fiscal no SF de Lisboa - 6 (...) poderá a Executada oferecer como garantia a hipoteca, como aliás já fez no PEF 3336201801032453”;
- “No caso hipotético da Executada obter sentença desfavorável e se os presentes autos de execução fiscal tivessem como garantia a hipoteca oferecida, a AT (DF de Setúbal no SF de Palmela) por lei teria que executar a hipoteca, afectando os interesses da Executada na suspensão do PEF 3336201801032453, repita-se a correr termos no SF de Lisboa - 6” [cfr. alínea E) da matéria dada como provada]».
A Executada, inconformada com esse indeferimento, dele reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
A Juíza desse Tribunal deu-lhe razão e anulou a decisão que indeferiu a substituição da garantia prestada.
Começou a sentença por enunciar a questão a apreciar e decidir como sendo a de «saber se tem cobertura legal a recusa da substituição da garantia prestada sob a forma de garantia bancária pela constituição de hipoteca voluntária, com fundamento (i) no facto de esta revelar uma diminuição da qualidade e segurança quanto à satisfação do crédito; e (ii) na eventualidade de uma sentença desfavorável que afecte os interesses da Executada no âmbito de outros processos de execução fiscal onde a hipoteca foi prestada como garantia da sua suspensão, por a lei impor a sua execução à AT».
Depois, fazendo apelo à jurisprudência deste Supremo Tribunal (Citou os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 126/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d8816a5999c153cf802579b80056a4fd;
- de 18 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 507/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2c814d860a38ed4a80257d1e00333c36.) e à doutrina (Citou
- RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 77/78;
- JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 2 ao art. 199.º, págs. 411/412.), referiu, em síntese, que,
i) admitindo o legislador a hipoteca voluntária como modo de prestar garantia, também quando seja pedida a substituição por hipoteca da garantia que foi prestada mediante presentação da garantia bancária, a recusa com fundamento em prejuízo para o credor tributário não pode limitar-se à invocação do menor grau de liquidez e do risco de mercado que lhe está associado, circunstâncias que o legislador bem conhecia e não o impediram de consagrar a hipoteca como forma válida de garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido; e que
ii) a invocada eventualidade de uma sentença desfavorável aos interesses da Executada no âmbito de outros processos de execução fiscal onde foi prestada garantia por hipoteca sobre o mesmo prédio, com a consequente necessidade de executar a garantia nos presentes autos, assenta num juízo de prognose sem qualquer base legal e, por isso, que não permite justificar a recusa da substituição da garantia prestada, uma vez que essa argumentação não integra o critério legal de aferição da idoneidade da garantia.
Concluiu, pois, pela ilegalidade da decisão que indeferiu a pretendida substituição da garantia prestada.
A Fazenda Pública discorda da sentença.
Começou por considerar que a substituição da garantia depende da verificação de «três diferentes requisitos: excepcionalidade, prova de interesse legítimo do executado e não resultar prejuízo para o credor tributário, exigindo ainda, o n.º 2 do art. 199.º do CPPT a concordância da Administração Tributária na constituição de hipoteca voluntária».
De seguida, considerou que a ora Recorrida não fez prova nem da excepcionalidade nem do interesse legítimo (cfr. conclusões IV a VII).
Quanto a este segmento de recurso, diremos desde já que se trata de questão que não pode agora ser apreciada e decidida por uma dupla razão: por um lado, porque o motivo por que o pedido da ora Recorrida foi indeferido não por falta de prova da excepcionalidade nem do interesse legítimo. A leitura da decisão reclamada e da informação para que aquele remeteu revela que não foi com nenhum desses fundamentos que foi indeferido o pedido de substituição [cfr. factos provados sob as alíneas E) e F)].
Assim, aquelas questões não podem agora ser conhecidas nesta sede: quer porque os recursos não se destinam a conhecer de questões que, não sendo do conhecimento oficioso, não tenham sido submetidas ao tribunal a quo, quer porque a sindicância judicial ao abrigo do reclamação prevista no art. 276.º do CPPT de acto administrativo praticado pelo órgão da execução fiscal não pode efectuar-se senão por referência à fundamentação externada no mesmo. Na verdade, como este Supremo Tribunal tem dito várias vezes, em sede de reclamação do acto do órgão da execução fiscal o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto administrativo sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto; não pode valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocadas pelo órgão da execução fiscal a posteriori na pendência de meio impugnatório (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 11 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1212/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/232b1ef63cfaa1c680257e0c0032d802;
- de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 43/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/605684522d35f1b680257f4c005084c2.).
Considerou também a Recorrente que a sentença fez errado julgado quando considerou que da substituição não resultava prejuízo para o credor tributário (cfr. conclusões VIII a XII). Isto, quer porque a garantia bancária «confere à Administração Fiscal maior garantia, uma vez que torna desnecessário o desenvolvimento pela AT de quaisquer ulteriores procedimentos, que envolvem necessariamente a execução da hipoteca», quer porque «na eventualidade de ser executada a garantia que se pretende apresentar em substituição da anterior, teria a Autoridade Tributária que proceder à venda do bem, sendo o valor base fixado para a mesma de 70% do valor patrimonial, por conjugação do disposto nos arts. 248.º e 250.º do CPPT», o que significa que, «atento o valor patrimonial do imóvel dado para substituição da garantia anteriormente oferecida e o valor total em cobrança coerciva nos pefs que a executada pretende que o mesmo garanta, existirá sempre o risco de se verificar ser tal garantia insuficiente» e, por outro lado «caso a AT o viesse a fazer, deixariam necessariamente de estar garantidas as outras execuções nas quais a hipoteca do imóvel foi também oferecido, pelo que, também por aqui, está a AT a salvaguardar o interesse público na cobrança».
Também quanto à questão do prejuízo para o credor tributário nos devermos ater à fundamentação expendida pelo órgão da execução fiscal quando da prática do acto sindicado. Assim, haverá que apreciar e decidir se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar que o órgão da execução fiscal não podia recusar a substituição da garantia com os fundamentos por que a recusou, ou seja, por considerar i) que a hipoteca não assegura o mesmo grau de liquidez da garantia bancária que foi prestada nos autos, ii) que a Executada poderá apresentar a hipoteca como garantia em futuras execuções que, atenta a natureza das dívidas exequendas, são previsíveis e iii) que, uma vez que sobre o prédio sobre o qual a Executada pretende seja constituída a hipoteca em substituição da garantia bancária, foi já constituída uma hipoteca que garante o pagamento da quantia exequenda e do acrescendo numa outra execução fiscal (com o n.º 3336201801032453), a correr termos do Serviço de Finanças de Lisboa 6, uma eventual decisão desfavorável à Executada no processo em que está a discutir a legalidade da dívida exequenda nos presentes autos, implicando a necessidade do órgão da execução fiscal executar a hipoteca, assim «afectando os interesses da Executada na suspensão do PEF 3336201801032453».
Argumentou ainda a Recorrente que a anulação do acto sindicado não conduzirá à aceitação pelo órgão da execução fiscal da substituição da garantia, mas à prática de novo acto de indeferimento com diversa fundamentação, motivo por que, a seu ver, não deveria o acto ser anulado, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo (cfr. conclusões XIII a XV).
Cumpre, pois, se for caso disso – isto é, na improcedência do primeiro fundamento do recurso –, averiguar da possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto.
Finalmente, considera a Recorrente que deve dispensar-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. conclusão XVI).
Teremos, pois, que apreciar se é caso de dispensa, à luz dos critérios legais e da orientação jurisprudencial sobre a matéria.
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2.2.2 DA SUBSTITUIÇÃO DA GARANTIA PRESTADA
De acordo com o que deixámos já dito, a primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada decidiu bem ao considerar ilegal a decisão administrativa que recusou a substituição da garantia pedida pela Executada.
Reiteramos, no entanto, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada não podia, como este Supremo Tribunal não pode, proceder à sindicância desse acto com a amplitude que a Recorrente pretende nas alegações de recurso, mas apenas tendo em conta os fundamentos que foram externados quando da prática do mesmo.
No caso, o Director de Finanças de Setúbal admitiu, em abstracto, a admissibilidade da substituição da garantia; e, na apreciação em concreto, não suscitou qualquer objecção relativamente à excepcionalidade nem quanto ao interesse legítimo. Por isso, são espúrias as alegações ora aduzidas pela Recorrente quanto a uma eventual não verificação desses requisitos legais para a substituição da garantia.
Assim, e tendo sempre presente essa limitação, começaremos por dizer que a sentença fez correcto julgamento – aliás, louvando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal e na doutrina – quando considerou que a circunstância de a hipoteca não assegurar o mesmo grau de liquidez que a garantia bancária, já prestada na execução fiscal, não constitui fundamento válido para recusar a substituição da garantia (No sentido de que o credor tributário não pode recusar que a garantia oferecida com fundamento no risco de mercado e no menor grau de liquidez que lhe estão associados, vide, para além dos citados na sentença e entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 11 de Julho de 2012, proferido no processo n.º 730/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/458cae6450c74e5e80257a4500378b5b;
- de 30 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 34/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/511f6af301a513f080257b17005569f9;
- de 6 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 57/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/58dc41fc801a1a2a80257b21003b6071;
- de 2 de Março de 2016, proferido no processo n.º 137/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/57e63c5336e592b680257f72005528ab.).
Na verdade, atenta a finalidade da garantia – que não é senão a de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido (Como bem disse a sentença, a «capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança efectiva da dívida garantida - cfr. arts. 169.º, 199.º e 217.º do CPPT e artigo 52.º da LGT.».) –, desde que esteja verificada a idoneidade da garantia que o executado se propõe prestar, a AT deve aceitá-la, pois a prossecução dos fins públicos prosseguidos na cobrança coerciva dos créditos tributários deve ser feita com o menor sacrifício possível dos direitos e interesses dos executados.
Assim, não questionando o órgão da execução fiscal o interesse legítimo na substituição, nem a idoneidade da garantia apresentada em substituição, o prejuízo para o credor tributário tem de ser interpretado à luz dos princípios que enformam a actividade administrativa, designadamente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público com respeito pela protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da proporcionalidade [cf. art. 266.º, da Constituição da República Portuguesa, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e arts. 3.º, 4.º e 7.º, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)].
Aliás, como também bem salientou a sentença recorrida, o legislador não desconhecia os riscos de mercado associados à hipoteca, na eventualidade de esta haver de executar-se, nem sequer a sua menor liquidez quando comparada, v.g., à garantia bancária. Tais características da hipoteca não o impediram de fazer constar esse meio de prestar garantia do rol do art. 199.º do CPPT, como um exemplo de garantia admissível em processo de execução fiscal. Ponto é que a mesma seja idónea, ou seja, suficiente e adequada para o fim em vista, de responder pelo efectivo cumprimento da dívida garantida.
Não será, pois, a circunstância de a hipoteca não assegurar o mesmo grau de liquidez da garantia bancária, o que o legislador por certo ponderou (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), que poderá impedir a substituição desta por aquela, como bem decidiu a sentença recorrida.
Quanto aos demais fundamentos invocados pelo órgão da execução fiscal para recusar a substituição da garantia prestada – quais sejam os de que a Executada poderá apresentar a hipoteca como garantia em futuras execuções que, atenta a natureza das dívidas exequendas, são previsíveis e de que, uma vez que sobre o prédio sobre o qual a Executada pretende seja constituída a hipoteca em substituição da garantia bancária, foi já constituída uma hipoteca que garante o pagamento da quantia exequenda e do acrescendo numa outra execução fiscal (com o n.º 3336201801032453), a correr termos do Serviço de Finanças de Lisboa 6, uma eventual decisão desfavorável à Executada no processo em que está a discutir a legalidade da dívida exequenda nos presentes autos, implicando a necessidade do órgão da execução fiscal executar a hipoteca, assim «afectando os interesses da Executada na suspensão do PEF 3336201801032453» – os motivos por que a sentença recorrida os desvalorizou colhem o nosso inteiro acordo.
Na verdade, mal se compreenderia que acontecimentos futuros e incertos pudessem ser erigidos em critério legal de aferição do prejuízo. Como bem ficou dito na sentença, «trata-se mais uma vez de um juízo de prognose, sem qualquer base legal que permita justificar a recusa da substituição da garantia prestada, uma vez que essa argumentação não integra o critério legal de aferição da idoneidade da garantia».
Acresce que, a circunstância de a AT admitir que seria aceite a hipoteca se apresentada como garantia em futura execução fiscal constitui um argumento claramente em desfavor da tese da Recorrente.
Finalmente, não podemos deixar de registar alguma perplexidade com a utilização pela Recorrente do argumento de que a aceitação da hipoteca na presente execução fiscal poderia redundar em prejuízo para a Executada na execução fiscal em que apresentou garantia por hipoteca sobe o mesmo imóvel. Por certo a Executada saberá melhor o que lhe convém e não pode a AT pretender tutelar os interesses da Executada para além dos quadros legais em que essa função lhe está cometida; muito menos poderá extrair dessa pretensa tutela argumentos desfavoráveis à pretensão da Executada.
Por tudo o que deixámos dito, entendemos que o recurso não pode ser provido com fundamento no invocado erro de julgamento.
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2.2.3 DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
A Recorrente sustenta, a título subsidiário, que sempre deveria manter-se o acto reclamado mediante a aplicação do princípio do aproveitamento do acto. Isto, porque a Recorrente entende que a «anulação do despacho [reclamado] não levará necessariamente à obrigatoriedade de aceitação da garantia oferecida em substituição, mas antes acarretará nova pronúncia pela AT quanto ao que veio solicitado» e, porque no requerimento de substituição a Executada não logrou «fundamentar a excepcionalidade nem o interesse legítimo, devendo [o requerimento] sempre ser indeferido por não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 7 do art. 52.º da LGT», ou seja, a seu ver, a «anulação do acto reclamado apenas levará – necessária e legalmente – a novo acto de recusa de substituição da garantia (ainda que com diferente fundamentação), mantendo se a garantia bancária prestada já».
É certo que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que, actualmente, está consagrado no n.º 5 do art. 163.º do CPA («5- Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do acto anulável não possa ser outro, por o acto ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo».) e que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei.
No entanto, salvo o devido respeito e desde logo, não é líquido que o despacho recorrido não se tenha ainda pronunciado sobre a excepcionalidade e sobre o interesse legítimo e, muito menos, se pode considerar assente que esses requisitos para a substituição da garantia prestada se não verificam.
Seja como for, o que seguramente não pode afirmar-se é que nova decisão a proferir sobre o requerimento não permita outra solução que não o indeferimento, que essa é a única solução admissível em face da lei. Como disse o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, «não resulta evidenciada a inevitabilidade da prática de acto de indeferimento do pedido de substituição da garantia prestada». Ora, só nessa situação se poderia manter o acto com fundamento no princípio do seu aproveitamento.
Por outro lado, não pode olvidar-se que, apesar de a lei fazer depender a aceitação da hipoteca como garantia da anuência do credor tributário, isso não o dispensa de fundamentar a sua recusa; pelo contrário, a maior liberdade de apreciação do pedido implica deveres acrescidos de fundamentação, reportados a elementos objectivos.
O recurso não pode, pois, ser provido com fundamento no aproveitamento do acto.
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2.2.4 DA DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
A Recorrente pede a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Tendo presente que a dispensa se refere apenas à taxa de justiça devida pelo presente recurso, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Ou seja, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso, apesar de as questões tratadas no recurso não se poderem considerar de complexidade inferior à média, porque sobre elas existe já jurisprudência deste Supremo Tribunal, podemos aí descortinar, como aventou o Procurador-Geral Adjunto no parecer transcrito em 1.5, a diminuição de complexidade que justifica a requerida dispensa, que será concedida com esse fundamento.

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2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Em sede de reclamação do acto do órgão da execução fiscal (art. 276.º do CPPT), se o acto sindicado tiver natureza administrativa, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do meio impugnatório.
II - A substituição da garantia prestada em ordem à suspensão da execução fiscal na pendência da discussão graciosa ou contenciosa da legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda é admitida excepcionalmente, quando o executado provar o interesse legítimo na substituição e dela não resultar prejuízo para o credor tributário (cf. art. 52.º, n.º 7, da LGT).
III - Não questionando o órgão da execução fiscal o interesse legítimo na substituição, nem a idoneidade da garantia apresentada em substituição, o prejuízo para o credor tributário tem de ser interpretado à luz dos princípios que enformam a actividade administrativa (designadamente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público com respeito pela protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da proporcionalidade, cf. art. 266.º, da CRP, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e arts. 3.º, 4.º e 7.º, do CPA).
IV - Assim, não pode aquele órgão recusar a substituição com o fundamento de que a garantia na modalidade já prestada lhe garante um grau de liquidez superior ao da garantia oferecida em substituição, que não constitui parâmetro legalmente relevante no juízo de aferição da idoneidade da garantia; nem sequer com o fundamento de que a exigência da sua concordância para a prestação da garantia na modalidade pretendida – hipoteca voluntária – o dispensa de fundamentar a sua recusa, pois, ao invés, a maior liberdade de apreciação do pedido implica deveres acrescidos de fundamentação, reportados a elementos objectivos.
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3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.