Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0838/17
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:COOPERATIVA
IMPOSTO DE SELO
CONTRATO
Sumário:Na vigência do n° 1 do art. 8° do Estatuo Fiscal Cooperativo, a isenção de Imposto de Selo ali prevista abrange os contratos que as cooperativas celebrarem quando o selo constitua seu encargo e não propriamente apenas o instrumento de formalização desses contratos.
Nº Convencional:JSTA000P23431
Nº do Documento:SA2201806200838
Data de Entrada:07/07/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO ..., CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença do TAF de Viseu, de 31/03/2017, que julgou procedente a impugnação deduzida pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ……… C.R.L. contra o indeferimento de reclamação sobre liquidação de imposto de selo, do ano de 2010, no valor de € 4.480,00.

1.2. Alegou para o efeito, terminando com as conclusões seguintes:
«A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação com a consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo - Verba 1.1 da Tabela Geral - devido pela aquisição onerosa de direitos reais sobre bem imóvel.
B. O fundamento da procedência da impugnação assenta no facto de o decisor ter considerado que a autora se encontra isenta, nos termos do art. 8° n° 1 do D.L. n° 85/98, de 16.12, do Imposto do Selo devido pela aludida aquisição onerosa, uma vez que, no entendimento do douto Tribunal a quo, a referida norma “… prevê contratos em geral sem qualquer restrição…” pelo que “…não permite excluir qualquer contrato...”.
C. Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do art. 8° n° 1 do D.L. n° 85/98, de 16.12 (Estatuto Fiscal Cooperativo).
D. Temos, portanto, que o julgador considerou que o âmbito de previsão normativa do art. 8° n° 1 do D.L. n° 85/98, de 16.12 comporta o Imposto de Selo devido pelo ato de aquisição de bem imóvel, isto é, pela substância do negócio jurídico que se traduz na transferência do direito de propriedade sobre um prédio, a favor de uma cooperativa.
E. Daí que o objeto do presente recurso consista, tão-somente, na justa interpretação do disposto no art. 8° n° 1 do Estatuto Fiscal Cooperativo, em termos de saber se o recorte desta norma inclui ou não o Imposto de Selo devido pelo ato (negócio) de aquisição de bem imóvel.
F. Na sentença em crise entendeu-se que sim, o que se nos afigura consubstanciar erro de julgamento.
G. Sob a epígrafe Imposto do Selo, é do seguinte teor o art. 8° do D.L. n° 85/98, de 16.12:


H. A sentença sob crítica entendeu que a norma vinda de aludir não exclui o contrato de aquisição, até porque, na parte final o legislador referiu-se aos “contratos que celebrarem”, não consignando nenhuma exceção.
I. Discordamos do assim doutamente decidido, desde logo porque o que o legislador verteu na norma em matéria de isenção de Imposto do Selo foi, em nossa opinião, bastante mais delimitado do que aquilo que à primeira vista pode parecer.
J. Debruçando-nos sobre o pomo da discórdia interpretativa, consideramos que toda a redação do n° 1 art. 8° do D.L. n° 85/98, de 16.12, aliás, bem como toda a construção do artigo, alude ao Imposto do Selo numa lógica puramente formal, ou seja, a isenção tem uma delimitação de mera forma, estritamente documental, em termos de abranger, apenas e só, a expressão documental do ato.
K. Ora, como sabido é, o Imposto do Selo incide sobre diversos atos e sobre variados documentos, existindo um elevado número de situações em que este imposto recai sobre o documento em si mesmo, o papel propriamente dito, e sobre o ato nele inscrito, o ato em substância descrito no documento, assim se verificando, cumulativamente, os pressupostos da incidência prevista nas duas referidas situações (ocorrência que o art. 22° n° 4 do CIS tentou mitigar).
L. Sublinhe-se que no art. 8° do D.L. n° 85/98, de 16.12 o legislador aludiu aos livros, aos documentos, aos papéis, a vários tipos de títulos, às letras, bem como aos contratos que as cooperativas celebrarem quando o imposto constitua seu encargo.
M. Deixando-se, como sempre sucede, assegurado o devido respeito, considera a Fazenda Pública que é juridicamente desacertada a interpretação de que a citada norma comporta o Imposto do Selo devido pela substância (de natureza, conteúdo e quantificativo variável) dos factos e negócios jurídicos plasmados nos documentos.
N. No entendimento da Fazenda Pública, o que a isenção abrange é, apenas, o documento propriamente dito, ou seja, o ato em si mesmo, isto é, o documento em causa (no caso, o Imposto de Selo devido pela outorga da escritura aquisitiva), e não a substância contratual, ou seja, o negócio de compra de um bem imóvel.
O. Por outras palavras, considera a Fazenda Pública que o âmbito do n° 1 do art. 8° do D.L. n° 85/98, de 16.12 se cinge ao instrumento documental e não ao negócio aquisitivo nele escrito.
P. Não pode, ainda, deixar de se sublinhar que o recorte normativo aqui pugnado pela Fazenda pública é o que se apresenta em maior coerência com o art. 6° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo igualmente o que melhor respeita o princípio da igualdade.
Q. De resto, não podemos deixar de enfatizar que a interpretação normativa feita na sentença sob recurso introduz uma intolerável e incompreensível distorção concorrencial em matéria de comércio jurídico de bens imóveis, o que certamente o legislador não terá desejado nem pretendido.
R. O erro de julgamento da decisão sob recurso radica, portanto, no facto de considerar que a isenção de Imposto do Selo prevista no n° 1 do art. 8° do Estatuto Fiscal Cooperativo, abrange a dimensão substancial do negócio e não apenas o respetivo ato documental.
S. Erro de julgamento que é de molde a impor o desaparecimento da ordem jurídica da sentença recorrida.»
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida.


1.3. Contra-alegando, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da ………., CRL sustenta, no essencial, que a recorrente carece de qualquer fundamento válido para a pretensão que formula, pelo que deve negar-se provimento ao recurso.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença do TAF de Viseu exarada a fls. 56 e seguintes, que julgou procedente a ação intentada contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão do ato de liquidação do imposto de selo, no valor de € 4.480,00 euros.
Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no n° 1 do artigo 8° do Dec.-Lei n° 85/98, de 16 de Dezembro, uma vez que a isenção ali prevista não abrange o negócio de aquisição do imóvel, mas apenas o ato documental. Ou seja, entende a Recorrente que a isenção prevista no Estatuto Fiscal Cooperativa abrange apenas “o imposto de selo devido pela outorga da escritura aquisitiva” e não “a substância contratual, ou seja, o negócio de compra de um bem imóvel”.
E termina pedindo a revogação da sentença.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente que em Junho de 2010 a recorrida adquiriu um imóvel em venda realizada em execução fiscal, na qual figurava como credora hipotecária e nessa medida beneficiado da isenção de IMT. Todavia a AT considerou devido imposto de selo pela aquisição, ao abrigo da verba 1.1 da TGIS, motivo pelo qual liquidou o valor de € 4.480,00, correspondente à incidência da taxa de 0.80 sobre o valor da compra (€ 560.000,00).
Mais se deu como assente que tendo sido apresentada reclamação graciosa pela Recorrida, que invocou beneficiar da isenção desse imposto, prevista no n° 1 do artigo 8° do Dec.-Lei n° 85/98, que aprovou o Estatuto Fiscal Cooperativo, foi a mesma indeferida, com o fundamento de que “a isenção de imposto de selo não abrange o selo devido pela aquisição onerosa de direito de propriedade ...».
Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo”, apoiando-se na doutrina do acórdão do TCA Sul de 30/04/2013, proc. 04457/11, que a citada norma de isenção do Estatuto Fiscal Cooperativo abrange qualquer contrato celebrado pela Recorrida em que o imposto deva ser por esta suportado, como é o caso dos autos, motivo pelo qual concluiu pela ilegalidade do ato de liquidação.
Dispõe o n° 1 do artigo 1° do Código do Imposto de selo: «- o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.» (Redacção dada pela Lei 3-B/2010 de 28/04).
Por sua vez a TGIS prevê na verba 1.1 a cobrança da taxa de 0,80 sobre o valor da aquisição de bens nos casos de “Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos”.
Dispunha o n° 1 do artigo 8° do EFC: «As cooperativas são isentas de imposto do selo sobre os livros de escrituração e demais documentos e papéis, bem como nos actos preparatórios e nos necessários à constituição, dissolução e liquidação, e ainda nos títulos de capital, títulos de investimento, obrigações ou outros títulos que emitirem, e nos contratos que celebrarem quando o selo constitua seu encargo» (sublinhados nossos).
Como costuma salientar a doutrina que se debruça sobre o imposto de selo, trata-se de “um imposto que incide sobre uma multiplicidade heterogénea de factos ou atos, sem um traço comum que lhes confira identidade” (cfr. José Maria Fernandes Pires, in “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2012, pág. 42).
Refere a este propósito o prof. Carlos Lobo [(1) In “O Novo Código do Imposto de Selo, Alguns aspectos iniciais de enquadramento”, C.T.F. 400, Out./Dez 2000, pág. 247 e segs.] que, «o fundamento tradicional do imposto de selo é normalmente associado à formalização dos atos jurídicos e ao papel desempenhado pelo Estado na respetiva autenticação. Nesta medida era visto como o preço do serviço prestado pelo Estado». Acrescenta o mesmo Autor que o imposto de selo evoluiu para «um imposto misto sobre determinadas despesas, documentos públicos ou particulares, e até atos não formalizados». E conclui o mesmo Autor que «o imposto de selo tende a afirmar-se como um imposto sobre as operações que, materializadas ou não e não atingidas por outra forma de tributação indirecta, constituam a revelação de rendimento ou riqueza».
No caso concreto dos autos estamos perante a questão de saber se a Recorrida beneficia ou não de isenção do imposto de selo que incidiu sobre a realização do contrato de aquisição de imóvel, ao abrigo do n° 1 do artigo 1° do CIS e verba 1.1 da respetiva Tabela Geral.
Não oferece dúvidas que estamos perante a “tributação de negócio jurídico sobre bem imóvel” que se revela complementar ou acessório do imposto sobre transmissão onerosa de bens imóveis (IMT). Como se alcança do n° 1 do artigo 2° do CIMT, «o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional».
Por outro lado a norma de isenção prevista no n° 1 do artigo 8° do EFC é bem explícita ao abranger o imposto incidente sobre os “contratos” e não propriamente sobre o instrumento de formalização do mesmo.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação da norma em causa, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação.
Afigura-se-nos, assim, que o recurso deve ser julgado improcedente.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
«A) A impugnante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …….., Cooperativa de responsabilidade limitada, no âmbito da execução fiscal n° 2542200901013726, mediante propostas em carta fechada, adquiriu, no início de junho de 2010 o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Almacave, Lamego, sob o artigo 3077 pelo preço de 560.000,00 €. Esta factualidade que não é controvertida, cfr. artigo 1° petição inicial (PI), 45 e 46 da contestação apresentada pela FP e vide o doc. nº 1 junto com a PI;
B) A impugnante, por ser credora da executada na referida execução derivada da concessão àquela de empréstimo garantido por hipoteca, apresentou reclamação de créditos e, por esse facto, na aquisição referida, beneficiou da isenção de IMT. Idem anterior (A FP no artigo 46 referiu que foi liquidado IMT mas tal, estamos seguros, deveu-se a lapso pois é contrariado pelo doc. nº 1 junto com a PI e artigo 8º do CIMT;
C) Mas, relativamente à aludida aquisição foi-lhe liquidado, e pagou em 02-06-2010, Imposto de Selo de 0.8% sobre o preço da aquisição, no valor de E. 4.480,00 €, vide doc. nº 2 junto com a PI e o demais admitido pelas Partes;
D) A Impugnante apresentou, em 2010-06-11, “pedido de revisão”, autuado como reclamação graciosa (RG), onde solicitou a revisão da liquidação e restituição da quantia liquidada, cfr. doc. nº 3 da PI a RG apensa;
E) Pedido indeferido por despacho de 2010-06-15 “… a isenção de imposto de selo não abrange o selo devido pela aquisição onerosa de direito de propriedade ... por não ter aplicabilidade, no presente caso, as disposições legais citadas…”, vide doc. nº 4 da PI e RG apensa;
F) Indeferimento notificado à Rec. em 2010-06-17, referindo-se na notificação que a Reclamante “podia apresentar recurso hierárquico… ou deduzir impugnação”, cfr. 1ª folha do doc. nº 4 e últimas fls. da RG;
O) A Impugnante, inconformada com o indeferimento, apresentou em 2010-06-25 a PI que deu origem aos presentes autos, vide carimbo aposto na primeira folha da PI, na parte superior direita.

3.1. A impugnante/recorrida adquiriu em Junho de 2010 um imóvel, em venda realizada em execução fiscal, na qual interveio como credora hipotecária. E apesar de, nessa medida, ter beneficiado da isenção de IMT, a AT considerou ser devido imposto de selo (IS) por tal aquisição, ao abrigo da referida verba 1.1 da TGIS, operando à recorrida a correspondente liquidação no montante de € 4.480,00, correspondente à incidência da taxa de 0.80 sobre o valor da compra (€ 560.000,00).
A impugnante deduziu, então, reclamação graciosa, alegando beneficiar da isenção desse imposto, conforme previsto no n° 1 do art. 8° do DL n° 85/98, que aprovou o Estatuto Fiscal Cooperativo. Reclamação que foi indeferida com fundamento em que «a isenção de imposto de selo não abrange o selo devido pela aquisição onerosa de direito de propriedade...».
No seguimento foi deduzida a presente impugnação.
E a sentença, apelando, além do mais, à fundamentação constante do acórdão do TCA Sul, de 30/4/2013, no proc. nº 04457/11, concluiu pela ilegalidade da liquidação em causa e julgou procedente a impugnação, considerando que a questionada norma de isenção (n° 1 do artigo 8° do Estatuto Fiscal Cooperativo - EFC) abrange qualquer contrato celebrado pelas cooperativas em que o imposto deva ser por estas suportado, como é o caso dos autos.

3.2. Discordando, a recorrente Fazenda Pública sustenta que a isenção prevista na referida norma não abrange o negócio de aquisição do imóvel, mas apenas o acto documental: a isenção abrangerá apenas “o imposto de selo devido pela outorga da escritura aquisitiva” e não “a substância contratual, ou seja, o negócio de compra de um bem imóvel”.
Vejamos, pois.

3.3. No que ora releva, dispunha o n° 1 do art. 8° do EFC: «As cooperativas são isentas de imposto do selo sobre os livros de escrituração e demais documentos e papéis, bem como nos actos preparatórios e nos necessários à constituição, dissolução e liquidação, e ainda nos títulos de capital, títulos de investimento, obrigações ou outros títulos que emitirem, e nos contratos que celebrarem quando o selo constitua seu encargo».
Por sua vez, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 1º do Código do Imposto de Selo (CIS) (redacção dada pela Lei nº 3-B/2010 de 28/04), este imposto incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral (TGIS), incluindo as transmissões gratuitas de bens, sendo que, relativamente à aquisição onerosa de bens, a verba 1.1 fixa a taxa de 0,8% sobre o respectivo valor.
O EFC veio a ser revogado pelo art. 147º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, encontrando-se, actualmente, os benefícios às cooperativas estabelecidos no art. 66º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), sendo que, no que se refere ao IS, o nº 12 do mesmo artigo dispõe agora que as cooperativas estão isentas de imposto do selo sobre os actos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo.

3.4. No caso, a impugnante/recorrida adquiriu em Junho de 2010 um imóvel em venda realizada em execução fiscal, na qual figurava como credora hipotecária. E apesar de, nessa medida, ter beneficiado da isenção de IMT, a AT considerou devido imposto de selo pela aquisição, ao abrigo da referida verba 1.1 da TGIS, operando à recorrida a correspondente liquidação no montante de € 4.480,00, correspondente à incidência da taxa de 0.80 sobre o valor da compra (€ 560.000,00).
A recorrida deduziu, então, reclamação graciosa, invocando beneficiar da isenção desse imposto, prevista no n° 1 do art. 8° do DL n° 85/98, que aprovou o Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), reclamação essa que foi indeferida, com fundamento em que “a isenção de imposto de selo não abrange o selo devido pela aquisição onerosa de direito de propriedade...».
E tendo desse indeferimento deduzido a presente impugnação, veio esta a ser julgada improcedente, considerando o tribunal “a quo”, apoiado na doutrina do acórdão do TCA Sul de 30/04/2013, proc. 04457/11, que a citada norma de isenção do EFC abrange qualquer contrato celebrado pela Recorrida em que o imposto deva ser por esta suportado, como é o caso dos autos, motivo pelo qual concluiu pela ilegalidade do ato de liquidação.

3.5. Incidindo o IS sobre as várias e distintas realidades especificadas na TGIS, há que ter em conta que, dada a natureza de cada uma delas, o imposto pode ser devido pelos documentos que titulam negócios (selo do documento - fixando a lei, neste caso e em regra, o respectivo valor tributável) ou pode ser devido pela celebração do próprio negócio, como acto jurídico (selo da operação - variando, neste caso, o imposto em função do valor do negócio), independentemente de existir, ou não, documento escrito, sendo que nos actos ou contratos da Verba 1.1. da TGIS, são sujeitos passivos do imposto os adquirentes dos bens imóveis (nº 3 do art. 2º do CISelo).
A este propósito, refere Carlos Lobo: (As Operações Financeiras no Imposto do Selo: Enquadramento Constitucional e Fiscal, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, nº 1, pp. 78 e 79.
Cfr., igualmente, Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª ed., 2016, pp. 453 ss.) «… para cada unidade tributação presente no Imposto de Selo importará efectuar uma ponderação do seu modelo próprio de tributação directamente decorrente da filosofia originária do tipo tributário em causa e, subsequentemente, torna-se necessário efectuar uma indagação de segundo grau à luz dos modelos comuns dos princípios e regras que sustentam um imposto compósito e compreensivo num modelo unificado.
Neste modelo e somente a título meramente exemplificativo, assistimos, no corpo unificado do Imposto de Selo, a um:
- imposto de registo relativo a transmissões onerosas de propriedade imobiliária, de trespasse ou direitos de exploração (verbas 1.1 e 27 da Tabela);
- imposto sobre sucessões e doações (verba 1.2 da Tabela);
- imposto de registo sobre documentos públicos ou particulares para efeitos de outorga de fé pública (verbas 3, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 20 da Tabela);
(...)»
Como se viu, o erro de julgamento imputado à sentença reconduz-se, no essencial, à questão de saber se a recorrida beneficia ou não de isenção do IS que incidiu sobre a realização do contrato de aquisição de imóvel (n° 1 do art. 1° do CIS e verba 1.1 da TGIS).
Afigura-se-nos, porém, que a sentença decidiu de acordo com a lei aplicável, não se descortinando, aliás, apoio legal, nem para a invocação do disposto no art. 6º do EBF (ou de eventual distorção concorrencial em matéria de comércio jurídico de bens imóveis), nem para a alegação interpretativa de que, por um lado, a citada norma do EFC comporta uma distinção entre a isenção quanto ao IS devido pela substância do negócio jurídico plasmado no documento (o acto que se traduz na transferência do direito de propriedade sobre o prédio) e a isenção quanto ao IS devido pela outorga da escritura (ou seja, pelo documento propriamente dito, rectius, pelo acto instrumental) bem como, por outro lado, de que só relativamente a este acto operará a isenção de imposto. Com efeito, independentemente de estarmos ou não perante “tributação de negócio jurídico sobre bem imóvel”, que se revela complementar ou acessória do IMT (este incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional (n° 1 do art. 2° do CIMT), a invocada norma de isenção (n° 1 do art. 8° do EFC) é bem explícita quanto à abrangência dessa isenção: isenção de imposto sobre os livros (...), bem como nos actos (...), e nos contratos que [as cooperativas] celebrarem quando o selo constitua seu encargo” e, como bem sublinha o MP, não propriamente apenas sobre o instrumento de formalização destes. Conclusão que parece, aliás, reforçada em face da actual redacção do nº 12 do art. 66º-A do EBF (isenção “... sobre os actos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens ...”).
Em suma, perante o exposto, improcedem as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 20 de Junho de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.