Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0870/15.8BEBRG
Data do Acordão:09/08/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
REVISÃO
Sumário:I - O artigo 43.º n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) encerra, determinantemente, a vontade do legislador de, no âmbito das garantias conferidas aos sujeitos passivos/responsáveis pelo pagamento de IMT, atribuir, a estes, iguais meios de defesa quer operem reclamação graciosa quer ajuízem impugnação judicial, cobrindo, excecionalmente, para a segunda, a eventualidade do aparecimento de novo, superveniente, fundamento (“qualquer ilegalidade”), suportado por documento ou sentença disponível fora do prazo normal de acionamento.
II - A comunicação (ao sujeito passivo/responsável) de isenção concedida em momento posterior ao do pagamento de IMT, consubstancia documento superveniente, para os efeitos do art. 43.º n.º 2 do CIMT.
III - Nota comum e transversal às vias de reação/ação, previstas no art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), encontra-se, nítida e objetivamente, na previsão, expressa, do prazo limite, máximo, de quatro anos, contados, também, por menção explícita da lei, da data da liquidação (“… após a liquidação”).
Nº Convencional:JSTA00071242
Nº do Documento:SA2202109080870/15
Data de Entrada:06/16/2021
Recorrente:A…………., S.A
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art: 43.º do CIMT;
art. 78.º da LGT
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.



A………….., S.A., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, em 17 de novembro de 2020, que julgou totalmente improcedente impugnação judicial, dirigida contra decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa, referente a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no montante de € 110.217,00.
A recorrente (rte) produziu alegação, onde conclui: «


A. A ora Recorrente, notificada do ato de decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa por si apresentado, referente a liquidação de IMT, por não concordar com a mesma, apresentou Impugnação Judicial contra o referido ato de indeferimento, a qual foi julgada improcedente por Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 17 de novembro de 2020.
B. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erros de julgamento ao ter determinado que: a) o pedido de Revisão Oficiosa efetuado pela Recorrente, e dirigido à Direção de Finanças de Braga, se revelava intempestivo; e que b) não ocorreu, in casu, a violação de determinados princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados, ao ser negado o direito ao reembolso do imposto (IMT) liquidado, incluindo o da igualdade de meios.
C. Desde logo, a Recorrente afirma e reitera que o Tribunal recorrido andou mal ao considerar que o pedido de revisão oficiosa foi intempestivo, pelas razões e fundamentos vertidos na douta Sentença.
D. Após a atribuição da isenção do IMT ao referido imóvel, a própria Autoridade Tributária poderia/deveria ter, oficiosamente, procedido à anulação da referida liquidação de imposto (IMT), e efetuado o respetivo reembolso.
E. A relevância da ocorrência de um facto superveniente é amplamente reconhecida pelo nosso direito, e no que a esta matéria em concreto respeita reconhecida no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IMT; Identicamente, o n.º 4 do artigo 70.º do CPPT também admite a apresentação da Reclamação Graciosa no prazo de 120 dias a contar da data do conhecimento que não tivesse sido possível invocar após a prática do ato tributário.
F. À ora Recorrente fora comunicado o reconhecimento de isenção total de IMT e IMI, por deliberação da Assembleia Municipal; assim, ocorreu, inequivocamente (e inelutavelmente, conforme referido na Sentença recorrida), um facto superveniente conforme previsto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IMT, tendo sido a partir dessa data que a Recorrente contou o prazo de 4 (quatro) anos para apresentar o pedido de revisão oficiosa da liquidação em crise.
G. Não se vislumbra como o Tribunal a quo conclui que o artigo 43.º, n.º 2 do Código do IMT se aplica a todos os meios de contencioso, inclusive o pedido de revisão oficiosa previsto na 1.ª parte, do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas que, por sua vez, já não se aplica ao pedido de revisão oficiosa previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
H. Não se concebe, nem se aceita, que o dispositivo do Código de IMT se aplique em determinados casos do pedido de revisão oficiosa, e noutros não, uma vez que tal seleção levada cabo pelo Tribunal a quo, não encontra qualquer correspondência legal, quer no Código de IMT, quer na própria LGT – termos em que se impõe concluir, sem margem para discussão, que o artigo 43.º do Código do IMT se aplica também ao pedido de revisão oficiosa, o que, em parte, foi inclusivamente admitido pelo Tribunal a quo.
I. Por outro lado, sabendo que a isenção aqui em causa foi expressamente reconhecida à Recorrente pela autarquia, após ter sido efetuado o pagamento do imposto (IMT), negar, agora, àquela o direito ao reembolso, com o fundamento exclusivo de intempestividade do meio de contencioso, significa estarmos perante uma posição que viola, claramente, os mais elementares princípios de direito, como o princípio da boa-fé, da legalidade e da justiça material.
J. Razões pelas quais, deverá a situação sub judice ser reapreciada por este douto Tribunal, concluindo pela necessidade de prevalecerem os princípios aqui invocados e determinando, a final, a total procedência do presente Recurso, e consequente revogação da Sentença, por vício de violação de lei.
K. Por dever de patrocínio e sem prejuízo do já exposto supra, refira-se ainda que a ora Recorrente reitera que estamos perante a violação do princípio da igualdade de meios que estão ao dispor do contribuinte e da Autoridade Tributária, para a garantia e prossecução dos seus interesses/fins.
L. Uma vez que o direito que assiste à Autoridade Tributária de liquidar tributos caduca, como regra geral, no prazo de 4 (quatro) anos após a verificação do facto tributário, razão pela qual é também esse o prazo de que o contribuinte dispõe para solicitar a revisão do ato a seu favor. Todavia, no caso específico do IMT esse prazo é de 8 (oito) anos, e não apenas de 4 (quatro) anos, em conformidade com o artigo 35.º do Código do IMT.
M. Neste sentido, e em manifesta divergência relativamente ao entendimento vertido na douta Sentença, no entender da Recorrente, a atribuição à Recorrente de um prazo mais curto (4 anos) do que aquele de que dispõe a Autoridade Tributária (8 anos) para liquidar o IMT, constitui uma violação do princípio da igualdade de meios, ínsito no princípio do Estado de Direito e, de resto, com assento na LGT.
N. Atendendo aos referidos princípios, deveria a Recorrente poder solicitar a revisão oficiosa da liquidação de IMT no mesmo prazo de que dispõe a Autoridade Tributária para liquidar o mesmo imposto, ou seja, deveria a Recorrente poder dispor de um prazo de 8 anos, desde a data da liquidação do imposto, para solicitar o pedido de revisão oficiosa.
O. Salvo o devido respeito, as necessidades de segurança jurídica no ordenamento jurídico e de “apaziguamento orçamental”, não podem, em caso algum, sobrepor-se às garantias dos contribuintes nas suas relações com a “máquina” de administração do Estado, que já pela sua natureza se encontra numa posição superior à dos administrados.
P. Por todo o exposto, considera a Recorrente ter demonstrado que lhe assiste plena razão, tendo o douto Tribunal a quo incorrido em diversos erros de julgamento na Sentença por si proferida, devendo esta ser revogada com todas as legais consequências, e nessa esteira, ser anulado o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferido pelo Chefe de Finanças de Vila Nova de Famalicão – 1.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao Recurso interposto pela ora Recorrente, por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença recorrida, com as legais consequências.»

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Não foram formalizadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.



Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «


Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse e bastantes para a decisão, os factos infra indicados:

1. A Impugnante, em 16-10-2008, adquiriu por escritura pública de compra e venda, o artigo inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ……. da freguesia de Lousado, concelho de Vila Nova de Famalicão – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

2. Tendo, para o efeito, em 10-10-2008, efectuado o pagamento de IMT, no valor de € 110.217,00, através do DUC com o registo n.º 160 208 027 774 103 – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

3. Em 15-07-2010, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão comunicou à Impugnante que, por deliberação da Assembleia Municipal de 25-06-2010, foi reconhecido o interesse municipal do projecto de investimento da Impugnante, na freguesia do Lousado, e que concedeu isenção total de IMT e IMI quanto aos prédios utilizados no referido projecto de investimento – facto não controvertido e conforme ao documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

4. Em 18-02-2014, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-2, o pedido de revisão oficiosa de fls. 6 do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
5. Em 06-11-2014 foi elaborada informação e emitido o projecto de despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-1, nos termos constantes de fls. 20 e 21 do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

6. Através do ofício n.º 7808, datado de 10-11-2014, remetido por carta registada, com o registo “RM962199935PT”, entregue em 11-11-2014, foi a sociedade Impugnante notificada para o exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de decisão referido no ponto anterior – cfr. fls. 26 a 28 do processo administrativo apenso;

7. A sociedade Impugnante não exerceu o direito de audição sobre o projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação - facto não controvertido e conforme à informação de fls. 29 do processo administrativo apenso;

8. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-2, datado de 02-12-2014, foi o pedido de revisão oficiosa identificado em 4) indeferido – cfr. fls 29 do processo administrativo apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido;

9. A sociedade Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento identificada no antecedente ponto em 04-12-2014 – cfr. fls. 31 a 33 do processo administrativo apenso;

10. A petição inicial dos presentes autos foi remetida a este Tribunal, via electrónica, em 03-03-2015 - cfr. fls. 1 do suporte electrónico dos autos.

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Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.»
***

A sentença, colocada sob crítica neste salvatério, em sede de fundamentação de direito, do julgamento que efetivou, colige o seguinte leque de argumentos: «

Nos presentes autos, vem peticionada a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Impugnante contra o acto de liquidação de IMT n.º 2008/292134, no montante de € 110.217,00, com a consequente anulação do acto de liquidação e reembolso dos valores suportados a esse título, acrescidos de juros legais (indemnizatórios).
Segundo a Impugnante, o n.º 2 do art.º 43º do CIMT, ao estabelecer que os prazos se contam a partir do conhecimento de facto superveniente é igualmente aplicável ao procedimento de revisão oficiosa da liquidação, e impõe que o prazo de 4 anos estabelecido no n.º 1 do art.º 78º da LGT inicie após o conhecimento daquele.
Sem prescindir, defende que o prazo de 4 anos estabelecido no art.º 78º da LGT, quando aplicado à revisão de liquidações de IMT, consubstancia uma violação do princípio da igualdade, atento o prazo de caducidade do direito à liquidação de 8 anos, consagrado no art.º 35º do CIMT.
Como tal, deve o contribuinte poder solicitar a revisão oficiosa da liquidação de IMT no mesmo prazo de que dispõe a Autoridade Tributária para liquidar o imposto.
Cumpre apreciar.
O regime de revisão do acto tributário previsto no art.º 78º da LGT, consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr. art.ºs. 70º e 102º, ambos do CPPT, e o Decreto-lei n.º 10/2011, de 20-01).
Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do art.º 78º, n.º 1, da LGT, o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no art.º 78º da LGT.
Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr. parte final do n.º 1, do art.º 78º), a injustiça grave ou notória (cfr. n.º 4, do art.º 78º) ou a duplicação de colecta (cfr. n.º 6, do art.º 78º, da LGT).
No caso, interessa-nos o n.º 1 do art.º 78º da LGT, por ser esse o normativo que fundamenta o despacho de indeferimento recorrido e, bem assim, a pretensão da Autora.
O qual preceitua que “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
Deve começar por dizer-se – como se afirmou no Acórdão do STA de 14-03-2012, processo n.º 01007/11, consultável em www.dgsi.pt – que a revisão oficiosa do acto tributário pode ser efectuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.
É o que resulta do disposto no artigo 78º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605).
No caso, porém, e conforme resulta da articulação dos pontos 1), 2) e 4) dos factos considerados provados, o pedido de revisão oficiosa da liquidação fora efectuado após o decurso do prazo de 4 anos preceituado no n.º 1 do art.º 78º da LGT – acto de liquidação de IMT a rever datado de Outubro de 2008 (escritura que lhe subjaz celebrada em 16-10-2008 e pagamento do imposto com data de 10-10-2008), e o pedido de revisão oficiosa da liquidação apresentado em 18-02-2014.
Razão pela qual entende a Impugnante ser aplicável i) o prazo de quatro anos estabelecido no n.º 1 do art.º 78º da LGT, a iniciar a partir do conhecimento do facto superveniente, no caso a deliberação de interesse municipal datada de 25-06-2010 e comunicada à Impugnante em 15-07-2010, [cfr. ponto 3) dos factos considerados provados] e, acaso assim não se entenda, ii) o prazo de 8 anos para a sua possibilidade de revisão, por ser esse o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT a rever.
Não se pode, porém, sufragar tal entendimento.
Em primeiro lugar, e embora resulte inelutável a superveniência da deliberação municipal a isentar de IMT o imóvel que subjaz à obrigação de IMT aqui impugnada, certo é que essa mesma superveniência apenas autorizaria a Impugnante, nos termos do n.º 2 do art.º 43º do CIMT, a sindicar, a partir de tal data, administrativa e/ou judicialmente a sobredita liquidação.
Isto é, mediante o conhecimento da deliberação municipal superveniente mostrar-se-ia autorizada a sindicância graciosa e/ou judicial do acto de liquidação desconforme com o documento superveniente.
Tudo a coberto do n.º 2 do art.º 43º do CIMT, a exemplo do que estabelece o n.º 4 do art.º 70º do CPPT, para a reclamação graciosa assente em documento ou sentença superveniente.
Como tal, mostrar-se-ia possibilitada a reclamação graciosa, a impugnação judicial, a revisão oficiosa prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT (assente em qualquer ilegalidade) e o pedido de constituição de tribunal arbitral, apresentados nos respectivos prazos legais a contar do conhecimento do documento ou sentença superveniente.
Já não assim quanto ao pedido de revisão assente no erro imputável aos serviços (cfr. parte final do n.º 1, do art.º 78º) e na injustiça grave ou notória (cfr. n.º 4, do art.º 78º), para o qual a lei estabelece o prazo máximo, respectivamente, de quatro anos após a liquidação e dos três anos posteriores ao do acto tributário.
Assim, em caso de se fundamentar em erro imputável aos serviços e/ou em injustiça grave ou notória determina a lei que o pedido de revisão do acto tributário seja efectuado no prazo limite, respectivamente, de quatro anos após a liquidação e nos três anos posteriores ao do acto tributário, independentemente da superveniência dos fundamentos apresentados, e que, sempre autorizariam a sua apresentação no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (…).
Com efeito, a intenção legislativa subjacente à fixação de um prazo limite para a possibilidade de revisão dos actos de liquidação assenta na necessidade de segurança jurídica e de evitar as perturbações que resultariam para os cofres do Estado de terem de devolver a todo o tempo qualquer imposto pago indevidamente.
Neste exacto sentido, veja-se o Acórdão do STA de 13-03-2013, recurso 01183/12, consultável em www.dgsi.pt.
Também assim o entendem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª edição, 2012, Editora Encontro da Escrita, a págs. 704, quando afirmam que “em vários códigos prevêem-se situações de revisão dos actos tributários a favor do contribuinte, com e sem fundamento em erro imputável aos serviços, bem como situações de restituição de tributos independentemente de anulação do acto tributário: art.º 103º do CIRC; art.º 47º do CIMT; art.º 50º do CIS; art.º 93º do CIRS; art.º 98º do CIVA; art.º 115º, nº 1, do CIMI. De qualquer forma, o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art.º 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.
Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de actos ilegais.
Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais”.
Perturbações essas que inexistem em caso de o imposto se mostrar por pagar, razão pela qual a lei estipula, em tais casos, a sua possibilidade de revisão a todo o tempo.
Este último parágrafo é relevante para se compreender a distinção entre o prazo quando o tributo estiver pago e não o estiver. É que estando o tributo pago, existe a limitação temporal de quatro anos para o pedido de revisão a fim de evitar perturbação aos cofres do Estado na restituição de impostos indevidamente pagos. Já no caso de não haver imposto pago, nenhuma insegurança ou perturbação existe para os cofres do Estado, pois o pedido de revisão apenas conduzirá, quando muito, à anulação do acto de liquidação”, vide Acórdão do STA de 13-03-2013, atrás citado.
Por outro lado, acaso fosse a intenção legislativa de fazer coincidir o prazo de revisão oficiosa da liquidação com o prazo de caducidade do direito à liquidação, bastaria fazer constar do n.º 1 do art.º 78º da LGT “no prazo de caducidade do direito à liquidação” ao invés do “prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”, sabendo o legislador da existência de prazos especiais de caducidade do direito à liquidação e, como tal, não coincidentes com o prazo normal de caducidade do direito à liquidação e com o prazo de 4 anos do pedido de revisão oficiosa da liquidação.
Nessa conformidade, será, ainda, de responder negativamente à possibilidade de lançar mão do pedido de revisão oficiosa da liquidação, previsto no art.º 78º da LGT, para além do prazo de quatro anos após a liquidação, ainda que o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto a rever seja de oito anos, como sucede com o acto de liquidação de IMT em causa nos autos.
E tal não constitui qualquer afronta ao princípio constitucional da igualdade, na exacta medida em que que se mostra justificado e ponderado, considerando as necessidades de segurança jurídica e de apaziguamento orçamental, o estabelecimento do prazo máximo para a revisão do acto tributário, rectius a fixação de limitações temporais para o lançar mão do pedido de revisão oficiosa da liquidação.
Falhando, desde logo, o pressuposto da diferenciação injustificada, impedida pelo princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.
Por outro lado, e se é certo que o prazo de caducidade do direito à liquidação, no caso de liquidação de IMT, se mostra alargado a oito anos, nos termos do art.º 35º do CIMT, em caso de documento ou sentença superveniente com data superior a tal prazo (9, 10, 11 anos), igualmente se mostrará possibilitada a sua sindicância graciosa e/ou judicial, nos termos do n.º 2 do art.º 43º do CIMT (circunstância que não raras vezes poderá ocorrer, pense-se no caso de anulação ou declaração judicial de nulidade do contrato do qual emerge a obrigação contributiva de IMT …), o que evidencia que a disparidade de prazos não beneficia, de modo unilateral, a Administração Fiscal – juízo de que a Impugnante faz depender a violação do princípio da igualdade.
(…). »

Compulsado este argumentário, desde já, podemos avançar a nossa concordância com o sentido das razões encontradas e manifestadas, para julgar improcedente a pretensão da impugnante, sem prejuízo de, também, de imediato, podermos reconhecer que este resultado, conforme com a lei, encerra uma consequência nada compreensível e aceitável/confortável, para quem pagou um tributo, de que, por decisão, posterior, de entidade administrativa competente, foi, totalmente, isentada.
Efetivamente, mostrando-se consensual a existência de um pedido (pelo sujeito passivo/impugnante) de revisão oficiosa do ato de liquidação/pagamento de IMT, identificado no ponto 2. dos factos provados, para cuja apresentação relevava o prazo de quatro anos, estabelecido no art. 78.º n.º 1 (parte final) da Lei Geral Tributária (LGT) (O versado pedido de revisão do ato tributário não ocorreu no “prazo de reclamação administrativa”, pelo que, embora a pedido do contribuinte/sujeito passivo, mostrando-se pago o tributo em causa, só, de acordo com este normativo, ficou disponível o prazo de quatro anos (“após a liquidação”).), a dissidência está e persiste, na questão de saber a partir de que momento/data se conta, in casu, tal quadriénio. Em particular, importa, nesta sede, avaliar da possibilidade de ser acolhida a pretensão, da rte, no sentido de que, nessa contagem, intervenha e opere o disposto no art. 43.º n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) (
« Artigo 43º
Legitimidade para reclamar ou impugnar
1 - Os sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar contra a respectiva liquidação, ou impugná-la, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 - Quando se invocar, como prova de um dos fundamentos alegados, documento ou sentença superveniente, os prazos contam-se desde a data em que se tornar possível obter o documento ou do trânsito em julgado da sentença. ») e, assim, casuisticamente, considerar que os disponíveis 4 anos se iniciaram na data (15.07.2010) em que lhe foi comunicada a concessão de isenção total de IMT … (ponto 3. dos factos provados).

Sem olvidar o precedente legislativo próximo do coligido art. 43.º n.º 2 do CIMT (O art. 151.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.), importa, na compreensão deste, ter presente que o documento ou sentença superveniente, referenciado/a, constitui um meio de prova de um novo fundamento para a reclamação (graciosa) ou a impugnação (judicial) [com vista à anulação total ou parcial dos atos tributários por iniciativa do contribuinte], sendo que, regra geral, tais veículos probatórios são admitidos, apenas, no âmbito da primeira das duas indicadas vias de reação (o procedimento de reclamação graciosa); como decorre, objetivamente, do art. 70.º n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Numa outra perspetiva, o normativo que nos ocupa encerra, determinantemente, a vontade do legislador de, no âmbito das garantias conferidas aos sujeitos passivos/responsáveis pelo pagamento de IMT, atribuir, a estes, iguais meios de defesa quer operem reclamação graciosa quer ajuízem impugnação judicial, cobrindo, excecionalmente, para a segunda, a eventualidade do aparecimento de novo, superveniente, fundamento (“qualquer ilegalidade (Art. 99.º do CPPT.)), suportado por documento ou sentença disponível fora do prazo normal de acionamento.
Nesta sequência, cumpre, ainda, assumir e deixar registado que, designadamente, a comunicação (ao sujeito passivo/responsável) de isenção concedida em momento posterior ao do pagamento de IMT, consubstancia documento superveniente, para os efeitos do art. 43.º n.º 2 do CIMT.

Posto isto, a primeira consequência, segura, indiscutível, emanante do exposto, é a de que, na posse de um documento do género do acabado de referenciar, o respetivo titular dispõe, a partir do momento/data da respetiva obtenção/entrega, dos prazos de 120 (cento e vinte) dias para reclamar do correspondente ato de liquidação/pagamento de IMT ou três meses para o impugnar. Será que, também, desde esse momento/data, usufrui do período de 4 (quatro) anos, para poder pedir a sua revisão oficiosa?

Estabelecendo o art. 42.º do CIMT, expressamente, que à revisão oficiosa da liquidação (de IMT) se aplica o disposto no artº 78.º da LGT, responder à questão vinda de formular implica, portanto, versar o âmbito/regime deste remetido dispositivo legal.
Com centralidade, do art. 78.º n.º 1 da LGT decorre que a revisão, dos atos tributários, por ação da entidade que os praticou, pode ter lugar:
- por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
- por iniciativa da administração tributária, nos quatro anos após a liquidação (tendo sido pago o tributo), com fundamento em erro imputável aos serviços.
Outrossim, a jurisprudência é, persistentemente, repetitiva da possibilidade, adjuvante destas duas, de, a pedido do contribuinte, formalizado dentro dos quatro anos seguintes ao momento da liquidação/ato a rever, poder ser realizada, pelo órgão competente da administração tributária, a revisão (oficiosa) dos atos tributários.
Ora, nota comum e transversal a estas vias de reação/ação, encontra-se, nítida e objetivamente, na previsão, expressa, do prazo limite, máximo, de quatro anos, contados, também, por menção explícita da lei, da data da liquidação (… após a liquidação”). Além do mais, esta inscrição, precisa, taxativa, dos elementos respeitantes ao prazo disponibilizado e ao momento do início da respetiva contagem, tem, para nós, a virtualidade de afirmação da vontade do legislador em que fossem/sejam esses (e não outros) os timings relevantes, mesmo estando em causa situações supervenientes, potencialmente, capazes de colocarem em causa a estrutura e consistência do ato tributário de apuramento do tributo (Tal como na sentença recorrida se dá nota, sem prejuízo do reconhecimento (por todos), no âmbito do direito tributário, do dever de revogação de atos ilegais, este não deixa de sofrer limitações, destacadamente temporais, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente, quando as receitas liquidadas foram arrecadadas. No caso do art. 78.º da LGT isto é particularmente notório, posta a previsão, explícita, da possibilidade de revisão dos atos tributários “a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago”.).
Obviamente e parece ser esse o raciocínio do tribunal recorrido (« …, mostrar-se-ia possibilitada a reclamação graciosa, a impugnação judicial, a revisão oficiosa prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT (assente em qualquer ilegalidade) e o pedido de constituição de tribunal arbitral, apresentados nos respectivos prazos legais a contar do conhecimento do documento ou sentença superveniente. » - cf. conclusões G. e H.), na situação sub judice, a rte, a partir da data em que lhe foi comunicada a isenção de IMT, isto é, após 15 de julho de 2010, por funcionamento do disposto no art. 43.º n.º 2 do CIMT, viu emergir, na sua esfera jurídica, um novo “prazo de reclamação administrativa (Por contraposição ao inicial, que se consumiu decorridos que foram 120 dias sobre o dia 10 de outubro de 2008.), ou seja, dispunha (no máximo (Ou de três meses, para impugnar judicialmente.)) de 120 dias para, querendo, apresentar procedimento de reclamação graciosa, contra a liquidação de IMT, emitida e paga em 10 de outubro de 2008, pelo que, alternativamente, no mesmo espectro temporal, a coberto do estatuído no art. 78.º n.º 1 (parte inicial) da LGT, podia ter solicitado a revisão (oficiosa) do mesmo ato tributário, com base na ilegalidade decorrente de não poder subsistir a liquidação de imposto, por ao sujeito passivo haver sido, a posteriori, concedida isenção do seu pagamento. Contudo, porque o prazo de quatro anos disponibilizado para se efetivar (por iniciativa da administração tributária) ou pedir a revisão do mesmo ato, com base em erro imputável aos serviços (ou qualquer ilegalidade), não resultou de tal comunicação (desta só resultaram, ex novo, os prazos legais para reclamar ou impugnar), mas, se iniciou após a data da liquidação (10 de outubro de 2008), é tautológico afirmar a respetiva ultrapassagem quando, em 18 de fevereiro de 2014, a, aqui, rte apresentou o versado pedido de revisão oficiosa – ponto 4. dos factos provados.
Em suma, a impugnante, apenas, podia (no máximo/prazo limite) ter requerido a revisão oficiosa do disputado ato de liquidação de IMT até, em princípio, 10 de outubro de 2012, pelo que, foi intempestiva a apresentação, acontecida em 18 de fevereiro de 2014, que os serviços competentes da administração tributária detetaram e decretaram, mediante as decisões de indeferimento reportadas nos pontos 5. A 8. dos factos assentes.
Registe-se que este entendimento, não obstante o reconhecimento (inicial) de que o resultado, ditado pela lei, encerra uma consequência nada compreensível e aceitável/confortável (para a rte), não “viola, claramente, os mais elementares princípios de direito, como o princípio da boa-fé, da legalidade e da justiça material”. Este desfecho, somente, é resultado de incúria por parte da impugnante, ao não aproveitar prazos acrescidos que teve para reclamar e impugnar o ato de liquidação de IMT, bem como, de uma errónea interpretação da lei (Cf. conclusão F., in fine.); sibi imputet.

Finalmente, não podemos acolher o entendimento afirmado (e reiterado) nas conclusões K. a N.
A concessão, pelo legislador, em cédula de IMT, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), de uma prazo (alargado) de 8 (oito) anos para liquidarem/cobrarem o imposto – art. 35.º n.º 1 do CIMT, doutro modo, a instituição de um tempo mais longo, do que o geral (4 anos (Artigo 45.º n.º 1 da LGT.)), para que ocorra a caducidade do direito à liquidação, radica, suporta-se, em razões específicas, determinadas pela conceção e funcionamento, privativos, do tributo em causa, capazes e idóneas, só por si, para afastarem qualquer resquício de violação do princípio da igualdade, desde logo, em relação a outros prazos, inferiores, de caducidade do direito a liquidar tributos, bem como, e por maioria de razão, por confronto com prazos previstos na lei, ainda que, para o exercício de direitos de reação, operação de garantias (procedimentais e/ou processuais) por parte dos contribuintes (sujeitos passivos ou responsáveis).
Aliás, in casu, paradoxalmente, a rte não deixa de aceitar, em primeira linha, que o prazo disponível para pedir a revisão oficiosa do ato de liquidação de IMT era o de 4 (quatro) anos, mas, contados da data em que lhe foi comunicada a concessão de isenção do imposto (e não do momento da liquidação/pagamento)…
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# III.

Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

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Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 8 de setembro de 2021

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Pelos Exmos. Senhores Conselheiros Pedro Nuno Pinto Vergueiro e Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia, na condição de 1.º e 2.º adjunto, respetivamente, foi transmitido, enquanto relator, a mim, Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra - artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.

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