Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01268/17
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22841
Nº do Documento:SA12018012501268
Data de Entrada:11/14/2017
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:B... SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………. e outros intentaram, no TAF de Coimbra, contra o Ministério do Ambiente, da Administração e Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e Ministério da Economia, acção administrativa especial, sob a forma de acção popular, pedindo (1) a anulação do despacho do Sr. Ministro do Ambiente, de 21/07/2006, que concedeu à B……….., S.A. (doravante B……….) a dispensa total do Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) para o projecto de co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) e (2) a declaração de nulidade ou anulação dos subsequentes actos de licenciamento à B……….. (Proc.º nº 347/07/BECBR e Proc.º nº 641/08BECBR – Apensados).

Indicaram como contra interessada a B……….

O TAF julgou a acção totalmente improcedente e o TCA Norte, para onde os Autores apelaram, concedeu provimento ao recurso anulando não só o despacho impugnado no processo principal como os actos censurados nos processos apensos.

Inconformada, a B………. interpôs recurso de revista para o STA e, tendo-lhe sido concedido provimento, foi declarada a desnecessidade da AIA e ordenada a baixa dos autos ao TCA para que aí se conhecessem as questões cuja apreciação tinha sido omitida.

E o TCA, após conhecer dessas questões, decidiu confirmar o Acórdão do Tribunal de 1.ª instância.
É desse Acórdão que os Autores vêm recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Os Autores impugnaram, no processo principal, o despacho n.º 16.447/2006, do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional - que dispensou o procedimento de AIA relativamente ao projecto da B………… para co-incinerar resíduos industriais perigosos na fábrica de Souselas - e, nos processos apensos, os actos que se lhe seguiram e que concederam à B……….. «as licenças ambiental, de instalação e de exploração para aquele efeito».
O TAF de Coimbra julgou tais pedidos totalmente improcedentes.
Mas o TCA-Norte, apesar de confirmar a pronúncia daquele Tribunal sobre alguns dos vícios arguidos no processo principal, considerou que inexistiam razões que justificassem a dispensa do procedimento de AIA pelo que, com esse fundamento, anulou não só o identificado despacho mas também os actos que se lhe seguiram. E, por causa disso, absteve-se de conhecer, por prejudicialidade, os outros vícios arguidos no TAF e reiterados no recurso de apelação.
Todavia, nem a B………. nem o Ministério do Ambiente se conformaram com esse julgamento pelo que dele interpuseram recursos de revista.
E o Acórdão que os conheceu - de 16/02/2017 (rec. 1001/16) cujo relato se vem seguindo de perto – afirmou que cumpria apenas apreciar os vícios cujo julgamento os Recorrentes reputavam de errado - designadamente se a dispensa da AIA pelo Ministério do Ambiente tinha fundamento legal – e que não lhe cabia conhecer dos vícios que não foram apreciados nem daqueles cuja resolução já havia transitado.
E analisando a crítica dirigida ao Acórdão do TCA concluiu que “o TCA procedeu a uma sindicância do acto que, atentos os poderes administrativos nele exercidos, lhe estava vedada. E esta certeza, trazendo de imediato a revogação do aresto, prejudica uma indagação detalhada – proposta pelo Ministério do Ambiente – quanto ao modo como o TCA efectuou esse inaceitável controle judicial.
E, afastada a causa de anulação que o TCA discerniu, os autos deverão regressar à 2.ª instância para aí se prosseguir na análise dos vícios cujo conhecimento ficara prejudicado.”
O que quer dizer que o Acórdão do STA considerou que se verificavam as «circunstâncias excepcionais» que justificavam a dispensa da AIA e que, sendo assim, caíam as razões que determinaram a revogação da decisão do TAF, pelo que restava conhecer dos vícios que o TCA não tinha apreciado. Todavia, tais vícios não podiam ser conhecidos neste STA o que determinou a remessa do processo ao Tribunal recorrido para que aí fossem analisados.

3. O TCA, procedendo a esse julgamento, decidiu confirmar a decisão do TAF, isto é, julgou totalmente improcedente a acção.
Para assim decidir começou por considerar que o Acórdão do TAF não era nulo por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo se pronunciou suficiente e adequadamente sobre as questões face às quais se impunha que se pronunciasse”, nem incorrera em erro no julgamento da matéria de facto, uma vez que esta “não sendo exaustiva se mostra, no entanto, suficiente para a decisão a proferir”, para depois lembrar que o “Tribunal a quo entendeu que os pressupostos previstos para a dispensa do procedimento de AIA foram cumpridos, independentemente do conteúdo da originária AIA, o que veio a ser confirmado pelo STA, ao definir tal ato como inserido na discricionariedade da Administração, sendo esta uma realidade nesta fase incontornável.”
Deste modo, prosseguiu apenas para conhecer dos vícios que os Recorrentes haviam invocado e que não tinham sido conhecidos pelo TCA. Tendo-se pronunciado sobre eles do seguinte modo:
- Os Recorrentes carecem de razão quando sustentam que, por força do disposto no DL 85/2005, de 28.04, a co-incineração só poderia ser adoptada se não existisse outra solução menos nociva para a saúde pública e para o meio ambiente já que, “independentemente das considerações que possam ser feitas relativamente ao modo como foi dispensada a AIA, o que é facto é que se mostra respeitada a tramitação prevista no diploma aplicável, nada obrigando a que sucessiva e previamente se vão esgotando outras soluções, o que sempre colidiria com a urgência em encontrar uma solução adequada, como resulta do despacho objeto de impugnação.”.
- E também não têm razão ao entenderem que o Acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 3.º e 4.º do DL 153/2003, de 11.07, desde logo porque este diploma não é aplicável à situação dos autos e, depois, porque “sendo a co-incineração destinada a RIP de produtos que não possam ser sujeitos a reciclagem, é suposto que aquela não comporte a co-incineração de produtos recicláveis, o que a verificar-se, constituiria uma violação efetivamente da hierarquia de operações de gestão de óleos usados.”
- Acresce que a decisão impugnada não violou os princípios da imparcialidade e da boa-fé uma vez que ficou por demonstrar os alegados erros do Parecer em que aquela se fundamentou, tendo-se os Recorrentes limitado a “fazer afirmações de teor conclusivo e ofensivo, diga-se, relativamente aos membros da comissão, sem que demonstrem o afirmado, sendo que os seus membros foram nomeados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.”
- E o acto impugnado também não era ilegal por o parecer da CCI ter recomendado que se proporcionasse às populações residentes nas imediações das cimenteiras uma vigilância epidemiológica activa que assegurasse a detecção precoce de qualquer problema de saúde, uma vez que ele “não antecipa necessariamente um qualquer manifesto e previsível risco para a saúde, mas antes visa prevenir a sua eventual ocorrência, o que é legítimo, adequado e aconselhável.”
- Não sendo verdade que “a natureza vinculativa do Parecer negativo, possa consubstanciar-se num “convite implícito à formulação de um parecer favorável à co-incineração”.
- Ademais, “não lograram os Recorrentes fazer prova que o facto do mandato dos membros da CCI poder caducar com a suspensão do processo de co-incineração, possa ter influenciado o sentido do Parecer emitido.”
- “Referem os Recorrentes que o DL nº 120/99 de 16.4 ao consagrar que “a qualidade de membro da Comissão e a perceção das respectivas remunerações não prejudicam o exercício de funções docentes em regime de exclusividade“ (art. 7º nº 2 ), subverterá os princípios inerentes ao exercício de funções públicas em regime de exclusividade. Mesmo que assim fosse … tal é uma questão sem consequências ao nível do que aqui é controvertido, que se for caso disso, terá de ser apreciado em sede diversa, sendo pois irrelevante para a apreciação, designadamente, da dispensa de AIA.”
- E também ficara por provar que a Ministra ……….. e os Presidentes dos Conselhos de Administração da B……….. e da C………. tivessem acordado, sem qualquer estudo científico prévio, a «eliminação, por incineração em fornos de cimento, dos resíduos industriais perigosos incineráveis». De resto, “o que importa aqui aferir é se os despachos objeto de impugnação se mostram proferidos nos termos legalmente estabelecidos, em face do que se mostra aqui irrelevante qualquer pretérito acordo de intenções.”
- Os Recorrentes criticam, ainda, o Acórdão recorrido por ele ter dado credibilidade a um Parecer com graves erros e tenham desvalorizado os Pareceres que apresentaram. Mas sem razão porque “A referenciação de outros Pareceres divergentes só se mostraria essencial se aqui se estivesse a discutir a bondade da opção de coincineração, o que não é o caso, pois que aqui apenas importa verificar se estão reunidos os pressupostos para que nova AIA fosse dispensada, situação ainda assim condicionada pelo entendimento do STA, segundo o qual tal opção se integrará na esfera discricionária da Administração.”
- Os Recorrentes entendem, também, que as conclusões do relatório do Grupo de Trabalho Médico deveriam ter sido integradas no probatório mas sem razão uma vez que, muito embora se reconheça que o referido relatório “foi realizado no âmbito da sua competência e discricionariedade própria, e não sendo patentes quaisquer erros que pudessem determinar a sua invalidade ou elaboração com base em pressupostos errados, não se vislumbra que devesse ser incluída na matéria de facto qualquer referenciação complementar quanto à origem da informação em que assentou tal relatório.”
- Os Recorrentes sustentam, ainda, que o Acórdão recorrido errou quando entendeu que a AIA podia ser dispensada sem, previamente, ter havido «audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses» afectados, por estar em causa o exercício de uma actividade com «impacto relevante no ambiente» e na «vida em geral das populações». Mas também não tinham razão porque a co-incineração, enquanto tal, foi sujeita a consulta pública.
- Finalmente, os Recorrentes também careciam de razão quando sustentavam que o autor do acto impugnado reconheceu que «muitos dos impactes negativos associados às substâncias perigosas são ainda desconhecidos e verificam-se a longo prazo», o que constituía um reconhecimento do risco para as populações da co-incineração de resíduos perigosos, o que aqui deveria ter conduzido à recusa da dispensa da Avaliação de Impacte Ambiental. Mas não tinham razão pois tal reconhecimento “nada tem a ver com aquilo que aqui se mostra controvertido, não colidindo, em qualquer caso, com os pressupostos em que a assentou a dispensa de AIA aqui em apreciação.”

4. É sabido que a matéria da incineração de certos resíduos industriais perigosos, como combustíveis para os fornos de fábricas de cimento, tem dado lugar a uma ampla discussão o que significa que se trata de um tema que não só interessa a todos os cidadãos como provoca paixões desencontradas. Por outro lado, tem suscitado grande controvérsia a utilização daqueles resíduos como combustível pelos riscos que essa utilização pode comportar.
Existe, assim, seguramente, uma relevância social da matéria em questão o que, por si só, justifica a admissão do recurso.
Além disso, vêm suscitadas no recurso questões jurídicas relevantes, de difícil resolução, as quais são susceptíveis de poderem colocar-se futuramente.
Acresce que, no caso, se coloca a questão da harmonização de diversa legislação o que, por vezes, suscita dificuldades jurídicas de complexa superação.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.