Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0414/14.9BEALM
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27128
Nº do Documento:SA2202102030414/14
Data de Entrada:01/11/2021
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………, Lda, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9 de julho de 2020, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra liquidações de IVA dos exercícios 2007, 2008 e 2009, no valor global de € 138.562,65.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. Por douto Acórdão proferido nos presentes autos, decidiu o Dign.º Tribunal Central Administrativo negar provimento ao recurso apresentado pela ora Recorrente.

B. Tem o presente recurso por pretensão uma nova análise sobre a aplicação do direito ao caso sub judice, sendo que o Recorrente entende que, não se verificam os pressupostos legais que determinaram as correções em causa e, por isso, se verifica uma ilegalidade da decisão administrativa, bem como, a Decisão Judicial ora recorrida não é justa, razoável, proporcional nem equitativa, nos termos e fundamentos infra melhor verificados.

C. Modestamente considera a ora Recorrente que a decisão administrativa carece de legalidade por preterição de formalidades legais, porquanto, quando a ora Recorrente foi notificada das liquidações subjacentes aos presentes autos, a mesma apresentou Reclamação Graciosa sobre as mesmas, tendo em vista a anulação total de tais liquidações.

D. E, nessa mesma Reclamação Graciosa cuidou e zelou a Impugnante, ora Recorrente, pela junção de prova testemunhal, por forma a demonstrar e comprovar junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, de todos esses mesmos factos alegados.

E. Contudo, a ATA não teve minimamente em consideração o requerimento probatório junto pela então Reclamante, ora Recorrente.

F. Motivo pelo qual, e de forma absolutamente facilitista, a mesma Autoridade Tributária não se esgrime em justificar uma qualquer improcedência de Recurso Hierárquico por falta de demonstração dos factos alegados pela Impugnante.

G. Com efeito, como poderia a ora Recorrente em sede de Reclamação Graciosa provar qualquer um dos factos por si alegados, se a ATA desconsiderou e repudiou o requerimento probatório junto com uma tal peça processual?

H. Aliás, a prova de factos negativos, como era o caso, seja, pela demonstração de não responsabilidade da Impugnante na contabilidade efectuada pela sua anterior TOC, é de extrema dificuldade e de demonstração, solicitando juízos valorativos complexos.

I. Contudo, um apartado para referir que essa mesma não produção de prova não se deveu a nenhum acto ou conduta levado a cabo pela aqui Recorrente,

J. Antes e apenas sim, a um claro e manifesta sonegação e desconsideração de toda a prova, oportuna, legítima e legalmente requerida junto da ATA pela ora Recorrente.

K. Deste modo, a ATA não cuidou de averiguar, verificar ou apurar dos factos alegados pela ora Recorrente e que no seu entender a possibilita de “beneficiar” de um tal instituto, não prosseguindo cabalmente as funções e competências para as quais deve exercer a respectiva actividade.

L. Absolutamente nada foi feito nesse sentido.

M. Tendo aquele organismo público, pura e simplesmente, ignorado a prova carreada e arrolada pela Impugnante, sonegando e obstruindo a respectiva produção.

N. Por todo o exposto, deverá uma tal decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem assim, da improcedência do Recurso Hierárquico apresentado, terem-se por ilegais, com todas as consequências daí advenientes, por violação dos artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 266.º, 268.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

Acresce que,

O. Caso assim não se entenda, o que salvo o devido e merecido respeito não se concede, mas por mero dever legal de patrocínio se acautela, importa desde logo reiterar que oportunamente a agora Recorrente nos autos supra identificados, exerceu o seu direito a apresentar a Reclamação Graciosa contra as Liquidações Adicionais de que foi notificada.

P. E exerceu esse direito, alegando factos concretos e requerendo a produção de prova relativamente à factualidade que lhe vinha imputada, na demonstração inequívoca dessa mesma factualidade pelo mesmo alegada.

Q. Contudo, e muito malogradamente, em momento algum a ATA se pronuncia quanto aos meios de prova invocados e requeridos pela agora Recorrente.

R. O que lhe foi, clara e manifestamente, “sonegada” a possibilidade de demonstrar e provar tal factualidade.

S. Motivo pelo qual, violou a ATA o princípio do inquisitório que sobre si impendia nos termos do disposto no artigo 99.º n.º 1 da LGT, bem assim, constata-se uma omissão das referidas diligências probatórias, contrário ao direito de produção de prova plasmado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade do artigo 266.º, n.º 2, da nossa Lei Fundamental.

T. Ora, atuando de um tal modo, seja, não analisando a situação concreta da agora Recorrente, nem tendo produzido qualquer prova requerido pelo mesmo, logicamente que o único cenário possível seria manter as impugnadas Liquidações adicionais, pela (implícita) não prova dos factos por si alegados.

U. Entendendo a aqui Recorrente que foi violado o artigo 99.º, n.º 1 da LGT, e ainda os artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 20.º, 266.º, 268.º, todos da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual deverá também ser revogada o douto Acórdão proferido e substituído por outro que reconheça a ilegalidade apontada, para todos os devidos e legais efeitos.

V. Entendendo-se que também neste apartado foram claramente violados os mais elementares direitos, liberdades, garantias e salvaguarda de defesa da Recorrente, em prol de um processo justo e equitativo, violando os princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica, da igualdade, da razoabilidade, da igualdade de armas (entre Administração e Administrado) e da proporcionalidade, nomeadamente previstos nos artigos 13.º, 18.º, 202.º, 202.º, 204.º, 266.º, 268.º da Constituição da República Portuguesa.

W. Não se aceitando, pois, a argumentação do Dign.º Tribunal Central, pois que, por tudo o exposto, claro resulta que a tributação em causa partiu de pressupostos errados, pressupostos esses que não vieram sequer a ser confirmados em sede de julgamento nestes autos.

X. Motivo pelo qual, tendo em conta todo o supra exposto, deverá este Dign.º Supremo Tribunal, numa primeira linha, reconhecer os vícios enunciados supra, com a consequente revogação da douta sentença aqui recorrida,

Y. E, a final, decidindo pela anulação total das liquidações oficiosas adicionais emitidas, ou caso ainda assim não se entenda, pela anulação parcial dessas mesmas liquidações, com todas as consequências legais daí advenientes, farão como sempre inteira justiça.

Z. Deste modo, e tendo em conta o exposto que a fundamentação vertida em sede de douto Acórdão Recorrido e que motivou o não provimento do Recurso apresentado, não se coaduna com a realidade subjacente à verificada nos presentes autos e no que à aqui Recorrente diz respeito, conforme supra se expôs.

AA. Termos em que, entende modestamente a ora Recorrente que devem ser anuladas as liquidações adicionais do IVA dos anos de 2007, 2008 e 2009 nos valores aí referidos, devendo, para o efeito, serem considerados todos os valores justificados e as correcções referidas pela Impugnante oportunamente reclamadas, e Impugnadas.

BB. Daí que, devam ser anuladas as liquidações adicionais de IVA, supra identificadas, relativamente aos anos de 2007, 2008 e 2009, por as mesmas terem única e simplesmente por base presunções que não se compadecem com a verdade material, tendo a IT liquidado imposto inexistente, conforme supra se expôs, violando assim os mais elementares direitos que se encontram subjacentes ao nosso sistema fiscal.

CC. Assim, e sempre com todo o devido e merecido respeito, entende modestamente a Recorrente que o Acórdão ora recorrido, viola, entre outros, os seguintes normativos legais:

- artigos 2.º, n.º 1, 5.º, 6.º, 7.º, 21.º, todos do RCPIT;

- artigos 8.º, 11.º, 55.º, 57.º, 58.º, 63.º, 74.º, 77.º, todos da LGT; e,

- artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 266.º, 268.º, todos da CRP.

DD. Pelo que, deverá ser a douta decisão judicial revogada por uma outra que conceda provimento à Impugnação Judicial apresentada e nessa medida que sejam anuladas as liquidações oficiosas emitidas em sede de IVA por referência aos anos de 2007 a 2009 para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra que julgue o presente Recurso procedente, por provado, para todos os devidos e legais efeitos, com o que V.as Ex.as julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que não lhe compete emitir parecer sobre a admissibilidade do recurso.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 11 a 33 da respectiva numeração autónoma).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -


5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

A recorrente interpõe o presente recurso de revista para melhor aplicação do direito, nos termos do art.º 285.º do CPPT, com ele pretendendo uma nova análise sobre a aplicação do direito ao caso sub judice (cfr. conclusão B) das suas alegações de recurso), não demonstrando, porém, que, in casu, se verificam os pressupostos de que depende a admissão desta, sequer porque entende que a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Ou seja, não cumpre minimamente o ónus que sobre si impende de alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a admissão de recurso de revista para o STA de acórdão do TCA, em princípio irrecorrível.
E não é evidente ou notória a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, que pressupõe, como supra recordámos, que o acórdão sindicado seja pouco consistente, contraditório, ostensivamente errado ou juridicamente insustentável, a reclamar a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para “melhor aplicação do direito”.
Escrutinando o acórdão sindicado, nada disto se verifica.
A fundamentação adoptada quanto à questão da legalidade das correcções – a única sindicável em sede de recurso de revista, pois que a questão da “ilegalidade da decisão administrativa” não foi conhecida pelo TCA e o “erro de julgamento quanto à matéria de facto” está excluído do âmbito do recurso de revista por expressa disposição legal (cfr. o n.º 4 do artigo 285.º do CPPT) –, revela-se consistente e perfeitamente plausível, nada tendo de particular que clame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para pôr termo a erro manifesto ou grosseiro, além de que, como o TCA bem acentuou, está intimamente relacionada com a questão da prova, insindicável nesta sede e que o TCA já resolveu definitivamente.
Assim, nada tendo a recorrente alegado quanto à verificação dos pressupostos de que depende a admissão da revista – os do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT –, e não estando igualmente dispensada de o fazer, porquanto não é notório que a questão que coloca se revista de importância jurídica ou social fundamental ou que a admissibilidade do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, o recurso não será admitido.

Assim, por não estarem demonstrados, e carecerem de demonstração, os pressupostos de que depende a admissão do recurso excepcional de revista, este não será admitido.

Em sentido idêntico, o Acórdão deste STA do passado dia 28 de outubro, processo n.º 1784/15.7BEALM, em que estava em causa o IRC adveniente de idênticas correcções, sendo de idêntico teor as alegações de recurso em ambos os processos (salvo quanto ao imposto em causa) e a decisão sindicada foi replicada nos presentes autos.


Pelo exposto se conclui pela não admissão da revista, em razão da não verificação dos respectivos pressupostos legais.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.