Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0190/07.1BELSB
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
MULTA CONTRATUAL
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão que revogou – sem refutar expressamente a tese ali defendida – decisão da primeira instância que anulou a decisão que aplicou uma multa contratual de valor superior a € 100.000,00 euros.
Nº Convencional:JSTA000P23753
Nº do Documento:SA1201810220190/07
Data de Entrada:10/02/2018
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)


1. Relatório

1.1. A………….. SA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul proferido em 24 de Maio de 2018, que revogou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, e julgou improcedente a acção por si intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 99.341,73 (multa contratual e juros de mora) e ainda a quantia de € 50.459,52 a título de prejuízos causados pelo atraso na execução da empreitada.

1.2. Fundamenta a admissão da revista por estarem em causa interesses públicos e sociais fundamentais.

1.3. O Estado Português, representado pelo MP, pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância julgou a acção parcialmente procedente, anulou a decisão que aplicou a multa contratual e, em consequência, condenou o Estado a pagar à autora o valor retido a título de multa contratual no montante de € 99.341,73 acrescido de juros de mora e absolver o Estado do pedido de condenação a pagar-lhe o montante de € 50.459,52 a título de prejuízos causados pelo atraso na execução da empreitada.

Considerou, no essencial, que a aplicação da multa “não tinha fundamento porque em 31 de Julho de 2006 todos os trabalhos contratuais estavam concluídos, com excepção da montagem da caldeira e dos depósitos. Mas tal só não ocorreu porque, está provado, que só em 1 de Setembro de 2006 foi aceite pelo dono da obra a solução de instalar dois depósitos de 200 litros S0 200 da Vulcano e não um de 220 litros como estava previsto (mas que era insuficiente para fornecer água quente aos balneários). Ou seja, aquele específico e concreto atraso na execução dos trabalhos é imputável ao dono da obra. Por outro lado, disse a sentença, está provado que quer antes de Julho, quer em Julho, quer em Agosto de 2006 pelo dono da obra foi solicitado ao empreiteiro a realização de trabalhos a mais, pelo que o empreiteiro tinha direito à prorrogação do prazo de execução da obra. Tal prorrogação foi solicitada em 27 de Julho de 2006, como consta do ponto 14 da acta de reunião da obra n.º 38 (reproduzida em M).

3.3. O TCA Sul afastou-se deste entendimento por entender que se está provado que, quer antes de Julho, quer em Julho, quer em Agosto de 2006, o dono da obra foi solicitando ao empreiteiro a realização de trabalhos a mais “a autora deveria ter requerido junto da ora recorrente a prorrogação do prazo da execução da obra, face ao estatuído no n.º 2 do art. 151º do Dec. Lei 59/99 (à data aplicável)”. Porém, conclui o TCA Sul, que o empreiteiro (ora recorrente) só pediu a prorrogação do prazo de execução em 15 de Setembro de 2006, sendo que esse pedido deveria ter sido formulado, pelo menos até 31 de Julho de 2006.

3.4. Como decorre do exposto a solução do caso depende, desde logo, da qualificação jurídica dos factos constantes do ponto 14 da acta n.º 38, transcrita na alínea M) da Matéria de facto. A primeira instância interpretou os dizeres desse ponto 14 – ocorrido em 27 de Julho de 2006 - como um pedido de prorrogação do prazo de execução dos trabalhos; o TCA Sul – embora sem uma referência expressa a esse ponto 14 – entendeu que só foi reformulado o pedido de prorrogação do prazo em 15 de Setembro.

A questão essencial é de qualificação jurídica dos dizeres constantes numa acta de obra, mais concretamente saber se tais dizeres podem ou não ser considerados como um pedido de prorrogação do prazo de execução da obra.

As instâncias divergiram, como vimos.

Todavia, o TCA Sul não abordou expressamente a interpretação do ponto 14 da acta 38 levada a cabo pela 1ª instância, não refutando, assim, concludentemente a tese ali defendida.

Está em causa um valor relevante, ou seja, mais de € 100.000.00 euros, tendo em conta os juros de mora.

Daí que, perante a divergência de entendimentos das instâncias, o valor significativo da multa contratual aplicada, e a ausência de refutação expressa da tese da primeira instância, julgamos que a revista deve ser admitida com vista a uma melhor e mais concludente interpretação e aplicação do Direito.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 22 de Outubro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.