Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/13.1BEAVR
Data do Acordão:03/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ILICITUDE
CULPA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão questão jurídica complexa, que envolve a realização de operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade, que mereceu resposta diametralmente divergente das instâncias, sendo que a solução firmada no acórdão recorrido mostra-se dubitativa e não isenta de dúvidas.
Nº Convencional:JSTA000P29188
Nº do Documento:SA1202203240957/13
Data de Entrada:03/08/2022
Recorrente:A............, UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:ADRA - ÁGUAS DA REGIÃO DE AVEIRO, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………, Unipessoal, Lda. [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista já que inconformada com o acórdão de 19.11.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1308/1361 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], proferido na presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, que concedeu provimento ao recurso deduzido pela ADRA - Águas da Região de Aveiro, SA [doravante R.] e que revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [doravante TAF/AVR] [que havia julgado «procedente a presente ação» e condenado a R. «no pagamento à A. da quantia de 20.316,44€, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a citação e até integral pagamento sobre a quantia de 20.000,00€»], julgando a ação totalmente improcedente.

2. Motiva a A. a necessidade de admissão do recurso de revista por si interposto [cfr. fls. 1371/1412] na relevância jurídica e social do objeto de dissídio [envolvendo questões relativas ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil da R., em especial da ilicitude, disciplinado pelo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas [RRCEEEP], anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12, em articulação, nomeadamente com o disposto no DL n.º 194/2009, de 20.08, no DL n.º 207/94, de 06.08, e no Decreto-Regulamentar n.º 23/95, de 23.08] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», justificado nos acometidos erros de julgamento em que terá incorrido o TCA/N no acórdão sob impugnação por infração, mormente, do disposto nos arts. 483.º e 486.º do Código Civil [CC], 01.º, 09.º e 10.º do RRCEEEP, 13.º, n.º 1, al. l), e 26.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 159/99, de 14.09, 53.º, n.º 3, al. a), e 64.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 169/99, de 18.09, 01.º, 02.º, 05.º, 59.º, 61.º, 63.º, 68.º, 69.º, 70.º e 79.º do DL n.º 194/2009, 114.º, n.º 1, 115.º, n.ºs 1 e 2, 118.º, n.º 2, 121.º, 146.º, 150.º, n.º 1, e 201.º do Decreto Regulamentar n.º 23/95, e 22.º da Constituição da República Portuguesa [CRP].

3. Foram produzidas pela R. contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1420/1431] nas quais pugna, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/AVR, considerando verificados in casu os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, decidiu julgar procedente a pretensão indemnizatória deduzida pela A., condenando a R. nos termos supra reproduzidos [cfr. fls. 1123/1163].

7. O TCA/N decidiu conceder provimento ao recurso deduzido pela R., considerando não preenchido o pressuposto da ilicitude, pelo que revogou a decisão do TAF/AVR, absolvendo a R. do pedido.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

10. E a relevância social fundamental ocorre, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

11. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

12. Presentes os termos com que se mostra colocada a quaestio juris ora objeto do recurso de revista e os juízos diametralmente opostos que na solução dada à mesma se mostram firmados pelas instâncias temos que ressalta evidenciada a sua complexidade jurídica que, aliás, já resultava indiciada no e pelo total antagonismo dos julgados, cientes de que a dilucidação da mesma envolve a realização de operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade, concatenando diversos regimes legais na e para a subsunção à concreta realidade factual em presença.

13. Impõe-se, assim, concluir pela existência de manifesto relevo jurídico e para cuja dilucidação importa a intervenção deste Supremo Tribunal, para além de que, prima facie, quanto aos aspetos dubitativos sinalizados os mesmos mostram-se igualmente carecidos de devida e aprofundada análise/ponderação, pois o juízo firmado pelo acórdão recorrido não está imune à dúvida, revelando-se necessária a admissão da revista tendente à dissipação das dúvidas que aquele juízo aporta.

14. Flui do exposto a necessária a intervenção deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 24 de março de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.