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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0683/20.5BELRA
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENHORA
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
HERDEIRO
HERANÇA INDIVISA
Sumário:I - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras "razões" ou "argumentos") que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei).
II - No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
III - A penhora consubstancia-se numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afectação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil).
IV - O herdeiro do responsável subsidiário falecido, contra quem revertera a execução fiscal originariamente instaurada contra sociedade comercial, responde pela dívida exequenda até ao limite das forças da herança, nos termos do artº.29, nº.2, da L.G.T., assim havendo que distinguir, para efeitos práticos, se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (cfr.artº.2071, do C.Civil).
V - A herança, antes de operar a partilha, constitui uma universalidade de direito ("universitas iuris") e património autónomo, face à inexistência, em relação aos bens constitutivos da mesma herança indivisa, de direitos subjectivos por parte dos chamados e enquanto ainda não aceitantes.
VI - A penhora de bens que integrem a herança, antes de operar a partilha, não configura a apreensão judicial de direito a bem concreto indiviso, mas antes, de penhora que só pode incidir sobre o direito do executado à herança indivisa, ou seja, sobre uma quota-ideal do património hereditário e nunca sobre algum ou alguns dos bens certos e determinados que compõem o património hereditário. É que até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança; cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da mesma e não a bens certos e determinados nesta integrados (cfr.artºs.1403, nº.2, e 1408, nº.1 e 2, do C.Civil, regime aplicável à herança jacente por força do artº.1404, do mesmo diploma). Com estes pressupostos, só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. Daí que tal penhora deva também ter em conta as regras constantes do artº.232, do C.P.P.T. (cfr.artº.743, do C.P.Civil), norma que consagra as formalidades próprias da apreensão de bens em comunhão, em compropriedade ou que integrem um património autónomo, como é o caso da herança antes de partilhada.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26942
Nº do Documento:SA2202012160683/20
Data de Entrada:12/02/2020
Recorrente:HERANÇA DE A...............
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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B………….., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de A…………., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Leiria, através da qual julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, pelo recorrente deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº.2100-2013/100285.6, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Tomar, reclamação essa visando acto de penhora de imóvel realizado no espaço do identificado processo executivo.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.71 a 82 do processo - numeração do SITAF) formulando as seguintes Conclusões:
a) A ora Recorrente, em sede de Reclamação de ato praticado por OEF, reclamou da penhora efetuada sobre um bem imóvel, ao abrigo do processo de execução fiscal n.º 2100201301002856, cuja quantia exequenda são € 284,56;
b) A notificação do ato de penhora incidiu, única e exclusivamente, ao abrigo desse processo, e não qualquer outro que corra termos contra a Recorrente, fosse “Apensos” ou “outros”;
c) Pelo que, foi com base nesse pressuposto [entre outros] e com aquela quantia exequenda, € 284,56, que a Recorrente reclamou da penhora efetuada sobre um bem imóvel, no valor de € 13.058,09;
d) Atente-se que, não tendo sido feita notificação de penhora ao abrigo de outros processos, e apenas deste, a Recorrente não pôde exercer, cabalmente, o seu direito de defesa, o que consubstancia uma nulidade que se invoca e se arguí;
e) Mas, sobre esta questão não se pronunciou o tribunal a quo;
f) Acresce que, atento o valor da quantia exequenda [€ 284,56], existindo, inclusive, um bem móvel sujeito a registo penhorado neste processo, é manifestamente abusiva, excessiva e desproporcional, a penhora efetuada pela AT, cuja declaração se invoca;
g) Nos termos do artigo 217.º CPPT, a penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido;
h) Verifica-se, assim a ilegalidade da extensão da penhora, que se invoca;
i) E, ainda, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias do de cujus é exclusivamente da herança, que constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros;
j) Contrariamente ao dito em sentença, só depois da partilha efectuada é que cada um dos herdeiros passa, em princípio, a responder pela quota-parte da dívida correspondente à proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098.º, n.º 1, do CC), com o limite das “forças da herança” (art. 2071.º do CC);
k) Não podendo abranger ou ser extensível ao património de qualquer um dos herdeiros do de cujus, obrigando-se à notificação daqueles para separar as meações;
l) Atente-se, nesse sentido, ao disposto nos artigos 2127.º e 1408.º, n.º 2 do CC, em que é aplicável ao caso de o herdeiro, não obstante a indivisão, dispor de determinado direito pertencente à herança;
m) Segundo estes normativos, a disposição ou oneração de parte especificada, sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia;
n) Pelo que, nos termos do disposto no artigo 219.º do CPPT, em primeiro lugar devem ser penhorados os bens sobre os quais incide o privilégio creditório especial, e, na sua insuficiência para o pagamento do imposto em falta poderá a Fazenda Pública penhorar a quota parte ideal e não a totalidade do bem;
o) Pelo que, contrariamente ao entendimento do douto tribunal a quo, entende-se que a penhora, é ilegal, por se tratar de um bem indiviso - Cfr. artigo 743.º e ss do CPC e artigo 239.º do CPPT;
p) Face ao exposto, a penhora que incida ou se estenda sobre o património de qualquer um dos herdeiros, é inadmissível, devendo assim ter sido decidido ao contrário da douta sentença recorrida, o que também se invoca.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.102 e seg. do processo - numeração do SITAF).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.53 e seg. do processo - numeração do SITAF):
A-Em 17/12/2002 foi registada na Conservatória do Registo Predial a favor de A……….. e mulher B……….., a doação do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1203, da freguesia de …………., constituído por parcela de terreno destinada à construção de pavilhão (cf. fls. 4 a 6 dos autos);
B-Em 16/02/2006 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial hipoteca voluntária sobre o imóvel identificado na alínea precedente a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ribatejo Norte, para garantia do capital de € 150.000,00 (cf. fls. 4 a 6 dos autos);
C-Em 05/06/2015 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial penhora sobre o imóvel identificado em A) a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ribatejo Norte e Tramagal, para garantia da quantia exequenda de € 114,171,39 (cf. fls. 4 a 6 dos autos);
D-Em 14/12/2017 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial penhora sobre o imóvel identificado em A) a favor da Fazenda Nacional, para garantia de cobrança da quantia exequenda de € 25.517,87, respeitante ao processo de execução fiscal nº 2020-2015/105462.7 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças do Entroncamento (cf. fls. 4 a 6 dos autos);
E-Em 04/03/2019 o Posto Territorial de Tomar da Guarda Nacional Republicana lavrou auto de apreensão de veículo automóvel com a matrícula …………, por solicitação do Serviço de Finanças de Tomar no âmbito de processos executivos (cf. doc. de fls. 17 dos autos);
F-Em 03/02/2020 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial penhora sobre o imóvel identificado em A) a favor da Fazenda Nacional, para garantia de cobrança da quantia exequenda de € 33.808,71, respeitante ao processo de execução fiscal nº.2100-2013/100285.6 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Tomar (cf. fls. 4 a 6 dos autos);
G-Em 19/08/2020 o Serviço de Finanças prestou informação onde consta, além do mais, o seguinte:
"Dos factos:





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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem outros factos nos autos cuja não prova seja relevante para a decisão da causa…".
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, que não foram impugnados, constantes dos presentes autos, conforme se refere a propósito de cada uma das alíneas do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal e, em consequência, manteve o acto de penhora objecto do processo (cfr.al.F) do probatório supra).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que a notificação do acto de penhora objecto da presente reclamação apenas identifica o processo de execução fiscal nº.2100-2013/100285.6, com a dívida exequenda € 284,56, e não qualquer apenso. Que não tendo sido realizada a notificação da penhora com a identificação de outros processos executivos, o apelante não pôde exercer, cabalmente, o seu direito de defesa, o que consubstancia uma nulidade. Que o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre tal matéria (cfr.conclusões b) a e) do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei) ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões. E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.514/12; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019; rec.3131/16.1BELRS; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/04/2020; rec.2145/12.5BEPRT).
"In casu", a sentença recorrida fez constar da matéria de facto provada que a penhora do imóvel em causa nos autos foi realizada, além do mais, no âmbito do processo de execução fiscal nº.2100-2013/100285.6 e apensos, assim visando a cobrança coerciva da dívida exequenda de € 33.808,71 (cfr.als.F) e G) do probatório), que não os alegados € 284,56. Mais se debruçou a sentença recorrida sobre a proporcionalidade do citado acto de apreensão judicial, concluindo pela legalidade do mesmo, dado não se revelar excessivo ou desproporcionado.
Ora, independentemente da bondade do assim decidido, questão que se subsume já ao exame de eventual erro de julgamento da decisão objecto do recurso, que não à nulidade por omissão de pronúncia, certo é que não se pode concluir pela existência da invalidade invocada.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este alicerce do recurso.
Mais defende o apelante, em síntese, que a responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias do "de cuius" é exclusivamente da herança, a qual constitui um património autónomo, e não de qualquer dos herdeiros. Que contrariamente ao entendimento da sentença recorrida, entende-se que a penhora é ilegal, visto incidir sobre um bem indiviso (cfr.conclusões i) a o) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/07/2018, proc.380/17.9BESNT; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28).
A penhora consubstancia-se numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afectação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/07/2018, proc. 380/17.9BESNT; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2011, pág.205 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1986, pág.97; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.581 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da matéria de facto deve, antes de mais, concluir-se que o imóvel objecto da penhora foi doado ao falecido A………, assim constituindo um bem próprio do mesmo, dado se encontrar casado com B…………. ao abrigo do regime supletivo de comunhão de adquiridos (cfr.al.A) do probatório; teor do documento junto a fls.11 e 12 do processo físico; artºs.1717 e 1722, nº.1, al.b), do C.Civil; Antunes Varela, Direito da Família, Livraria Petrony, 1987, pág.438; Guilherme de Oliveira e Outro, Manual de Direito da Família, Almedina, 2020, pág.229; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume IV, 1992, pág.422, em anotação ao artº.1722).
A reversão da execução fiscal nº.2100-2013/100285.6 e apensos contra o responsável subsidiário A…………, entretanto falecido, terá operado a sua transmissão ao abrigo do artº.29, nº.2, da L.G.T., para os herdeiros do mesmo (cfr.als.F) e G) do probatório).
Recorde-se que o herdeiro do responsável subsidiário falecido, contra quem revertera a execução fiscal originariamente instaurada contra sociedade comercial, responde pela dívida exequenda até ao limite das forças da herança, nos termos do artº.29, nº.2, da L.G.T., assim havendo que distinguir, para efeitos práticos, se a herança foi aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (cfr.artº.2071, do C.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/09/2009, rec.329/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/04/2018, proc.109/13.0BEBJA; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.264; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.69 e seg.).
Por outro lado, igualmente se deve vincar que a herança, antes de operar a partilha, constitui uma universalidade de direito ("universitas iuris") e património autónomo, face à inexistência, em relação aos bens constitutivos da mesma herança indivisa, de direitos subjectivos por parte dos chamados e enquanto ainda não aceitantes (cfr.José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, Coimbra Editora, 1987, pág.470 e seg.; Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Coimbra Editora, 1990, Volume II, pág.11 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume VI, 1998, pág.117 e seg., em anotação ao artº.2068).
"In casu", já no presente ano de 2020 verifica-se a penhora do imóvel e respectivo registo, acto de apreensão este que incide de forma concreta sobre o mesmo prédio, tudo conforme se retira das als.F) e G) do probatório, e do teor do documento junto a fls.11 e 12 do processo físico.
Ora, a penhora de bens que integrem a herança, antes de operar a partilha, não configura a apreensão judicial de direito a bem concreto indiviso, mas antes, de penhora que só pode incidir sobre o direito do executado à herança indivisa, ou seja, sobre uma quota-ideal do património hereditário e nunca sobre algum ou alguns dos bens certos e determinados que compõem o património hereditário. É que até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança; cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da mesma e não a bens certos e determinados nesta integrados (cfr.artºs.1403, nº.2, e 1408, nº.1 e 2, do C.Civil, regime aplicável à herança jacente por força do artº.1404, do mesmo diploma). Com estes pressupostos, só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. Daí que tal penhora deva também ter em conta as regras constantes do artº.232, do C.P.P.T. (cfr.artº.743, do C.P.Civil), norma que consagra as formalidades próprias da apreensão de bens em comunhão, em compropriedade ou que integrem um património autónomo, como é o caso da herança antes de partilhada, conforme mencionado acima (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/05/2013, rec.485/13; ac.S.T.A-2ª.Secção, 5/07/2017, rec.656/17; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/09/2017, rec.854/17; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.642 e seg.).
No caso "sub iudice", tendo sido penhorado um imóvel concreta e individualmente identificado, deve concluir-se que estamos perante apreensão judicial operada com desrespeito pelas apontadas formalidades legais. Está, portanto, em causa a penhora do direito e acção à indicada herança ilíquida e indivisa, mas que a. Fiscal circunscreveu e concretizou em determinado bem da herança, sendo que a lei o não permite.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, desnecessário se tornando o exame do último esteio da apelação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, MAIS ANULANDO O ACTO DE PENHORA OBJECTO DO PRESENTE PROCESSO (cfr.al.F) do probatório supra).
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Condena-se a entidade recorrida em custas, embora a dispensando do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, visto não ter contra-alegado.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.