Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0232/15.7BECRB 0207/17
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
DEPRECIAÇÃO DA MOEDA
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - Na tributação em IRS dos rendimentos das mais-valias no âmbito de actividades empresariais sujeitas ao regime simplificado de tributação não pode deixar de se ter em conta, para efeitos de determinar o valor de aquisição, os coeficientes de depreciação monetária.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Nº Convencional:JSTA000P23943
Nº do Documento:SA2201812120232/15
Data de Entrada:02/21/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 232/15.7 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo ( O Recorrente solicitou a correcção do requerimento de interposição de recurso, no qual tinha indicado como tribunal ad quem o Tribunal Central Administrativo Norte.) da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pelos acima identificados recorridos, anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que lhes foi efectuada com referência ao ano de 2010.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões ( Que constam de fls. 209 a 214, apresentadas na sequência de convite à sua correcção.) do seguinte teor:

«1- A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2010 e juros compensatórios, no valor total de € 42.380,40 (quarenta e dois mil trezentos e oitenta euros e quarenta cêntimos) nos autos acima identificados, por ter considerado inaplicável ao cálculo da mais valia, tributável em sede de categoria B, o número de anos contabilizado pelo Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, 17 anos a partir do ano de 1993, dado no seu entendimento tal ser aplicável apenas a anos posteriores à introdução do n.º 9 no artigo 31.º do Código do IRS, pela Lei 32-3/2002, de 30/12 (e muito menos aplicável a anos anteriores à consagração do regime simplificado de tributação, no qual a impugnante se encontrava enquadrada no ano em causa, pela Lei 30-G/2000, de 29/12).

2- A Representação da Fazenda Pública aceita este segmento da decisão, tal como já havia aceite as despesas de mediação imobiliária, comprovadas pela junção da factura no valor de € 16.200,00, em sede de contestação.

3- Considerou também a Mma. Juiz que no caso seriam de aplicar ao regime simplificado, em que encontrava enquadrada a Impugnante no exercício em causa, os coeficientes de desvalorização monetária que a Administração Tributária considerou serem apenas de aplicar em sede de IRS/rendimentos de categoria B, no regime de contabilidade organizada, pois não vislumbra qualquer razão para que deixem de aqui serem aplicados, uma vez que, quer em sede de mais-valias da categoria G (art. 50.º do CIRS na redacção então em vigor), quer em sede de IRC (art. 47.º, n.º 1 do CIRC na redacção de 2010) o legislador previa a aplicação dos mesmos, o mesmo sucedendo expressamente com o regime simplificado introduzido no CIRC com a Lei 2/2014 de 16.01 (art. 86.º-B, n.º 7 do CIRC).

4- Concluindo nos termos constantes do ponto 4.º supra.

5- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo”, entende esta Representação da Fazenda existir erro na aplicação do direito quanto à defendida aplicabilidade dos coeficientes de desvalorização monetária, ao cálculo de mais-valias em sede do regime simplificado de tributação de rendimentos empresariais (IRS), violando o disposto no art. 31.º, n.º 9 do CIRS, na redacção então em vigor e ao não admitir a divisibilidade dos actos tributários de liquidação em causa e a consequente anulação parcial dos mesmos, conforme jurisprudência do STA, de que é corolário o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido em 10/04/2013, no processo n.º 0298/12, de [que] citamos parcialmente o respectivo sumário:
I- O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
II- O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial”.

6- Com efeito, em primeiro lugar é entendimento desta Representação que não há aplicabilidade do coeficiente de desvalorização no cálculo de mais-valias, no regime simplificado de categoria B de IRS em vigor no exercício em causa (2010), isto por opção legislativa clara, ao não consagrar tal possibilidade no então art. 31.º do CIRS, tanto mais que foi necessário que tal aplicabilidade ficasse consagrada no novo regime criado com a Lei 2/2014, de 16.01, sem que, no entanto, fosse consagrado qualquer carácter interpretativo na mesma (art. 13.º, n.º 1 do Código Civil).

7- Pelo que face ao princípio da irretroactividade da aplicação da lei tributária (art. 12.º da LGT), não é possível aplicar aqui os coeficientes de desvalorização, não se conhecendo qualquer jurisprudência no sentido da aplicabilidade dos mesmos, nem esta é citada pela Mma. Juiz na douta sentença recorrida.

8- Em segundo lugar, discorda respeitosamente esta Representação da Fazenda Pública da decisão pela anulação total das liquidações impugnadas, tomada na douta sentença a quo, tanto mais que nesta se considera expressamente pouco antes, que “(…) também o valor do IRS devido será inferior”.

9- Ora, tendo em conta que, mesmo aceitando esta Representação da Fazenda Pública parte do decidido conforme exposto, existe um valor de IRS a pagar proveniente de mais-valia apurada em sede da categoria B (Regime simplificado de tributação), face ao disposto no art. 31.º do CIRS na redacção então em vigor, deveria ter-se sido decidido não pela anulação total das liquidações impugnadas, mas pela anulação parcial das mesmas, pois relativamente a parte delas não existe qualquer vício que as inquine.

10- Pelo que, face à divisibilidade do acto tributário, tanto por natureza como por definição legal, deve ocorrer tal anulação parcial pois a ilegalidade não afecta o acto no seu todo, mas apenas parcialmente, conforme o acórdão supra citado (anulação parcial que tem acolhimento legal no art. 100.º da LGT).

11- Não se ignora a existência de jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo, defendendo que em situações como a dos presentes autos, existe uma ilegalidade que inquina a totalidade do acto de liquidação, na medida em [que] a diminuição do valor de realização, influirá na taxa de imposto aplicável, implicando a prática de novo acto tributário, pelo que o tribunal não se pode substituir à Administração Tributária.

12- Anulação parcial essa, que apenas poderia suceder em caso de taxas fixas de carácter liberatório.

13- Com todo o respeito, não podemos concordar com tal entendimento jurisprudencial, nem o mesmo pode servir como fundamento para a decisão concreta. No caso concreto, estamos perante rendimentos apenas de categoria B a darem origem à tributação e com recurso a coeficientes de tributação fixos (regime simplificado de tributação), sendo parte da anulação parcial defendida pela AT resultante do facto de, só em sede da presente impugnação, a autora fazer prova de parte das despesas alegadamente suportadas com a mediação imobiliária.

14- Nem é líquido que a taxa aplicável, após anulação parcial, seja diferente da taxa aplicada na liquidação impugnada, tendo em conta os montantes em causa.

15- Tal como numa execução de sentença de uma anulação parcial por estarem em causa taxas liberatórias, há sempre uma intervenção a posteriori da AT, chame-se-lhe acerto ou liquidação.

16- Para além do mais, o entendimento em causa, conduz na prática a resultados que não foram com absoluta certeza os queridos pelo legislador constitucional e fiscal: bastará a um impugnante não documentar atempadamente montantes dedutíveis, fazê-lo apenas em sede de impugnação judicial, ser jurisprudencialmente impedida a divisibilidade e anulação parcial do acto e o mesmo favorecido, sem qualquer fundamento ou sentido relativamente a um sujeito passivo que cumpriu atempadamente as suas obrigações fiscais.

17- Em conclusão, discorda esta Representação da Fazenda Pública, com todo o respeito, da decisão de aplicabilidade dos coeficientes de desvalorização monetária, no cálculo da mais-valia imobiliária em causa, por inexistência de norma tributária que o permitisse, à data, e impossibilidade de aplicação retroactiva do regime de tributação simplificada criado pela Lei n.º 2/2014 de 16.01 (art. 86.º-B, n.º 7 do CIRC).

18- Discorda também esta Representação da Fazenda Pública da anulação total da liquidação de IRS do exercício de 2010 e da liquidação de juros compensatórios correspectiva impugnadas, defendendo que as mesmas apenas parcialmente devem ser anuladas, sendo o acto tributário em causa divisível e a nulidade apenas parcial, ao nível das despesas de mediação imobiliária desconsideradas e do número de anos de amortização mínima do imóvel considerados (17 ao invés de 7), não enfermando de qualquer outro vício.

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela inaplicabilidade dos coeficientes de correcção monetária, no cálculo da mais valia de categoria B (regime simplificado de tributação) da liquidação de IRS em causa e pela sua anulação parcial e da correspectiva liquidação de juros compensatórios, assim se fazendo JUSTIÇA».

1.3 Os Recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença.

1.4 O Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
«I- As questões a decidir.
O recorrente apresentou conclusões, em que após referir que aceita o entendimento tido quanto ao n.º 9 do art. 31.º do C.I.R.S. ser apenas aplicável a anos posteriores a 2002, bem como aceitar que há despesas de mediação mobiliária a considerar no valor de € 16.200, discorda do decidido quanto:
- à aplicação de coeficientes de desvalorização monetária;
- à não anulação parcial do acto tributário.
Afigura-se, pois, serem essas as questões a decidir no quadro da tributação de mais-valia que se insere no regime simplificado de tributação a que a impugnante se encontrava em 2010, vindo a exercer actividade como empresária individual desde 1972.
A propósito da primeira questão, defende-se no recurso interposto que a referida aplicação de coeficientes monetária não se encontra prevista no art. 31.º n.º 9 do C.I.R.S., razão pela qual não é de aplicar a mesma, entretanto apenas prevista apenas quanto às mais-valias que se inserem na categoria G e a partir da alteração dada ao art. 50.º do C.I.R.S., na redacção dada pela Lei 2/2014, de 16/1.
E a propósito da segunda questão, invoca-se ser de proceder à anulação parcial, fazendo aplicação do art. 100.º da L.G.T., de acordo com a jurisprudência do S.T.A.
E, assim, pede-se afinal que tal anulação seja decretada quanto aos 17 anos considerados para efeitos de aplicação das ditas quotas mínimas de amortização, “ao invés de 7”.
II- Quanto à aplicação de coeficientes de desvalorização monetária.
A recorrente, tendo alienado em 12-2-2010 o prédio afectado à actividade profissional que exerceu, e pela qual estava ultimamente sujeita ao regime simplificado operou a transferência do activo da empresa para o seu património particular, segundo o previsto no artigo 3.º n. 2 al. c) do C.I.R.S.
Sendo o regime simplificado, é o previsto no art. 31.º do C.I.R.S. que é ainda aplicável.
É no seu n.º 2 que resulta previsto em que termos é de proceder ainda ao apuramento do rendimento tributável.
Com efeito, nesta disposição prevê-se que quanto aos rendimentos que resultam da dita alienação (“restantes rendimentos” de sociedades de profissionais sujeitos a transparência fiscal) os mesmos sejam apurados pela aplicação do coeficiente de 0,70 aos restantes rendimentos sujeitos ao dito regime, previsto ainda no art. 6.º do C.I.R.C. quanto a sociedades sujeitas ao dito regime de transparência.
Assim, os ditos rendimentos são ainda apurados segundo as regras do C.I.R.C., ainda que numa infeliz técnica legislativa, estando a dita norma inserida no capítulo de isenções de entidades sujeitas a transparência fiscal – nesse sentido, Rui Duarte Morais, em Sobre o IRS, 3.ª ed., 2014, p. 212 e 214, citando o saudoso prof. Saldanha Sanches.
Afigura-se, pois, que no dito art. 31.º n.º 9 do C.I.R.S. quanto a serem ainda de aplicar “quotas mínimas de amortização, calculadas sobre o valor definitivo, se superior, considerado para efeitos de liquidação de I.M.T.” – redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 287/03, de 12/11, que até ao presente se mantém imutável –, tem um campo de aplicação mais restritivo.
Com efeito, esta disposição é apenas de entender quanto à previsão de aplicação de quotas mínimas de amortização, no caso de se apurar ainda um valor superior.
E é ainda no C.I.R.C. que é de procurar em que termos é ainda de proceder ao apuramento do rendimento tributável.
Ora, a ser assim, como me parece, do art. 47.º do C.I.R.C., na versão ao tempo aplicável, resulta legal ser ainda de proceder à correcção mediante os coeficientes de desvalorização monetária.
III- Quanto à questão da anulação parcial.
É certo que o S.T.A. tem entendido que, em geral, os actos de liquidação por definirem uma quantia são naturalmente divisíveis e podem ser anulados parcialmente.
Contudo, conforme Jorge Lopes de Sousa em C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª ed. 2012, p. 342, após citar a dita jurisprudência em nota 3, a anulação parcial apenas será de decretar quando a matéria colectável não seja ainda afectada por outra ilegalidade.
Ora, esta resulta não só quanto à não aplicação dos ditos coeficientes de desvalorização, conforme atrás referido foi, como quanto ao decidido com reflexo no n.º de anos a considerar para efeitos de aplicação das ditas quotas mínimas de amortização.
Afigura que, não tendo sido este último o único fundamento da decisão, os impugnantes não são de privar da possibilidade de discutir a legalidade do acto tributário que tem de ser praticado de acordo com o art. 100.º da L.G.T.
A entender-se desse modo, não será, pois, caso de se invalidar o decidido que julgou não poder manter-se na ordem jurídica o acto de tributação que foi praticado.
IV- Concluindo:
Segundo o regime simplificado, e sendo caso de transparência fiscal, são de aplicar quanto ao apuramento da matéria colectável as normas constantes do C.I.R.C., conforme decorre do previsto no art. 31.º n.º 2 do C.I.R.S. e não apenas o previsto no n.º 9 daquele art. 31.º do C.I.R.S.
Assim, e a quanto à aplicação dos coeficientes de actualização monetária, é de aplicar o previsto no art. 47.º do C.I.R.C.
Em face dos vários fundamentos de invalidade não é de decretar a anulação parcial do ato tributário, de acordo com o previsto no art. 100.º da L.G.T.
O recurso é de improceder».

1.5 Foi dada vista aos Conselheiros adjuntos.

1.6 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o Tribunal recorrido fez correcto julgamento i) quando considerou serem de aplicar os coeficientes de desvalorização monetária ao cálculo de mais-valias em sede do regime simplificado de tributação de rendimentos empresariais e ii) quando não restringiu a anulação da liquidação à parte do acto que considerou enfermar de ilegalidade.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A impugnante mulher foi empresária em nome individual de 10.03.1972 a 28.02.2010, na actividade de turismo no espaço rural, encontrando-se no ano de 2010 abrangida pelo Regime Simplificado de tributação em sede de IRS;
Acordo. cfr. igualmente “síntese cadastral - visão do contribuinte”, a fls. 1 do Processo Administrativo Tributário (PAT), em apenso.

2. Possuía afectado à sua actividade profissional um prédio urbano, designado por “………”, inscrito inicialmente na matriz predial urbana da freguesia de S. Pedro de Penaferrim sob o artigo 634, com o valor tributável de 54.568$00 (€ 272,18), que foi adquirido por si no estado civil de divorciada em 31.05.1989, pelo valor de 6.000.000$00 (€ 29.927,87);
Cfr. informação da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças do Porto e caderneta Predial do Artigo 634.º, a fls. 75 e 79/80 do PAT em apenso; cópia de certidão de escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Sintra, a fls. 10 e ss. dos autos, não impugnada.

3. Tal prédio foi posteriormente sujeito a obras de melhoramentos, o que levou à entrega de declaração Mod. 129 por parte da impugnante mulher em 26.05.1992, tendo os Serviços da Administração Tributária, em consequência, eliminado a matriz em que se encontrava inscrito, procedendo a nova inscrição matricial do prédio sob o artigo 6072 da freguesia de S. Pedro de Penaferrim (posterior artigo 7072, decorrente da reorganização administrativa de freguesias), e avaliado o mesmo em 07.10.1993, fixando o seu valor patrimonial tributário em € 140.062,45;
Cfr. alegado pelos Impugnantes, informação da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças do Porto e referida Mod. 129, onde consta igualmente a avaliação realizada naquela data, a fls. 75 e 81-83 do PAT em apenso.

4. Em 07.01.1993 foi emitido certificado da Direcção-Geral do Turismo por referência ao visado prédio, atestando que o mesmo se encontrava inserido na modalidade de turismo rural, possuindo seis quartos para alojamento turístico;
Cfr. documento n.º 4 junto pelos Impugnantes, a fls.14 dos autos, não impugnado.

5. Em 12.02.2010 a Impugnante mulher vendeu o visado prédio à Caixa Económica Montepio Geral, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de ..........., em Lisboa, pelo preço de € 270.000,00, declarando-se desde logo na visada escritura que «o negócio que titula esta escritura foi objecto de intervenção de mediador imobiliário “B……, Lda.”, licença 5166 da AMI»;
Cfr. documento de fls. 24 e ss. dos autos, não impugnado.

6. A visada mediadora imobiliária recebeu como comissão pela venda do visado imóvel, o valor de € 16.200,00, IVA incluído;
Cfr. factura a fls. 59 dos autos, não impugnada.

7. O valor patrimonial tributário do visado prédio era, no momento da venda aludida em 5., de € 202.060,21;
Cfr. consta da escritura pública de compra e venda a fls. 24 e ss. dos autos. Inexiste qualquer caderneta predial por referência àquele ano e prédio, quer nos autos, quer no PAT em apenso, sendo certo que a AF considerou para efeitos de mais-valias o valor da venda (€ 270.000,00), o que pressupõe que o VPT era, de facto, inferior.

8. Em 23.05.2011 os ora Impugnantes entregaram a declaração Mod. 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, acompanhada do Anexo A, onde foram declarados rendimentos Categoria A auferidos pela Impugnante mulher no valor de € 4.245,22, bem como do Anexo G;
Cfr. declaração a fls. 3 e ss. do PAT em apenso, bem como a fls. 28 e ss. dos autos.

9. No anexo G da referida declaração foi indicada a alienação do prédio urbano identificado em 2. e 3. em Novembro de 2010, pelo valor de € 270.000,00, a aquisição do mesmo em Maio de 1989 por € 140.702,19 e a existência de despesas e encargos no montante de € 17.614,42;
Cfr. declaração a fls. 3 e ss. do PAT em apenso, bem como a f 28 e ss. dos autos.

10. Tal declaração originou em 27.06.2011 a correspondente liquidação de IRS n.º 201154435873, sem valor a pagar ou devolver;
Cfr. demonstração de liquidação de IRS e print de aplicação informática da ATA referente às liquidações de IRS dos Impugnantes, respectivamente a fls. 7 e 2 do PAT em apenso.

11. Em 15.07.2014 foi elaborada uma informação por parte da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças do Porto, na qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:
«1.1.2- O imóvel em questão (“U-6072”):
1.1.2.1- Resultou de obras de melhoramento/reconstrução, efectuadas [também no âmbito/esfera jurídica, da mesma Actividade Empresarial, referida em 1.1.1, supra (acrescente-se)], numa casa antiga [artigo matricial urbano n.º 634, da já referida freguesia de S. Pedro de Penaferrim (note-se ainda que este antigo imóvel / artigo matricial, havia sido adquirido em 1989, também já no âmbito da mesma Actividade Empresarial. E na altura, acrescente-se ainda, classificado juntamente com os custos das referidas e posteriores obras, na Conta POC “44 - Imobilizações em Curso”)];
1.1.2.2- Foi matricialmente inscrito (“U-6072”), após as referidas obras (ver 1.1.2.1, supra) e com reporte à data da respectiva avaliação, isto é, com reporte a 1993-10-07 e pelo Valor Patrimonial (VP) de € 140.062,45 [note-se que este VP impõe-se (pelo menos na nossa perspectiva), como custo de aquisição, na medida em que, por um lado, é o único que se encontra documentalmente suportado (Matriz Predial e respectivo Mod. 129), por outro lado, é aquele que se nos afigura mais próximo (digamos assim) do disposto, tanto no n.º do Art. 31.º do CIRS, como no n.º 3 do Art. 46.º do mesmo código (CIRS)].
1.2- Consultado, mais uma vez, o sistema informático da AT, verificou-se que o casal em questão / referido em epígrafe:
1.2.1- Não declarou no respectivo “IRS/2010-Mod.3” [apresentado (pelo mesmo casal), em 2011-05-23 (Mod. 3/2010, aliás, actualmente vigente)], o rendimento (ou, mais concretamente, a Mais Valia), auferido(a) com a alienação em questão (ver 1.1.1 e respectivos sub-pontos, supra):
1.2.1.1- Não declarou no respectivo “IRS/2010-Mod.3” (passe a repetição), pelo menos no anexo adequado, ou seja, no competente Anexo 6, naturalmente (“Rendimentos da Cat. B Regime Simplificado”).
Nota 1: O Anexo G, erradamente apresentado pelo casal em questão (em apêndice ao “IRS/2010 - Mod. 3”, referido em 1.2.1, supra), é próprio para a declaração, de alienações onerosas de bens imóveis, mas de âmbito particular (digamos assim), ou seja, fora do âmbito das actividades empresarias e profissionais, às quais se refere, nomeadamente, o Art. 3.º do CIRS “Rendimentos da Cat. B” (situações / alienações (“particulares”) estas passe a repetição / insistência que manifestamente, não se enquadram no tipo de alienações (“empresariais”), em questão na presente informação).
2- Determinação das Mais Valias e dos Rendimentos Líquidos da Cat. B
2.1- Face ao que ficou anteriormente exposto, vão estes Serviços propor a alteração do conjunto dos rendimentos líquidos, nos termos previstos nos artigos 65.º e 66.º do código do IRS, considerando:
2.1.1- Mais Valias no montante de € 174.582,46, calculadas conforme indicações / cálculos infra - transcritos;
2.1.2- Mais Valias aquelas (passe a repetição), que por sua vez, dão origem a um Rendimento Líquido da Cat. B, no montante de € 122.207,72 (€ 174.582,46 x 0,73). [3 N.º 2 do Art. 31.º do CIRS]
Nota 2 [Cálculo da Mais Valia (IRS/2010 Cat. B Regime Simplificado)]:
Mais Valia Fiscal = Valor de Realização - (Valor de Aquisição - Amortizações);
Coeficiente de Correcção Monetária Apenas aplicável, em sede de IRS/Cat. B, no âmbito do Regime de Contabilidade Organizada;
Valor de Realização = € 270.000,00 (ver p.f. A.1, supra);
Valor de Aquisição = € 140.062,45 (ver p.f 1.1.2.2, supra);
Amortizações = (Valor de Aquisição Imputável ao Edifício) 4 [4 O valor dos terrenos não é objecto de qualquer depreciação / amortização (n.º 1, do Art. 10.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14/09)] x (N.º de Anos Sujeitos a Amortização) x (Taxa Anual Mínima de Amortização imputável ao Edifício) 5 [5 N.º 9 do Art. 31.º do CIRS];
Valor de Aquisição Imputável ao Edifício = € 140.062,45 x (1 - 0,25 6 [6 N.º 3 do Art. 10.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 de 14/09)]) = € 105.046,84;
N.º de Anos Sujeitos a Amortização = 17 7 [7 De 1993 (ano da inscrição matricial do prédio / ano de “aquisição”) a 2010 (ano de alienação do prédio) excluindo o ano de 1993 ou de 2010 (só conta um destes dois anos)];
Taxa Anual Mínima de Amortização Imputável ao Edifício = 0,05 8 [8 Código 2025 da Tabela I (“Taxas Genéricas”) do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14/09] / 2 9 [9 Alínea b) do n.º 2 do Art. 3.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14/09] = 0,025;
Amortizações = € 105.046,84 x 17 x 0,025 = €44.644,91;
Mais Valia Fiscal = € 270.000,00 - (€ 140.062,45 - € 44.644,91) = € 174.582,46.
3- Princípio da Colaboração
3.1- Tendo em conta as alterações propostas e no sentido do dever de colaboração, será de propor aos contribuintes para, nos termos do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e Ofício - Circulado n.º 20089 de 10.12.2003 da Direcção de Serviços do IRS, proceder à substituição da declaração Modelo 3 de IRS, apresentada nos termos do artigo 57.º do Código do IRS, no Serviço de Finanças da área do respectivo domicílio fiscal (ou via internet, através do sítio http://www.portaldasfinancas.gov.pt), no prazo que lhes é concedido, para o exercício do direito de audição, beneficiando da redução da respectiva coima que, nos termos dos artigos 29.º e 30.º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), lhes vier a ser aplicada, cessando aí a contagem dos respectivos juros compensatórios»;
Cfr. Informação da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças do Porto, a fls. 75 e ss. do PAT em apenso.

12. A qual mereceu despacho de concordância do Chefe daquela Divisão, no uso de competências subdelegadas, de 15.07.2014, tendo ainda ordenado a notificação dos ora contribuintes para exercício de direito de audição;
Cfr. despacho aposto na Informação da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças do Porto, a fls. 75 e ss. do PAT em apenso.

13. Foram enviadas duas notificações, a primeira em 18.07.2014 e a segunda em 04.08.2014, por correio postal registado, dirigidas aos ora Impugnantes para a morada “Rua ……, …., 4485-122 Fornelo”, para exercício do visado direito de audição, as quais vieram devolvidas com a indicação de “objecto não reclamado”;
Cfr. registos n.º RM747449961PT e RM747449989PT a fls. 64 a 68 e 70 a 73 do PAT em apenso.

14. Em 27.08.2014 o Chefe da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças do Porto, no uso de competências subdelegadas, apôs despacho de concordância em nova informação daquela Divisão, no sentido de conversão em definitivas as correcções propostas na informação aludida em 11;
Cfr. fls. 57 frente e verso do PAT em apenso.

15. Tendo-se procedido nessa mesma data à alteração do conjunto dos rendimentos líquidos no montante de € 122.207,72, como rendimentos da categoria B da ora Impugnante mulher e preenchida a declaração oficiosa/DC correspondente;
Cfr. DCU, Declaração oficiosa e nota de apuramentos/alterações de IRS a fls. 53-56 do PAT em apenso.

16. O que originou em 13.10.2014 a liquidação de IRS n.º 2014 55335068, no valor de € 37.527,54, e a liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 2199598, no valor de € 4.852,86, no valor global de € 42.380,40 a pagar até 26.11.2014;
Cfr. demonstração de liquidação de IRS e de acerto de contas a fls. 8 e 9 dos autos, print de aplicação informática da ATA referente às liquidações de IRS dos Impugnantes, demonstração de liquidação de IRS e demonstração de compensação a fls. 2, 15 e 16 do PAT em apenso.

17. Em 06.02.2015 os ora Impugnantes apresentaram declaração de substituição da declaração referida em 8., a qual foi convolada em reclamação graciosa por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Miranda do Corvo de 13.03.2015;
Trata-se da declaração n.º 0787-J0651-75 a fls. 31 e ss. dos autos e fls. 19 e ss. do PAT em apenso. Despacho de convolação a fls. 24 do PAT em apenso.

18. Em 17.03.2015 o Chefe daquele Serviço decidiu não ser de instaurar o procedimento de reclamação graciosa, uma vez que havia já sido apresentada a presente Impugnação;
Cfr. despacho aposto sobre informação da mesma data a fls. 25/26 do PAT em apenso.

19. A presente impugnação deu entrada em juízo no dia 26.02.2015.
Cfr. mensagem de correio electrónico, a fls. 3 e ss. dos autos».

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Recorrida mulher exerceu actividade empresarial entre 1972 e 2010, encontrando-se, neste último ano, enquadrada no regime simplificado de tributação. No ano de 2010 vendeu por € 270.000 – venda intermediada por uma agência imobiliária a quem aquela pagou uma comissão de € 16.200 – um prédio que adquiriu em 31 de Maio de 1989 por Esc. 6.000.000$00 (€ 29.927,87) e que tinha afectado à sua actividade empresarial.
Nesse prédio a ora Recorrida efectuou diversas obras de melhoramento, que levaram a que, em 1992, o mesmo fosse inscrito sob um novo artigo matricial e, na sequência de avaliação, foi-lhe fixado o valor patrimonial tributário (VPT) em € 140.062,45 que, em 2010, ascendia a € 202.060,21.
Quando da apresentação da declaração de rendimentos do ano de 2010 para efeitos de IRS, a ora Recorrida e o marido fizeram juntar o anexo G (mais-valias), dando conta da venda daquele prédio.
A AT, depois de notificar os Contribuintes para corrigirem a declaração, e porque estes não acederam a essa proposta dentro do prazo que para o efeito lhes foi concedido (Os Impugnantes não apresentaram com a declaração de rendimentos o anexo B, como se lhes impunha em face da actividade empresarial da Impugnante mulher, mas antes declararam as mais-valias no anexo G, ou seja, como se não respeitassem à actividade empresarial. Depois, apresentaram nova declaração de rendimentos, desta feita com o anexo B. Essa declaração, porque foi apresentada para além do termo do prazo para a substituição, foi convolada pela AT em reclamação graciosa, que não chegou a ser decidida porque, entretanto, foi apresentada a presente impugnação judicial e a AT, dando cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 111.º do CPPT, apensou aquela a esta.), corrigiu a declaração, tudo por considerar que as mais-valias se referem à actividade empresarial da Impugnante mulher.
Em consequência, procedeu à liquidação do imposto, sendo que, para efeito do cálculo da mais-valia resultante da referida alienação, que apurou em € 174.582,46, usou como valor de aquisição o VPT fixado em 1993 (data da inscrição matricial), ao qual aplicou a taxa mínima de amortização pelo período de 17 anos (entre a data de inscrição na matriz predial, em 1993, e a data da alienação, em 2010), e usou como valor de realização o preço declarado na escritura de compra e venda celebrada em 2010.
Os ora Recorridos impugnaram a liquidação. Começaram por discordar do facto de na liquidação se não ter levado em conta as despesas de mediação imobiliária suportadas para a venda do prédio, que computaram em € 17.614,52; depois, questionaram o cálculo do valor da mais-valia, que computaram em € 111.683,39.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou a impugnação judicial procedente. Considerou, em síntese:
i) que a AT, como aliás reconheceu a Fazenda Pública em sede de contestação, devia deduzir ao valor de aquisição – que é o VPT fixado aquando da inscrição do prédio na nova matriz, i.e., € 140.062,45 – o montante das despesas suportadas pela Impugnante com a mediação imobiliária em ordem à venda da prédio, que é de € 16.200, atento o disposto no n.º 2 do art. 46.º ( «As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição […]».) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aplicável ex vi da alínea c) do n.º 2 do art. 3.º ( Norma segundo a qual se consideram rendimentos sujeitos a imposto «As mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no n.º 1 do artigo 10.º, quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais».) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS);
ii) que, para efeitos do cálculo das mais-valias, devia deduzir-se ao valor de realização o valor das amortizações, às quotas mínimas, mas apenas para o ano de 2003 e seguintes, uma vez que foi apenas a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), através da introdução de um n.º 9 no art. 31.º do CIRS ( «Para efeitos do cálculo das mais-valias referidas na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º, são utilizadas as quotas mínimas de amortização, calculadas sobre o valor definitivo, se superior, considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».), que veio dispor no sentido de se considerarem as quotas mínimas de amortização na determinação das mais-valias obtidas no regime simplificado da tributação, o que significa que apenas podem ser “deduzidas” as quotas de amortização respeitantes a 7 anos – e não a 17 anos, como o fez a AT –, não podendo a aplicação dessas quotas ter lugar relativamente a anos anteriores àquele em que a referida norma entrou em vigor e, muito menos, em anos anteriores àquele em que foi consagrado o regime simplificado de tributação, introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro;
iii) que, para efeitos do cálculo das mais-valias, devia aplicar-se ao valor de aquisição os coeficientes de desvalorização monetária.
Em consequência, anulou a liquidação impugnada.
A Fazenda Pública recorreu da sentença para este Supremo Tribunal. Aceita expressamente a sentença no que se refere aos pontos acima descritos sob as alíneas i) e ii), mas discorda quanto ao ponto descrito sob a alínea iii), bem como discorda também do julgamento de anulação (total) da liquidação, sustentando que essa anulação não deve ser senão parcial.
Quanto à aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda, sustenta a Recorrente que, à data, essa aplicação em sede de IRS, rendimentos da categoria B, apenas estava prevista para o regime da contabilidade organizada e já não para o regime simplificado de tributação, opção que o legislador apenas veio a fazer no novo regime criado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (cfr. art. 86.º-B, n.º 7, do CIRC), o qual não pode ser aplicado retroactivamente (cfr. art. 12.º da Lei Geral Tributária) e ao qual não foi conferido carácter interpretativo (cfr. art. 13.º, n.º 1, do Código Civil).
Sustenta também que a sentença não deveria ter anulado totalmente a liquidação, mas antes se deveria ter quedado pela anulação parcial, como o permite a divisibilidade do acto tributário, tanto por natureza como por definição legal, uma vez que a ilegalidade não afecta o acto no seu todo, mas apenas parcialmente.
Tendo em conta o teor das alegações de recurso e respectivas conclusões, as questões que ora cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento:
i) quando considerou serem aplicáveis no cálculo das mais-valias no regime simplificado de tributação relativamente aos rendimentos da categoria B de IRS, relativamente ao ano de 2010, os coeficientes de desvalorização monetária (cfr. conclusões 1 a 7 e 17);
ii) quando decidiu pela anulação total da liquidação, ao invés de se ter quedado pela anulação parcial daquele acto (cfr. conclusões 1 a 6, 8 a 16 e 18).

2.2.2 DA APLICAÇÃO DOS COEFICIENTES DE DESVALORIZAÇÃO MONETÁRIA

Como dissemos acima, a sentença entendeu que no cálculo da mais-valia se impunha que a AT tivesse aplicado os coeficientes de desvalorização tributária. Para tanto, expendeu os seguintes considerandos:
«[…] também não podemos concordar com a não aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária, que a Administração Tributária considerou serem apenas de aplicar em sede de IRS/rendimentos de categoria B, no regime da contabilidade organizada. Na verdade, quer em sede de mais-valias da categoria G, sujeitas a IRS (cfr. art. 50.º do CIRS, na redacção então em vigor), quer em sede de IRC (art. 47.º, n.º 1, do CIRC, na redacção de 2010), o legislador previu a aplicação de tais coeficientes, o mesmo sucedendo expressamente com o regime simplificado que foi introduzido no CIRC com a Lei n.º 2/2014, de 16.01 (cfr. art. 86.º-B, n.º 7 do CIRC), não se vislumbrando qualquer razão para que, em sede de regime simplificado de IRS, tais coeficientes deixem de ser aplicados».
A Fazenda Pública insurge-se contra o entendimento adoptado na sentença, de que a AT deveria ter aplicado os coeficientes de desvalorização da moeda no cálculo da mais-valia. Sustenta que, à data, essa aplicação não estava prevista para a tributação das mais-valias no âmbito do regime simplificado e que só o passou a estar com a introdução do art. 87.º-B no CIRC, maxime o seu n.º 7, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, norma que não pode ser aplicada retroactivamente e à qual o legislador não atribuiu carácter interpretativo.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
A tributação das mais-valias sempre se revelou problemática, sendo que «[o] problema mais importante suscitado pelas mais-valias tem a ver com o facto de estas apenas darem origem a numerário quando os bens são vendidos, ou seja, quando as mais-valias são realizadas», motivo por que, para evitar que a necessidade de liquidez para pagamento do imposto obrigasse o contribuinte a ter de liquidar o bem, «os vários sistemas fiscais aplicam normalmente a teoria do rendimento incremento patrimonial, não como uma teoria do rendimento-acréscimo, mas como uma teoria do rendimento realizado» ( JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos na Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, pág. 91.). É o que acontece no nosso sistema fiscal, em que as mais-valias não realizadas (potenciais ou latentes) não concorrem para a formação do lucro tributável [cfr. art. 21, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção actual].
«A adopção do teste da realização levanta, porém, outro problema que se prende com o facto de a mais-valia, não obstante se ter produzido ao longo de vários anos, vir a ser tributada totalmente na ano da realização. Ora, isto pode implicar uma tributação especialmente gravosa no caso dos sistemas onde as taxas são progressivas// Outro inconveniente que surge respeita às mais-valias ilusórias ou meramente nominais, devidas à inflação. A aplicação de coeficientes de desvalorização da moeda tende, no entanto, a resolver o problema» ( Idem, pág. 92.).
No caso sub judice, este último inconveniente surge manifesto, atento o lapso de tempo decorrido entre a aquisição e a realização: 17 anos.
A fim de obviar à tributação de ganhos meramente nominais, há, pois, que atender à depreciação do valor da moeda. Assim, na tentativa de determinar qual o valor que, à data da realização, corresponde ao valor de aquisição, a lei (art. 50.º do CIRS, a que hoje corresponde o art. 47.º) determina que a este sejam aplicados os coeficientes de desvalorização, aprovados por portaria do Ministro das Finanças, que traduzem a depreciação monetária ocorrida no período que mediou entre a aquisição e a realização ou a afectação, quando este seja superior a 24 meses.
É certo que, como alega a Recorrente, à data a aplicação desses coeficientes não estava expressamente prevista para o regime simplificado. Mas não avança motivo algum que pudesse justificar um tão grave entorse à tributação das mais-valias. Salvo o devido respeito, seria absurdo pretender tributar como valorização do bem e suposto rendimento o montante que não resulta senão da desvalorização da moeda.
Como questiona e responde JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, quando aborda o tratamento dos rendimentos das mais-valias no âmbito de actividades empresariais sujeitas ao regime simplificado de tributação «[…] deverá ou não entrar-se em linha de conta, no cálculo dessas mais-valias, com o coeficiente de correcção monetária? A minha resposta é positiva, embora a lei, neste lugar, o não diga expressamente e talvez devesse dizê-lo, à semelhança do que fez para a amortização. A verdade, porém, é que a determinação da matéria tributável nesta categoria – e também, portanto, para as mais-valias a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º – é decalcada do sistema de determinação da matéria colectável do IRC e, nesse sistema, a correcção monetária está prevista no artigo 44.º do CIRC. Não há nenhuma razão para as mais-valias tributáveis nesta categoria a sujeitos passivos integrados em regime simplificado não sejam corrigidas pelo coeficiente de correcção tributária, pelo que, mesmo na ausência de referência legal, entendemos que se deve sempre considerar a correcção monetária, que faz assim parte do procedimento normal de determinação da matéria colectável das mais-valias integradas na categoria B» ( Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 189, nota de rodapé n.º 195.).
Acompanhamos integralmente estes considerandos, não podendo perder-se de vista que na tributação das mais-valias, qualquer que seja o regime da tributação, o que se pretende é tributar o rendimento resultante da valorização do bem e não ganhos meramente nominais.
Assim, a o recurso não merece provimento com este fundamento.

2.2.3 DA ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO

Sustenta também a Recorrente que a sentença se deveria ter ficado pela anulação parcial da liquidação impugnada, ao invés de ter anulado totalmente esse acto. Para tanto, começou por salientar que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a aceitar a anulação parcial da liquidação, em consequência da aceitação da natureza divisível do acto tributário e estabelecendo como critério para a anulação total ou parcial o de a ilegalidade afectar o acto tributário na sua totalidade ou só em parte. Depois, salientando que as ilegalidades que a sentença reconheceu na determinação da matéria tributável não afectam o acto na sua totalidade, mas apenas em parte, sendo inquestionável que, apesar do decidido, sempre será devido imposto pela mais-valia, entendeu que a sentença apenas deveria ter anulado parcialmente a liquidação impugnada, ao invés de a ter anulado totalmente.
A questão não é nova neste Supremo Tribunal, onde se tem colocado com frequência.
Sobre a mesma, ficou dito no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 10 de Abril de 2013 no processo n.º 298/12 ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/23388de46c670e8f80257b59004a34b1.):
«Diga-se, desde já, que independentemente de saber se a anulação parcial do acto sindicado é ou não a solução que se impõe em casos como o dos autos, a anulação meramente parcial não se consubstancia na prática, pelo tribunal, de qualquer acto tributário, razão pela qual carece de fundamento a invocação neste contexto do princípio da separação de poderes. A anulação parcial do acto tributário, em si mesma, nada tem de inédito ou de estranho, pois que como ainda recentemente reafirmou este Supremo Tribunal (cfr. Acórdão de 12 de Janeiro de 2012, rec. 965/10 [( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/42b9b25dc3f9b56c8025798f005c6f0f.)]), «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874 [( Publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2000
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32430.pdf), págs. 69 a 75, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a202bc1b392573da802568fc0039b121.)]; em 22/09/1999, no processo n.º 24101 [( Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Julho de 2002
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32230.pdf), págs. 3065 a 3070, com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c063c7cf270cd8ff802568fc003a0cb4.)]; em 16/05/2001, no processo n.º 25532 [( Publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Setembro de 2003
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2001/32220.pdf), págs. 1259 a 1263,com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d7899d81b611bde80256ad30052bece.)]; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02 [( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d4b6d2d45d1dc27b80256cfd0044cf1c.)]; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05 [( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e5ee2b207f40abbc80257093004b1b5c.)]; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10 [( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d96428dd47c20a118025781f003f56e3.)]), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs. [( Disponível em http://www.saldanhasanches.pt/pdf-3/2001,20-Fiscalidade,207-8,-2063-71.pdf.)], e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2.ª ed., pág. 397). Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.».
O critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado (como nos casos julgados por Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, rec. n.º 533/12 ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8a5b5c3914bb743980257a9f004c2462.), de 12 de Janeiro de 2011, rec. n.º 583/10 ( Ver nota 11 supra.) ou de 26 de Março de 2003, rec. 1973/02 ( Ver nota 9 supra.)) ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial».
Acompanhamos integralmente esta jurisprudência: se a ilegalidade que afecta o acto tributário o inquina no seu todo, não há que ponderar a possibilidade da decisão a proferir em sede de impugnação judicial anular o acto parcialmente; essa possibilidade só deve ser ponderada nos casos em que essa ilegalidade apenas afecta o acto impugnado em parte. Nestes casos, deve o tribunal aferir da possibilidade da anulação parcial da liquidação, pela qual, não substitui o acto impugnado por um outro acto da sua autoria (substituição que lhe está vedada pelo princípio da separação dos poderes), mas antes mantém aquele acto, mas apenas na parte não afectada; «este subsiste, só que parcialmente, continuando a ser o “título” no qual se funda a exigência do pagamento do imposto» ( Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 243.).
Regressando ao caso sub judice, verificamos que não há dúvida de existe um rendimento da categoria B sujeito a tributação pelo regime simplificado, proveniente da mais-valia resultante da venda do edifício que esteve afectado à actividade empresarial que a Recorrente mulher exercia em nome individual e que a esse rendimento deverá ser aplicado o coeficiente previsto no n.º 2 do art. 31.º do CIRS, na redacção em vigor à data, a fim de apurar o imposto devido. O que sucede é que, na sequência da impugnação judicial, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra considerou – e bem, de acordo com o julgamento a efectuar no presente recurso – que a determinação da matéria colectável enferma das seguintes ilegalidades: i) não dedução ao valor de realização dos encargos comprovados com a venda, do montante de € 16.200; ii) aplicação ao valor de aquisição das quotas mínimas de amortização ou depreciação ao longo de 17 anos, quando o deveriam ter sido apenas ao longo de 7 anos; iii) não aplicação ao valor de aquisição dos coeficientes de desvalorização monetária. Ou seja, as referidas ilegalidades não invalidam o acto no seu todo, a impor a sua total anulação total, mas apenas na quantificação da matéria colectável e na medida acima apontada, motivo por que se afigura mais curial a anulação meramente parcial.
Afigura-se-nos, pois, de harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que a sentença a proferir se deve limitar a anular a liquidação na parte afectada por essas ilegalidades, que a AT por certo não deixará de sanar quando, em execução de sentença, proceder ao acerto necessário para a reconstituição da legalidade (cfr. art. 100.º da LGT), ajustando o cálculo da matéria colectável em ordem a respeitar o julgado.
Nesta parte, o recurso será provido, revogando-se a sentença na parte em que anulou totalmente a liquidação e substituindo-a, nessa parte, pela decisão de anulação da liquidação apenas na parte afectada pelas referidas ilegalidades.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Na tributação em IRS dos rendimentos das mais-valias no âmbito de actividades empresariais sujeitas ao regime simplificado de tributação não pode deixar de se ter em conta, para efeitos de determinar o valor de aquisição, os coeficientes de depreciação monetária.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, mantendo a sentença recorrida, alterar apenas a consequência jurídica decretada que será apenas a de anulação da liquidação na parte afectada pelas ilegalidades julgadas verificadas.

Custas pelo Recorrente e pelos Recorridos (sem prejuízo, quanto a estes, do decidido quanto ao apoio judiciário), na proporção de 90% e 10%, respectivamente, e levando em conta que os Recorridos não pagam taxa de justiça neste Supremo Tribunal, uma vez que não contra-alegaram o recurso.


Lisboa, 12 de Dezembro de 2018. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Ascensão Lopes.