Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 036/16.0BEFUN |
Data do Acordão: | 12/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PAULO ANTUNES |
Descritores: | INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA |
Sumário: | Se a recorrente interpõe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo em que põe em causa o decidido quanto à exceção perentória de caducidade do direito de ação, invocando matéria relativa ao trânsito em julgado de decisão arbitral, põe em causa matéria de facto, bem como matéria estranha ao mérito da impugnação, de que resulta a incompetência em razão da hierarquia daquele tribunal, nos termos dos artigos 26.º do E.T.A.F. e 280.º n.º 1 do C.P.P.T., e a competência do Tribunal Central Administrativo Sul. |
Nº Convencional: | JSTA000P26929 |
Nº do Documento: | SA220201216036/16 |
Data de Entrada: | 07/21/2020 |
Recorrente: | A..................., S.A. (ZONA FRANCA DA MADEIRA) |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I.Relatório. I.1. A……………., S.A. – Zona Franca da Madeira, inconformada com a sentença proferida a 13-3-2020 no Tribunal Administrativo e Funchal do Funchal, que julgou procedente a exceção peremptória de caducidade do direito de ação, absolvendo em consequência a Fazenda Pública do pedido vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em que apresentou alegações e conclusões, as quais, após, convite para sintetizar e clarificar as questões de constitucionalidade suscitadas, ficaram conforme a seguir se reproduzem: 1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial proposta pela Recorrente na sequência da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º 30.51, relativa ao ato de liquidação adicional de IRC n.º 2014 231001758, na parte correspondente à derrama regional; 2. O Douto Tribunal a quo concluiu pela extemporaneidade da impugnação judicial, tendo sentenciando que: (i) os tribunais arbitrais carecem de competência para conhecer da legalidade dos atos colocados em crise no litígio; (ii) a Recorrente ultrapassou o prazo de caducidade do direito de propositura da ação, verificando-se a exceção de caducidade do direito de ação, conducente à absolvição da Fazenda Pública do pedido (cfr. art. 576.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 3. Perante o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, entende a Recorrente enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento, pelo que requer a esse Douto Tribunal ad quem que diligencie pela sua anulação; 4. A questão objeto do presente recurso reporta-se assim à vinculação do Douto Tribunal ao quo ao sentenciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T, transitada em julgado, relativamente ao reinício da contagem do prazo de propositura da impugnação judicial acima identificada; 5. Entende o Douto Tribunal a quo que tal decisão arbitral, porquanto versa sobre o vício de incompetência absoluta, não produz efeitos fora do processo em que foi proferida, não relevando a reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial nela reconhecida ao abrigo do art. 24.º, n.º 3, do RJAT (cfr. art. 100.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 6. Tal entendimento bule com o princípio do respeito pelo caso julgado (cfr. arts. 580.º, 581.º, 619.º, 621.º e 625.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 7. A figura do caso julgado visa evitar que determinada questão venha a ser dirimida em termos distintos por diferentes tribunais, conferindo força obrigatória dentro e fora do respetivo processo a decisões que se pronunciem sobre a relação material controvertida (cfr. arts. 619.º e 621.º do CPC); 8. O legislador distingue os casos julgados formal e material: o primeiro possui eficácia intraprocessual (cfr. art. 619.º, n.º 1, do CPC); o segundo possui eficácia extraprocessual (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC); 9. A questão atinente à tempestividade sentenciada na decisão arbitral integra o role de questões abrangidas pela relação material do litígio, beneficiando por isso de eficácia extraprocessual; 10. Logo, tendo a decisão arbitral reconhecido o direito à propositura de impugnação judicial no prazo de três meses a contar da notificação da decisão arbitral, ao abrigo do art. 24.º, n.º 3, do RJAT, não poderá outro tribunal refutar esse direito, sob pena de preterição do caso julgado material já formado; 11. Padece assim a sentença recorrida de erro de julgamento, com fundamento na preterição do caso julgado material formado aquando do trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T, na parte respeitante ao reinício da contagem do prazo de propositura de ação judicial por força da aplicação do art. 24.º, n.º 3, do RJAT (cfr. art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 12. Acresce que, contrariamente à posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo, não se reputa aplicável à presente situação o regime ínsito no art. 100.º do CPC, no sentido de obstar a que o sentenciado na aludida decisão arbitral releve no âmbito dos presentes autos; 13. Neste contexto cumpre ter presente que a aludida decisão arbitral se divide em dois segmentos decisórios: (i) o primeiro reportado à incompetência do tribunal arbitral (cfr. arts. 4.º do RJAT e 1.º da Portaria de Vinculação); (ii) o segundo atinente ao preenchimento dos pressupostos da reabertura do prazo de propositura de nova ação judicial (cfr. art. 24.º, n.º 3, do RJAT); 14. Quanto ao primeiro não se verifica a violação do caso julgado formado, porquanto não existe discordância entre a sentença recorrida e a decisão arbitral, tendo o Douto Tribunal a quo reconhecido que “(…) a apreciação do litígio “sub judice” não se incluía na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, conforme foi decidido na decisão arbitral junta aos autos”; 15. Dado que a dissonância entre as decisões se reporta apenas ao segundo segmento decisório – relativo à reabertura do prazo de propositura da ação e, concomitantemente, à tempestividade da petição de impugnação apresentada, à luz do art. 24.º, n.º 3, do RJAT –, não se mostra aplicável o art. 100.º do CPC; 16. Isto porque a questão de caducidade do direito de ação não constitui uma questão de competência; 17. Nessa medida, mostra-se antes aplicável o regime-regra previsto no art. 619.º do CPC, de onde decorre que o referido segmento decisório (relativo ao reinício da contagem do prazo de propositura de ação) reveste a força de caso julgado material, pelo que se impunha a sua aceitação pelo Douto Tribunal a quo; 18. Mesmo que assim não se entendesse – o que só por cautela de patrocínio se admite, sem, no entanto, conceder –, a eventual subsunção desta matéria a uma questão de (in)competência sempre configuraria uma situação de incompetência relativa, insuscetível de subsunção no art. 100.º do CPC, circunscrito a situações de incompetência absoluta; 19. Com efeito, não está em causa nos autos uma questão de incompetência em razão: (i) da matéria(os tribunais arbitrais beneficiam, em abstrato, de competência para aferir da legalidade de atos tributários e em matéria tributária concernentes aos primeiros); (ii) da hierarquia (os tribunais arbitrais operam enquanto tribunais de 1.ª instância); (iii) das regras de competência internacional (não se coloca qualquer questão transnacional no litígio) ou (iv) da preterição de tribunal arbitral (as partes não se encontravam obrigadas a recorrer à arbitragem tributária); 20. Em face do exposto, o Douto Tribunal a quo estava vinculado à decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T, na parte respeitante à aplicação do art. 24.º, n.º 3, do RJAT, de onde resulta a tempestividade da propositura da impugnação judicial, nos termos do art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT, impondo-se por isso a anulação da sentença recorrida; 21. Acresce oporem-se os princípios da confiança e da segurança jurídicas ao sentido decisório perfilhado na sentença recorrida (cfr. art. 2.º da CRP); 22. Admitir-se que um tribunal possa desatender ao sentido decisório (já transitado em julgado) adotado por outro tribunal coloca em causa os princípios da confiança e da segurança jurídicas, na medida em que obstaculiza a que uma parte possa prever com certeza se os direitos reconhecidos por um órgão jurisdicional lhe serão efetivamente oponíveis; 23. Tal conclusão encontra ainda respaldo no art. 205.º, n.º 2, da CRP, o qual dita que as decisões dos tribunais consolidadas na ordem jurídica se sobrepõem a decisões posteriores que as contradigam; 24. Termos em que o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo na sentença recorrida – na medida em que coarta o direito à reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial, conforme reconhecido pelo tribunal arbitral no processo n.º 247/2015-T (cfr. art. 24.º, n.º 3, do RJAT) – redunda na violação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídicas, nos termos dos arts. 2.º e 205.º, n.º 2, da CRP, o que desde já se invoca para efeitos do arts. 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro; 25. Pelo exposto, entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, impondo-se a esse Douto Tribunal ad quem a sua anulação e concomitante expurgo da ordem jurídica, tudo com as demais consequências legais; 26. Ainda que se entendesse que o Douto Tribunal a quo não está vinculado às decisões arbitrais em matéria tributária – o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder –, impor-se-ia ao mesmo aferir do preenchimento dos pressupostos de aplicação do art. 24.º, n.º 3, do RJAT, o que não sucedeu; 27. Decorre desta disposição legal que, nas situações em que a decisão arbitral não conheça do mérito da pretensão trazida a juízo por facto não imputável ao sujeito passivo, o prazo para reagir contenciosamente dos atos contestados reinicia-se com a notificação da respetiva decisão arbitral; 28. O regime ínsito no art. 24.º, n.º 3, do RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida ao Governo pelo art. 124.º da lei de autorização legislativa do RJAT (ao abrigo, por sua vez, da alínea b) do n.º 1 do art. 198.º da CRP e, em consonância, com o art. 165.º, n.º 2, da CRP); 29. A lei de autorização legislativa não limitou territorialmente os efeitos do diploma a aprovar ao território continental, vigorando em todo o território nacional sem reservas ou especificidades relativas às regiões autónomas; 30. Nos termos do art. 4.º, n.º 1, do RJAT, a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitral depende de portaria, tendo o Governo aprovado a Portaria de Vinculação, a qual não determinou a vinculação da A………-RAM à jurisdição arbitral tributária; 31. Tal vinculação não poderia ocorrer, uma vez que a competência para o efeito recai sobre o Governo Regional da Madeira (cfr. art. 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de janeiro); 32. Não obstante, o facto de a A…………-RAM não se encontrar vinculada à arbitragem tributária não permite extrair a conclusão de que os órgãos jurisdicionais sedeados na Região Autónoma da Madeira estão desobrigados da aplicação da totalidade dos diplomas legais vigentes em Portugal, incluindo o RJAT (i.e., o facto de o Governo Regional da Madeira não ter convencionado a vinculação da A…………-RAM à arbitragem tributária não dita a desvinculação de tais órgãos jurisdicionais ao RJAT); 33. Com efeito, apesar de os litígios em que a A……….-RAM seja parte não serem passíveis de apreciação por tribunais arbitrais, tal não significa que os órgãos jurisdicionais incumbidos de apreciar os litígios de que é parte estejam desonerados de apreciar, quando necessário, as normas do RJAT – ou de qualquer outro diploma nacional – que importem à boa decisão da causa; 34. Mais se refira que, de todo o modo, se encontra vedada a derrogação ou revogação, por diploma de índole regional, de um diploma legal em matéria processual tributária criado por Decreto-Lei autorizado do Governo, pelo que nunca poderia ter-se o RJAT por desaplicado na Região Autónoma da Madeira (cfr. arts. 165.º, n.º 1, in fine, e 198.º, n.º 1, alínea b), da CRP); 35. A respeito do art. 165.º, n.º 1, da CRP, a doutrina distingue três níveis de exigência: (i) um nível mais exigente em que toda a regulamentação legislativa da matéria está sujeita à reserva relativa de competência da Assembleia da República; (ii) um nível menos exigente em que está sujeita à reserva relativa de competência a enunciação do regime geral da matéria e (iii) um nível ainda menos exigente em que a reserva relativa de competência se limita às bases gerais do regime jurídico da matéria; 36. O alcance da reserva de competência prevista na alínea i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP é de nível mais exigente, estando reservada à Assembleia da República toda a regulamentação legislativa relacionada com a criação do sistema fiscal, incluindo as garantias dos contribuintes (cfr. art. 103.º, n.º 2, da CRP); 37. A competência para criar, modificar, derrogar ou revogar normas sobre garantias processuais é constitucionalmente atribuída à Assembleia da República e ao Governo da República; 38. Com efeito, tendo o RJAT sido criado por Decreto-Lei autorizado do Governo, não é o mesmo passível de derrogação territorial por parte do Governo ou da Assembleia da Região Autónoma da Madeira; 39. Este entendimento em nada colide com o poder tributário próprio da Região Autónoma da Madeira, o qual consiste, em suma, no poder de criar taxas e impostos vigentes na respectiva Região Autónoma, de submeter as pessoas singulares e coletivas à sua incidência e sujeitá-las ao pagamento daqueles (cfr. arts. 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 107.º do Estatuto Político e Administrativo da Região Autónoma da Madeira); 40. À data, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas dividia as competências tributárias em: (i)normativas (poder de criar e regular impostos vigentes apenas na região autónoma, definindo as incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, bem como de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais) e (ii) administrativas (poder de criar serviços fiscais ou de utilizar os serviços do Estado mediante o pagamento de uma compensação); 41. Porém, o poder legislativo-tributário das Regiões Autónomas encontra-se limitado pelas matérias reservadas aos órgãos de soberania, impondo-se que a matéria em questão não esteja reservada aos órgãos de soberania (cfr. art. 227.º, n.º 1, alínea b), da CRP); 42. Encontram-se assim excluídas da competência legislativa regional as matérias taxativamente reservadas à competência da Assembleia da República (cfr. arts. 161.º, 164.º e 165.º da CRP), salvo autorização desta quanto a matérias de reserva relativa; 43. Sendo certo que a alínea b) do n.º 1 do art. 227.º da CRP permite à Assembleia da República autorizar as Regiões Autónomas a legislar sobre matérias de reserva relativa, as matérias listadas no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP encontram-se excluídas dessa possibilidade; 44. De onde se conclui que as Regiões Autónomas não podem revogar ou derrogar, expressa ou tacitamente, diplomas processuais tributários criados por Lei da Assembleia da República o Decreto-Lei autorizado do Governo; 45. Nem se invoque que se trata do exercício de um poder de adaptação às especificidades regionais; 46. O exercício desse poder traduz-se no ajustamento de determinado regime à Região Autónoma, visando corrigir assimetrias de insularidade e simplificar procedimentos administrativos; 47. Não se poderia admitir que, sob as vestes do exercício de eventuais poderes de adaptação, o legislador regional limitasse o campo de aplicação de um diploma processual tributário de âmbito nacional – no presente caso, o RJAT; 48. Pelo que, não obstante não se encontrar a A………..-RAM vinculada à jurisdição arbitral tributária, não poderão deixar de ser relevadas, em sede judicial, as disposições aprovadas no RJAT que possam importar à causa sub judice; 49. Na situação em presença, o Douto Tribunal a quo concluiu pela intempestividade da petição de impugnação – descurando a decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2015-T –, sem sequer apreciar se se encontravam reunidos os pressupostos do art. 24.º, n.º 3, do RJAT, nomeadamente se a apresentação do pedido de pronúncia arbitral se deveu a facto não imputável ao sujeito passivo; 50. Perante o exposto, constata-se ter o Douto Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento, impondo-se a revogação da sentença recorrida; 51. Ainda que se entendesse que o Douto Tribunal a quo não estava vinculado à apreciação do art. 24.º, n.º 3.º, do RJAT – o que apenas a benefício de raciocínio se concebe, sem conceder –, sempre deverá esse Douto Tribunal ad quem admitir a apreciação da legalidade dos atos sub judice por força do princípio constitucional da plenitude da garantia jurisdicional efetiva, o qual encontra respaldo no princípio do Estado de direito (cfr. arts. 2.º, 20.º, e 268.º, n.º 4, da CRP); 52. O direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva determina que o direito processual não deve obstaculizar a discussão judicial de direitos e interesses legalmente protegidos, devendo, antes, promover a contenda desses mesmos direitos (cfr. art. 20.º da CRP); 53. O entendimento preconizado pelo Douto Tribunal a quo, porquanto inviabiliza a apreciação dos vícios materiais de legalidade dos atos contestados – não obstante a pretensa intempestividade verificada se dever à errónea conduta da Autoridade Tributária –, colide com o princípio da tutela jurisdicional efetiva; 54. De acordo com o ponto 8 da factualidade dada como provada na sentença recorrida, a apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi motivada por conduta errónea da Autoridade Tributária, a qual conduziu a Recorrente ao entendimento de que os tribunais arbitrais dispunham de competência para apreciar o litígio; 55. A Autoridade Tributária gerou na Recorrente a convicção de que os atos sub judice se tratavam de atos de liquidação para efeitos dos arts. 4.º do RJAT e 1.º da Portaria de Vinculação, passíveis, portanto, de contestação em sede arbitral, tendo essa confiança sido decisiva na escolha do meio processual adotado; 56. Não se afiguraria admissível que a Autoridade Tributária adotasse comportamentos que conduzissem o sujeito passivo a recorrer à via arbitral e o sujeito passivo que agisse nesse pressuposto viesse a ser penalizado por tal; 57. Uma vez que a Recorrente não pode ser prejudicada por uma errada qualificação dos atos sub judice da inteira responsabilidade da Autoridade Tributária, deve ser admitido o conhecimento do presente litígio pelo Douto Tribunal a quo, sob pena de total e absoluta frustração da confiança que a Recorrente deve depositar nas informações emanadas do Estado, incluindo do Estado-Administração, já que se tratam de expectativas que merecem tutela jurídica; 58. A posição perfilhada na sentença recorrida, no sentido de inviabilizar a discussão de questões de mérito porquanto a Recorrente recorreu à arbitragem tributária em consonância com as legitimas expetativas geradas pela conduta da Autoridade Tributária, impedindo o conhecimento da legalidade dos atos contestados em sede de impugnação judicial, bule com os princípios da justiça, de acesso aos tribunais e da proporcionalidade, previstos nos arts. 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais; 59. Pelo exposto, entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, impondo-se a esse Douto Tribunal ad quem a sua anulação e concomitante expurgo da ordem jurídica, com as demais consequências legais. B. QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SOB APRECIAÇÃO Ademais, em cumprimento do despacho melhor identificado no introito, vem ainda a Recorrente clarificar pretender ver apreciadas por esse Douto Tribunal ad quem as questões de constitucionalidade que infra se sumarizam: 1. Uma interpretação dos arts. 100.º e 619.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT – no sentido de os tribunais tributários não estarem vinculados a respeitar uma decisão arbitral transitada em julgado, na parte em que reconheça o direito à reabertura do prazo de propositura de impugnação judicial ao abrigo do art. 24.º, n.º 3, do RJAT – colide com os princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídicas previstos nos arts. 2.º, 205.º, n.º 2, e 209.º, n.º 2, da CRP (cfr. arts. 56.º a 76.º das alegações de recurso)?; 2. Uma interpretação do art. 24.º, n.º 3, do RJAT – no sentido de a sua aplicação na Região Autónoma da Madeira, incluindo pelos respetivos tribunais tributários, estar dependente de adesão legislativa ou regulamentar por parte de qualquer um dos órgãos políticos regionais – padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 161.º, 165.º, n.º 1, alínea i), e 227.º, n.º 1, alínea b), da CRP (cfr. arts. 80.º a 142.º das alegações de recurso)?; 3. O prazo de propositura de impugnação judicial previsto no art. 102.º, n.º 1, do CPPT – quando interpretado no sentido de obstaculizar a apreciação material de um litígio (mesmo nas situações em que a parte atua em conformidade com a confiança legítima depositada no Estado-Administração, que o induz em erro na adoção do meio processual – viola os princípios constitucionais da protecção da confiança e do acesso à justiça previstos nos arts. 2.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, e 268.º, n.º 4, da CRP (cfr. arts. 143.º a 164.º das alegações de recurso)? Termos em que se solicita a esse Douto Tribunal ad quem que admita a junção aos autos do presente requerimento, dando seguimento aos ulteriores trâmites do recurso, tudo com as demais consequências legais. I.2. O recurso foi admitido, não tendo sido produzida contra-alegações, nomeadamente, após as apresentadas terem sido sintetizadas, nos termos acima referidos. I.3. A exm.ª magistrado do Ministério Público teve “vista” dos autos, emitindo parecer no qual conclui dever conceder-se provimento ao recurso e anular-se a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, após ampliação da matéria de facto, aplique o regime jurídico no dito parecer sustentado. Pela dita ampliação, visa apurar-se o trânsito em julgado da decisão arbitral relativamente ao disposto no art. 24.º n.º 3 do R.J.A.T.. I.4. Foi ainda proferido despacho pelo relator a suscitar a incompetência em razão da hierarquia do S.T.A. nos seguintes termos: “A recorrente discorda quanto ao decidido relativamente à extemporaneidade da impugnação – e tal se referem ainda as inconstitucionalidades suscitadas -, solicitando, nomeadamente, que o Tribunal “ad quem diligencie” pela sua anulação, e invocando logo a seguir a vinculação ao decidido pelo Tribunal arbitral pelo instituto do caso julgado – assim, nas conclusões 2 a 11. 6. O aviso de receção referente ao registo CTT RD 5511 1303 6 PT foi assinado em 13 de janeiro de 2015 – cfr. fls. 27 do PA apenso. 7. A 13 de abril de 2015, a sociedade Impugnante, “representada pelo Exmo. Sr. Dr. C……………, actual representante para efeitos tributários”, apresentou junto do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, pedido de pronúncia arbitral “nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária”, visando a declaração de “ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014 2310017586, na parte correspondente à Derrama Regional no montante de 1.370.522,40€, respetivos juros de mora no montante de 40.184,28€ e custas no montante de 14.172,39€” – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 8. No dia 27 de outubro de 2015, foi proferida pelo CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa decisão arbitral referente ao pedido de pronúncia referenciado no ponto antecedente no qual foi acordado: |