Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0901/15
Data do Acordão:10/14/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
SIGILO BANCÁRIO
ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS
Sumário:I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Como resulta da conjugação dos arts. 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, uma das situações em que o legislador entendeu permitir à AT o acesso à informação bancária, independentemente do consentimento do interessado, é aquela em que se verifiquem indícios de que existem acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00 em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
III - É de considerar que se verificam esses indícios se, de um ano para o outro, o sujeito passivo conseguiu um aumento superior a € 60.000,00 nos juros remuneratórios das suas aplicações financeiras, o que pressupõe um aumento do capital investido superior a € 100.000,00, não justificado pelos rendimentos declarados nesse ano.
Nº Convencional:JSTA00069371
Nº do Documento:SAP201510140901
Data de Entrada:07/14/2015
Recorrente:DIRGER DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCAN DE 2015/01/15 PROC 00174/14.3 BECBR - AC TCAS DE 2014/01/30 PROC7264/13
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - SIGILO BANCÁRIO
Legislação Nacional:CONST05 ART26 N1 ART103 N1 ART266.
ETAF02 ART27 B.
LGT98 ART63-B N1 C ART64 ART75 ART87 N1 F.
CPPTRIB99 ART146-B ART284.
CPTA02 ART152.
RGIT01 ART91 N1.
CPC13 ART641 N5 ART662 N1 ART663 N7.
CP95 ART195 ART383.
RGICSF APROVADO PELO DL 298/92 DE 1992/12/31 ART78 ART79.
L 94/09 DE 2009/09/01.
Jurisprudência Nacional:AC TC 442/07 DE 2007/08/14 PROC 815/07.; AC STAPLENO PROC0641/14 DE 2014/11/12.; AC TCAN PROC493/13.6BEVIS DE 2014/03/27.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG482.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 15 de Janeiro de 2015 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b916e64f2cacad5180257e11005a2a62.), invocando oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Janeiro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 7264/13 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/170c579288a2e0ab80257c77003f5585.), no que se refere à questão de saber se, para efeitos da previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), os acréscimos de património não justificados têm de resultar de factos já verificados ou se podem bastar-se com factos meramente indiciados.

1.2 Admitido o recurso, o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Norte, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos, pese embora a oposição do Recorrido, e ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. A questão jurídica que se submete à douta apreciação do Supremo Tribunal Administrativo é a de saber se o acto do Director-Geral da AT que derroga o sigilo bancário, fundamentado na existência de indícios de acréscimos de património não justificados, apurados por aplicação de uma taxa de juro anual estimada de 4% preenche, ou não, por via da aplicação deste raciocínio hipotético, os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da Lei Geral Tributária (LGT).

B. A derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT tem como pressuposto, em qualquer das decisões fácticas sobre as quais foram produzidas decisões opostas (Acórdão Recorrido proferido nos autos a 15.01.2015 e Acórdão fundamento proferido pelo TCA Sul, em 30/01/2014, no Processo n.º 07264/13), a existência de factos indiciadores da existência de incrementos patrimoniais não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT.

C. Com efeito, atendendo à informação disponível na AT, em concreto as Declarações Modelo 39 (Rendimentos e Retenções a Taxas Liberatórias) relativas aos rendimentos provenientes de juros recebidos nos exercícios de 2010 e 2011, apurou-se a existência de um acréscimo significativo de juros recebidos, facto que, conjugado com a informação constante das declarações de modelo 3 de IRS, permitiu observar uma desproporção entre o rendimento aí apurado e o acréscimo de capital aplicado, estimado por recurso a uma taxa de juro implícita de 4%.

D. Ora, enquanto o Acórdão recorrido entendeu que não se encontravam verificados os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário nos termos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT, o Acórdão fundamento, face a um acto de derrogação do sigilo bancário assente também na existência de indícios de incrementos patrimoniais, não justificados, ao abrigo dos mesmos preceitos legais, e por recurso, igualmente, a uma taxa estimada de juros de 4%, decidiu que tais pressupostos se achavam preenchidos.

E. Igual entendimento foi também acolhido no Acórdão do TCAS de 24.07.2014 (Processo n.º 07844/14).

F. Por outro lado, tal como se refere no Douto voto de vencido que consta do Acórdão recorrido, a tese vencedora vertida em tal acórdão, não encontra acolhimento no que consta da lei, pois o que a lei diz é que sendo a avaliação indirecta realizada por indícios ou presunções, tal avaliação nos termos do artigo 87.º, n.º 1, al. f) da LGT ocorrerá quando haja indícios de que o acréscimo não justificado é superior a € 100.000,00, e que, desde que tais indícios se verifiquem, o sigilo bancário deverá ser derrogado nos termos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT.

G. Com efeito, a avaliação indirecta é de aplicação subsidiária face à avaliação directa (artigo 85.º da LGT), e apenas é aplicável quando preenchidos os pressupostos do artigo 87.º da LGT, porém, de acordo com o artigo 83.º, n.º 2 da LGT a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha.

H. Pelo que nada impede que a AT se socorra dos elementos de que dispõe para aferir da existência de indícios de acréscimo patrimonial injustificado, cabendo posteriormente ao sujeito passivo a comprovação de que os rendimentos declarados são verdadeiros, sendo outra a fonte das manifestações de fortuna ou dos acréscimos identificados pela AT.

I. No caso concreto dos autos, através do cruzamento das Declarações Modelo 39 relativas aos anos de 2010 e 2011, foram apuradas valores de juros que, tendo sofrido um acréscimo de mais de 500% de um ano para o outro, eram indício sólido de um correspondente acréscimo do capital investido pelo Recorrido.

J. Não obstante o artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT prever especificamente que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) da n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso a contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”, a verdade é que, aquando da derrogação do sigilo bancária por via de tal mecanismo, a administração tributária ainda não está na posse de todos os dados concretos de que necessita para aferir da efectiva existência do facto tributário tendo por isso de se socorrer de variáveis desconhecidas e/ou raciocínios hipotéticos, que, em toda o caso, sempre poderão ser fundadamente contrariados pelo sujeito passivo (artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT) ou por si objecto de regularização voluntária (artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT).

K. Assim, como bem se refere no citado voto de vencido, senda a determinação indirecta da matéria colectável realizada par recurso a indícios ou presunções, a mesma deve ocorrer sempre que há indícios de que o acréscimo de património não justificado é superior a € 100.000,00, e, desde que tais indícios se verifiquem (como se verificam na situação dos autos), o sigilo bancário deve ser derrogado.

L. Por outro lado, o conceito de “facto manifestado” utilizado no Acórdão recorrido, é ele próprio alheio à letra e inserção sistemática do artigo 63.º-B da LGT, sendo, como se refere no mesmo voto de vencido um argumento que não possui “a carga validante que lhe é atribuída, a qual nem sequer é expressamente usada no art. 87.º/ f)”.

M. Com a exigência avançada pelo acórdão recorrido estaríamos, pois, a extrapolar o alcance da letra da lei, dado que o que a lei efectivamente exige é que existam indícios da existência de acréscimos de património não justificado superior a € 100.000,00, e não que entre “as variáveis efectivamente conhecidas pela AT” exista uma desproporção superior a € 100.000,00.

N. Acresce ainda que, como conclui o Venerando Desembargador do TCA Norte, a doutrina expendida no acórdão recorrido, pode conduzir a um vazio legal ou a uma contradição quando, derrogando-se o sigilo bancário por via da aplicação do artigo 63.º-B, n.º 1, al. b) se venha a apurar a existência efectiva de um acréscimo patrimonial superior a € 100.000,00.

O. Por outro lado, também este Douto Supremo Tribunal veio já considerar preenchidos os requisitos de aplicação do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) [e b)], em Acórdão do Pleno, proferido em Recurso por Oposição de Acórdãos – num processo em que estava igualmente em causa o acréscimo de património não justificado por aplicação de uma taxa de 4%, e em que a variação anual de juros era inferior a € 100.000,00 - de 12.11.2014 (Processo n.º 0642/14).

P. Aí se referindo que a taxa de juro de 4% utilizada pela AT para estimar o capital investido pelo contribuinte ora Recorrido, consiste no recurso a uma variável desconhecida ou a um raciocínio hipotético é de aceitar porquanto, não tendo ainda tido acesso à informação bancária, não lhe era possível conhecer em concreto a taxa de juro contratualizada pelo contribuinte (que, recorde-se, sempre se escusou a apresentar os concretos elementos de prova solicitados pela AT), tratando-se “de admitir a demonstração de elementos indiciadores necessários à verificação posterior do facto tributário”.

Q. Com efeito, a administração tributária tem apenas conhecimento de um aumento muitíssimo significativo nos rendimentos de capitais (mais de 500%), provenientes de juros de depósitos a prazo ou similares, constatados num ano, comparativamente ao anterior.

R. A taxa de 4% utilizada para efeitos de estimativa do acréscimo de capital investido (que corresponde ao acréscimo de rendimentos não declarados pelo contribuinte ora Recorrido), serviu assim para estimar tal acréscimo de capital, tendo como objectivo a comparação do capital investido com os rendimentos auferidos e declarados pelo sujeito passivo, de forma a aferir da existência de incrementos patrimoniais não justificados.

S. E, indiscutivelmente, um aumento de mais de 500% nos rendimentos de capitais provenientes de depósitos a prazo ou similares, indicia um significativo aumento do capital investido, como a aplicação de uma taxa estimada de 4% permitiu determinar.

T. Pelo exposto, a AT propugna pois, pela aplicação da interpretação dada pelo Acórdão Fundamento à questão de direito controvertida nestes autos, no sentido da verificação dos pressupostos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT, quando a AT, face aos rendimentos de juros declarados em 2010 e 2011, se socorre de uma taxa de juro implícita de 4% para determinar o capital investido, concluindo-se como nessa sede que “a AT demonstrou suficiente e fundadamente os indícios de acréscimo patrimonial não justificado, de valor superior a € 100.000,00, tendo assim o direito de aceder às informações bancárias nos termos do citado art. 63.º-B, n.º 1, al. c), da L. G. Tributária”, e que cabia então ao contribuinte “a comprovação de que correspondem à verdade os rendimentos declarados e de que outra é a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património em causa”.

Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso por oposição de acórdãos ser julgado procedente, proferindo-se acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão fundamento».

1.4 O Recorrido contra alegou ao abrigo do n.º 5 do art. 284.º do CPPT, resumindo as alegações no seguinte quadro conclusivo:

«A- Segundo a Recorrente – com apoio do acórdão fundamento – a alínea c) do art 63.º-B/1 da LGT basta-se com indícios da existência de acréscimos de património, não exigindo propriamente a demonstração desses acréscimos. Pelo que a AT estaria dispensada de provar, nesta fase, o acréscimo patrimonial referido pela al. f) do art. 87.º/1 do mesmo diploma.

B- Por outras palavras, no entender da AT, primeiro devassa-se a vida privada dos contribuintes para ver se podem aplicar-se métodos indirectos; e, depois, encontram-se os factos que justificam essa devassa e que podem fundamentar a correcção da matéria tributária através desses métodos.

C- Se não se encontrarem factos suficientes? Paciência...

D- A previsão da alínea c) do art. 63.º-B/1 da LGT não se limita a exigir que haja “indícios da existência de acréscimos de património não justificados” Determina que essa verificação se faça “termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º”.

E- Isto significa que a previsão daquela alínea c) incorpora – por remissão – a previsão desta alínea f). O que significa que só quando estejam reunidos os pressupostos de aplicação da alínea f), é que poderão considerar-se preenchidos todos os requisitos da estatuição contida na alínea c) do art. 63.º-B/1: a derrogação do sigilo bancário.

F- Ora, a avaliação indirecta reveste natureza excepcional, só podendo ocorrer nos casos e condições expressamente previstos na lei (arts. 81.º e 85.º da LGT).

G- Esta interpretação é a única conforme ao princípio da restrição mínima dos direitos fundamentais (art. 18.º CRP) e da legalidade fiscal (art. 103.º CRP).

H- Subjacente às hipóteses tipificadas nas alíneas d) e f) do art. 87.º/1 da LGT está uma lógica assente no significado normal de certas manifestações de fortuna, que indiciam uma capacidade contributiva superior à declarada pelo contribuinte.

I- Essa ratio é ilustrada pelo conhecido aforismo “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”.

J- Por outras palavras, quem tem património (“cabritos”) e não declarou rendimento capaz de gerar esse património (“cabras”), é porque tem rendimentos ocultos (que lhe vieram “de algum lado”…). O que justificaria o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável.

K- Mas esta presunção de rendimentos ocultos, para ser accionada, tem que assentar em factos indiciadores de rendimento. Ora, os factos tipificados pelo legislador como indícios válidos pertencem a um numerus clausus constante do n.º 4 do art. 89.º-A e da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT.

L- No caso vertente, o facto indiciador relevante (o “cabrito”) é o “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados” (a falta de “cabras”).

M- Ou se demonstra a verificação destes dois requisitos, abrindo a porta à correcção prevista no n.º 5 do art. 89.º; ou não se demonstra, e a presunção deixa de funcionar, inviabilizando a aplicação dessa modalidade de avaliação indirecta.

N- O que a AT pretende fazer vai muito para além disso: em vez de partir de um facto conhecido (o acréscimo de património) que indicia um facto desconhecido (o rendimento oculto), quer partir de um indício (o acréscimo de juros) para estabelecer um facto desconhecido (o acréscimo de património) que, por sua vez, indiciaria um outro facto desconhecido (o rendimento oculto).

O- No caso dos autos, a AT não consegue provar a existência “dos cabritos”; mas apenas de alguns “vestígios” (pegadas?), que podem ser de cabritos ou de outros animais quaisquer... E quer, com isso, fazer funcionar uma presunção que exige factos e não meros indícios de factos!

P- Sublinhe-se que da previsão das normas de todas as alíneas do art. 87.º/1 da LGT – incluindo a al. f) – constam factos, que a lei qualifica como indícios suficientes para accionar a estatuição: a correcção da matéria tributável.

Q- Tais factos estão tipificados, estando sujeitos a um numerus clausus insusceptível de aplicação analógica, pois respeitam a normas de carácter excepcional (arts. 81.º e 85.º da LGT) e, indirectamente, a regras de incidência, sujeitas ao princípio constitucional da legalidade (art 103.º/3 da CRP).

R- Por isso, não pode o intérprete – sob pena de violação deste comando constitucional – alargar a previsão da alínea f) do art. 87.º/1 da LGT, nela fazendo ingressar outros factos que indiciariam os factos tipificados.

S- O acréscimo patrimonial referido na alínea f) do art. 87.º/1 é já, ele próprio, um indício. Mas é, também, um facto tipificado na lei.

T- Ora, como a nossa lei não se basta, neste domínio, com indícios de que há indícios para que se possa ordenar a derrogação do sigilo bancário ao abrigo da alínea c) do art. 63.º-B/1, é necessário preencher, também, a previsão da alínea f) do art 87.º/1. Ou seja, tem que existir uma manifestação de fortuna de valor superior a € 100.000.

U- Por isso, bem andou o acórdão recorrido (e a jurisprudência em que se louva) ao declarar que “a alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT ao dispor que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos “quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificado, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, terá de ter sempre por base factos manifestados”.

V- Neste caso concreto, os únicos “factos manifestados” são rendimentos provenientes de juros de depósitos bancários, que não ascendem ao limiar exigido pelo legislador, sendo inferiores à fasquia de € 100.000.

X- O valor superior àquela fasquia (os € 1.583.832,25 referidos pela AT) não corresponde a qualquer “facto manifestado” mas a um “mero juízo especulativo” que a lei não tipificou como facto indiciário para efeitos de aplicação da correcção prevista na alínea f) do art. 87.º/1 da LGT.

W- Aliás, dispondo o n.º 11 do art. 89.º-A da LGT, que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias...” tal significa que a derrogação do sigilo e a avaliação indirecta são procedimentos incindíveis, ambos dependentes dos mesmos requisitos cumulativos.

Y- A instauração deste procedimento de investigação depende, portanto, do prévio preenchimento dos requisitos enunciados na previsão da alínea f) do citado art. 87.º/1 – não sendo lícito devassar as contas bancárias do contribuinte sem ter antes demonstrado a existência da manifestação de fortuna tipificada por esta disposição.

Z- Como bem refere o douto acórdão recorrido, “a Administração não pode prosseguir o interesse público de qualquer maneira”, estando adstrita ao “respeito por determinados valores, como o da legalidade e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares” – art. 266.º/1 da CRP.

AA- No caso dos autos, tais direitos e interesses seriam gravemente lesados se esse Supremo Tribunal viesse a admitir que a AT devassasse a privacidade do Recorrido, acedendo aos seus dados bancários e aos detalhes da sua vida pessoal, sem antes ter demonstrado a existência de uma manifestação de fortuna de valor superior a € 100.000.

BB- Tal como é exigido directamente pela alínea f) do a 87.º/1 da LGT. E, por remissão, pela alínea c) do art. 63.º-B/1 do mesmo diploma.

CC- A interpretação destes preceitos assumida pelo acórdão fundamento, além de colidir claramente com o texto da lei, assume uma dimensão normativa que afronta normas e princípios constitucionais básicos, como a reserva da intimidade da vida privada e familiar (art. 26.º /1 e 2 da CRP), o princípio da legalidade fiscal (art. 103.º/3 da CRP) e o da subordinação da administração do Estado ao respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 266.º/1 da CRP).

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, proferindo-se acórdão que confirme o entendimento preconizado pela douta decisão recorrida».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de elencar os requisitos do prosseguimento do recurso por oposição de acórdãos e se pronunciar no sentido de que se verifica a invocada oposição, entendeu que o recurso deve ser provido, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se improcedente o recurso judicial interposto da decisão administrativa de acesso à informação e documentação bancária do ora Recorrido, com a seguinte fundamentação:

«Quanto ao mérito do recurso, em nosso entendimento, deve sustentar-se a tese do acórdão fundamento.
A questão que é colocada ao Tribunal nestes autos é a de saber se é possível determinar a derrogação do sigilo bancário, nos termos do estatuído no artigo 63.º-B/1/c) da LGT mediante indícios de acréscimos patrimoniais injustificados de valor superior a € 100.000, tendo o mesmo como fundamentação material uma estimativa de montantes obtida a partir de juros a uma taxa anual de 4%, que em ambos os casos foi reportada aos anos de 2010 e 2011.
Ora, o PLENO da SCT do STA já analisou esta questão no acórdão de 12 de Novembro de 2014-P. 0642/14, em que foi invocado como acórdão fundamento, o mesmo que é invocado nos presentes autos, no sentido afirmativo.
De facto nesse aresto do STA, cujo discurso fundamentador se subscreve, decidiu-se que constitui motivo concreto de acesso a informação e documentação bancárias do contribuinte a variação de rendimentos constituídos por juros de depósitos que não possa ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa.
Mais decidiu o STA, nesse acórdão, que a indicação por banda da AT de uma taxa de juro, a título meramente exemplificativo, suportada em conhecimento comum e próxima da taxa de juro média praticada pelas instituições bancárias para a generalidade dos aforradores integra a fundamentação substancial necessária e suficiente à prolação do despacho de derrogação do sigilo bancário.
De facto, ao contrário da tese sustentada pela decisão recorrida, o normativo do artigo 63.º-B/1/c não exige que os acréscimos de património não justificados resultem de factos já declarados/manifestados, mas sim que haja indícios desses acréscimos de património não justificados.
No caso em análise temos que os juros (de depósitos a prazo ou similares) recebidos pelo recorrido de instituições bancárias aumentaram mais de 500% de 2010 para 2011, facto que indicia que ocorreu um acréscimo de capital aplicado, estimado por recurso a uma taxa de juro implícita de 4%, superior a € 100.000, verificando-se uma divergência não justificada com os rendimentos declarados em 2011.
Existe, pois, no caso em análise, fundamentação substancial para a AT poder aceder a informação/documentação bancária do recorrido.
Por outro lado, visando-se, com a derrogação do sigilo bancário, o combate à fraude e evasão fiscais e consequente defesa da colectividade e do interesse público, e mostrando-se, em nosso entendimento, integralmente, respeitados todos os trâmites legais, nomeadamente o estatuído no artigo 63.º-B da LGT, que de forma criteriosa e proporcionada aos objectivos legais, regulam os poderes da AT, não vislumbramos como possam ter sido violados os normativos constitucionais que a recorrente invoca nas suas alegações».

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atenta a natureza urgente do processo.

1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos. Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Embora este preceito legal se refira à «infracção imputada à sentença», é manifesto o lapso, que aliás perpassa também os n.ºs 3, 5 e 6 do mesmo art. 152.º do CPTA, onde se alude a sentença quando se deveria dizer acórdão, que é a denominação legal das decisões dos tribunais colegiais (cfr. art. 152.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na versão aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota de rodapé n.º 3 na anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 402.)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A- Dá-se por integralmente reproduzido o resumo do boletim estatístico do Banco de Portugal relativo às “[…] Taxas de juro sobre novas operações de depósitos com prazo acordado de particulares residentes na área do euro em outras instituições financeiras monetárias residentes em Portugal - Até 1 ano [...]” (cf. doc. a fls. 82 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

B- Em 18.10.2011, foram emitidos pelo Banco de Portugal os Avisos n.º 7/2011 e n.º 8/2011 (cf. docs. a fls. 83 a 84 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

C- O Requerente recebeu um oficio dos serviços da Recorrida, datado de 26.06.2013, nos termos dos quais aquele ficava “[...] notificado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e n.º 5 do artigo 89.º-A, ambos da Lei Geral Tributária (LGT) que se encontram em aberto os pressupostos para uma decisão de aplicação de métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS, com referência ao ano de 2011, nos termos seguintes:

a) De acordo com o disposto na alínea f) n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT, há lugar à avaliação indirecta da matéria colectável quando existam acréscimos de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a 100.000,00 €, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
b) De acordo com as participações obrigatórias das instituições financeiras feitas ao abrigo do disposto no artigo 119.º do Código do IRS verificou-se que V. Ex.ª auferiu no ano de 2010 a quantia de € 12.942,05 a título de rendimentos de juros de depósitos a prazo ou similares ao passo que no ano de 2011 tal quantia ascendeu ao montante de € 76.295,34.
c) O incremento do rendimento auferido a esse título no montante de € 63.353,29 pressupõe, considerando uma taxa de juro anual de 4% um incremento do capital investido em 2011 no montante de € 1.583.832,25.
d) Como no mencionado ano de 2011, de acordo com a liquidação de IRS constante do cadastro informático da AT, o rendimento colectável por si declarado ascendeu ao montante de apenas € 91.108,51, verifica-se um acréscimo patrimonial não justificado no montante de € 1.401.615,23 correspondente à diferença entre tal incremento de capital no referido montante de € 1.583.832,25 e o dobro do mencionado rendimento colectável no montante de € 182.217,02.
e) Pelo que, se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com referido o n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de € 1.492.723,74, considerando-se o valor que excede os rendimentos declarados, de acordo com o n.º 3 do artigo 9.º do Código do IRS, como rendimentos da categoria G.
[…]
5. No âmbito do procedimento e, na eventualidade de tal se mostrar necessário, solicita-se ainda que, em declaração escrita, manifeste, expressamente, se autoriza ou não a Administração Tributária, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 63.º-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários.
[…]” (cf. doc. a fls 12 a 14 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido)

D- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida para cujo conteúdo aqui se remete (cf. doc. a fls. 15 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

E- Em ofício dos serviços da Recorrida, datado de 18.07.2013, recebido pelo Recorrente, em resposta à exposição escrita referida na alínea anterior retira-se que:
“[...] Resulta das participações obrigatórias das instituições financeiras feitas ao abrigo do disposto no artigo 119.º do Código do IRS, como se refere no mencionado ofício, que auferiu no ano de 2010 da quantia de € 12.942,05 a título de rendimentos de juros de depósitos a prazo ou similares ao passo que no ano de 2011 tal quantia ascendeu ao montante de € 76.295,34, pelo que tal informação a não ser correcta, como refere, implica uma erro por parte dessas instituições e não da parte dos serviços da administração tributária.
Tal diferença, faz presumir um incremento de capitais investidos em montante que excede em mais de € 100.000,00 o dobro do rendimento colectável declarado pelo que, consequentemente, tal situação, ao contrário do que refere, é integrável na norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT […]” (cf. doc. a fls. 17 a 18 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

F- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 02.08.2013, para cujo conteúdo aqui se remete (cf doc. a fls. 15 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido) acompanhada de uma declaração emitida pelo Montepio (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G- Os serviços da Recorrida enviaram ao Requerente o ofício de 08.08.2013, com um anexo contendo “[…] o mapa dos rendimentos provenientes de juros (Código 03) e dividendos (Código 01) tributados pelo método de aplicação das taxas liberatórias […]” relativos aos anos de 2010 e 2011 (cf. docs. a fls. 21 a 22 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

H- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 19.08.2013, para cujo conteúdo aqui se remete acompanhada de uma declaração emitida pelo Banco Espírito Santo, S.A. (cf. docs. a fls. 23 a 25 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

I- Os serviços da Recorrida enviaram ao Requerente o ofício de 17.09.2013, do qual se retira que: “[…] Com efeito, é indicado pelo Banco Espírito Santo que aí existiam em 2010 aplicações financeiras cuja taxa de rendimento anual era de 0,3235% e que em 2011 existiam aplicações que atribuíam um rendimento à taxa anual de 6,7500% mas não é indicado qual o saldo médio dessas aplicações nos anos em causa e nem sequer é indicado se os valores aplicados na conta BES Poupança ...... de 2010 estão ou não incluídos na conta DP ............ de 2011.
Por outro lado, uma vez que os juros do ano de 2010 são na sua maior parte provenientes de aplicações feitas junto do banco Montepio Geral necessário também se torna a indicação, por parte dessa instituição do valor do saldo médio aí aplicado nesse ano, só assim se podendo comparar os capitais aplicados num e noutro ano e que geraram os rendimentos participados na relação modelo 30 em cumprimento do disposto no artigo 110.º do Código do IRS.
Afigura-se que a indicação dos saldos médios a fornecer pelas entidades depositárias dos valores em causa não proporcionam elementos particularizados reveladores de aspectos da vida pessoal e familiar que V. Ex.ª pretende preservar e são o único meio idóneo capaz de elidir a presunção de que o incremento dos juros de um ano para o subsequente não implicam um aumento dos capitais investidos em montante superior em € 100.000,00 aos rendimentos declarados […]” (cf. doc. a fls. 26 a 27 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, para cujo conteúdo aqui se remete acompanhada de uma declaração emitida pelo Montepio (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

K- O Requerente recebeu um ofício dos serviços da Recorrida, datado de 06.11.2013 onde aquela se solicitava autorização para “[…] aceder às contas bancárias de que é titular, quer no Banco Espírito Santo, SA., quer na Caixa Económica Montepio Geral, instituições nas quais foram auferidos os montantes mais relevantes dos juros em causa no procedimento […]” (cf. docs. a fls. 32 a 34 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

L- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 22.11.2013, para cujo conteúdo aqui se remete (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

M- Em parecer dos serviços da Recorrida, datado de 29.11.2013, retira-se que:

“[…]
I. NECESSIDADE DE ACEDER A DOCUMENTOS BANCÁRIOS
No âmbito da acção inspectiva em curso, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201300653, de âmbito parcial (IR) cuja extensão abrange o período de tributação de 2011, aberta em nome do contribuinte A………… NIF ………, conclui-se que, para apuramento da situação tributária do sujeito passivo, necessário se torna o acesso a informações e documentos protegidos pelo sigilo bancário, pelos motivos que se apresentam nos pontos seguintes.
II. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A NECESSIDADE DE ACESSO A DOCUMENTOS BANCÁRIOS
II.1 Motivo da acção inspectiva
[…]
Do cruzamento de informação contida na referida declaração modelo 39, dos anos de 2010 e 2011, conclui-se, no que respeita ao sujeito passivo em análise, pela existência um acréscimo de juros recebidos de diversas instituições financeiras, no montante de € 63.353,29 (€ 76.295,34 - € 12.942,05), como se demonstra no quadro a seguir:
[…]
Tal acréscimo de juros auferido de 2010 para 2011, indicia um correspondente aumento de capital investido, pressupondo um acréscimo de património.
A fim de esclarecer o acréscimo de valores, foi o sujeito passivo notificado nos termos da Lei Geral Tributária, através do ofício n.º 6.045 de 2013.06.26, para no prazo de 15 dias a contar da data do registo, prestar os esclarecimento que entendessem convenientes, sobre a proveniência do acréscimo de juros, seguindo-se ainda outros ofícios abaixo indicados. Decorridos os diversos prazos constantes dos ofícios, não logrou o mesmo justificar o referido incremento patrimonial, conforme descrito no ponto seguinte.
Para cálculo do acréscimo do património, seguindo a metodologia recomendada pela Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária (DSPCIT), estimou-se uma taxa de juro implícita de 4%, podendo assim determinar o capital investido e confirmar se, de um ano para o outro, houve acréscimos de património não justificados. No acréscimo patrimonial indiciado, foi tido em conta a capacidade normal de poupança do agregado considerando que não poderá ser superior ao dobro do seu rendimento global, para identificar indícios de falta de veracidade do declarado.
Pelos dados recolhidos, e considerando a taxa de juro implícita de 4% bem como o acréscimo dos juros recebidos (€ 63.353,29 = € 76.295,34 - € 12.942,05), estimou-se o incremento patrimonial para o ano de 2011, no montante de € 1.583.832,25 (€ 63.353,29/4%).
II. 2 Caracterização fiscal do SP
O contribuinte é economista e gestor de empresas.
De acordo com a declaração de rendimento mod. 3 de IRS do ano de 2010, o sujeito passivo participou, rendimentos da categoria A e F, apurando-se o rendimento global de € 100.420,94, que originou o valor a pagar de € 35.814,33.
Também para o ano de 2011, são declarados rendimentos das categorias A, F e G, a que corresponde o rendimento global de € 91.108,55, apurando-se o valor a pagar de € 32.890,08.
II.3 Descrição das análises efectuadas no âmbito do procedimento inspectivo
[...]
III. CONCLUSÕES e PROPOSTAS
Tendo em consideração o referido no art. 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), “a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 87.º”.
Assim, tendo em conta os elementos descritos nos pontos anteriores e o disposto no artigo acima citado, solicita-se a derrogação do sigilo bancário de eventuais contas tituladas pelos sujeito passivo A…………, no sentido de verificar se nas referidas contas bancárias, existem valores depositados/levantados que justifiquem o aumento de património nos termos da mencionada al. f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT […]” (cf. docs. a fls. 3 a 37 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

N- Em 18.12.2013, o Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, emitiu decisão baseada na informação, parecer e despacho exarados no documento referido na alínea anterior da qual se retira que: [...] verificando-se os condicionalismos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo A…………, com o NIF …………, relativamente ao ano de 2011 […]” (cf. docs. a fls. 3 a 37 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

O- O Recorrente teve conhecimento da decisão referida na alínea anterior e dos documentos que acompanhavam em 19.02.2014 (cf. docs. a fls. 42 a 79 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

P- A petição inicial da presente acção foi remetida para este Tribunal via SITAF em 03.03.2014 (cf. fls. 2 a 86 dos autos)».

2.1.2 O acórdão fundamento efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«1- Após consulta da declaração modelo 39 no sistema informático, a A.T. verificou que relativamente aos sujeitos passivos, ora reclamantes, foram declarados na referida participação, rendimentos de tipo 3 (inclui fundamentalmente juros de depósitos), nos montantes constantes do seguinte quadro (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso):

2009
2010
2011
Impugnante A
30.464,16
21.157,64
49.423,00
Impugnante B
18.256,80
15.318,82
25.272,58
Totais
48.720,96
36.476,46
74.695,58
2- Os sujeitos passivos foram notificados, através do ofício n.º 551, para prestar esclarecimentos relativamente à fonte de rendimentos que viabilizaram os investimentos efectuados (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso);

3- Responderam em 11/02/2013 que o capital proveio dos rendimentos do trabalho por si declarados nas declarações de I.R.S., herança por morte dos pais do sujeito passivo A (o pai faleceu em 1989 e a mãe em 2003) e da venda de um apartamento há 10/12 anos;

4- Informam ainda que o sujeito passivo A, no âmbito da sua profissão contacta diariamente com diversas instituições bancárias, o que lhe possibilita negociar os investimentos bancários e as taxas de remuneração (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso);

5- Não autorizam a A.T. a aceder à sua informação bancária (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso);

6- Através do sistema informático, verificou a A.T. que os sujeitos passivos na declaração modelo 3 de I.R.S. relativa ao ano de 2001, declararam a venda de um imóvel pelo valor de € 86.292,04 (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso);

7- Desde o ano de 2001 os sujeitos passivos declararam os seguintes rendimentos colectáveis em sede de I.R.S. (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso):

AnosRendimento Colectável
200165.617,10
200243.074,66
200343.459,84
200445.209,91
200551.656,93
200663.897,47
200757.745 78
200860.204,82
200963.341,35
201075.846,66
201180.150,07
Total650.204,59
8- Para identificar os contribuintes incumpridores em situações potencialmente reveladoras de omissão de rendimentos, a A.T. recorreu aos seguintes critérios (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso):
a. Para os rendimentos declarados com o código 3, nos anos de 2010 e 2011, foi estimada uma taxa de juro implícita de 4%, determinando-se assim o capital investido nos dois anos, e confirmar se de um ano para o outro houve acréscimo de património não justificado.
b. A capacidade normal de poupança do agregado não poderá ser superior ao dobro do seu rendimento global.

9- Com o referido pressuposto o capital investido no ano de 2010 teria sido de € 911.911,50 (36.476,46/4%) e o capital investido no ano de 2011 teria sido de € 1.867.389,50 (74.695,58/4%), tudo conforme consta do relatório junto ao processo administrativo apenso;

10- Assim, considerou a A.T. estar perante um aumento do capital investido do ano de 2010 para o ano de 2011 no montante de € 955.478,00 (1.867.389,50 - 911.911,50) para uma capacidade de poupança estimada de € 160.300,14 (80.150,07x2), tudo conforme consta do relatório junto ao processo administrativo apenso;

11- O que demonstra a existência de um acréscimo de património superior a € 100.000,00, verificado simultaneamente com a existência de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso);

12- Pelo que foi proposta a derrogação do sigilo bancário, ao abrigo do n.º 4, do artigo 63.º-B, da L.G.T., relativamente aos anos de 2010 e 2011, por se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B, da L.G.T. (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso);

13- Por despacho do Exmo. Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira foi autorizado que “... funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeitos passivos ... (...) e ..., (...) relativamente aos anos de 2010 e 2011...”. (cfr. documento junto a fls. 8 dos presentes autos);

14- Os recorrentes foram notificados por ofício n.º 2126, de 10/4/2013, da decisão que autorizou o acesso aos documentos bancários necessários para apurar a realidade da situação tributária relativa aos anos de 2010 e 2011, nos termos das alíneas c) do n.º 1 do artigo 63.º-B, da L.G.T. (cfr. documento junto a fls. 7 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);

15- O qual foi recebido em 15/4/2013 (cfr. documento junto ao processo administrativo apenso);

16- A petição inicial foi remetida por correio registado endereçado a este T.A.F. em 25/4/2013 (cfr. documentos juntos a fls.21 e 70 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);

17- Em 2011 os impugnantes receberam ainda a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pelo dinheiro depositado no BPP (cfr. documentos juntos a fls. 16 e 17 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido).

[…(As alíneas que se seguem foram aditadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.)]

18- A decisão de derrogação do sigilo bancário identificada no n.º 13 do probatório igualmente se baseou na existência de indícios de um acréscimo de património dos recorrentes superior a € 100.000,00, simultaneamente com uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, nos termos dos arts. 87.º, n.º 1, al. f), e 89.º-A, n.º 5, da L.G.Tributária, situação que determina a avaliação indirecta de rendimentos (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso);

19- Na p.i. de recurso que originou os presentes autos, os ora recorrentes apresentam como fundamentos:
a) Que não estão preenchidos os requisitos legais para se operar a derrogação do sigilo bancário dos recorrentes, dado que a taxa de 4% calculada pela A. Fiscal face aos seus rendimentos declarados em 2010 e 2011 não é correcta, porquanto tiveram rendimentos de capitais superiores a tais cálculos, rendimentos esses que, em alguns casos, foram superiores aos 9%;
b) Terminam, pedindo que seja dado sem efeito a decisão de derrogação do sigilo bancário, a qual deve ser substituída por outra que não autorize o acesso da A. Fiscal às contas dos recorrentes (cfr. conteúdo da p.i. junta a fls. 3 a 6 dos presentes autos).».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma alegada questão fundamental de direito que considera ter sido decidida em sentido divergente nos acórdãos em confronto e que enunciou como sendo «a de saber se o acto que derroga o sigilo bancário fundamentado na existência de indícios de acréscimos de património não justificados, apurados por aplicação de uma taxa de juros anual estimada de 4% preenche, ou não, por via da aplicação deste raciocínio hipotético, os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, al. c), da Lei Geral Tributária». Ou seja, a questão de direito que a Recorrente pretende que foi dirimida em sentido divergente por aqueles arestos é a de saber se a AT pode aceder a documentação e informação bancária protegida pelo sigilo bancário mediante a subsunção à previsão legal da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT da situação em que o acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00 foi reconduzido ao capital investido, indiciado pela diferença no montante dos rendimentos (juros remuneratórios) recebidos de aplicações financeiras, no caso depósitos bancários, em dois anos consecutivos.
Ambos os acórdãos foram proferidos em processos de recurso judicial (deduzido ao abrigo do disposto no art. 146.º-B, do CPPT) da decisão administrativa que determinou o acesso directo da AT à informação e documentação bancária do ora Recorrido.
Não obstante o Desembargador relator ter proferido despacho (a fls. 438/439), em que considerou verificada a oposição de acórdãos, importa verificar se a mesma ocorre (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, nota 15 c) ao art. 284.º do CPPT, pág. 482.), pois essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal ad quem de a reapreciar, em conformidade com o disposto no art. 641.º, n.º 5 («A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».) do Código de Processo Civil (CPC).
depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 O presente processo de recurso judicial (deduzido ao abrigo do disposto no art. 146.º-B, do CPPT) da decisão de derrogação do sigilo bancário foi instaurado no ano de 2014, pelo que é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que os dois acórdãos em confronto decidiram.

2.2.2.2.1 O acórdão recorrido – que confirmou a sentença da 1.ª instância, que, louvando-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de Março de 2014, proferido no processo n.º 493/13.6BEVIS (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b5bc79388c9a38aa80257cb600321b77.), julgou ilícita a quebra pela AT do sigilo bancário e, por isso, anulou a decisão administrativa que a ordenou –, considerou, em síntese, que a AT incorreu em vício de violação de lei ao derrogar o sigilo bancário a coberto do art. 63.º-B, n.º 1, alínea c), da LGT. Isto porque se não verificava o segundo pressuposto para essa derrogação (São pressupostos da derrogação do sigilo bancário a coberto do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT – com excepção da situação prevista na supra referida alínea h) – que (i) decorra uma acção de fiscalização tributária, que (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo e que (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção.), qual seja a recolha de indícios do incumprimento de deveres de colaboração do sujeito passivo tal como elencados no n.º 1 daquele preceito legal. Note-se que não se discute a verificação dos demais requisitos para a derrogação do sigilo bancário.
Sempre em síntese, entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte que não podia dar-se como verificada a hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, como deu a AT, porque não se pode considerar como indício da existência de um acréscimo patrimonial injustificado a variação positiva dos juros percebidos de um ano para o outra, a menos que essa variação atingisse ela mesma o montante de € 100.000,00. Ora, no caso essa variação fica-se pelo montante de € 63.253,29.
Se bem interpretamos o aresto recorrido, e como consta do sumário doutrinal do mesmo (Sumário elaborado, nos termos do disposto no n.º 7 art. 663.º do CPC, pela Desembargadora que lavrou o acórdão.), aí se entendeu que «[s]ó constituem «indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados», nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, factos manifestados, isto é, factos que já não são do domínio privado do sujeito e passaram a ser do domínio público». Assim, e porque «[n]o procedimento não decorre que os Recorrentes alguma vez tivessem manifestado investimento de capital dessa grandeza ou que tal tivesse sido declarado à administração tributária», sendo que «[o] único facto manifestado são aqui os rendimentos provenientes de juros de depósitos à ordem ou a prazo, que foram declarados à administração tributária e sujeitos a retenção na fonte», facto este que, pelo menos com a grandeza com que se apresenta no caso sub judice (inferior a € 100.000,00), não é adequado a revelar um acréscimo de fortuna proveniente de rendimentos de um determinado ano e não declarados relevante nos termos da referida alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT.
Toda a argumentação do acórdão recorrido, que se louva também ele, tal como a sentença, no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de Março de 2014, baseia-se no entendimento de que só podem integrar a previsão alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT os «factos manifestados», no sentido de que «já não são do domínio privado do sujeito e passaram a ser do domínio público», ou seja, «as ocorrências que pressupõem “alguma publicidade”, que «são tornados públicos».
Ou seja, considerou que, para integrar a previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, apenas poderia relevar a diferença entre os juros percebidos em 2010 e 2011 – único “facto manifestado”, na medida em que foram declarados à AT e tributados mediante retenção na fonte –, mas, para isso, essa diferença teria de ser superior a € 100.000,00; já não pode relevar o aumento do capital investido em 2011 (estimado pela AT com recurso à aplicação de uma taxa de juro de 4%) para permitir essa diferença nos juros, porque se trata de facto “não manifestado”.
E concluiu afirmando que «é com base no raciocínio acabado de fazer que a taxa de 4%, utilizada pela Administração Tributária, deixa de ser uma variável a ter em conta para o preenchimento dos requisitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, uma vez que a existência dos ditos acréscimos de património não justificado não depende da aplicação de tal taxa. E como resulta da leitura de todo o exposto na sentença recorrida, e no Acórdão em que a mesma se fundamentou, assim se entende a expressão atribuída à taxa de juro aplicada, como “mero juízo especulativo”».
Em suma, o acórdão considerou que não pode considerar-se verificado o fundamento legal de derrogação do sigilo bancário previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Que a AT não fez correcta interpretação e aplicação daquela norma ao considerar indiciado o acréscimo de património previsto no art. 87.º, n.º 1, alínea f), da mesma Lei, com base na variação do montante recebido de juros de aplicações financeiras (depósitos bancários) do ano de 2010 para 2011 (+ € 63.253,29) com base no entendimento de que o mesmo não foi possível senão com um aumento no montante do capital aplicado superior a € 100.000,00, usando para esta estimativa uma taxa de juro de remuneração do capital de 4%.

2.2.2.2.2 No acórdão fundamento – que confirmou a sentença da 1.ª instância que, julgou improcedente o recurso judicial da decisão de derrogação do sigilo bancário que a AT alicerçou na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT –, considerou-se que a AT podia quebrar o sigilo bancário quando, como no caso, verificasse indícios de um aumento do capital investido superior a € 100.000,00, calculado com base na diferença dos montantes dos juros recebidos em 2010 e 2011 (de € 36.476,46 e € 74.695,58, respectivamente) e mediante a aplicação de uma taxa de juro de 4%.
No referido aresto considerou-se que, pela utilização do referido método, a AT «demonstrou suficiente e fundadamente os indícios de acréscimo patrimonial não justificado, de valor superior a € 100.000,00, tendo assim o direito de aceder às informações bancárias nos termos do citado art. 63.º-B, n.º 1, al. c), da L.G.Tributária, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12».

2.2.2.2.3 Compulsados os acórdãos em confronto, verificamos que é manifesta a semelhança factual entre as situações que determinaram a AT a derrogar o sigilo bancário: em ambos os casos se verifica que os sujeitos passivos auferiram juros de remuneração de capitais que aumentaram do ano de 2010 para 2011; em ambos os casos, a AT entendeu que esse aumento dos juros indiciava um aumento do capital investido de um ano para o outro que estimou em mais de € 100.000,00, sendo que para esse efeito utilizou uma taxa de juro remuneratório de 4% ao ano; em ambos os casos o aumento do capital investido assim estimado revela-se em divergência não justificada com os rendimentos declarados.
Por outro lado, em ambos os casos a AT entendeu, após não ter conseguido a colaboração dos sujeitos passivos no sentido de apurar a origem dos rendimentos que teriam permitido aumentar o capital investido nas aplicações financeiras, em divergência com os rendimentos declarados, proceder à derrogação do sigilo bancário ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT.
É inequívoco que em ambas as situações, sendo o quadro factual idêntico e sendo as mesmas as regras jurídicas aplicáveis, os acórdãos chegaram a decisões divergentes, com base num entendimento oposto sobre a questão de saber se a AT pode, sem o consentimento do interessado, aceder a documentação e informação bancária do sujeito passivo protegida pelo sigilo bancário, derrogando este ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, considerando como indícios da existência de um acréscimo patrimonial não justificado, nos termos da alínea f) do art. 87.º da mesma Lei a variação no montante dos juros recebidos de aplicações financeiras em anos sucessivos (2010 e 2011), que, mediante a aplicação de uma taxa de juro estimada de 4% ao ano, revelam um aumento do capital investido no segundo ano superior a € 100.000,00, em divergência, não justificada, com os rendimentos declarados.

2.2.3 A SOLUÇÃO PROPOSTA

Dando por assente a oposição de acórdão, há que prosseguir com a apreciação do mérito do recurso.
O segredo bancário – consagrado como regra no art. 78.º («1- Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2- Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3- O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços».) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – admite excepções nos casos em que se impõe salvaguardar outros valores e interesses relevantes (por força do princípio da prevalência do interesse preponderante), verbi gratia, a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos.
Assim, no art. 79.º do RGICSF, depois de no n.º 1 se permitir que o dever de sigilo seja afastado mediante autorização do cliente, no n.º 2 elencam-se taxativamente as situações em que o dever de sigilo pode ser quebrado independentemente daquela autorização, avultando para o que ora nos interessa a prevista na alínea e), em que se prevê que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo possam ser revelados «À administração tributária, no âmbito das suas atribuições».
Esta possibilidade de comunicação dos elementos bancários deriva da necessidade de disponibilizar à AT uma ferramenta que lhe permita desempenhar eficientemente a sua função de fiscalização e de controlo, na prossecução dos valores de justiça e equidade que informam a constituição fiscal (Na verdade, o sistema fiscal visa, em primeira linha, a obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e a realização dos fins do Estado social de direito (cfr. art. 103.º, n.º 1, da CRP), motivo por que se impõe aos cidadãos, como encargo de cidadania, “o dever fundamental de pagar impostos”. O modo de cumprimento desse dever e a estruturação do sistema fiscal que o enquadra estão submetidos a princípios, de tributação segundo a capacidade contributiva e de distribuição equitativa da carga fiscal, que visam, em último termo, assegurar a justiça fiscal.).
Atento o disposto no art. 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a actividade da Administração em ordem a assegurar esses desideratos deve subordinar-se à Constituição e à lei, com respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. Vejamos:
Hoje, a tributação do rendimento assenta na determinação da matéria colectável com base na declaração tributária do contribuinte (nas sociedades comerciais, com base no lucro apurado através da sua contabilidade), que se presume verdadeira (cfr. art. 75.º da LGT).
O princípio da tributação segundo a declaração do contribuinte exige que a AT, através da inspecção, disponha de mecanismos que lhe permitam a comprovação dos valores declarados e o controlo, quer sobre a efectiva declaração dos factos tributários, quer sobre o respectivo enquadramento e correcta aplicação das normas de incidência. Só assim a AT pode concretizar o comando constitucional que impõe a justiça e igualdade fiscal.
A esse controlo não podem subtrair-se, sem mais, os elementos sobre o património e rendimentos do contribuinte em poder das instituições bancárias com quem ele se relaciona, em particular os saldos e as movimentações referentes a depósitos bancários. Como tem vindo a afirmar a jurisprudência constitucional, atendendo ao peso relativo dos interesses aqui ligados à tutela da privacidade e ao diminuto grau da sua afectação, em concreto, pelo levantamento do sigilo bancário, por um lado, e à intensidade da exigência de efectivação da justiça fiscal, por outro, pode concluir-se que, em certas condições, é constitucionalmente legítima a restrição, com este fundamento, do direito à privacidade (Ademais, como realçou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 442/2007, de 14 de Agosto de 2007, proferido no processo n.º 815/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070442.html, quando a quebra do sigilo bancário promana da AT, ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (cfr. art. 64.º da LGT) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o art. 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias e o art. 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro). O que significa que o levantamento do sigilo bancário efectuado pela AT mantém a reserva quanto aos dados que dele são objecto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa ainda salvaguardado – apesar de se alargar o círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – o conteúdo essencial do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes.).
Assim, o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes surge amiúde como imprescindível ao controlo da declaração tributária do sujeito passivo e, por isso, justificado, para proteger o bem constitucionalmente protegido da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos.
Ou seja, a permissão de acesso à informação bancária dos contribuintes, não pode e não deve, porque não foi essa a intenção do legislador, permitir o acesso irrestrito da AT à documentação bancária dos cidadãos sob pena de violação de direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente, nomeadamente no art. 26.º, n.º 1 da CRP. Mas admite-se a dispensa da intervenção judicial para a quebra do sigilo bancário, como meio imprescindível ao controlo da veracidade das declarações tributárias, verificados que estejam determinados pressupostos.
Nesta perspectiva, a derrogação do sigilo bancário, enquanto limitação a um direito fundamental, deve ser balizada pelas normas da LGT que a permitem, sem esquecer a unidade do sistema jurídico, conformado superiormente pelas normas constitucionais.
Nos termos do disposto no art. 63.º-B, n.º 1, a AT «tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos» em diversos casos, entre os quais ora nos interessa considerar o da alínea c): «Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º».
A actual redacção da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT foi introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro. Antes, a lei falava, não em verificação de indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º, mas em verificação da situação prevista na alínea f) do art. 87.º. Esta alteração na letra da lei visou um alargamento do critério de acesso pela AT a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do titular, bastando agora para esse efeito a verificação de menos indícios e não, como anteriormente, a verificação de factos concretamente identificados que constituam ou denunciem a existência de acréscimos de património não justificados.
Assim, como resulta da conjugação dos arts. 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, uma das situações em que o legislador entendeu permitir a AT o acesso à informação bancária, independentemente do consentimento do interessado, é aquela em que se verifiquem indícios de que existem acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00 em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
No caso, não se questiona a verificação de outros requisitos senão o respeitante aos indícios da existência de acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00.
A questão é, pois, a de saber se pode considerar-se indiciado um acréscimo patrimonial (aumento dos montantes aplicados em depósitos bancários) superior a € 100.000,00, no ano de 2011, em face do aumento (de € 63.353,29) dos juros percebidos relativamente ao ano anterior (juros do montante de € 12.942,05 no ano de 2010 e juros de € 76.295,34 no ano de 2011) e utilizando uma taxa de juros remuneratória estimada de 4% para o rendimento dos capitais aplicados. Se sim, e porque os rendimentos declarados pelo sujeito passivo relativamente ao ano de 2011 foram de € 91.108,51, estará legitimada a derrogação administrativa do sigilo bancário ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B, da LGT.
O facto de que o sujeito passivo no ano de 2011 logrou um aumento de € 63.353,26 relativamente ao ano anterior nos juros remuneratórios recebidos de aplicações financeiras, a nosso ver, indicia, suficiente e fundamentadamente, que, nesse ano e em ordem à obtenção desse rendimento de capitais, aquele aumentou o seu investimento naquelas aplicações num montante não inferior a € 100.000,00 (acréscimo patrimonial), que não é justificável apenas com os rendimentos declarados no ano em causa.
Ao contrário do que sustenta o acórdão, o acréscimo dos juros remuneratórios recebidos de um ano para o outro (os referidos € 63.353,26) não constitui o acréscimo patrimonial indiciado (irrelevando, por isso, que não exceda € 100.000,00); este aumento do rendimento dos capitais investidos é que é o indício de que o sujeito passivo nesse ano, e por confronto com o ano anterior, investiu pelo menos mais € 100.000,00 em aplicações financeiras, capital que, este sim, constitui o acréscimo patrimonial indiciado e que não encontra justificação bastante nos rendimentos declarados nesse ano. Como judiciosamente observou o Desembargador que votou vencido, o valor superior a € 100.000,00 «é o valor indiciado» para efeitos da derrogação do sigilo bancário.
Salvo o devido respeito, para permitir à AT quebrar o sigilo bancário, a lei não exige que o acréscimo patrimonial esteja já “manifestado” (no sentido apontado no acórdão recorrido, que é o de que o facto tenha deixado o domínio privado do sujeito para passar a ser do domínio público), mas tão-só que esteja indiciado. É o que resulta expressamente da letra da lei – após a alteração introduzida na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro (Como deixámos já dito, a redacção anterior referia «Quando se verificar a situação prevista na alínea f) do artigo 87.º». À luz dessa redacção, a tese do acórdão recorrido faria sentido.) – e é também o que resulta da teleologia da mesma.
Na verdade, bem se compreende (à luz das opções legislativas) que, para que a AT fique legitimada, nos termos do art. 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, a recorrer à avaliação indirecta, haja de se verificar um acréscimo patrimonial ou despesa efectuada, incluindo liberalidades de valor superior a € 100.000,00, em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. Ou seja, bem se compreende que a lei exija como requisito para que AT possa recorrer à avaliação indirecta ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT que esteja demonstrado o acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00 (e que este não esteja justificado pelos rendimentos declarados no período de tributação em causa).
Mas essa exigência, se é imprescindível para justificar a avaliação indirecta, já não o será quando o que está em causa é permitir à AT que aceda à informação e documentos bancários; neste último caso, o legislador bastou-se com a existência de indícios do acréscimo patrimonial.
E bem se compreende que assim seja: perante a existência de indícios de que, num determinado ano, o sujeito passivo teve um aumento de património que lhe terá permitido reforçar o capital aplicado em valor superior a € 100.000,00, a derrogação do sigilo bancário visa precisamente, em face da reiterada recusa do sujeito passivo em prestar os esclarecimentos pertinentes ao apuramento da sua situação tributária, indagar, primeiro, do montante exacto do aumento do capital em aplicações financeiras no ano em causa e, depois, da veracidade da declaração de rendimentos apresentada.
depois, se esses indícios de um acréscimo patrimonial não justificado se confirmarem, ficando demonstrada a existência do mesmo, a AT ficará autorizada a socorrer-se da avaliação indirecta ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT. Note-se que, quando na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT se diz «nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º», não se pretendeu significar, nem faria sentido que significasse, que os requisitos para a derrogação do sigilo bancário pela AT com fundamento em indícios da existência de acréscimos patrimoniais, tais como os prevê esta última disposição legal, sejam os mesmos que aí se prevêem para permitir à AT a avaliação indirecta com base em acréscimos patrimoniais. A não ser assim, porque teria o legislador alterado a redacção da norma pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro.
Em suma, a variação positiva dos rendimentos de capitais (+ € 63.353,29) do ano de 2010 (em que os juros percepcionados foram de € 12.942,05) para o ano de 2011 (em que os juros percebidos foram de € 76.295,34), indicia um aumento do montante do capital investido superior a € 100.000,00 que, em face divergência com os rendimentos declarados e da não justificação da sua origem pelo sujeito passivo, justifica a derrogação do sigilo bancário pela AT ao abrigo do art. 63.º-B, n.º 1, alínea c), da LGT.
No sentido de que «[c]onstitui motivo concreto de necessidade de acesso a informação e documentos bancários do contribuinte a variação de rendimentos constituídos por juros de depósitos que não possa ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa» pronunciou-se já o Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, através de acórdão proferido em 12 de Novembro de 2014, no processo n.º 642/14 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/71201fe1ebb1beee80257d95004c2bdd.) e que, ademais, considerou, com fundamentos que ora reiteramos, que «[a] indicação pela Autoridade Tributária de uma taxa de juro “a título meramente exemplificativo” suportada em conhecimento comum e próxima da taxa de juro média praticada pelas Instituições Bancárias para a generalidade dos aforradores integra a fundamentação formal e substancial necessária e suficiente à prolação do despacho de derrogação do sigilo bancário».
O acórdão recorrido, que entendeu diversamente, não pode manter-se, motivo por que, a final, será revogado, ordenando-se o regresso dos autos ao Tribunal a quo, para conhecimento das questões suscitadas pelo Recorrido nas contra alegações, em sede de ampliação do objecto do recurso, e que foram dadas como prejudicadas.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

II - Como resulta da conjugação dos arts. 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, uma das situações em que o legislador entendeu permitir a AT o acesso à informação bancária, independentemente do consentimento do interessado, é aquela em que se verifiquem indícios de que existem acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00 em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

III - É de considerar que se verificam esses indícios se, de um ano para o outro, o sujeito passivo conseguiu um aumento superior a € 60.000,00 nos juros remuneratórios das suas aplicações financeiras, o que pressupõe um aumento do capital investido superior a € 100.000,00, não justificado pelos rendimentos declarados nesse ano.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, a fim de aí serem apreciadas as questões suscitadas pelo Recorrido em sede de ampliação do objecto do recurso e que foram dadas como prejudicadas.

Custas do presente recurso pelo Recorrido.

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Lisboa, 14 de Outubro de 2015. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Maria da Fonseca Carvalho – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.