Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0901/15 |
Data do Acordão: | 10/14/2015 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS SIGILO BANCÁRIO ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS |
Sumário: | I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. II - Como resulta da conjugação dos arts. 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, uma das situações em que o legislador entendeu permitir à AT o acesso à informação bancária, independentemente do consentimento do interessado, é aquela em que se verifiquem indícios de que existem acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00 em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. III - É de considerar que se verificam esses indícios se, de um ano para o outro, o sujeito passivo conseguiu um aumento superior a € 60.000,00 nos juros remuneratórios das suas aplicações financeiras, o que pressupõe um aumento do capital investido superior a € 100.000,00, não justificado pelos rendimentos declarados nesse ano. |
Nº Convencional: | JSTA00069371 |
Nº do Documento: | SAP201510140901 |
Data de Entrada: | 07/14/2015 |
Recorrente: | DIRGER DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............ |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC OPOS JULGADOS |
Objecto: | AC TCAN DE 2015/01/15 PROC 00174/14.3 BECBR - AC TCAS DE 2014/01/30 PROC7264/13 |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - SIGILO BANCÁRIO |
Legislação Nacional: | CONST05 ART26 N1 ART103 N1 ART266. ETAF02 ART27 B. LGT98 ART63-B N1 C ART64 ART75 ART87 N1 F. CPPTRIB99 ART146-B ART284. CPTA02 ART152. RGIT01 ART91 N1. CPC13 ART641 N5 ART662 N1 ART663 N7. CP95 ART195 ART383. RGICSF APROVADO PELO DL 298/92 DE 1992/12/31 ART78 ART79. L 94/09 DE 2009/09/01. |
Jurisprudência Nacional: | AC TC 442/07 DE 2007/08/14 PROC 815/07.; AC STAPLENO PROC0641/14 DE 2014/11/12.; AC TCAN PROC493/13.6BEVIS DE 2014/03/27. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG482. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 15 de Janeiro de 2015 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Disponível em 1.2 Admitido o recurso, o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Norte, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos, pese embora a oposição do Recorrido, e ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 5 do mesmo artigo. 1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A. A questão jurídica que se submete à douta apreciação do Supremo Tribunal Administrativo é a de saber se o acto do Director-Geral da AT que derroga o sigilo bancário, fundamentado na existência de indícios de acréscimos de património não justificados, apurados por aplicação de uma taxa de juro anual estimada de 4% preenche, ou não, por via da aplicação deste raciocínio hipotético, os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da Lei Geral Tributária (LGT). B. A derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT tem como pressuposto, em qualquer das decisões fácticas sobre as quais foram produzidas decisões opostas (Acórdão Recorrido proferido nos autos a 15.01.2015 e Acórdão fundamento proferido pelo TCA Sul, em 30/01/2014, no Processo n.º 07264/13), a existência de factos indiciadores da existência de incrementos patrimoniais não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT. C. Com efeito, atendendo à informação disponível na AT, em concreto as Declarações Modelo 39 (Rendimentos e Retenções a Taxas Liberatórias) relativas aos rendimentos provenientes de juros recebidos nos exercícios de 2010 e 2011, apurou-se a existência de um acréscimo significativo de juros recebidos, facto que, conjugado com a informação constante das declarações de modelo 3 de IRS, permitiu observar uma desproporção entre o rendimento aí apurado e o acréscimo de capital aplicado, estimado por recurso a uma taxa de juro implícita de 4%. D. Ora, enquanto o Acórdão recorrido entendeu que não se encontravam verificados os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário nos termos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT, o Acórdão fundamento, face a um acto de derrogação do sigilo bancário assente também na existência de indícios de incrementos patrimoniais, não justificados, ao abrigo dos mesmos preceitos legais, e por recurso, igualmente, a uma taxa estimada de juros de 4%, decidiu que tais pressupostos se achavam preenchidos. E. Igual entendimento foi também acolhido no Acórdão do TCAS de 24.07.2014 (Processo n.º 07844/14). F. Por outro lado, tal como se refere no Douto voto de vencido que consta do Acórdão recorrido, a tese vencedora vertida em tal acórdão, não encontra acolhimento no que consta da lei, pois o que a lei diz é que sendo a avaliação indirecta realizada por indícios ou presunções, tal avaliação nos termos do artigo 87.º, n.º 1, al. f) da LGT ocorrerá quando haja indícios de que o acréscimo não justificado é superior a € 100.000,00, e que, desde que tais indícios se verifiquem, o sigilo bancário deverá ser derrogado nos termos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT. G. Com efeito, a avaliação indirecta é de aplicação subsidiária face à avaliação directa (artigo 85.º da LGT), e apenas é aplicável quando preenchidos os pressupostos do artigo 87.º da LGT, porém, de acordo com o artigo 83.º, n.º 2 da LGT a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha. H. Pelo que nada impede que a AT se socorra dos elementos de que dispõe para aferir da existência de indícios de acréscimo patrimonial injustificado, cabendo posteriormente ao sujeito passivo a comprovação de que os rendimentos declarados são verdadeiros, sendo outra a fonte das manifestações de fortuna ou dos acréscimos identificados pela AT. I. No caso concreto dos autos, através do cruzamento das Declarações Modelo 39 relativas aos anos de 2010 e 2011, foram apuradas valores de juros que, tendo sofrido um acréscimo de mais de 500% de um ano para o outro, eram indício sólido de um correspondente acréscimo do capital investido pelo Recorrido. J. Não obstante o artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT prever especificamente que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) da n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso a contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”, a verdade é que, aquando da derrogação do sigilo bancária por via de tal mecanismo, a administração tributária ainda não está na posse de todos os dados concretos de que necessita para aferir da efectiva existência do facto tributário tendo por isso de se socorrer de variáveis desconhecidas e/ou raciocínios hipotéticos, que, em toda o caso, sempre poderão ser fundadamente contrariados pelo sujeito passivo (artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT) ou por si objecto de regularização voluntária (artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT). K. Assim, como bem se refere no citado voto de vencido, senda a determinação indirecta da matéria colectável realizada par recurso a indícios ou presunções, a mesma deve ocorrer sempre que há indícios de que o acréscimo de património não justificado é superior a € 100.000,00, e, desde que tais indícios se verifiquem (como se verificam na situação dos autos), o sigilo bancário deve ser derrogado. L. Por outro lado, o conceito de “facto manifestado” utilizado no Acórdão recorrido, é ele próprio alheio à letra e inserção sistemática do artigo 63.º-B da LGT, sendo, como se refere no mesmo voto de vencido um argumento que não possui “a carga validante que lhe é atribuída, a qual nem sequer é expressamente usada no art. 87.º/ f)”. M. Com a exigência avançada pelo acórdão recorrido estaríamos, pois, a extrapolar o alcance da letra da lei, dado que o que a lei efectivamente exige é que existam indícios da existência de acréscimos de património não justificado superior a € 100.000,00, e não que entre “as variáveis efectivamente conhecidas pela AT” exista uma desproporção superior a € 100.000,00. N. Acresce ainda que, como conclui o Venerando Desembargador do TCA Norte, a doutrina expendida no acórdão recorrido, pode conduzir a um vazio legal ou a uma contradição quando, derrogando-se o sigilo bancário por via da aplicação do artigo 63.º-B, n.º 1, al. b) se venha a apurar a existência efectiva de um acréscimo patrimonial superior a € 100.000,00. O. Por outro lado, também este Douto Supremo Tribunal veio já considerar preenchidos os requisitos de aplicação do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) [e b)], em Acórdão do Pleno, proferido em Recurso por Oposição de Acórdãos – num processo em que estava igualmente em causa o acréscimo de património não justificado por aplicação de uma taxa de 4%, e em que a variação anual de juros era inferior a € 100.000,00 - de 12.11.2014 (Processo n.º 0642/14). P. Aí se referindo que a taxa de juro de 4% utilizada pela AT para estimar o capital investido pelo contribuinte ora Recorrido, consiste no recurso a uma variável desconhecida ou a um raciocínio hipotético é de aceitar porquanto, não tendo ainda tido acesso à informação bancária, não lhe era possível conhecer em concreto a taxa de juro contratualizada pelo contribuinte (que, recorde-se, sempre se escusou a apresentar os concretos elementos de prova solicitados pela AT), tratando-se “de admitir a demonstração de elementos indiciadores necessários à verificação posterior do facto tributário”. Q. Com efeito, a administração tributária tem apenas conhecimento de um aumento muitíssimo significativo nos rendimentos de capitais (mais de 500%), provenientes de juros de depósitos a prazo ou similares, constatados num ano, comparativamente ao anterior. R. A taxa de 4% utilizada para efeitos de estimativa do acréscimo de capital investido (que corresponde ao acréscimo de rendimentos não declarados pelo contribuinte ora Recorrido), serviu assim para estimar tal acréscimo de capital, tendo como objectivo a comparação do capital investido com os rendimentos auferidos e declarados pelo sujeito passivo, de forma a aferir da existência de incrementos patrimoniais não justificados. S. E, indiscutivelmente, um aumento de mais de 500% nos rendimentos de capitais provenientes de depósitos a prazo ou similares, indicia um significativo aumento do capital investido, como a aplicação de uma taxa estimada de 4% permitiu determinar. T. Pelo exposto, a AT propugna pois, pela aplicação da interpretação dada pelo Acórdão Fundamento à questão de direito controvertida nestes autos, no sentido da verificação dos pressupostos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT, quando a AT, face aos rendimentos de juros declarados em 2010 e 2011, se socorre de uma taxa de juro implícita de 4% para determinar o capital investido, concluindo-se como nessa sede que “a AT demonstrou suficiente e fundadamente os indícios de acréscimo patrimonial não justificado, de valor superior a € 100.000,00, tendo assim o direito de aceder às informações bancárias nos termos do citado art. 63.º-B, n.º 1, al. c), da L. G. Tributária”, e que cabia então ao contribuinte “a comprovação de que correspondem à verdade os rendimentos declarados e de que outra é a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património em causa”. Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso por oposição de acórdãos ser julgado procedente, proferindo-se acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão fundamento». 1.4 O Recorrido contra alegou ao abrigo do n.º 5 do art. 284.º do CPPT, resumindo as alegações no seguinte quadro conclusivo: «A- Segundo a Recorrente – com apoio do acórdão fundamento – a alínea c) do art 63.º-B/1 da LGT basta-se com indícios da existência de acréscimos de património, não exigindo propriamente a demonstração desses acréscimos. Pelo que a AT estaria dispensada de provar, nesta fase, o acréscimo patrimonial referido pela al. f) do art. 87.º/1 do mesmo diploma. B- Por outras palavras, no entender da AT, primeiro devassa-se a vida privada dos contribuintes para ver se podem aplicar-se métodos indirectos; e, depois, encontram-se os factos que justificam essa devassa e que podem fundamentar a correcção da matéria tributária através desses métodos. C- Se não se encontrarem factos suficientes? Paciência... D- A previsão da alínea c) do art. 63.º-B/1 da LGT não se limita a exigir que haja “indícios da existência de acréscimos de património não justificados” Determina que essa verificação se faça “termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º”. E- Isto significa que a previsão daquela alínea c) incorpora – por remissão – a previsão desta alínea f). O que significa que só quando estejam reunidos os pressupostos de aplicação da alínea f), é que poderão considerar-se preenchidos todos os requisitos da estatuição contida na alínea c) do art. 63.º-B/1: a derrogação do sigilo bancário. F- Ora, a avaliação indirecta reveste natureza excepcional, só podendo ocorrer nos casos e condições expressamente previstos na lei (arts. 81.º e 85.º da LGT). G- Esta interpretação é a única conforme ao princípio da restrição mínima dos direitos fundamentais (art. 18.º CRP) e da legalidade fiscal (art. 103.º CRP). H- Subjacente às hipóteses tipificadas nas alíneas d) e f) do art. 87.º/1 da LGT está uma lógica assente no significado normal de certas manifestações de fortuna, que indiciam uma capacidade contributiva superior à declarada pelo contribuinte. I- Essa ratio é ilustrada pelo conhecido aforismo “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”. J- Por outras palavras, quem tem património (“cabritos”) e não declarou rendimento capaz de gerar esse património (“cabras”), é porque tem rendimentos ocultos (que lhe vieram “de algum lado”…). O que justificaria o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável. K- Mas esta presunção de rendimentos ocultos, para ser accionada, tem que assentar em factos indiciadores de rendimento. Ora, os factos tipificados pelo legislador como indícios válidos pertencem a um numerus clausus constante do n.º 4 do art. 89.º-A e da alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT. L- No caso vertente, o facto indiciador relevante (o “cabrito”) é o “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados” (a falta de “cabras”). M- Ou se demonstra a verificação destes dois requisitos, abrindo a porta à correcção prevista no n.º 5 do art. 89.º; ou não se demonstra, e a presunção deixa de funcionar, inviabilizando a aplicação dessa modalidade de avaliação indirecta. N- O que a AT pretende fazer vai muito para além disso: em vez de partir de um facto conhecido (o acréscimo de património) que indicia um facto desconhecido (o rendimento oculto), quer partir de um indício (o acréscimo de juros) para estabelecer um facto desconhecido (o acréscimo de património) que, por sua vez, indiciaria um outro facto desconhecido (o rendimento oculto). O- No caso dos autos, a AT não consegue provar a existência “dos cabritos”; mas apenas de alguns “vestígios” (pegadas?), que podem ser de cabritos ou de outros animais quaisquer... E quer, com isso, fazer funcionar uma presunção que exige factos e não meros indícios de factos! P- Sublinhe-se que da previsão das normas de todas as alíneas do art. 87.º/1 da LGT – incluindo a al. f) – constam factos, que a lei qualifica como indícios suficientes para accionar a estatuição: a correcção da matéria tributável. Q- Tais factos estão tipificados, estando sujeitos a um numerus clausus insusceptível de aplicação analógica, pois respeitam a normas de carácter excepcional (arts. 81.º e 85.º da LGT) e, indirectamente, a regras de incidência, sujeitas ao princípio constitucional da legalidade (art 103.º/3 da CRP). R- Por isso, não pode o intérprete – sob pena de violação deste comando constitucional – alargar a previsão da alínea f) do art. 87.º/1 da LGT, nela fazendo ingressar outros factos que indiciariam os factos tipificados. S- O acréscimo patrimonial referido na alínea f) do art. 87.º/1 é já, ele próprio, um indício. Mas é, também, um facto tipificado na lei. T- Ora, como a nossa lei não se basta, neste domínio, com indícios de que há indícios para que se possa ordenar a derrogação do sigilo bancário ao abrigo da alínea c) do art. 63.º-B/1, é necessário preencher, também, a previsão da alínea f) do art 87.º/1. Ou seja, tem que existir uma manifestação de fortuna de valor superior a € 100.000. U- Por isso, bem andou o acórdão recorrido (e a jurisprudência em que se louva) ao declarar que “a alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT ao dispor que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos “quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificado, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, terá de ter sempre por base factos manifestados”. V- Neste caso concreto, os únicos “factos manifestados” são rendimentos provenientes de juros de depósitos bancários, que não ascendem ao limiar exigido pelo legislador, sendo inferiores à fasquia de € 100.000. X- O valor superior àquela fasquia (os € 1.583.832,25 referidos pela AT) não corresponde a qualquer “facto manifestado” mas a um “mero juízo especulativo” que a lei não tipificou como facto indiciário para efeitos de aplicação da correcção prevista na alínea f) do art. 87.º/1 da LGT. W- Aliás, dispondo o n.º 11 do art. 89.º-A da LGT, que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias...” tal significa que a derrogação do sigilo e a avaliação indirecta são procedimentos incindíveis, ambos dependentes dos mesmos requisitos cumulativos. Y- A instauração deste procedimento de investigação depende, portanto, do prévio preenchimento dos requisitos enunciados na previsão da alínea f) do citado art. 87.º/1 – não sendo lícito devassar as contas bancárias do contribuinte sem ter antes demonstrado a existência da manifestação de fortuna tipificada por esta disposição. Z- Como bem refere o douto acórdão recorrido, “a Administração não pode prosseguir o interesse público de qualquer maneira”, estando adstrita ao “respeito por determinados valores, como o da legalidade e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares” – art. 266.º/1 da CRP. AA- No caso dos autos, tais direitos e interesses seriam gravemente lesados se esse Supremo Tribunal viesse a admitir que a AT devassasse a privacidade do Recorrido, acedendo aos seus dados bancários e aos detalhes da sua vida pessoal, sem antes ter demonstrado a existência de uma manifestação de fortuna de valor superior a € 100.000. BB- Tal como é exigido directamente pela alínea f) do a 87.º/1 da LGT. E, por remissão, pela alínea c) do art. 63.º-B/1 do mesmo diploma. CC- A interpretação destes preceitos assumida pelo acórdão fundamento, além de colidir claramente com o texto da lei, assume uma dimensão normativa que afronta normas e princípios constitucionais básicos, como a reserva da intimidade da vida privada e familiar (art. 26.º /1 e 2 da CRP), o princípio da legalidade fiscal (art. 103.º/3 da CRP) e o da subordinação da administração do Estado ao respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 266.º/1 da CRP). Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, proferindo-se acórdão que confirme o entendimento preconizado pela douta decisão recorrida». 1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de elencar os requisitos do prosseguimento do recurso por oposição de acórdãos e se pronunciar no sentido de que se verifica a invocada oposição, entendeu que o recurso deve ser provido, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se improcedente o recurso judicial interposto da decisão administrativa de acesso à informação e documentação bancária do ora Recorrido, com a seguinte fundamentação: «Quanto ao mérito do recurso, em nosso entendimento, deve sustentar-se a tese do acórdão fundamento. 1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atenta a natureza urgente do processo. 1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos. Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Embora este preceito legal se refira à «infracção imputada à sentença», é manifesto o lapso, que aliás perpassa também os n.ºs 3, 5 e 6 do mesmo art. 152.º do CPTA, onde se alude a sentença quando se deveria dizer acórdão, que é a denominação legal das decisões dos tribunais colegiais (cfr. art. 152.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na versão aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota de rodapé n.º 3 na anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 402.)]. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «A- Dá-se por integralmente reproduzido o resumo do boletim estatístico do Banco de Portugal relativo às “[…] Taxas de juro sobre novas operações de depósitos com prazo acordado de particulares residentes na área do euro em outras instituições financeiras monetárias residentes em Portugal - Até 1 ano [...]” (cf. doc. a fls. 82 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). B- Em 18.10.2011, foram emitidos pelo Banco de Portugal os Avisos n.º 7/2011 e n.º 8/2011 (cf. docs. a fls. 83 a 84 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). C- O Requerente recebeu um oficio dos serviços da Recorrida, datado de 26.06.2013, nos termos dos quais aquele ficava “[...] notificado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e n.º 5 do artigo 89.º-A, ambos da Lei Geral Tributária (LGT) que se encontram em aberto os pressupostos para uma decisão de aplicação de métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS, com referência ao ano de 2011, nos termos seguintes: a) De acordo com o disposto na alínea f) n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT, há lugar à avaliação indirecta da matéria colectável quando existam acréscimos de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a 100.000,00 €, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. D- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida para cujo conteúdo aqui se remete (cf. doc. a fls. 15 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). E- Em ofício dos serviços da Recorrida, datado de 18.07.2013, recebido pelo Recorrente, em resposta à exposição escrita referida na alínea anterior retira-se que: F- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 02.08.2013, para cujo conteúdo aqui se remete (cf doc. a fls. 15 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido) acompanhada de uma declaração emitida pelo Montepio (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). G- Os serviços da Recorrida enviaram ao Requerente o ofício de 08.08.2013, com um anexo contendo “[…] o mapa dos rendimentos provenientes de juros (Código 03) e dividendos (Código 01) tributados pelo método de aplicação das taxas liberatórias […]” relativos aos anos de 2010 e 2011 (cf. docs. a fls. 21 a 22 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). H- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 19.08.2013, para cujo conteúdo aqui se remete acompanhada de uma declaração emitida pelo Banco Espírito Santo, S.A. (cf. docs. a fls. 23 a 25 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). I- Os serviços da Recorrida enviaram ao Requerente o ofício de 17.09.2013, do qual se retira que: “[…] Com efeito, é indicado pelo Banco Espírito Santo que aí existiam em 2010 aplicações financeiras cuja taxa de rendimento anual era de 0,3235% e que em 2011 existiam aplicações que atribuíam um rendimento à taxa anual de 6,7500% mas não é indicado qual o saldo médio dessas aplicações nos anos em causa e nem sequer é indicado se os valores aplicados na conta BES Poupança ...... de 2010 estão ou não incluídos na conta DP ............ de 2011. J- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou uma exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, para cujo conteúdo aqui se remete acompanhada de uma declaração emitida pelo Montepio (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). K- O Requerente recebeu um ofício dos serviços da Recorrida, datado de 06.11.2013 onde aquela se solicitava autorização para “[…] aceder às contas bancárias de que é titular, quer no Banco Espírito Santo, SA., quer na Caixa Económica Montepio Geral, instituições nas quais foram auferidos os montantes mais relevantes dos juros em causa no procedimento […]” (cf. docs. a fls. 32 a 34 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). L- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 22.11.2013, para cujo conteúdo aqui se remete (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). M- Em parecer dos serviços da Recorrida, datado de 29.11.2013, retira-se que: “[…] N- Em 18.12.2013, o Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, emitiu decisão baseada na informação, parecer e despacho exarados no documento referido na alínea anterior da qual se retira que: [...] verificando-se os condicionalismos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo A…………, com o NIF …………, relativamente ao ano de 2011 […]” (cf. docs. a fls. 3 a 37 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). O- O Recorrente teve conhecimento da decisão referida na alínea anterior e dos documentos que acompanhavam em 19.02.2014 (cf. docs. a fls. 42 a 79 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). P- A petição inicial da presente acção foi remetida para este Tribunal via SITAF em 03.03.2014 (cf. fls. 2 a 86 dos autos)». 2.1.2 O acórdão fundamento efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
3- Responderam em 11/02/2013 que o capital proveio dos rendimentos do trabalho por si declarados nas declarações de I.R.S., herança por morte dos pais do sujeito passivo A (o pai faleceu em 1989 e a mãe em 2003) e da venda de um apartamento há 10/12 anos; 4- Informam ainda que o sujeito passivo A, no âmbito da sua profissão contacta diariamente com diversas instituições bancárias, o que lhe possibilita negociar os investimentos bancários e as taxas de remuneração (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso); 5- Não autorizam a A.T. a aceder à sua informação bancária (cfr.relatório junto ao processo administrativo apenso); 6- Através do sistema informático, verificou a A.T. que os sujeitos passivos na declaração modelo 3 de I.R.S. relativa ao ano de 2001, declararam a venda de um imóvel pelo valor de € 86.292,04 (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso); 7- Desde o ano de 2001 os sujeitos passivos declararam os seguintes rendimentos colectáveis em sede de I.R.S. (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso):
a. Para os rendimentos declarados com o código 3, nos anos de 2010 e 2011, foi estimada uma taxa de juro implícita de 4%, determinando-se assim o capital investido nos dois anos, e confirmar se de um ano para o outro houve acréscimo de património não justificado. b. A capacidade normal de poupança do agregado não poderá ser superior ao dobro do seu rendimento global. 9- Com o referido pressuposto o capital investido no ano de 2010 teria sido de € 911.911,50 (36.476,46/4%) e o capital investido no ano de 2011 teria sido de € 1.867.389,50 (74.695,58/4%), tudo conforme consta do relatório junto ao processo administrativo apenso; 10- Assim, considerou a A.T. estar perante um aumento do capital investido do ano de 2010 para o ano de 2011 no montante de € 955.478,00 (1.867.389,50 - 911.911,50) para uma capacidade de poupança estimada de € 160.300,14 (80.150,07x2), tudo conforme consta do relatório junto ao processo administrativo apenso; 11- O que demonstra a existência de um acréscimo de património superior a € 100.000,00, verificado simultaneamente com a existência de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso); 12- Pelo que foi proposta a derrogação do sigilo bancário, ao abrigo do n.º 4, do artigo 63.º-B, da L.G.T., relativamente aos anos de 2010 e 2011, por se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B, da L.G.T. (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso); 13- Por despacho do Exmo. Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira foi autorizado que “... funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeitos passivos ... (...) e ..., (...) relativamente aos anos de 2010 e 2011...”. (cfr. documento junto a fls. 8 dos presentes autos); 14- Os recorrentes foram notificados por ofício n.º 2126, de 10/4/2013, da decisão que autorizou o acesso aos documentos bancários necessários para apurar a realidade da situação tributária relativa aos anos de 2010 e 2011, nos termos das alíneas c) do n.º 1 do artigo 63.º-B, da L.G.T. (cfr. documento junto a fls. 7 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido); 15- O qual foi recebido em 15/4/2013 (cfr. documento junto ao processo administrativo apenso); 16- A petição inicial foi remetida por correio registado endereçado a este T.A.F. em 25/4/2013 (cfr. documentos juntos a fls.21 e 70 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido); 17- Em 2011 os impugnantes receberam ainda a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pelo dinheiro depositado no BPP (cfr. documentos juntos a fls. 16 e 17 dos presentes autos cujo conteúdo se dá por reproduzido). […(As alíneas que se seguem foram aditadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.)] 18- A decisão de derrogação do sigilo bancário identificada no n.º 13 do probatório igualmente se baseou na existência de indícios de um acréscimo de património dos recorrentes superior a € 100.000,00, simultaneamente com uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, nos termos dos arts. 87.º, n.º 1, al. f), e 89.º-A, n.º 5, da L.G.Tributária, situação que determina a avaliação indirecta de rendimentos (cfr. relatório junto ao processo administrativo apenso); 19- Na p.i. de recurso que originou os presentes autos, os ora recorrentes apresentam como fundamentos: * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma alegada questão fundamental de direito que considera ter sido decidida em sentido divergente nos acórdãos em confronto e que enunciou como sendo «a de saber se o acto que derroga o sigilo bancário fundamentado na existência de indícios de acréscimos de património não justificados, apurados por aplicação de uma taxa de juros anual estimada de 4% preenche, ou não, por via da aplicação deste raciocínio hipotético, os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, al. c), da Lei Geral Tributária». Ou seja, a questão de direito que a Recorrente pretende que foi dirimida em sentido divergente por aqueles arestos é a de saber se a AT pode aceder a documentação e informação bancária protegida pelo sigilo bancário mediante a subsunção à previsão legal da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT da situação em que o acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00 foi reconduzido ao capital investido, indiciado pela diferença no montante dos rendimentos (juros remuneratórios) recebidos de aplicações financeiras, no caso depósitos bancários, em dois anos consecutivos. 2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS 2.2.2.1 O presente processo de recurso judicial (deduzido ao abrigo do disposto no art. 146.º-B, do CPPT) da decisão de derrogação do sigilo bancário foi instaurado no ano de 2014, pelo que é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004. i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais; ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica; iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta. 2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso. 2.2.2.2.1 O acórdão recorrido – que confirmou a sentença da 1.ª instância, que, louvando-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de Março de 2014, proferido no processo n.º 493/13.6BEVIS (Disponível em 2.2.2.2.2 No acórdão fundamento – que confirmou a sentença da 1.ª instância que, julgou improcedente o recurso judicial da decisão de derrogação do sigilo bancário que a AT alicerçou na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT –, considerou-se que a AT podia quebrar o sigilo bancário quando, como no caso, verificasse indícios de um aumento do capital investido superior a € 100.000,00, calculado com base na diferença dos montantes dos juros recebidos em 2010 e 2011 (de € 36.476,46 e € 74.695,58, respectivamente) e mediante a aplicação de uma taxa de juro de 4%. 2.2.2.2.3 Compulsados os acórdãos em confronto, verificamos que é manifesta a semelhança factual entre as situações que determinaram a AT a derrogar o sigilo bancário: em ambos os casos se verifica que os sujeitos passivos auferiram juros de remuneração de capitais que aumentaram do ano de 2010 para 2011; em ambos os casos, a AT entendeu que esse aumento dos juros indiciava um aumento do capital investido de um ano para o outro que estimou em mais de € 100.000,00, sendo que para esse efeito utilizou uma taxa de juro remuneratório de 4% ao ano; em ambos os casos o aumento do capital investido assim estimado revela-se em divergência não justificada com os rendimentos declarados. 2.2.3 A SOLUÇÃO PROPOSTA Dando por assente a oposição de acórdão, há que prosseguir com a apreciação do mérito do recurso. 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. II - Como resulta da conjugação dos arts. 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT, uma das situações em que o legislador entendeu permitir a AT o acesso à informação bancária, independentemente do consentimento do interessado, é aquela em que se verifiquem indícios de que existem acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00 em simultâneo com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. III - É de considerar que se verificam esses indícios se, de um ano para o outro, o sujeito passivo conseguiu um aumento superior a € 60.000,00 nos juros remuneratórios das suas aplicações financeiras, o que pressupõe um aumento do capital investido superior a € 100.000,00, não justificado pelos rendimentos declarados nesse ano. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, a fim de aí serem apreciadas as questões suscitadas pelo Recorrido em sede de ampliação do objecto do recurso e que foram dadas como prejudicadas. Custas do presente recurso pelo Recorrido. * Lisboa, 14 de Outubro de 2015. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Maria da Fonseca Carvalho – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes. |