Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01676/13
Data do Acordão:05/21/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
IMÓVEL
USUCAPIÃO
BENFEITORIAS
Sumário:I - É o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto de incidência de tributação em imposto de selo e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel.
II - Nada obsta à anulação parcial do acto de liquidação do imposto de selo por o acto tributário, ser divisível, tanto por natureza como por definição legal.
Nº Convencional:JSTA00068727
Nº do Documento:SA22014052101676
Data de Entrada:10/29/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR FISC - SELO.
Legislação Nacional:CIS03 ART1 N1 N3 A ART5 R.
LGT98 ART11 N3.
L 26/2003 DE 2003/07/03.
DL 287/2003 DE 2003/11/12.
CCIV66 ART1287.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0818/11 DE 2012/02/29.; AC STA PROC0334/10 DE 2010/09/22.; AC STA PROC0652/09 DE 2009/10/21.; AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…………, contribuinte fiscal n° ………, residente, notificada do teor do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, no dia 23 de Março de 2010, contra a liquidação do imposto de Selo, no valor de € 2.405,50, ao abrigo do disposto no art.102°, n° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), impugnou judicialmente tal decisão.
Por sentença de 19 de Julho de 2013, o TAF de Penafiel, julgou a impugnação totalmente procedente, anulando a liquidação em causa.
Reagiu a ora recorrente Fazenda Pública interpondo o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de Imposto de Selo com o n° 2009 921189, no montante de €2.405,50, pela aquisição por usucapião de um prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ………, na Trofa, sob o art° 2234°, no montante de 4.113,50 Euros,

B. por haver concluído que “A liquidação de imposto de selo só pode ter por incidência objectiva o prédio adquirido por usucapião — o terreno para construção identificado na escritura de rectificação, e não o prédio que consta da matriz à data da escritura de justificação, o prédio de habitação, com anexo e quintal.”,

C. e julgando a final “...a impugnação judicial totalmente procedente e anula-se a liquidação...”.

D. A questão controvertida nos presentes autos é, sobre qual valor patrimonial deve incidir o imposto de selo devido pela transmissão efetuada naquela escritura de justificação, em ordem aos artigos 1°, n.° 1 e 3, alínea a); 2°, n.° 2, alínea b); 3°, n.° 3 alínea a) e, Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

E. Para determinação do valor tributável em caso de aquisição por usucapião, é aplicável a regra geral, ou seja, o disposto no art° 13°, n.° 1 do CIS, onde consta que o valor dos imóveis relevantes para efeitos da liquidação do Imposto do Selo incidente sobre as transmissões gratuitas de bens imóveis “é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”.

F. No caso em concreto, o valor patrimonial tributário sobre o qual incidiu o Imposto de Selo, não é coincidente com o valor constante da matriz e declarado na escritura de justificação), uma vez que se tratava de um prédio ainda não avaliado segundo as regras do IMI,

G. retroagindo no entanto, face às regras a atender nos termos do art. 15° e 27° do Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro, o valor patrimonial fixado nos termos daquele código a essa mesma data.

H. O valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, sem qualquer dedução, no momento do nascimento da obrigação tributária, ou seja à data em que tiver transitado em julgado a acção de justificação judicial ou celebrada a escritura de justificação notarial.

I. Para além dos normativos legais ínsitos no CIS, acabados de referir, importa, ainda, atentar que da concatenação dos arts. 92° do Código do Notariado (CN) e 117°-A do Código do Registo Predial (CRP), resulta que as aquisições por usucapião formalizadas por escritura de justificação realizada na vigência do CIS só podem reportar-se aos direitos reais inscritos na matriz à data da celebração da escritura pública de justificação notarial ou, cuja inscrição se encontre pedida na mesma data.

J. Acrescendo, ainda, que nos termos do disposto no art. 30°, n.° 1 do CRP nos “títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição com a inscrição na matriz.”.

K. E, a inscrição na matriz, como referido na escritura de justificação, era relativa ao prédio urbano, que inclui o terreno e a edificação, cujo valor patrimonial engloba aquela total realidade.

L. Deste modo, apenas podemos concluir que o valor a atender para efeitos de incidência do imposto de selo em causa nos autos, nos termos dos já citados preceitos, é o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz, e considerado na liquidação controvertida [neste caso metade do valor de patrimonial tributário de € 48.110,00 fixado nos termos do CIMI correspondendo ao valor de € 24.055,00 em virtude do bem ser compropriedade do casal].

M. No entanto, e sem conceder, se doutamente se considerar que o valor sujeito a imposto de selo no caso sub Judice deveria ser apenas o valor tributável do terreno, verifica-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que decidiu pela anulação total da liquidação, quando deveria apenas ter anulado parcialmente o acto.

N. Com efeito, o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial, conforme se extrai da Jurisprudência, por todos veja-se o Acórdão do Pleno de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.° 298/12.

O. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença enferma de erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, artigos 1°, n.° 1 e 3, alínea a); 2°, n.° 2, alínea b); 3°, n.° 3 alínea a); art.° 5°, alínea r); 13°, n.° 1 todos do CIS e, Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo, 1’.

P. e subsidiariamente, de erro de julgamento na medida em que anula totalmente a liquidação, quando deveria apenas ter anulado parcialmente o acto, mantendo-se a liquidação do imposto sobre o valor patrimonial tributário correspondente ao terreno.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Contra-alegou a recorrida concluindo da seguinte forma:

A) A Recorrida, apenas, adquiriu uma parcela de terreno para construção urbana;
B) Posteriormente, sobre o terreno adquirido, a Recorrida construiu a expensas suas, a sua casa de habitação;
C) Consequentemente, o contrato que está sujeito a tributação de imposto de selo, é, apenas, o respeitante ao terreno.
D) É o acto de aquisição por usucapião do imóvel usucapido, que é objecto de incidência de tributação em imposto de selo;
E) E, não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelo usucapiente.
F) Se fizer incidir o imposto de selo sobre todo o conjunto predial, a Administração Fiscal está claramente, a actuar contra a letra e o espírito da lei.
G) O que criaria desigualdades em relação a quem, por exemplo, adquire por escritura de compra e venda uma parcela de terreno sobre a qual, posteriormente, edifica uma construção.
H) Já que, neste caso, o fisco apenas tributa a aquisição do terreno.

Em síntese: a decisão recorrida analisou correctamente a situação concreta, e não violou qualquer norma.

Pelo exposto, deverão Vs Exas. Senhores Juízes — Conselheiros, negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo a decisão proferida, com todas as demais consequências legais. POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, exarada a fls. 140/148, em 19 de Julho de 2013.
A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial deduzida do despacho de indeferimento de reclamação graciosa deduzida da liquidação de imposto de selo, de 2009, no entendimento de que o valor a considerar para efeitos de tributação em sede de IS não é o do imóvel urbano existente à data da escritura de justificação, mas antes o do terreno, efectivamente, usucapido e no qual foi implantado o citado prédio urbano.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 173/175, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685.°-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 183/184 que aqui, também, se dão por reproduzidos.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
A questão controvertida consiste em saber se o valor a ter em conta para efeitos de tributação em IS é o valor do prédio urbano existente à data da escritura de justificação ou o do terreno, efectivamente, usucapido onde esse prédio urbano foi implantado.Nos termos do disposto no artigo 1.º 1 do CIS, o imposto incide sobre todos os actos, contratos documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Por força do n.° 3, alínea a) do mencionado artigo, para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis incluído a aquisição por usucapião.
A alínea b) do n° 2 do artigo 2.° do CIS estatui que nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários.
De acordo com o disposto no artigo 5.°/ r) do CIS, a obrigação tributária considera-se constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial.
Ainda de acordo como o disposto no artigo 13.º/1 do CIS o valor tributável dos bens imóveis é o valor VPT constante da matriz nos termos do CIMI, ou o determinado por avaliação, nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
Segundo a verba 1.2 da TGIS, o imposto de selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião.
Dos citados normativos resulta um conceito de transmissão jurídico-fiscal que se afasta, significativamente, do conceito de transmissão em direito privado.
Na verdade, em direito civil a noção de transmissão de direito equivale à de aquisição derivada translativa e à sucessão não abrangendo os modos de aquisição originário, como é o caso da usucapião.
Enquanto para o direito civil a usucapião é um modo de aquisição originário do direito de propriedade, cujos efeitos se retrotraem à data do início da posse (artigos 1287.° e 1288.° do C. Civil), para o direito fiscal é uma transmissão gratuita que apenas nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação notarial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação (artigo 5.°/ r) do CIS).
Para efeitos fiscais o legislador situa a aquisição por usucapião no momento em que se detecta o aumento da riqueza equivalente ao substrato económico do direito novo que surge no património do usucapiente.
É por isso que o facto tributário não coincide com a data do início da posse, mas com o momento em que existe um acto público que justifica aquisição, momento em que se revela a capacidade contributiva do usucapiente.
Descendo ao caso em análise temos assim, que só com a celebração da escritura em 09 de Outubro de 2009 (ponto 1 do probatório) é que houve transmissão susceptível de tributação em sede de IS.
Sucede que, ao contrário da tese sustentada pela recorrente, o facto gerador do IS não foi a aquisição por usucapião de um prédio urbano, como resulta da escritura de justificação notarial, mas sim de um prédio rústico onde o recorrido construiu um prédio urbano.
Efectivamente, com resulta do ponto 1 do probatório, a casa de habitação cuja posse foi justificada foi construída pelo impugnante/recorrida e cônjuge em terreno comprado em 1959, sem outorga de escritura pública, o que significa que existe um erro na identificação do prédio na escritura e, consequentemente, no acto de liquidação impugnado.
A casa de habitação consubstancia uma benfeitoria útil (artigo 216.° do CC) feita pela recorrida no prédio rústico, esse sim adquirido por via do instituto da usucapião.
Ora, como é jurisprudência reiterada e uniforme deste STA:
- Só o acto de aquisição por usucapião do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em IS e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no imóvel pelo usucapiente;
-Não correspondendo à realidade o documentado numa escritura de justificação notarial de usucapião, a liquidação efectuada pela AT com base nos termos constantes nessa escritura está ferida de ilegalidade decorrente de posterior constatação de erro nos pressupostos de facto;
-Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado o prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo. ¹ (Acórdãos do STA, de 22/02/2010-P. 0334/10; de 03/03/2010-P. 01190/09; de 25/05/2010-P. 053/10; de 09/06/2010-p. 0242/10; de 08/02/2012-P. 01120/11; de 29/02/2012-P. 0818/11; de 23/02/2012-p. 0182/11, 07/03/2012-P. 0833/11, de 2012.10.17-P. 0619/12, de 2013.03.13-P.0139/12 e de 2103.10.30-P. 0827/13, todos eles disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
Portanto, é de manter a sentença recorrida.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

1.º - Na escritura pública de justificação notarial, a impugnante e o marido, B…………, contribuinte fiscal n° ………, declararam que, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……… (………), sob o artigo 2234, com o valor patrimonial de € 7.103.63, que veio à sua posse por compra por contrato celebrado em 1959 com C………… e mulher D…………, residentes que foram no lugar de ………, da indicada freguesia de ……… (………), não tendo chegado a ser realizada a respectiva escritura de compra e venda - cf. doc. de fls.17 a 22 dos autos.
2.° - Na sequência da participação à administração tributária do teor desta escritura foi realizada a liquidação do Imposto do Selo n° 921189, de 22.12.2009, no valor de € 2.405,50, em nome da impugnante, com data limite de pagamento voluntário da 1ª prestação, em 31.03.2010 - cf. doc. de fls.28 dos autos.

3.º - Em 23.03.2010, a impugnante reclamou graciosamente da liquidação, nos termos da reclamação a fls. 2 a 5, do apenso de reclamação graciosa, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

4.º - Em 14.04.2010 a ora impugnante foi notificada pela administração tributária para juntar ao processo de reclamação graciosa uma rectificação à escritura de justificação, onde se faça referência ao facto de o prédio adquirido, foi um terreno para construção com a área de 804,00 m2, onde posteriormente foi implantada a construção de uma casa de habitação, como havia sido referido na petição da reclamação graciosa - cf. doc. de fls.17 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

5.º - Em 20.04.2010, a impugnante e o marido celebraram uma escritura pública de rectificação da referida escritura de justificação em que declararam, que o objecto de justificação é não o prédio urbano nela identificado, mas sim o terreno onde o mesmo foi edificado a expensas suas, o qual havia sido adquirido pelos justificantes ainda como terreno para construção com a área de oitocentos e quatro metros quadrados, por compra meramente verbal a C………… e mulher D…………, residentes que foram no lugar de ………, indicada freguesia de ……… (………), no ano de mil novecentos e cinquenta e nove, não chegando todavia a realizar-se a projectada escritura de compra e venda - cf. doc. de fls. 21 a 23 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

6.° - Esta escritura foi junta ao processo de reclamação graciosa no prazo estabelecido pela administração tributária - cf. doc. de fls. 20 a 23 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

7.° - Por despacho de 27.05.2010 foi indeferida a reclamação graciosa, pelos fundamentos constantes do despacho de fls. 42 e das informações de fls. 25 a 27, 40 e 41, ínsitas no processo de reclamação graciosa, apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

8.° - A impugnante adquiriu por usucapião o terreno para construção identificado na escritura de rectificação referida em 5.°) - cf. doc. de fls.21 a 23 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos e depoimento das testemunhas E………… e F………….

9.º - Nesse terreno a ora impugnante e o marido construíram a casa de habitação que está inscrita no artigo 2234 da matriz predial urbana da freguesia de ……… (………), concelho da Trofa - cf. depoimento das testemunhas E………… e F………….

3 – DO DIREITO

A meritíssima juíza do TAF de Penafiel julgou a impugnação totalmente procedente, anulando a liquidação em causa, por entender que: (destacam-se os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso)

I - RELATÓRIO.
1 – A…………, contribuinte fiscal n° ………, residente na Rua ………, n° ……, da freguesia de ………, ……-…… Trofa, notificada do teor do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, no dia 23 de Março de 2010, contra a liquidação do imposto de Selo, no valor de € 2.405,50, vem, ao abrigo do disposto no art.102°, n°2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), impugnar judicialmente tal decisão, nos termos e com os seguintes fundamentos:

Nos termos do art. 3°, n°3, alínea a), do Código do Imposto do Selo (CIS) não é devido imposto do Selo sobre a construção erigida por si no terreno que adquiriu por usucapião.

No caso de aquisição por usucapião, o Imposto do Selo incide apenas sobre o prédio — terreno — adquirido por usucapião e não sobre as benfeitorias — a construção — realizadas no mesmo.

Conclui pedindo que a presente impugnação seja julgada totalmente procedente e provada e, ordenada a anulação da liquidação do Imposto do Selo impugnada, na medida em que nela a administração fiscal está a tributar benfeitorias feitas posteriormente pela impugnante e a expensas suas, sobre o terreno adquirido, com todas as demais consequências legais.

(…)

2 - Notificada a Fazenda Pública para, querendo, contestar, veio fazê-lo a fls. 65 a 67 dos autos.

Em síntese, considera que, a presente acção está votada ao insucesso, na medida em que não assiste razão à impugnante, em qualquer dos fundamentos utilizados.
(…)
Diz ainda que, sobre a presente impugnação pronunciou-se ainda o serviço de finanças por via da informação junta ao PA, a fls.19 e 20, a qual dá por integralmente reproduzida nos seus termos e na qual é de igual modo efectuada uma análise detalhada da situação em apreço, nela se mostrando sustentada inequivocamente a posição da administração tributária, pelo que se dá como reproduzida, nos seus termos, para efeitos da presente contestação, em prol da economia e celeridades processuais.

(…)

Conclui no sentido de que deve a presente impugnação ser declarada improcedente, por não provada nos seus fundamentos, com as legais consequências.

(…)

4 - Tendo ido os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, emitiu douto parecer a fls. 134 a 138, pugnando pela procedência da impugnação judicial.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS.

(…)

lII - DOS FACTOS.
(…)

IV- DO DIREITO.
A…………, notificada do teor do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, no dia 23 de Março de 2010, contra a liquidação do imposto de Selo, no valor de € 2.405,50, vem, ao abrigo do disposto no art.102°, n° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), impugnar judicialmente tal decisão, nos termos e com os seguintes fundamentos:
(…)

No caso em análise, a questão determinante é a incidência objectiva do imposto do Selo.

A impugnante adquiriu por usucapião o terreno para construção, onde veio a construir a expensas suas a casa da habitação que consta da matriz à data da escritura de justificação.

Apesar de à data da escritura de justificação constar da matriz um prédio urbano composto por uma casa de habitação, com anexo e quintal, não foi esse o prédio adquirido por usucapião. O prédio adquirido por usucapião foi tão só o terreno para construção.

A impugnante fez prova de que houve erro sobre os pressupostos de base em que assentou a liquidação impugnada.
Deste modo, a liquidação do Imposto do Selo só pode ter por incidência objectiva o prédio adquirido por usucapião — o terreno para construção identificado na escritura de rectificação, e não o prédio que consta da matriz à data da escritura de justificação, o prédio de habitação, com anexo e quintal.

Ou seja, a incidência objectiva da liquidação do Imposto do Selo tem de ser limitada apenas ao valor do terreno para construção, pois só ele foi adquirido por usucapião.

Apesar de à data da liquidação objecto da presente impugnação a administração tributária só ter conhecimento da justificação do prédio tal como consta da matriz e aparentemente a liquidação impugnada ser inatacável, uma vez, que à administração tributária tinha sido comunicada apenas a escritura da justificação de 09.10.2009, no entanto, resulta dos autos que na sequência da reclamação graciosa a administração tributária foi informada que a escritura de justificação havia sido rectificada e que o prédio adquirido por usucapião era um terreno para construção, cf. consta da escritura de rectificação da justificação de 20.04.2010, e não o prédio urbano com a composição constante da escritura de justificação.

Pelo que, aquando da decisão da reclamação graciosa, a administração tributária tinha o dever de oficiosamente proceder à correcção da liquidação em função da natureza do prédio efectivamente adquirido por usucapião (o terreno para construção) e o seu valor.

No entanto, a administração tributária decidiu manter a liquidação impugnada, incidindo o imposto do Selo liquidado sobre o valor da matriz á data da escritura de justificação, que levou em consideração o valor da construção realizada pela impugnante.

A impugnação tem, por isso, de proceder, com a consequente anulação da respectiva liquidação.

V- DECISÃO.
Atento o exposto e sem necessidade de maior fundamentação, julga-se a impugnação judicial totalmente procedente e anula-se a liquidação, com as legais consequências.”

DECIDINDO NESTE STA
Nos presentes autos essencialmente o que está em causa, como a própria recorrente refere no ponto 5 das suas alegações, tem a ver com a questão de se saber se o imposto de selo incide apenas sobre o acto de aquisição do prédio objecto de usucapião ou se inclui o acto de aquisição de benfeitorias realizadas nesse mesmo prédio. Esta não é uma matéria nova e já foi tratada por nós no Ac. de 29/02/2012 no rec. 818/11 para onde se remete.
O quadro legal:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando os Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), revogando os Códigos do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) e da Contribuição Autárquica (CCA), procedendo a várias alterações de diversa legislação tributária conexa com a reforma empreendida.
A partir da chamada “Reforma da Tributação do Património”, operada pelo citado Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o antigo imposto sobre sucessões e doações foi revogado, sendo que as transmissões gratuitas (doação e sucessão por morte) passaram a ser tributadas em sede do imposto do selo sobre transmissões gratuitas.
O Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro veio também estender ou alargar a transmissões gratuitas o campo de incidência do Código do Imposto do Selo.
Com efeito, foi alargado o âmbito da incidência objectiva deste imposto, sendo que o mesmo tributa as transmissões gratuitas que tenham por objecto, entre outros, o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.
Assim, sob a epígrafe “Incidência objectiva”, o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo estabelece que «O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».
E, por seu lado, a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 1.º do Código do Imposto do Selo preceitua que «Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião».
Por sua vez, e segundo a verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».
Análise:
Do específico regime legal do imposto do selo, vê-se que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens. E, constituindo embora a usucapião uma aquisição originária (artigo 1287º e seguintes do Código Civil), é a aquisição por usucapião considerada, para efeitos fiscais, uma transmissão gratuita de bens imóveis.
Tal aquisição, consonantemente, aliás, com o princípio da expressão formal dos actos tributáveis em imposto do selo, só ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou “transmissão”: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial – cf. a alínea r) do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo [“Nascimento da obrigação tributária”].
Face ao quadro legal exposto e em concordância com o que foi dito na sentença e no parecer do Ministério Público neste Supremo Tribunal, não pode aceitar-se que o imposto de selo se deva aplicar ao imóvel dos impugnantes incluindo as benfeitorias realizadas nesse mesmo prédio e que constituem no caso sub judice a construção de uma habitação.
É que não obstante a previsão do artº 1º nºs 1 e 3 alínea a) do CIS, no caso dos autos não se pode entender que o edifício construído pela impugnante no prédio foi transmitido. O que foi transmitido foi o prédio rústico referido em 4 e 5 do probatório (um terreno para construção com a área de 804,00 m2, onde posteriormente foi implantada a construção de uma casa de habitação). O edifício para habitação construído pela impugnante não é mais do que uma benfeitoria por esta efectuada, e não um prédio transmitido a esta e, como tal, não deve estar sujeito ao imposto de selo em causa.
Neste sentido e por todos os acórdãos de 22 de Setembro de 2010, proferido no Proc. nº 334/10, e de 21/10/2009 tirado no recurso 652/09, destacando-se a fundamentação deste último aresto com a qual se manifesta concordância e para a qual remetemos:
“(…)O que é certo, no entanto, é que o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectigal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal. Nisto consiste a tipicidade do imposto. O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de "implicação intensiva", cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto-Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.
A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.
(…) a questão que importa primeiramente equacionar é a de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio usucapido, ou também o acto de aquisição das benfeitorias nesse prédio levadas a cabo pelos impugnantes, ora recorrentes?
E o certo é que só o acto de aquisição do prédio usucapido (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo.
De harmonia com as supracitadas disposições do n.º 1 e do n.º 3, alínea a), do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, e da verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é objecto de incidência em imposto de selo não mais que o acto de «a aquisição por usucapião».
E, assim, julgamos que não poderá dizer-se, com carácter genérico – proposição que estará na base da solução encontrada pela sentença recorrida –, que o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, no momento do nascimento da obrigação tributária (trânsito em julgado da acção de justificação judicial ou celebração da escritura de justificação notarial), sem qualquer dedução.
Na verdade, se deve ser “deduzido” ou subtraído do respectivo valor tributável em imposto de selo algum “valor” neste valor tributável indevidamente incluído, só poderá saber-se depois de definido e identificado o objecto de incidência do imposto de selo. É que pode dar-se o caso, como é seguramente o presente, de, por via de indevida inclusão na norma de incidência, estarem incluídos no valor tributável em imposto de selo “valores” que nada têm a ver com o valor do acto ou do facto tributário previsto na lei: o acto da «aquisição por usucapião» (e já não o acto de aquisição das benfeitorias feitas pelo usucapiente no prédio usucapido).
Estamos deste modo a concluir, e em resposta à questão decidenda, que as liquidações impugnadas foram operadas exorbitando das normas de incidência objectiva do Código do Imposto do Selo – pelo que, e na medida de tal exorbitância, devem as liquidações impugnadas ser anuladas, devendo, por sua vez, ser revogada a sentença recorrida que não laborou neste entendimento.
Quer dizer: devem ser anuladas as liquidações impugnadas, na exacta medida em que as mesmas exorbitam dos limites legais de incidência objectiva: o acto de «aquisição por usucapião», acto fora do qual se encontra evidentemente o acto de aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente.
Então, havemos de convir, em síntese, que pelo imposto do selo tributam-se, inter alia, os actos de aquisição de imóveis, incluindo o acto de aquisição por meio de usucapião.
E, assim, o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em imposto de selo, e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelo usucapiente (…)
Em apoio desta interpretação invocamos, ainda, para dissipar quaisquer réstias de dúvidas que pudessem subsistir, que sempre seria de considerar a substância económica dos factos e, a esta luz, parece-nos indiscutível que edifício construído no terreno resultou do investimento de activos patrimoniais dos Impugnantes e, como tal, não se pode considerar que lhes foi transmitido e muito menos a título gratuito – cfr. Artº. 11º, nº 3 da LGT.
Pelo exposto, o recurso não merece provimento. No entanto, suscita a recorrente Fazenda Pública subsidiariamente e para a hipótese de decair na sua tese a questão da anulação apenas parcial da liquidação (conclusões M) N) e P) das alegações de recurso).
Cremos que nada obsta à anulação parcial do acto de liquidação como defende e salienta a recorrente. De facto, o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial, conforme Acórdão do Pleno do STA de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.° 298/12.
A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na medida em que decidiu pela anulação total da liquidação, quando deveria apenas ter anulado parcialmente o acto, e mantido a liquidação efectuada no que respeita ao imposto de selo devido de 10% sobre o valor tributável do terreno onde foi edificada a benfeitoria (um terreno para construção com a área de 804,00 m2).

Assim sendo nesta parte procede o recurso apresentado.

4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença na parte em que determinou a anulação total da liquidação, e mantendo-a na dimensão de anulação parcial da liquidação na parte em que tributa valores relativos às aludidas benfeitorias.

Custas neste STA a cargo de ambas as partes por atenção ao seu decaimento e na 1ª Instância apenas a cargo da Fazenda Pública.

Lisboa, 21 de Maio de 2014. - Ascensão Lopes (relator) – Dulce Neto - Isabel Marques da Silva.