Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02194/14.9BEPRT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES
BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:I - A Contribuição sobre o Sector Bancário (C.S.B.) tem a natureza jurídica de uma contribuição financeira.
II - Não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico (cfr.artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12/OE 2011; portaria 121/2011, de 30/03), por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação referente ao exercício de 2012, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27119
Nº do Documento:SA22021020302194/14
Data de Entrada:11/17/2020
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A………., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando, mediatamente, o acto de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário, referente ao ano de 2012 e no montante total de € 1.652.704,31.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.111 a 120 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou improcedente a presente impugnação deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário relativa ao ano de 2012, com o nº 26000003048, no valor € 1.652.704,31;
B-O Tribunal a quo, cingindo, erradamente em nossa opinião, as questões a decidir, à inconstitucionalidade orgânica e material da Portaria nº 121/2011, de 30 de Março, por violação, por um lado, do principio de reserva de lei em matéria fiscal e por atribuir poderes discricionários ao governo para fixar a taxa e base de incidência da contribuição, e por outro, violação do principio da capacidade contributiva, decidiu pela improcedência da impugnação, mantendo a liquidação impugnada por não considerar verificadas nenhuma das acima apontadas inconstitucionalidades;
C-Ora, não pode a Impugnante conformar-se com o doutamente decidido, desde logo porque a decisão proferida padece do vício de omissão de pronúncia quanto ao vício de inconstitucionalidade material por violação do principio da retroactividade da lei fiscal – vício alegado nos artigos 13º (em especial al.c)) e 57º a 67º da Petição Inicial, e nos artigos 5º (al. c) e 6º a 18º das Alegações, o que fere de nulidade, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 125 do Código do Procedimento e Processo Tributário, dado que é manifesto tratar-se de questão que o Tribunal a quo deveria apreciar. Não tendo feito, deverá a sentença ser declarada nula, com as consequências legais;
D-No que tange o vício de inconstitucionalidade orgânica, entendeu o douto tribunal a quo ser “(…) inequívoco que a predita Lei (Lei nº 55-A/2010) estabelece a taxa da referida contribuição. O facto de se permitir que o Ministro das Finanças fixe, através de Portaria, a concreta taxa aplicável, a qual pode variar entre uma percentagem e o seu quíntuplo e uma percentagem e o seu dobro não altera essa conclusão”;
E-Com a ressalva do sempre devido respeito, tal entendimento merece censura porquanto, de acordo com o número 2 do artigo 103º da CRP, a criação de impostos e dos respetivos elementos essenciais é competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização do Governo (cf. Alínea i) do número 1 do artigo 165º da CRP) afastando-se terminantemente a possibilidade de definição de tais elementos por instrumentos normativos de inferior valor. Assim, apenas se afigura admissível a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos através de Leis ou Decreto-Lei autorizados, revelando-se, por conseguinte, incompatível com a Constituição a definição de tais elementos através de portaria;
F-Acresce que, à face da redacção actual da Lei constitucional, o princípio da legalidade exige que a lei determine a taxa dos impostos e não apenas os seus limites, como se previa anteriormente no artigo 70º Constituição de 1933, na redacção conferida pela revisão de 1971. Com efeito “A Constituição de 1976, ao eliminar a menção «ou dos seus limites» quis claramente reservar à própria lei a directa determinação da taxa dos impostos. Assim a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos tem de constar de diploma legislativo (reserva de lei), sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quando aos seus elementos essenciais.”;
G-Sendo certo que no Acórdão citado na douta decisão recorrida (Acórdão nº70/2006 do Tribunal Constitucional) se sanciona que “ao definir o factor de quantificação do imposto traduzido na taxa apenas através da indicação das suas respectivas balizas, mínimas e máxima, não deixa o legislador parlamentar de actuar no exercício desse poder tributário”, não é menos verdade que no mesmo Acórdão que se considera que a habilitação legal de fixação de taxas de imposto através de portaria apenas se deve considerar conforme à constituição desde que estabelecida de acordo com um critério de “razoabilidade quanto ao intervalo dentro do qual o legislador regulamentar podia fixara taxa efectiva cuja razão de ser só poderia corresponder à sua preocupação de que esse intervalo não fosse de tal modo amplo que criasse uma incerteza intolerável quanto ao grau de amputação de riqueza admissível e esvaziasse de real conteúdo o juízo de opção política expresso num tal modo de tributação exigido ao legislador parlamentar.”;
H-Razoabilidade e adequação que não se encontram verificadas na definição do intervalo exageradamente amplo de taxas constantes do artigo 4º do regime da CSSB, o qual admite uma variação de 500% (actualmente 1100%) entre os montantes mínimos e máximo previstos na lei, como ainda faz depender aquela variação em função do valor apurado. No caso em concreto os limites definidos pela norma habilitante implicam que a contribuição devida possa variar entre € 330.540,86 e € 1.652.704,31. Perante estas cifras, é manifesto e evidente o grau de incerteza que semelhante intervalo de fixação de taxas cria na esfera dos sujeitos passivos, não se podendo considerar esta variação como razoável, adequada, garante da segurança e previsibilidade do dia-a-dia dos contribuintes sendo, portanto, geradora de um grau de incerteza intolerável, sobretudo quando analisada à luz do principio da certeza jurídica;
I-Na douta sentença ora recorrida, refere-se ainda que “A impugnante limita-se a alegar que foram concedidos poderes discricionários ao Governo e que inexistem “critérios de fixação normativa a ter em conta na fixação efectiva da taxa”, porém, não refere que o espaço de fixação da taxa, deixado à livre intervenção de regulamento, tenha sido irrazoável, nem indica que o resultado da aplicação da mesma foi excessivo ou desproporcionado em face dos objetivos a que a mesma visava alcançar”, facto que não se afigura correto, como é manifesto pela leitura dos artigos 22 a 27 da petição inicial e bem assim, dos artigos 19 a 22 das alegações;
J-A Portaria que regulamente as taxas aplicáveis nos termos do nº 4 do regime da CSSB aquele regime é, além do mais ilegal por alterar a natureza da taxa prevista na norma habilitante de taxa progressiva para taxa proporcional: com efeito determinando o artigo 4º do regime da CSSB que as taxas do imposto variam “em função do valor apurado”, é evidente que o legislador pretendia que a referida taxa fosse uma taxa progressiva, tendo a mesma sido transformada, através da referida portaria, numa taxa proporcional;
K-Pelo que o legislador ordinário arrogou-se o direito de impor sobre os contribuintes a cobrança de um montante de imposto sempre mais elevado do que aquele que lhe era permitido pelo legislador, pelo que a Portaria não pode deixar de ser considerada ilegal à luz da norma habilitante;
L-No entanto, a ilegalidade da Portaria nº 121/2011 não se basta pela alteração da natureza da taxa aplicável: também na definição da base de incidência veio este instrumento normativo ultrapassar aquilo que se encontrava previsto na norma habilitante: de facto, pese embora a alínea a) do artigo 3º do regime jurídico da CSSB previsse a dedução, à base de incidência, dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, veio a Portaria nº 121/2011 determina, na alínea c) do número 2 do artigo 4º que estes depósitos “relevam apenas na medida do montante efectivamente coberto por esse Fundo”. A imposição de tal limite através da Portaria 121/2011 consiste, por conseguinte, num inadmissível vício de ilegalidade;
M-Por sua vez, no que se recorta ao vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade na douta sentença recorrida conclui-se que “a contribuição sobre o sector bancário reconduz-se a uma «contribuição financeira», visando suportar financeiramente a atividade do estado regulador e supervisor. E sendo assim, não tem de atender às exigências apontadas pela impugnante.”;
N-Também neste aspeto não pode o ora Recorrente concordar com o doutamente decidido. Desde logo cumpre esclarecer que o princípio da equivalência é uma decorrência do princípio da igualdade, impondo que as contribuições “sejam repartidas de acordo com o custo provocado pelo contribuinte ou de acordo com o benefício que a administração lhe proporciona (…) O sentido essencial do princípio da equivalência está em proibir que se introduzam nos tributos comutativos diferenciações alheias ao custo ou ao benefício assim como em proibir que o valor destes tributos ultrapasse esse mesmo custo ou benefício, sacrificando os respectivos sujeitos passivos em proveito da comunidade”;
O-Ora, de acordo com o preâmbulo da Portaria nº 121/2011, a criação da CSSB assume o duplo objectivo de “reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados”. Por outro lado, no relatório do Orçamento do Estado para 2011 esclarece-se que a CSSB é criada “com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.”;
P-A teleologia conducente à criação da CSSB assenta, assim, numa lógica de intencional acréscimo de oneração fiscal do sector financeiro, bem como a oneração da adoção de posições de risco. Conforme se retira dos excertos transcritos, a criação e definição da CSSB não é motivada e norteada exclusivamente pelos custos ou risco sistémico provocado pelo sector financeiro mas também, aqui residindo uma patente violação do principio da equivalência, pela intenção de aumentar a carga fiscal, ie, tributar mais intensamente o sector financeiro, chamando este sector a participar de forma mais intensa no esforço de consolidação de contas públicas;
Q-Com efeito, a satisfação das necessidades financeiras do Estado, enquanto propósito orientador da criação do sistema fiscal, deve assentar numa justa distribuição dos encargos tributários não devendo, portanto, onerar de forma mais gravosa, um grupo específico e pré-determinado de contribuintes, apenas e tão só em função das actividades por eles desempenhadas;
R-E pese embora assim o seja, não se entende qual o motivo para que tal oneração e presunção de criação de risco seja imputada exclusivamente ao sector bancário. Pese embora a prevenção de situações de tomada de posições de risco excessivo tenha estado na génese das propostas apresentadas a nível internacional para a criação de tributos adicionais sobre o sector financeiro, a solução adotada no plano nacional parece-nos ficar aquém daqueles objetivos, introduzindo, conforme já se aludiu, injustificadas desigualdades em matéria tributária: porquanto a CSSB incide apenas, em termos subjectivos, sobre as instituições de crédito, excluindo, assim outros agentes económicos com forte intervenção no mercado financeiro, tais como as sociedades financeiras (conforme definidas, quanto à sua espécie e atividade, nos artigos 4º, 5º e 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – de ora em diante RGICSF); e porque ignora, por completo, que o risco sistémico inerente ao mercado financeiro não é matéria de exclusiva responsabilidade das instituições de crédito: além das instituições de crédito e das sociedades financeiras, são também intervenientes no mercado financeiro, em maior ou menor medida, todos os agentes económicos que pratiquem ou participem em operações de financiamento, bem como de investimento negociação em valores mobiliários, entre outras;
S-Finalmente, entende o ora Recorrente ser evidente a violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, vício sobre o qual o douto tribunal a quo não se pronunciou, princípio esse consagrado no número 3 do artigo 103º da CRP, bem como no número 1 do artigo 12 da LGT;
T-Ora, de acordo com o número 2 do artigo 6º da Portaria nº 121/2011, a base de incidência da CSBB “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devido a contribuição”, sendo a CSSB paga até final de mês de Junho do exercício seguinte;
U-Ou seja, a CSSB líquida em cada exercício incide, necessariamente sobre factos tributários ocorridos e consolidados no exercício anterior. Por outras palavras, a CSSB incidiu, no ano de 2012, sobre factos tributários ocorridos e consolidados na esfera dos sujeitos passivos durante o exercício anterior – os saldos finais de cada mês do ano de 2011;
V-Sucede que, a taxa de 0,05%, prevista no nº1 do artigo 5º da Portaria nº 121/2011 de 30 de Março, utilizada pelo sujeito passivo na autoliquidação da CSSB relativa ao exercício de 2012, apenas foi publicada no dia 30 de Março de 2011, entrando por conseguinte em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – 01 de Abril de 2011;
W-Encontramo-nos portanto perante um caso em que tendo já ocorrido o facto tributário que deu origem à obrigação tributária (e.g. contratação de dívida, receção de depósitos ou negociação de instrumentos financeiros derivados), ocorre a introdução de um novo tributo com eficácia retroactiva, o que à luz do nosso normativo constitucional se figura intolerável;
X-A imposição da CSSB no caso concreto, em que a base de incidência é constituída por factos tributários ocorridos antes da entrada em vigor da taxa aplicável, é por conseguinte, incompatível com o princípio da não retroactividade da lei fiscal, em claro desrespeito pela segurança jurídica e confiança dos sujeitos passivos devendo, por isso, ser considerada inconstitucional;
Y-Pelo exposto se demonstra que o douto Tribunal a quo, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação da razões de direito, em clara e manifesta violação e interpretação do normativo legal e constitucional vindo a referir.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.172 a 174 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.152 e 154 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.126 e 127 do processo físico):
1-Em 27 de Junho de 2012, a Sociedade Impugnante, A…….., S.A., procedeu à autoliquidação e pagamento no montante de € 1.652. 704,31, a título de contribuição sobre o sector bancário – cf. modelo 26 da Declaração de Contribuição Sobre o Sector Bancário e cópia do comprovativo de pagamento, documentos constantes de fls. 23, 25, 26 e 27 dos autos, numeração referente ao processo físico, para os quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
2-Em 30 de Junho de 2014 o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em 1 – cf. requerimento de Reclamação Graciosa a fls. 3 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso aos autos;
3-A 23 de Julho de 2014, a Divisão de Gestão e Assistência Tributária, da Unidade dos Grandes Contribuintes, elaborou a informação nº 240-AIR1/2014, propondo o indeferimento da reclamação graciosa – cf. informação constante de fls. 25 a 31 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso aos autos, a qual se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
4-Em 18.08.2014 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor, bem assim como informação que lhe subjaz – cf. despacho constante de fls. 32 e seguintes do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso aos autos;
5-Pelo ofício n.º 2897 de 18 de Agosto de 2014 foi o Impugnante notificado do indeferimento da reclamação graciosa – cf. notificação constante de fls. 37 do processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo apenso aos autos;
6-Os presentes autos de Impugnação Judicial deram entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 19 de Setembro de 2014 – cf. data constante do comprovativo de entrega de documento constante de fls. 2 dos autos, numeração referente ao processo físico.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e constantes do Processo Administrativo e reclamação graciosa, conforme se deixou indicado ao longo do rol de factos provados, por deles se extraírem com toda a clareza, atendendo ainda à credibilidade que tal documentação encerra a que acresce o facto de o seu teor não ter sido posto em causa pelas partes…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve, porque legal, o acto de autoliquidação de Contribuição Sobre o Sector Bancário, referente ao ano de 2012 e objecto mediato do presente processo (cfr.nº.1 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que o Tribunal "a quo" não apreciou todas as questões suscitadas pelo ora recorrente, mais concretamente, o vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da retroactividade da lei fiscal, de que padece a portaria 121/2011, de 30/03 (cfr.conclusão C) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei) ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões. E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.514/12; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019; rec.3131/16.1BELRS; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/04/2020; rec.2145/12.5BEPRT).
"In casu", antes de mais se dirá que, conforme despacho de reparação do vício da sentença recorrida exarado a fls.161 e 162 do processo físico pelo T.A.F. do Porto, ao abrigo do artº.617, do C.P.Civil, a nulidade alegada pelo recorrente foi sanada, suprimento este que passou a fazer parte integrante da decisão judicial inicial, atento o disposto no nº.2, do citado preceito.
Remediada a nulidade alegada pela sociedade recorrente, esta veio aos autos informar que mantém interesse na prossecução do recurso (cfr.requerimento junto a fls.165 do processo físico), ao abrigo do artº.617, nº.3, do C.P.Civil, assim tendo este Tribunal que examinar os restantes esteios da apelação, o que infra se cometerá.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente e em síntese, que se verifica a inconstitucionalidade orgânica e material da portaria 121/2011, de 30/03, por violação do princípio constitucional de reserva de lei em matéria fiscal. Também, por violação do princípio da capacidade contributiva. Ainda, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal. Igualmente, por violação do princípio da segurança jurídica, quanto ao intervalo de taxas consagrado no artº.4, do Regime da Contribuição Sobre o Sector Bancário, aprovado pelo artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011). Também, devido a violação do princípio da igualdade, nas suas vertentes da universalidade e da uniformidade (cfr.artº.13, da C.R.P.), tal como do princípio da equivalência, este enquanto corolário do princípio da igualdade. Por último, a portaria que regulamenta as taxas aplicáveis nos termos do citado artº.4, do Regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, é ilegal por alterar a natureza da taxa prevista na norma habilitante, de taxa progressiva para taxa proporcional, tal como ao alterar a base de incidência da Contribuição Sobre o Sector Bancário, à revelia do artº.3, do mesmo regime habilitante (cfr.conclusões D) a Y) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em primeiro lugar, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Vertendo, agora, à Contribuição Sobre o Sector Bancário, aprovada pelo artº.141, da Lei 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), as questões que são suscitadas no âmbito do presente recurso foram já objecto de análise e decisão na Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., no acórdão de 19 Junho de 2019 (rec.2340/13.0BELRS), proferido em julgamento ampliado do recurso (cfr.artº.148, do C.P.T.A.; artºs.686 e 687, do C.P.Civil), e o seu teor posteriormente reiterado na jurisprudência que se lhe seguiu, designadamente, nos acórdãos de 11 de Julho de 2019 (rec.2666/16.0BELRS), de 18 de Setembro de 2019 (rec.2883/16.3BELRS) e de 27 de Novembro de 2019 (rec. 2867/16.1BELRS).
Tendo em consideração:
i)o carácter unânime da decisão prolatada em 19 Junho de 2019 por este Tribunal;
ii)a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes do S.T.A. que têm sido proferidas sobre a mesma questão, algumas supra identificadas;
iii)o pouco tempo que ainda decorreu desde que este entendimento jurisprudencial foi firmado, impõe o princípio da segurança jurídica que o teor daquela decisão inicial (em julgamento ampliado) seja igualmente seguido no recurso aqui em exame.
Com estes pressupostos, contemplando o teor do acórdão de 19 de Junho de 2019 (rec.2340/13.0BELRS) e dos posteriores supra identificados, deve aplicar-se o disposto no artº.663, nº.5, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.8, nº.3, do C.Civil), assim se estruturando a restante fundamentação do presente aresto através de remissão para os acórdãos precedentes e os fundamentos aí expendidos.
Por outro lado, considerando que, quer o texto do acórdão de 19 de Junho de 2019, quer o texto dos acórdãos posteriores, todos da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., se encontram disponíveis, na íntegra, "on-line", na base de dados da D.G.S.I., dispensa-se a junção das respectivas cópias.
Apesar de tudo o acabado de expender, sempre se respingam dos arestos identificados acima, as seguintes passagens em que se dá resposta aos esteios da presente apelação:
1-"Tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente ao ano de 2011, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec. 2867/16.1BELRS);
2-"Pela natureza de contribuição financeira da CSB, resulta que a criação da mesma não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da AR ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts. 165°, n°1, al. i) e 198°, n°1, al. b), ambos da CRP) (…) no caso da CSB, o respectivo regime jurídico foi, como se viu, criado pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva, sendo que a Portaria n° 121/2011, de 30/03, para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR (maxime no art. 8° desse Regime Jurídico). Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art. 103º, nº 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art. 165º nº 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria nº. 121/2011, de 30/03" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/07/2019, rec. 2666/16.0BELRS);
3-"Considerando o caso concreto da CSB, verifica-se que, por um lado, ela atinge igualmente todas as instituições de crédito do sector bancário a operar em Portugal, independentemente de a sua sede principal e efectiva se situar em território português (art. 2° do RCSB; art. 2° da Portaria n° 121/2011) (…)” – nem da capacidade contributiva – “(…) Carecendo, portanto, de relevância o alegado pela impugnante quanto à violação do princípio da igualdade, nesta última perspectiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (…)” – nem da proibição de retroactividade da lei fiscal “(…) Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos. E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente (…) – nem da protecção da confiança legítima – “(…) dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CSB (até porque não seria expectável que Portugal ficasse arredado da aplicação dos novos tributos, discutidos e aceites a nível europeu pelos Estados Membros e em condições tendencialmente iguais), em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 18/09/2019, rec.2883/16.3BELRS);
4-"As modulações do peso e da medida do tributo em função dos maiores ou menores riscos sistémicos provocados pela actuação dos sujeitos passivos (expressão da observância de um critério de proporcionalidade na construção da estrutura sinalagmática), estão presentes na delimitação da respectiva base de incidência objectiva: incidindo a CSB sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados, fica claro que, apesar de a taxa não ser progressiva, o valor da contribuição a pagar por cada sujeito passivo é directamente proporcional à intensidade do risco sistémico que a sua actuação pode presumivelmente provocar, directamente associada à dimensão do passivo e, consequencialmente, à dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das suas responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pelas instituições de crédito (cfr.o art. 4° Portaria n° 121/2011). Daqui se concluindo que, ao invés do alegado pela recorrente, as normas que definem a incidência subjectiva e objectiva e as taxas da CSB, constantes do RCSB (art. 141° Lei n° 55-A/2010, de 31/12) não violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art. 13° da CRP)" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/06/2019, rec.2340/13.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.2666/16.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/09/2019, rec.2883/16.3BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.2867/16.1BELRS).
Face à motivação jurisprudencial para a qual se remete, impõe-se negar provimento ao recurso.
Por último, acompanha-se, igualmente, a jurisprudência anterior quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas, mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.