Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0997/12.8BEBRG 0182/18
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INSOLVÊNCIA
PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
PRESCRIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O Tribunal Constitucional decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa».
II - Esse juízo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ainda que formulado após a prolação da sentença, impõe-se-lhe, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (art. 282.º, n.º 1 da CRP).
Nº Convencional:JSTA000P27322
Nº do Documento:SA2202103100997/12
Data de Entrada:02/21/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 997/12.8BEBRG (Recurso Jurisdicional)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 29-08-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por A………… no presente processo de OPOSIÇÃO relacionado com o Processo de Execução Fiscal nº 0450200501079549, instaurado pela Fazenda Pública contra “B…………, Lda.”, e contra ele revertido, para cobrança de créditos de IRC, referentes a 2003, e legais acréscimos no montante global de € 33.361,83.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. Por douta sentença, datada de 29.08.2017, foi julgada procedente a Oposição à execução, por prescrição das dívidas tributárias e, em consequência, extinto o processo executivo.
II. Para fundamentação da douta sentença fez constar o seguinte: “(…)
“Porém, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n° 362/15, Processo n° 760/14, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Pedro Machete, publicado no DR n° 186, II Série, de 23/9/2015, julgou inconstitucional„ por violação do artigo 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
III. Seguindo a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, considerou que “na contagem do prazo de prescrição não pode atender-se ao período em que o processo de execução fiscal esteve apenso ao processo de falência.”
IV. Concluindo assim que “o prazo de oito anos contado desde 1/1/2004, relativo aos créditos fiscais referentes a 2003, esgotou-se em 1/1/2012, antes de levada a cabo a citação do Oponente, que só teve lugar em 10/5/2012 e,
V. Consequentemente os créditos fiscais ora em execução, referentes a 2003, não podem ser exigidos ao Oponente, mas tão só à devedora originária, tendo de proceder a oposição.”
VI. A Fazenda Pública não se pode conformar com a douta decisão do tribunal a quo que entendeu não aplicar o artigo 100º do CIRE como causa suspensiva da prescrição, imputável ao devedor subsidiário.
VII. Discorda a Fazenda Pública desta decisão, porquanto, com o devido respeito, o TC não decidiu que a declaração de insolvência da devedora originária não constitui facto suspensivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário.
VIII. A decisão do TC consubstanciou-se no seguinte: “(…) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário; (…)”
IX. Foi esta a decisão proferida pelo TC e não outra, contrariamente ao que defende o tribunal a quo.
X. Esta decisão constitucional foi proferida num processo em concreto, na sequência de um conjunto de alegações específicas, só produzindo efeitos nesse mesmo processo, carecendo de força obrigatória geral.
XI. E o douto Tribunal a quo aplica-a como se a mesma tivesse força obrigatória geral, comportamento com o qual a Fazenda Pública não se pode conformar.
XII. Tanto assim é que, na petição inicial (doravante, p.i.) de Oposição à execução fiscal, alega o Oponente, aqui recorrido, que as dívidas em questão já prescreveram tendo decorrido desde o facto tributário até à data da presente notificação, mais de oito anos.
XIII. Em momento algum, o Oponente, ora recorrido, alegou a inconstitucionalidade do artigo 100º do CIRE, a sua não aplicação ou não extensão dos seus efeitos relativamente a si enquanto devedor subsidiário.
XIV. E a este respeito, a sentença recorrida nada diz. Limita-se a, sem mais, desconsiderar o artigo 100º do CIRE no cômputo do prazo de prescrição, com fundamento na conclusão de que a declaração de insolvência não constitui causa suspensiva da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário, afirmando sufragar a posição assumida pelo TC no Acórdão n.º 362/2015, de 09.07.2015.
XV. Mas inexiste decisão do TC, com força obrigatória geral, que declare a inconstitucionalidade orgânica do artigo 100º do CIRE.
XVI. Ao desconsiderar a declaração de insolvência da devedora originária como causa suspensiva da prescrição, extensível ao devedor subsidiário, declarando, em consequência, a prescrição das dívidas tributárias e a extinção do processo executivo, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos artigos 100º do CIRE, 48º e 49º da Lei Geral Tributária (LGT) e 321º, n.º 1 do Código Civil (CCiv).
XVII. No Acórdão n.º 362/2015, de 09.07.2015, no qual o tribunal a quo sufraga a sua sentença, o TC decidiu julgar a inconstitucionalidade orgânica do artigo 100º do CIRE quando interpretado no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
XVIII. O artigo 100º do CIRE dispõe: “A sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.” (sublinhados nossos)
XIX. Este normativo não contende com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos artigos 48º e 49º da LGT, porquanto, não é especificamente dirigido às dívidas tributárias, antes, abrange todos os credores, tendo em vista a melhor satisfação possível dos seus créditos, constituindo este o objetivo precípuo do processo de insolvência.
XX. Esta norma legal não configura nenhum regime inovatório. Constitui corolário de um princípio geral segundo o qual a prescrição se suspende durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito. É o que resulta do artigo 321º, n.º 1 do CCiv.
XXI. Tal princípio geral vale também no direito tributário. Encontrando-se o titular do direito impossibilitado de lançar mão da execução fiscal, entender-se que contra ele correriam os prazos de prescrição seria uma solução adversa aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé.
XXII. Por isso, tal como sucedeu na situação tratada no Acórdão do TC n.º 280/2010, “nenhum motivo existe também aqui para uma intervenção parlamentar, quando o que está em causa é igualmente a definição de uma solução jurídica exigida pela própria lógica do regime de insolvência e que se encontra justificada à luz de um princípio geral de direito (artigo 321.º, n.º 1, do Código Civil)”. Vide, neste sentido, Acórdãos do STA de 05.12.2012, proferido no âmbito do processo n.º 01225/12 e de 18.06.2014, proferido no âmbito do processo n.º 0119/14.
XXIII. O artigo 100º do CIRE não visa direta e imediatamente os créditos tributários, antes se caracteriza como uma solução própria do processo de insolvência, razão pela qual, não interfere com matéria garantística de reserva de lei fiscal prevista no artigo 103º, n.º 2 da, CRP.
XXIV. Neste sentido se pronunciou o próprio TC na decisão na qual a sentença a quo se sufraga, onde escreve: “(…) Ponto é que a disciplina do artigo 100.º do CIRE não visa direta e imediatamente os créditos tributários, mas a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo caráter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hierarquia dos respetivos créditos. Nessa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador, não se relacionando com a função garantística da reserva de lei fiscal. A suspensão de prazos em apreço é inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua eventual exclusão redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público. (…)” (sublinhados nossos).
XXV. Naquele aresto, é o próprio TC que admite que o artigo 100º do CIRE não contende com a matéria de “garantia dos contribuintes”.
XXVI. Solução que a Fazenda Pública subscreve na íntegra. Até porque, solução inversa conduziria à seguinte conclusão: a declaração de insolvência da devedora causa suspensiva da prescrição das dívidas tributárias, não contendendo com matéria garantística de reserva de lei fiscal quando imputável ao devedor originário; mas tal causa suspensiva já contende com matéria de “garantia dos contribuintes” quando imputável ao devedor subsidiário.
XXVII. Conclusão que não teria qualquer coerência jurídica, principalmente, porque, não nos parece que a natureza de matéria de “garantia dos contribuintes” varie consoante o tipo de sujeito passivo seja ele o contribuinte direto, substituto ou responsável. Cfr. artigo 18º, n.º 3 da LGT
XXVIII. Esclarecida esta posição, o TC – atento o facto de a suspensão decorrente do artigo 100º do CIRE não impedir a Administração Fiscal de efetivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal – escreve: “(…) Justifica-se, por conseguinte, uma apreciação diferenciada da norma do artigo 100.º do CIRE quando da mesma se façam decorrer efeitos imediatos que afetem outros sujeitos que não os credores da insolvência e o devedor insolvente, como é o caso de um responsável subsidiário nos termos da legislação fiscal. A questão a equacionar à luz da interpretação daquele normativo feita na decisão recorrida – e que neste processo de fiscalização concreta constitui um dado – é, assim, a dos efeitos que podem advir da declaração de insolvência para tal responsável subsidiário pelo pagamento da dívida fiscal do devedor insolvente. (…) ” (sublinhados nossos)
XXIX. É nesta apreciação diferenciada do artigo 100º do CIRE que o TC acaba por concluir:
XXX. “ (…) Embora o artigo 100.º do CIRE não contenha, no seu teor literal, disciplina especialmente dirigida às dívidas tributárias, o certo é que a interpretação com que o mesmo foi aplicado no presente caso ao recorrente pressupõe que o mesmo preceito preveja uma causa de suspensão da prescrição em virtude da declaração de insolvência, adicional àquelas que se encontram previstas na LGT. E essa nova causa de suspensão teve repercussão direta no prazo de prescrição invocável pelo recorrente na qualidade de responsável subsidiário. Assim, embora não traduzindo uma modificação do regime geral da prescrição, a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE acolhida pelo tribunal a quo originou necessariamente, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo, não decorrente do regime geral aplicável nem de qualquer outra norma produzida ou autorizada pela Assembleia da República, enquanto órgão constitucionalmente habilitado a legislar nesta matéria. Por isso, conclui-se sem margem para dúvidas que tal interpretação contende com matéria integrada nas garantias dos contribuintes, para os efeitos do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição. (…) ” (sublinhados nossos)
XXXI. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com esta conclusão e com a sentença que a sufraga aqui objeto de recurso.
XXXII. Para a Fazenda Pública o que está em causa nos presentes autos não é a interpretação do artigo 100º do CIRE enquanto norma da qual, como entende o TC, advém uma causa de suspensão da prescrição adicional àquelas que se encontram previstas na LGT.
XXXIII. Não é a interpretação normativa do artigo 100º do CIRE que origina, como entende o TC, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo.
XXXIV. Aliás, inexiste uma causa de suspensão adicional às previstas na LGT.
XXXV. No caso em concreto, existe, tão-só, uma causa de suspensão da prescrição: a declaração de insolvência da sociedade devedora originária prevista no artigo 100º do CIRE, normativo integrado no Título IV, Capítulo III, respeitante aos efeitos da declaração de insolvência sobre os créditos.
XXXVI. A declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição dos créditos, no que ao caso releva, dos créditos tributários.
XXXVII. Com a declaração de insolvência da devedora originária, o único efeito que ocorreu, em cumprimento do artigo 100º do CIRE, foi a suspensão da prescrição dos créditos tributários relativos a IRC do ano de 2003.
XXXVIII. A extensão desse efeito ao devedor subsidiário, aqui recorrido, não resulta da interpretação do artigo 100º do CIRE, contrariamente ao entendido pelo TC e pelo tribunal a quo.
XXXIX. O aproveitamento desse efeito quanto ao devedor subsidiário, aqui recorrido, decorre da aplicação do artigo 48º, n.º 2 da LGT que estipula: “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.”, e não, de qualquer interpretação do artigo 100º do CIRE.
XL. Contrariamente à decisão a quo, o artigo 100º do CIRE apenas produz efeitos quanto aos créditos tributários, cujo prazo de prescrição se suspende aquando da declaração de insolvência. É este o único efeito decorrente deste normativo legal.
XLI. A extensão de tal causa de suspensão ao devedor subsidiário, aqui recorrente, não resulta de qualquer interpretação do artigo 100º do CIRE, mas apenas da aplicação do artigo 48º, n.º 2 da LGT.
XLII. A declaração de insolvência é causa suspensiva da prescrição dos créditos tributários, nos termos do artigo 100º do CIRE.
XLIII. A oponibilidade dessa causa de suspensão da prescrição ao devedor subsidiário decorre, não do artigo 100º do CIRE, mas, do artigo 48º, n.º 2 da LGT.
XLIV. Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que aplique o artigo 100º do CIRE, enquanto causa suspensiva da prescrição, aproveitando tal causa ao devedor subsidiário, por aplicação do artigo 48º, n.º 2 da LGT, e, em consequência, declarar-se a não prescrição das dívidas tributárias que reverteram contra o recorrido, com as devidas consequências legais.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão e substituindo-se por outra que julgue totalmente improcedente a Oposição, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

O Recorrido A………… não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando, recusando a aplicação da suspensão do prazo prescricional ao abrigo do art. 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) relativamente ao responsável subsidiário, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica dessa norma legal se interpretada no sentido de permitir essa aplicação, tudo nos termos da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão com o n.º 362/2015, declarou (no que se refere ao ora Recorrido) a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas, motivo por que julgou procedente a oposição à execução fiscal.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. A Autoridade Tributária, em 2005, instaurou o Processo de Execução Fiscal nº 0450200501079549 contra a sociedade comercial “B…………, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ………… que corre termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão – 1, com vista à cobrança de créditos de IRC, referentes a 2003, e legais acréscimos no montante global de € 33.361,83.

2. No Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, em 26 de Agosto de 1997, foi outorgada escritura pública de aumento de capital e alteração parcial do contrato de constituição da sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ........., documento que consta a fls. 28/30 e se dá por reproduzido, no qual figura o Oponente na qualidade de sócio e gerente.

3. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 31/32, relativo às alterações efectuadas à sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ..........

4. No Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, em 10 de Março de 2003, foi outorgada escritura pública de compra e venda de um imóvel propriedade da sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ........., documento que consta a fls. 33/34 e se dá por reproduzido, no qual figuram, em representação da sociedade, C………… e D………….

5. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 35/38 constituída por “prints” do sistema informático da Autoridade Tributária relativos ao património da sociedade comercial “B............, Lda.”.

6. Na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão, pela Ap. 02/19900426, foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ........., no qual figuram como sócios e gerentes A…………, ora Oponente, C………… e D…………, cada um deles com uma quota com o valor nominal de 3.500.000$00.

7. Na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão, pela Ap. 32/20051220, foi registada a sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ..........

8. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 85/95 que constitui cópia da sentença proferida no Processo nº 1681/05.4TJVNF, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, no âmbito do qual foi declarada a insolvência da sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ........., e decisão que qualificou tal insolvência como culposa.

9. O Processo de Execução Fiscal nº 0450200501079549, em 4/1/2006, foi remetido ao Processo de Insolvência nº 1681/04.4TJVNF, a correr termos no 2º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, e foi devolvido em 25/6/2008, por ofício datado de 17/6/2008.

10. Em 22/2/2012, no Processo de Execução Fiscal aludido em 1, foi lavrado o despacho constante de fls. 40 (projecto de reversão), que se dá por reproduzido, e determinada a notificação do Oponente, para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.

11. A Autoridade Tributária remeteu ao Oponente, sob registo postal, o ofício que consta a fls. 42 e se dá por reproduzido, datado de 22/2/2012, com vista à sua notificação para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.

12. O Oponente, em 5/3/2012, apresentou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão o requerimento que consta a fls. 43/45 e se dá por reproduzido, no exercício do direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.

13. No Processo de Execução Fiscal aludido em 1, em 3/4/2012, foi lavrado o despacho de reversão constante de fls. 46/47 que se dá por reproduzido, e determinada a citação do Oponente, A…………, e demais gerentes, enquanto responsáveis subsidiários.

14. A Autoridade Tributária remeteu ao Oponente, A…………, sob registo postal com AR, o ofício nº 3696 que consta a fls. 49, datado de 24/4/2012, que se dá por reproduzido, com vista à notificação do despacho mencionado em 13.
15. O aviso de recepção relativo ao ofício aludido em 14 foi assinado pelo Oponente, em 10/5/2012.

16. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 77 que constitui cópia de uma informação prestada pela Autoridade Tributária relativamente à não realização da citação da sociedade comercial “B............, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ........., por ter sido declarada insolvente.

17. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 78/80 relativa à liquidação da qual emergiram os créditos ora em execução, e comprovativo da notificação dessa liquidação à devedora originária.

18. Dá-se por reproduzido o “print” de fls. 82 relativo à tramitação do processo de execução fiscal identificado em 1.

19. A presente oposição foi apresentada em 21/5/2012.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.

*
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos referida no probatório em relação a cada um dos factos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida quando, recusando a aplicação da suspensão do prazo prescricional ao abrigo do art. 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) relativamente ao responsável subsidiário, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica dessa norma legal se interpretada no sentido de permitir essa aplicação, tudo nos termos da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão com o n.º 362/2015, declarou (no que se refere ao ora Recorrido) a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas, motivo por que julgou procedente a oposição à execução fiscal.

Na sentença recorrida foi ponderado que estavam em causa dívidas exequendas causa, referentes a 2003, o que significa que o prazo de prescrição em questão iniciou-se em 1/1/2004 e como decorre de fls. 77, e da informação levada ao probatório em 15, a devedora originária nunca foi citada, de modo que, o prazo prescricional de 8 anos, contado desde 1/1/2004, só foi interrompido pela citação do Oponente em 10/5/2012, citação que teve lugar depois de esgotado o prazo prescricional de 8 anos.

Foi ainda apurado que o Processo de Execução Fiscal nº 0450200501079549, em 4/1/2006, foi remetido ao Processo de Insolvência nº 1681/04.4TJVNF, a correr termos no 2º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, e foi devolvido em 25/6/2008, por ofício datado de 17/6/2008.

A partir daqui, tendo presente que a AT sustentou que teria de ser descontado o período de tempo em que o prazo prescricional esteve suspenso pela avocação ao Processo de Insolvência, a decisão recorrida valorou o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015 para concluir que a declaração de insolvência da sociedade originária devedora, no que se refere ao Oponente, que foi chamado à execução fiscal como responsável subsidiário, não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, o que equivale a dizer que na contagem do prazo de prescrição não pode atender-se ao período em que o processo de execução fiscal esteve apenso ao processo de falência.

Nestas condições, o prazo de oito anos contado desde 1/1/2004, relativo às dívidas exequendas referentes a 2003, esgotou-se em 1/1/2012, antes de levada a cabo a citação do Oponente, que só teve lugar em 10/5/2012, pelo que, os créditos fiscais em execução, referentes a 2003, não podem ser exigidos ao Oponente, mas tão só à devedora originária, tendo de proceder a oposição.

Que dizer?

Nas suas alegações, a Recorrente começa por dizer que o Tribunal Constitucional «não decidiu que a declaração de insolvência da devedora originária não constitui facto suspensivo da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário», mas decidiu «(…) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário; sendo que inexiste declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional naquele sentido com força obrigatória geral, não podendo a sentença proceder como se a houvesse, uma vez que o acórdão do Tribunal Constitucional em que alicerçou a decisão só produz efeitos no processo em que foi proferido, apontando anda que, ao contrário do que entendeu o Tribunal Constitucional, o art. 100.º do CIRE o regime não contende com o regime de prescrição das dívidas tributárias e limita-se a abrigar o princípio geral, consagrado no n.º 1 do art. 321.º do Código Civil (CC), de que o prazo de prescrição se suspende enquanto o credor estiver impedido de exercer o seu direito, e «não interfere com matéria garantística de reserva de lei fiscal prevista no art. 103.º, n.º 2, da CRP», verificando-se que no caso a oponibilidade da causa de suspensão resultante da declaração de insolvência da sociedade originária devedora não resulta do art. 100.º do CIRE, nem de qualquer interpretação do mesmo, mas da aplicação do n.º 2 do art. 48.º da LGT.

Pois bem, a matéria compreendida na alegação da Recorrente foi já dirimida por este Tribunal, tal como se colhe do Ac. de 16-01-2019, Proc. nº 0678/17.6BEAVR, www.dgsi.pt, onde se ponderou que:

“...

A Recorrente tem razão quanto ao âmbito destas decisões, mas daí não resulta que tenha razão no recurso.

Desde logo, se é certo que as referidas decisões não têm força obrigatória geral - porque a decisão sobre a questão da constitucionalidade proferida em julgamento do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta, só tem força obrigatória dentro do processo em que foi proferida -, a verdade é que, ulteriormente, o mesmo Tribunal decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa», pelo acórdão n.º 577/2018, proferido em 23 de Outubro de 2018 no processo n.º 418/18 (Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180557.html.).

Assim, toda alegação da Recorrente assente no pressuposto (válido à data) da inexistência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, deixou de fazer sentido.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional não acolheu os argumentos que o Supremo Tribunal Administrativo tinha esgrimido, no sentido de que o disposto no art. 100.º do CIRE é uma emanação do princípio geral consagrado no art. 321.º do CC - de que deve suspender-se o prazo prescricional pelo período por que o credor está impedido de exercer o seu direito de crédito -, motivo por que não constitui uma nova causa de suspensão do prazo, e nem sequer visa directa e imediatamente os créditos tributários, mas a generalidade dos créditos, surgindo como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência, motivo por que não fica sujeito às exigências constitucionais de reserva de competência relativas às garantias dos contribuintes [cfr. arts. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].

Ao invés, o Tribunal Constitucional pôs a tónica do facto de se estar perante um responsável pela dívida tributária a título subsidiário e que não é parte do processo de insolvência do devedor originário. Salientou igualmente que a suspensão decorrente do art. 100.º do CIRE não impede a AT de efectivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, com fundamento na “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal” (art. 23.º, n.ºs 1 e 2 da LGT), contra o devedor subsidiário, ainda que a execução contra este devedor subsidiário não possa prosseguir sem que se mostre excutido o património do devedor originário. No entanto, o facto de ser projectada a reversão da dívida do devedor originário para o responsável subsidiário ainda antes da excussão do património do devedor originário permite àquele tomar consciência da clara possibilidade de vir a ser responsabilizado pelo pagamento da dívida que não for paga pelo devedor principal e de, assim, dar início à organização da sua defesa.

Entendeu, assim, o Tribunal Constitucional que o art. 100.º do CIRE tem que ser interpretado de forma diferenciada, quando do mesmo decorram efeitos imediatos que afectem outros sujeitos que não o insolvente/devedor originário e os credores da insolvência, como é o caso do devedor subsidiário nos termos da legislação fiscal, que não foi declarado insolvente, pelo que considera não poder aplicar-se a argumentação aduzida pelo Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à suspensão do prazo prescricional poder resultar do princípio contido no art. 321.º do CC.

Depois, o Tribunal Constitucional, considerando que as causas de interrupção do prazo de prescrição se situam no âmbito das garantias dos contribuintes para os fins previstos no art. 103.º, n.º 2, da CRP, subscreveu o entendimento de que, «embora não traduzindo uma modificação do regime geral da prescrição, a interpretação normativa do artigo 100.º do CIRE acolhida pelo Tribunal a quo originou necessariamente, ao menos no que se refere aos responsáveis subsidiários, uma nova causa de suspensão do referido prazo, não decorrente do regime geral aplicável, nem de outra norma produzida ou autorizada pela Assembleia da República […]».

Com base nesse entendimento, concluiu que o Governo não estava autorizado a criar essa nova causa de suspensão, pois da Lei de Autorização n.º 39/2003, de 22 de Agosto, maxime do n.º 2 e das alíneas a), b) e h) do n.º 3 do seu art. 1.º, nada se retira quanto à matéria relativa às consequências decorrentes do processo especial de insolvência para o Estado, nem quanto à matéria da prescrição de dívidas fiscais, motivo por que o Governo carecia de autorização parlamentar para legislar sobre aquela matéria (cfr. art. 165.º, n.º 2, da CRP).

Em suma, o Tribunal Constitucional utilizou uma nova perspectiva na análise da questão: «o problema era o de saber se a aplicação do art. 100.º do CIRE ao cômputo da prescrição invocável pelo responsável subsidiário do contribuinte directo cuja insolvência é declarada contende com o regime da respectiva prescrição tributária e, consequentemente, com o regime das suas garantias enquanto contribuinte». Sob essa perspectiva e atendendo às opções de que dispõe a AT, nomeadamente a reversão fiscal, e, ainda, à lei de autorização legislativa concedida ao Governo, concluiu o Tribunal Constitucional que o art. 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica.

Por isso, e porque essa norma fora já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em três decisões (Para além dos referidos acórdãos n.ºs 362/2015 e 270/2017, na decisão sumária n.º 162/2018, esta disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20180162.html.) – o que levou o Representante do Ministério Público junto daquele Tribunal a requerer a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ao abrigo do art. 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e de acordo com o n.º 3 do art. 281.º da CRP -, decidiu o Tribunal Constitucional, como já deixámos dito, «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa».

Há, pois, que acatar a decisão do Tribunal Constitucional, que se impõe com força obrigatória geral, sendo que o juízo de inconstitucionalidade, ainda que formulado após a prolação da sentença, impõe-se-lhe, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (art. 282.º, n.º 1 da CRP). …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, até porque as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 10 de Março de 2021. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.