Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01105/20.7BEBRG
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DECISÃO
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada se situa no âmbito cautelar e tudo indica, numa apreciação preliminar e sumária, que está bem decidida.
Nº Convencional:JSTA000P28303
Nº do Documento:SA12021100701105/20
Data de Entrada:09/03/2021
Recorrente:B..........., LDA E OUTROS
Recorrido 1:JUNTA DE FREGUESIA DE PALMEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A………….. e B………… Lda., invocando o artigo 150º do CPTA peticionam a admissão deste recurso de revista, que intentam do acórdão do TCAN, de 15.07.2021, que concedendo provimento ao recurso de apelação intentado pela JUNTA DE FREGUESIA DE PALMEIRA [JFP], revogou a sentença do TAF de Braga que os absolveu da instância com fundamento em ilegitimidade activa, e mandou que o litígio cautelar baixasse à 1ª instância para prosseguir os seus ulteriores trâmites, se nada mais obstasse.

Alegam que o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento de direito relativamente à questão da «legitimidade activa», e, ainda, que esta configura «questão» de relevância jurídica e social, revestindo-se a sua revista de uma importância fundamental.

Relativamente ao invocado erro de julgamento de direito, alega que o acórdão faz uma errada interpretação e aplicação de normas conjugadas da Lei nº54/2005, de 15.11 - que estabelece a «titularidade dos recursos hídricos» -, referindo, nomeadamente, os seus artigos 5º, 6º, nº1, e nº2, alíneas a) e b), e 21º, concluindo que, no caso, a legitimidade para os demandar cabe ao Estado Português e não à JFP, ou melhor, à Freguesia de Palmeira.

Relativamente à invocada relevância jurídica e social, alega que a questão de direito, tratada no acórdão sob recurso, é susceptível de se repetir noutros litígios jurídicos, e que, por isso mesmo, convirá, atenta a divergência de solução que lhe foi dada pelas instâncias, esclarecer qual é a sua correcta decisão.

Entende, por isso, que a presente revista deverá ser admitida e julgada procedente, e, em consequência, o acórdão recorrido revogado e substituído por outro que mantenha a decisão da 1ª instância, que consideram ser a juridicamente correcta.

A entidade autárquica recorrida não apresentou quaisquer contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. A JFP demandou os requeridos cautelares, ora recorrentes, pedindo ao juiz cautelar uma providência inominada e antecipatória - como preliminar de um «acção administrativa» em que vai pedir o «reconhecimento da existência de servidão administrativa bem como a necessidade do seu cumprimento» - consubstanciada na condenação dos requeridos a retirar todos os materiais que colocaram ou mandaram colocar na margem esquerda do rio Cávado, em toda a extensão da sua propriedade, nomeadamente troncos de árvore, estrume e vegetação seca, que impede o exercício da servidão legal de acesso e passagem, e a absterem-se, de futuro, deste tipo de comportamento.

A requerente cautelar alicerça a sua «legitimidade» nas atribuições que lhe cabem nos termos do «regime jurídico das autarquias locais» - refere os artigos 2º, 3º alínea f), 7º, nº1 e nº2, da Lei nº75/2013, de 12.09 -, bem como no nº2, do artigo 9º, do CPTA, que alega conferir-lhe legitimidade para intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, entre eles o «ambiente».

A 1ª instância apenas conheceu da questão - oficiosamente suscitada - da sua legitimidade, que considerou apenas caber ao Estado Português, dizendo que uma vez que está em causa o alegado desrespeito por uma servidão administrativa decorrente do artigo 21º da Lei nº54/2005, de 15.11, ela emerge de domínio público hídrico fluvial que apenas a ele cabe defender [invoca o artigo 6º da referida Lei].

A 2ª instância limitou a sua pronúncia à «questão» de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito quanto à ilegitimidade activa da requerente cautelar. E considerou que sim, pois que a requerente se insurge com base no entendimento de que «a simples circunstância do domínio público hídrico pertencer ao Estado, e não às Freguesias, não obste ao dever de prossecução do interesse público por parte destas, nomeadamente no âmbito das suas atribuições, em particular, no domínio do ambiente, tal como o Regime Jurídico das Autarquias Locais o confere, importando ainda considerar o disposto no nº2 do artigo 9º do CPTA, nesse sentido concluindo que a servidão de passagem, de acesso às águas de pesca e fiscalização, não é unicamente um direito do Estado mas também dos cidadãos, nomeadamente dos pescadores, da freguesia, pelo que incumbe à entidade pública - Freguesia - a defesa dos direitos daqueles cidadãos».

4. O carácter excepcional do recurso de revista tem sido sublinhado pela jurisprudência da formação a que compete a apreciação preliminar dos seus pressupostos específicos, com especial destaque para os «processos cautelares», relativamente aos quais se tem afirmado a exigência de rigor acrescido. Com efeito, não se mostrando, em princípio, excluída do nosso regime de contencioso administrativo a possibilidade de admissão de recurso excepcional de revista de decisão do TCA proferida no âmbito de um processo cautelar, temos, porém, que no domínio da tutela cautelar importa ser mais exigente nas situações em que se justifica a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição, já que, nesta sede, presente a estrutura e a funcionalidade própria do meio processual, o STA «não emite uma pronúncia com vocação de constituir a última palavra sobre a questão jurídica quando esta se coloque, ou possa também ser colocada, na acção principal […], pelo que, em princípio, não se justifica chamá-lo a intervir, sendo mais fortes as razões para que a discussão se quede pelos dois graus de jurisdição em que se desenrola normalmente o contencioso administrativo». Além de que se trata «de processos em que a análise das questões decorre de debate em geral encurtado, e em sumaria cognitio, circunstâncias menos propensas ao cumprimento do papel esperado das decisões dos tribunais supremos». Daí que, neste domínio cautelar, a orientação jurisprudencial desta formação de admissão preliminar tem sido que «não se justifica admitir revista de decisões de 2ª instância, salvo quando se discutam aspectos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais».

No caso, não obstante a «divergência decisória das instâncias» o certo é que a decisão tomada no acórdão recorrido vem aureolada, numa abordagem preliminar e sumária, tal como nos é pedido, de uma impressão de acerto legal e de bom direito. Além disso, e sem desprimor para a importância da questão em litígio, ela não oferece dificuldade jurídica particularmente acrescida, pelo que o seu aprofundamento, por este Supremo, não surge como de importância fundamental.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do interposto pelos ora recorrentes.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 7 de Outubro de 2021. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa - Carlos Carvalho.