Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0726/12
Data do Acordão:10/10/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Pese embora, em regra, a oposição tenha como finalidade a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, pode também visar outros fins que se revelem adequados à sua função de contestação à pretensão executiva, quais sejam a suspensão da execução fiscal ou a absolvição da instância executiva.
II - Consequentemente, devem admitir-se como fundamentos de oposição à execução fiscal os que, independentemente do carácter substantivo ou adjectivo, possam determinar alguma daquelas finalidades, designadamente deve admitir-se a invocação de excepções dilatórias como fundamento subsumível à previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
III - No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.
Nº Convencional:JSTA00067830
Nº do Documento:SA2201210100726
Data de Entrada:06/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART151 N1 ART277 N1 ART204 N1 I ART208 N2 ART278 ART212 ART169 N1 N2 N3 N5.
LGT98 ART23 N4 ART95 N2.
CPA91 ART125 N2 ART135.
CPC96 ART487 N1 N2 ART493 N1 N2 ART494 ART814 C ART26 N1 ART288 N1 D ART660 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0953/11 DE 2012/03/28; AC STA PROC0681/11 DE 2011/11/16; AC STA PROC0493/11 DE 2011/09/07; AC STA PROC0814/09 DE 2010/01/20
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG499 PAG502.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A…… e mulher, B…… (adiante Oponentes ou Recorridos), deduziram oposição à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, reverteu contra eles por terem sido considerados pelo órgão da execução fiscal responsáveis subsidiários.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou a oposição procedente com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, fundamento que considerou subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e, em consequência, julgou extinta a execução fiscal quanto aos Oponentes.

1.3 Inconformada com a sentença na parte em que nesta se ordenou a extinção da execução fiscal quanto aos Oponentes, a Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, recurso que foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. A sentença sob recurso ordenou a anulação do despacho que efectivou a reversão da execução fiscal contra o oponente e responsável subsidiário, com base na respectiva falta de fundamentação de facto.

B. Tal como decorre do probatório e da fundamentação da decisão, não existiu uma avaliação de mérito da matéria controvertida que possa motivar a extinção da execução contra o oponente, tal como a Mma. Juiz a determina.

C. Pelo que a douta sentença sob recurso deveria limitar-se a anular o despacho de reversão por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação.

D. Pois que nos casos em que a anulação do acto administrativo é motivada por um mero vício de forma, a Administração Fiscal pode executar uma decisão anulatória praticando um acto de sentido idêntico, mas sem o vício que o atingia, faculdade que a decisão sob recurso inviabiliza.

E. Assim, a douta decisão, julgando a oposição procedente deveria determinar a anulação da decisão que operou a reversão contra o oponente.

F. Decidindo doutro modo, a douta decisão violou os artigos 77° da LGT, 101° e 124° do CPPT e 125° do CPA, pelo que não pode manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA».

1.5 Os Oponentes não contra alegaram.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e indicou como tribunal competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido a requerimento da Recorrente.

1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos (Por facilidade de transcrição, as notas de rodapé do parecer do Ministério Público serão aqui transcritas no próprio texto, entre parêntesis rectos, mantendo a numeração de origem.):
«[…]
Entende a recorrente que a decisão recorrida não podia julgar extinta a oposição contra os oponentes, devendo limitar-se a anular o despacho de reversão, pois assim decidindo impede, na prática, que a administração tributária possa praticar novo acto de reversão sem o vício de forma que determinou a sua anulação.
A oposição à execução, em regra, tem por objecto a extinção, total, ou parcial da execução, embora possa ter, também, por objecto a simples suspensão da execução. 1 [1 Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, página 502]
Os vícios do despacho que ordena a reversão, nomeadamente a falta de fundamentação, constituem fundamentos de oposição enquadráveis na alínea i) do artigo 204.º do CPPT. 2 [2 Idem, páginas 499/450]
Ora, uma vez que a sentença recorrida anulou o despacho de reversão por vício de forma por falta de fundamentação (vício que a recorrente aceita, uma vez que neste segmento acatou a decisão de 1.ª instância), então impunha-se necessariamente, a nosso ver, a extinção da execução fiscal quanto aos oponentes.
E, salvo melhor juízo, a extinção da execução quanto aos oponentes não obsta a que a administração fiscal, profira novo despacho de reversão, expurgado do vício que determinou a sua anulação, contra os oponentes, iniciando nova execução fiscal contra os mesmos, tendo em vista a cobrança coerciva do que for devido em termos de responsabilidade subsidiária.
De facto, tendo o despacho de reversão sido anulado por vício de forma (falta ou insuficiência de fundamentação), parece que nada impede que a AT, verificados os necessários requisitos, produza novo despacho de reversão, expurgado do referido vício, fazendo, nomeadamente, constar do mesmo a concretização fáctica da situação patrimonial da devedora originária SDO.
A sentença recorrida, a nosso ver, não merece censura».

1.8 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 A questão que cumpre apreciar e decidir é a da saber se a falta de fundamentação do despacho de reversão, fundamento de oposição à execução fiscal subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, tem como consequência a extinção da execução fiscal quanto aos revertidos e oponentes ou determina simplesmente a anulação daquela decisão administrativa.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO


2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Factos provados com relevância para a decisão da causa:

1. No Serviço de Finanças de Caldas da Rainha foi instaurado o PEF n.° 1350200701012380, em que é executado originário (SDO) C……Lda., com o NIF ……, por dividas de IVA, do ano de 2006, no montante de € 55.859,83 (PDF em anexo);

2. Por despacho do Chefe do SF de Leiria, de 07.01.2009, foi ordenada a reversão contra os oponentes A…… e B……, contribuintes fiscais n/s …… e ……, respectivamente (fls. 78, do PDF em anexo);

3. Do referido despacho consta o teor seguinte:

Em face da informação supra e dos elementos já insertos nos autos, verificando-se a insuficiência de bens penhoráveis da executada originária, reverta a execução (...)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão a apreciar e decidir nos presentes autos é a de saber qual a consequência jurídica a extrair em sede de oposição à execução fiscal da falta de fundamentação do despacho de reversão, que determinou a procedência da oposição.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou que a verificação desse fundamento de oposição determinava a anulação do despacho de reversão e a extinção da execução fiscal quanto aos Oponentes, o que decidiu. A Fazenda Pública entende que essa decisão inviabiliza a repetição do acto de reversão e sustenta que a única consequência do vício de forma do despacho de reversão por falta de fundamentação – vício cuja existência não discute, aceitando a sentença nessa parte – será a anulação do despacho de reversão.

2.2.2 DO MEIO PROCESSUAL PARA ATACAR O DESPACHO DE REVERSÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

Não está questionado nos autos que a falta de fundamentação do despacho de reversão constitui fundamento de oposição à execução fiscal.
Na verdade, após algumas hesitações relativamente ao meio processual adequado para atacar o despacho de reversão com fundamento em vícios formais do mesmo, a jurisprudência há muito se consolidou no sentido de que é a oposição o meio processual para reagir contra o acto de reversão proferido em processo de execução fiscal com fundamento na falta de pressupostos, de legitimidade, de fundamentação ou outros vícios que o afectem (Vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 28 de Março de 2012, proferido no processo com o n.º 953/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa117a9ebcf12029802579df00345da9?OpenDocument;
– de 16 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 681/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Julho de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32240.pdf), págs. 2073 a 2077, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d1a730642f5e5544802579510053d871?OpenDocument;
– de 7 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 493/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1436 a 1439, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb917b8839e566f0802579110031faf2?OpenDocument;
– de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 814/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 83 a 86, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/84365f9731e90311802576b7003bbba3?OpenDocument.). Nesse sentido, também se pronuncia JORGE LOPES DE SOUSA, que, no entanto, nos dá conta de que a questão não é pacífica, afirmando que «[é] duvidoso se os responsáveis subsidiários ou outros revertidos poderão impugnar através da reclamação prevista no art. 276.º do CPPT o despacho que ordena a respectiva citação, no caso de estarem em causa vícios formais a ele atinentes e não respeitantes à legalidade da dívida exequenda ou sua exigibilidade» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 38 c1) ao art. 204.º, pág. 499.).
Alinhando os argumentos a favor da tese de que a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT seria o meio processual mais ajustado para reagir contra o despacho de reversão com fundamento em vícios formais desse acto, designadamente a falta de fundamentação – vício cuja verificação no caso sub judice foi reconhecida pela sentença recorrida, que, nessa parte, não vem impugnada – diz JORGE LOPES DE SOUSA em anotação ao art. 276.º do CPPT:

«Por um lado, no art. 151.º, n.º 1, do CPPT prevê-se a utilização do processo de oposição à execução fiscal para apreciação da existência dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, mas não se faz qualquer referência à sua utilização para apreciação da legalidade formal do acto que ordena a reversão.
Por outro lado, a oposição à execução fiscal visa, em regra, a extinção do processo de execução fiscal relativamente ao oponente e não é essa a consequência de qualquer ilegalidade formal do despacho que ordena a reversão, que só justificará a renovação da prática do acto com observância do formalismo previsto na lei.
Estas seriam razões que poderiam levar a concluir que os vícios formais que afectem o despacho que ordena a reversão (como, por exemplo, a incompetência do autor do despacho que a decide ou a falta de fundamentação ou de audição prévia do revertido) deveriam ser impugnados através da reclamação prevista neste art. 276.º» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit, anotação 5 ao art. 276.º, volume IV, págs. 274 a 276.).

No entanto, logo de seguida o mesmo Autor dá-nos a conhecer os motivos por que a jurisprudência veio a adoptar a tese oposta:

«Por um lado, o próprio teor literal do n.º 1 do art. 277.º do CPPT, ao referir que o prazo para reclamação se conta da notificação do acto, inculca que não se previu a aplicabilidade daquela reclamação na sequência do acto de citação e é através da citação, e não de notificação, que tem de ser comunicado ao revertido o acto que decide a reversão, como se determina expressamente na parte final do n.º 4 do art. 23.º da LGT.
Por outro lado, mesmo os vícios de ordem formal que possam afectar o despacho que ordena a reversão [como a incompetência, a falta de fundamentação ou de prévia audição do revertido (exigidas pelo art. 23.º, n.º 4, da LGT) ou a ilegitimidade do exequente] parecem poder constituir fundamentos de oposição à execução fiscal enquadráveis na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
A isto acresce que no art. 208.º, n.º 2, do CPPT prevê-se a possibilidade de o órgão da execução fiscal poder revogar o acto que tenha dado fundamento à oposição, que, nos casos de reversão, parece ser o acto que a determina. A ser assim, estar-se-á perante um reconhecimento de que é no processo de oposição que se deverá conhecer da legalidade do despacho que ordena a reversão.
Ainda no mesmo sentido aponta a função processual da oposição. A execução fiscal que, embora com tramitação autónoma em relação ao processo executivo, funciona na dependência deste, como uma contestação da pretensão do exequente, como vem entendendo o STA.
Por isso, a oposição à execução fiscal estará naturalmente vocacionada, como contestação que é, para a invocação de quaisquer fundamentos que possam servir para contrariar a pretensão executiva, independentemente do seu carácter substantivo ou adjectivo (art. 487.º do CPC), à semelhança do que sucede com processo civil, em que a oposição do executado é o meio processual adequado para a invocação de qualquer falta de pressupostos processuais [art. 814.º, alínea c), do CPC].
Finalmente, e será o argumento mais relevante, a própria tramitação da reclamação, prevista nos arts. 276.º a 278.º do CPPT, designadamente a subida a final, após a penhora ou a venda (art. 278.º, n.º 1), parece não ser minimamente adequada à satisfação dos interesses dos revertidos, não se justificando que, estando-se perante casos de possível ilegalidade da reversão, à semelhança do que sucede nos casos arrolados no n.º 1 do art. 204.º do CPPI não lhes seja dada protecção idêntica de que é concedida na sequência da oposição, nomeadamente a suspensão do processo de execução fiscal após a penhora ou prestação de garantia (arts. 212.º e 169.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do CPPT).
Esta inadequação da reclamação para assegurar uma tutela efectiva dos interesses dos revertidos, imporá uma opção pela oposição, por ser o meio mais adequado, a que se deve dar preferência por força do preceituado no n.º 2 do art. 95.º da LGT» (Ibidem.).

Conclui JORGE LOPES DE SOUSA: «Por isso, embora com dúvidas, parece-nos ser correcto o entendimento de que é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para os revertidos atacarem a legalidade do despacho que ordena a reversão» (Ibidem.).

O mesmo Autor dá-nos conta de que foi este o entendimento que veio a ser adoptado no Supremo Tribunal Administrativo.
Foi este também o entendimento seguido pelos Oponentes (revertidos), que usaram a oposição à execução fiscal para pedir a anulação do despacho de reversão, e que mereceu o acordo da Juíza do Tribunal a quo, que bem deu conta das dúvidas que se suscitam quanto ao meio processual adequado à impugnação da legalidade daquele despacho quando estejam em causa vícios atinentes à sua validade formal.

2.2.3 DA CONSEQUÊNCIA DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO

Aceite que foi pela Recorrente que o meio processual utilizado é o próprio e que se verifica a falta da fundamentação do despacho de reversão, vício que é subsumível ao fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a divergência com a sentença recorrida é apenas quanto à consequência jurídica que nesta se extraiu da verificação desse vício de forma do acto de reversão: enquanto a sentença julgou extinta a execução fiscal quanto aos Oponentes, a Fazenda Pública entende que a sentença se deveria ter quedado pela anulação do despacho de reversão; mais entende que a decisão de extinguir a execução fiscal quanto aos Oponentes inviabiliza a possibilidade de o órgão da execução fiscal proferir novo acto (despacho de reversão contra os aqui Recorridos) em que sane o vício que determinou a sua anulação.
Vejamos:
É compreensível a preocupação manifestada pela Fazenda Pública no sentido da impossibilidade de proferir novo despacho de reversão em que, sanado o vício de forma que determinou a anulação, faça prosseguir a execução fiscal contra os aqui Recorridos. Na verdade, os vícios de forma, designadamente o vício de falta ou insuficiência (Sendo que a lei equipara esta, nos seus efeitos, àquela, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 125.º do Código do Procedimento Administrativo.) de fundamentação da reversão, apenas determinam a anulação do acto (cf. art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)), não obstando à sua renovação, desde que observado o formalismo em falta, ou seja, desde que expurgado do vício que o afectava.
Ora, uma decisão de extinção da execução fiscal, pressupondo a avaliação de mérito da matéria controvertida (da pretensão executiva), obsta a que seja renovada a instância.
Mas, o vício de falta de fundamentação do despacho de reversão não terá como consequência a extinção da execução fiscal, ainda que restrita aos Oponentes, porque, como ficou dito, a anulação do acto de reversão com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação não impede que este seja renovado, para tal bastando que o órgão de execução fiscal pratique novo acto em que enuncie explícita e suficientemente as razões que levaram o seu autor a praticar o acto, a proferir a decisão de fazer prosseguir a execução fiscal contra os ora Recorridos.
É certo que, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a oposição à execução fiscal, em regra, tem como escopo a extinção, total ou parcial da execução fiscal, podendo ter também como finalidade a suspensão da execução (A oposição à execução fiscal terá por finalidade a mera suspensão da execução, «nos casos em que seja afectada por qualquer motivo a exigibilidade da dívida, por motivo não definitivo, mas meramente temporário», como, v.g., «nos casos em que o fundamento seja ter existido concessão de uma moratória», nos casos em que exista «obstáculo meramente temporário ao prosseguimento da execução, como a existência de um processo de falência ou de insolvência ou de recuperação de empresa (actualmente, à face do GIRE, de insolvência)», nos casos de «ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia de um acto de liquidação e, apesar disso, ser instaurada execução», ou «ter sido decidida a suspensão do processo executivo, por autoridades superiores da administração tributária, e o serviço de finanças onde corre termos o processo de execução fiscal não ter efectivado tal suspensão», tudo fundamentos enquadráveis na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502.).
Mas isso não significa que a oposição à execução fiscal, que, como ficou já dito, constitui a contestação à execução fiscal, não possa ter outras finalidades, para além das já referidas extinção e suspensão da execução. A oposição, enquanto contestação, poderá ter também por finalidade a mera absolvição da instância executiva derivada da falta de pressupostos processuais (cfr. arts. 487.º, n.ºs 1 e 2, 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, do CPC), à semelhança do que sucede com processo civil, em que a oposição do executado é o meio processual adequado para a invocação de qualquer falta de pressupostos processuais [art. 814.º, alínea c), do CPC]. Na verdade, a oposição à execução fiscal deve entender-se como o meio processual adequado a contestar a pretensão executiva, quer o fundamento invocado seja substancial quer seja meramente formal.
Dito isto, podemos avançar no sentido de que, anulado o despacho de reversão, deixa de haver fundamento legal para que o revertido se mantenha na execução fiscal, configurando-se uma situação, quanto à pretensão executiva, de ilegitimidade passiva enquanto pressuposto processual (cf. art. 26.º, n.º 1, do CPC) (Não confundir com a ilegitimidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 104.º do CPPT – ilegitimidade substantiva, que assenta na falta de responsabilidade do citado pela dívida exequenda – e que determina a prolação de uma sentença que, conhecendo do mérito, julgue extinta a execução fiscal quanto ao oponente.). Ilegitimidade que, constituindo uma excepção dilatória, não pode conduzir a uma decisão sobre o mérito da pretensão, mas antes impõe que o juiz se abstenha de apreciar o pedido, proferindo uma decisão de absolvição da instância [arts. 288.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 1, do CPC].
Assim, não restando dúvidas de que os vícios formais do despacho de reversão se podem erigir em fundamento de oposição à execução fiscal, integrando a previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a procedência da oposição com esse fundamento terá como consequência, não só a anulação do acto de reversão (que, caso fosse o único efeito jurídico prosseguido, teria como meio processual eventualmente mais adequado a reclamação do art. 276.º do CPPT), mas também a absolvição do oponente da instância executiva. Absolvição da instância que (contrariamente à extinção da execução fiscal, que constitui uma verdadeira absolvição da pretensão executiva) não impede o órgão da execução fiscal de proferir novo despacho de reversão em que, desta vez fundamentando suficientemente o acto, sane o vício que determinou a anulação.
Pelo que ficou dito, entendemos que o recurso merece provimento.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Pese embora, em regra, a oposição tenha como finalidade a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, pode também visar outros fins que se revelem adequados à sua função de contestação à pretensão executiva, quais sejam a suspensão da execução fiscal ou a absolvição da instância executiva.
II - Consequentemente, devem admitir-se como fundamentos de oposição à execução fiscal os que, independentemente do carácter substantivo ou adjectivo, possam determinar alguma daquelas finalidades, designadamente deve admitir-se a invocação de excepções dilatórias como fundamento subsumível à previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
III - No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte que julgou extinta a execução quanto aos Oponentes, decisão que substituem pela de absolvição dos Oponentes da instância executiva.

Sem custas, uma vez que os Recorridos não contra alegaram o recurso.


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Lisboa, 10 de Outubro de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.