Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:098/19.8BELRS
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - No contencioso tributário, o recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Verificando-se qualquer um dos requisitos do n.º 1 daquele artigo 285º o recurso deve ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P27177
Nº do Documento:SA220210217098/19
Data de Entrada:01/11/2021
Recorrente:A......LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………., Lda, Recorrente melhor identificada nos autos supra referenciados, notificada do acórdão proferido em 17/09/2020 nos presentes autos, vem ao abrigo dos artigos 285.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dele interpor RECURSO, o qual é de Revista, para o Supremo Tribunal Administrativo, a subir imediatamente e nos próprio autos.

Alegou, tendo concluído:
1) Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul proferida em 17/09/2020 de fls…. determinou a improcedência do recurso apresentado mantendo a decisão proferida em primeira instância.
2) DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO: Ora além de não ter havido dupla conforme, ainda para mais o Acórdão de que ora se recorre VIOLA O PRINCIPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA CONDENAÇÃO CONSAGRADO CONSTITUCIONALMENTE, O QUAL É DO CONHECIMENTO OFICIOSO, razão pela presente decisão pode ser conhecida excepcionalmente por este Douto Tribunal já que está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social se reveste de importância fundamental e admissão do presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, e principalmente para impedir violações de princípios constitucionalmente consagrados por condutas de má-fé perpetradas pela administração Pública, nomeadamente a Administração Tributária.
3) Sumariamente e para mero enquadramento quanto aos factos refere-se o seguinte: O presente processo de execução tem origem, conforme resulta da própria citação (n.º Doc. de origem), no processo contraordenacional n.º 31072014060000061745. (Cfr. Doc. n.º 1 junto com a oposição); Tal processo de contraordenação (n.º 31072014060000061745), por sua vez, foi instaurado em 2014, por efeitos da Recorrente não ter procedido ao pagamento do IVA respeitante ao período de Fevereiro de 2014, (Cfr. Doc. n.º 2 junto com a oposição); Em 2015 foi instaurado contra a sociedade ora em causa, aqui Recorrente, e seus gerentes, o processo-crime n.º 231/15.9 IDLSB que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 2, por crime de abuso de confiança fiscal por falta de pagamento do IVA referente ao citado período de Fevereiro de 2014 (Cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição); Em 22/12/2016 foi a aqui Recorrente e seus gerentes notificados da acusação (Cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição); Em 23/02/2017 a Oponente e seus gerentes foram notificados do recebimento da acusação e da data para julgamento. (Cfr. Doc. n.º 4 junto com a oposição); Actualmente, como igualmente a AT bem sabe, já foi proferida SENTENÇA NOS REFERIDOS AUTOS DE PROCESSO-CRIME e inclusivamente a mesma já transitou em julgado. (Cfr. Doc. N.º 5 e 6 junto com a oposição)
4) Note-se que tal matéria não foi discutida em sede de recurso de impugnação pois que a coima em causa foi fixada em data anterior ao recebimento da acusação em matéria criminal pela Recorrente sendo falso que a coima foi fixada em Abril de 2018 não existindo qualquer documento, ou facto provado, que suporte tal afirmação. Até porque se a AT vier juntar aos autos o histórico do processo de contra-ordenação em causa verificar-se-á que a coima foi fixada em 18/06/2014 e não em Abril de 2018, portanto em data bastante anterior à notificação da Recorrente do recebimento da acusação em matéria criminal.
5) Mostra-se claramente provado que contra a ora Recorrente foi instaurado o processo de inquérito.º 231/15.9 IDLSB que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 2, por crime de abuso de confiança fiscal, tendo inclusivamente sido proferida SENTENÇA no âmbito do referido processo-crime.
6) Dispõe, por seu turno, o artigo 45.º do RGIT que: “Sendo arquivado o inquérito ou não deduzida a acusação, a decisão é comunicada à administração tributária ou da segurança social para efeitos de procedimento por contra-ordenação, se for caso disso.” o que significa, quando em sede de processo crime não for aplicada expressamente uma coima, o mesmo deve ser devolvido aos respectivos serviços para que seja apreciada a eventual aplicação de coima, o que não foi o caso dado que foi deduzida acusação, razão pela qual, deduzida que foi a acusação, parece resultar claro, por aplicação do supra referido dispositivo, que com a dedução da acusação criminal ficou a AT impedida de aplicar qualquer coima em processo de contra-ordenação. Entendimento este que é confirmado por uma simples análise ao artigo 61.º al. d) do RGIT que refere expressamente que “O procedimento por contra-ordenação extingue-se nos seguintes casos: d) Acusação recebida em procedimento criminal.
7) Com efeito, o que deles (Do acima citado artigo 45º e 61.º ambos do RGIT) se depreende é que deduzida a acusação, por se concluir que os factos em causa consubstanciam a prática de um crime, a AT não pode passar à aplicação de uma coima, através dum procedimento contra-ordenacional, dado já se ter verificado a prática de um crime, com base na mesma factualidade, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem” com assento no artigo 29.º, n.º 5 da CRP.
8) De facto o princípio “ne bis in idem”, com assento no artigo 29.º, n.º 5 da CRP, dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Ora este princípio é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória sendo que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 veio conferir-lhe, assim, o caráter de princípio universal, através do seu artigo 14.7: “ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e com os procedimentos penais de cada país”.
9) A nível europeu, os direitos humanos principais foram reconhecidos pela Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, adotada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, tendo o princípio "non bis in idem" sido reconhecido, expressamente, no artigo 4º do protocolo (de Estrasburgo) n° 7 àquela Convenção, datado de 22 de Novembro de 1984, que conheceu a sua redação definitiva com o Protocolo n° 11, a partir da sua entrada em vigor, em 1 de Novembro de 1998):
10) Mais recentemente, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 18 de Dezembro de 2000 (2000/C 364/01), contemplou no seu artigo 50º o mesmo princípio, no seu enunciado mais básico: “Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.”
11) Ora no caso em concreto pelas razões por demasiadas obvias não há um novo (f)acto praticado pelo agente do crime, pois o facto em causa é a falta do pagamento do IVA referente ao mês de fevereiro de 2014, por conseguinte, o crime – na definição do artigo 1º, al. a) do Código de Processo Penal – é o mesmo nos dois processos.
12) Sendo o mesmo “crime” a condenação da Recorrente pelo mesmo facto, violou a garantia constitucional prevista no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, além de normas de direito internacional diretamente aplicáveis no nosso país que, em caso de violação, é susceptível de originar uma ação de incumprimento e de indemnização contra o Estado português, o que se fará mantendo-se esta decisão.
13) Tendo com conta o exposto, conclui-se que o respeito pelo princípio non bis in idem é assegurado, em Portugal, pelos artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, que impede uma segunda condenação pelo mesmo crime, isto é a condenação do pagamento da coima subjacente ao presente processo de execução fiscal.
14) Ora o presente processo de execução, que não existe por si só (tem algo subjacente) onde foi deduzida a oposição à execução, porque tem como título executivo a decisão de aplicação de uma coima por factos que já haviam sido julgados no âmbito do processo-crime supra identificado, nada mais é que a cobrança coerciva dessa coima que foi ilicitamente aplicada por violação das disposições supra citadas, nomeadamente, e em especial, artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 29.º n.º 5 da CRP.
15) Ao decidir como decidiu violou os Meritíssimos Juízes do Tribunal “a quo” a disposição prevista no artigo 29.º n.º 5 da CRP que proíbe o duplo julgamento/condenação pela prática dos mesmos factos, artigo 1.º do Código Penal e os artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
16) Com ressalva das de conhecimento oficioso, os recursos não visam o conhecimento de questões novas, no entanto, fácil é de entender a violação do princípio “ne bis in idem”, foi invocada ainda que de forma não directa e constitui, como é do conhecimento geral, porque viola princípios constitucionalmente consagrados, uma questão de conhecimento oficioso, pelo que se impunha o seu conhecimento pelo Tribunal “ a quo”, pelo que ao não o ter feito violou o tribunal “ a quo” o disposto no artigo 29.º n.º 5 da CRP.
17) Ora foi tão só com a violação deste princípio constitucionalmente consagrado e demais supra referidos, nomeadamente o disposto no artigo 29.º n.º 5 da CRP que proíbe o duplo julgamento/condenação pela prática dos mesmos factos que a AT conseguiu fazer surgir a execução que ora se responde que tem com título executivo uma coima que nunca poderia existir e que tão só existe por efeitos da violação desse princípio.
18) Razão pela qual se invocou em sede de oposição à execução como fundamento desta nos termos das alíneas a), c) f), h) e i) do artigo 204.º do C.P.T.T, pois todos os fundamentos invocados pela recorrente se encontram preenchidos dado que, a Recorrente foi punida criminalmente pelo mesmo facto que pune a contra-ordenação, e assim sendo não está a AT autorizada à cobrança dessa coima sendo consequentemente falso o titulo executivo que subjaz a execução na medida que com a dedução da acusação em processo criminal a contra-ordenação devia de ter sido automaticamente extinta e se não o tivesse sido atempadamente por já ter sido fixada, ilegalmente é claro, levaria sempre à anulação da citada divida.
19) Ademais ainda que assim não se entendesse sempre se dirá, que os fundamentos invocados na oposição na execução, na medida em que está provado que o presente processo de execução viola princípios constitucionalmente consagrados, nomeadamente a proibição de dupla condenação criminal (e o processo contra-ordenacional é direito penal menor) pela prática dos mesmos factos, que os fundamentos invocados se enquadram plenamente na alínea i) do artigo 204.º, na medida em que esses fundamentos, estão provados apenas por documento, e não envolvem a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, até porque tal coima não é devida pela recorrente tão só porque foi proferida a acusação em processo criminal e esta foi recebida.
20) Note-se a AT está obrigada a seguir os procedimentos referidos nos citados artigos 74.º n.º 2 e 61.º alínea a) ambos do RGIT, pois é esta que faz a participação criminal ao MP, razão pela qual o que foi feito pela AT no âmbito do processo de contra-ordenação e agora com a instauração do processo de execução que lhe subjaz é feito pela AT de plena consciência e sabedora que tal conduta é ilegal e consequentemente é feito de má-fé. Foi a AT que participou criminalmente da Recorrente pelo que bem sabe a AT que esse processo deveria ter sido suspenso automaticamente até decisão do processo-crime o que não FEZ e que a sua prossecução foi/é ilegal. E que este deveria ter sido extinto com o recebimento da acusação sendo que a AT desde facto também é conhecedora.
21) Razão pela qual, ao decidir como decidiu violaram os Meritíssimos juízes do Tribunal “a quo” o artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, artigo 1.º do Código Penal e artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e ainda os artigos 204.º, alíneas a), c) f), h) e i) do C.P.T.T., 45.º, 61.º, e 74.º todos do RGIT 22) Mais é igualmente nulo o Acórdão uma vez que a juízes do Tribunal “ a quo” ao decidir como decidiu violou o disposto nos arts. 615.º, nº 1, al. b), c) e d) todos do C. P. Civil., nulidade esta que desse já se invoca e se espera que venha a ser declarada, pois não se pronunciaram devidamente quanto à violação do princípio constitucional supra referido que aliás nem necessita de ser invocado dado tratar-se de conhecimento oficioso, tendo, com o devido respeito, não se pronunciado quanto a esta questão em concreto sendo que do pouco que referiu não se entende a sua fundamentação para não querer apreciar uma questão que até é do conhecimento oficioso.
23) Razão pela qual, e por todos os fundamentos supra referidos, deverá o Acórdão ora recorrido ser substituído por outro que considere totalmente procedente por provada a oposição apresentada e consequentemente extinga a execução onde foi deduzida a referida oposição.
Termos em que deverá, com o douto suprimento de V. Ex.ª ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente o Acórdão ora recorrido substituindo-o por outro que considere totalmente procedente por provada a oposição à execução apresentada pela Recorrente e consequentemente extinga a execução.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.
Apesar de o presente recurso vir interposto de acórdão de Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo do disposto nos artºs 280º nº1 e 282º nºs 1 e 2 do CPPT, o mesmo foi admitido pela Sra. Juíza Desembargadora a quo como se tratando de recurso de revista, uma vez que se assim não fosse estaria vedado à recorrente interpor este recurso.
Nessa medida será analisado o presente recurso ao abrigo do disposto no artigo 285º do CPPT, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Vejamos, pois.

Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.

Com o presente recurso pretende a recorrente que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre duas questões:
1ª-a de saber se o trânsito em julgado de uma sentença em processo criminal pode obstar à execução de uma decisão de aplicação de coima também já consolidada na ordem jurídica;
2ª-a de saber se a questão referida em um pode ser suscitada e conhecida no processo de oposição à execução fiscal.
Não há dúvida que, ainda que só na aparência, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu conforme a jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores ao referir que, in casu, apesar do pedido formulado ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para a oposição à execução fiscal, e assim sendo, não ocorre erro na forma de processo (e portanto, não há sequer que equacionar a tempestividade da ação para efeitos de convolação na forma processual adequada), a verdade é que os fundamentos invocados não consubstanciam qualquer um dos fundamentos de oposição à execução fiscal previstos nas diversas alíneas do n.º 1, do art. 204.º do CPPT, e portanto, estamos perante uma situação de improcedência da ação, como muito bem foi decidido em 1.ª instância. Improcedem, in totum, todos os fundamentos do recurso.
Porém, não há dúvida que a recorrente invoca em seu favor o princípio da proibição da condenação penal pelos mesmos factos, tratando-se de matéria delicada que impõe que se efectue uma análise cuidadosa dos concretos contornos da situação objecto de análise para se determinar se efectivamente ocorre uma dupla punição.
Este Supremo Tribunal não se tem debruçado sobre as questões concretas anteriormente identificadas com frequência para que se possa concluir que exista uma jurisprudência consolidada e, por outro lado, não há dúvida que se trata de questões que objectivamente são de interesse alargado uma vez que se podem replicar em outras situações, ainda que se venha a concluir no mesmo sentido que a decisão recorrida.
Assim, por se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para admite-se este recurso de revista.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista, por se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas a final pela parte vencida.
D.n.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.