Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01630/06.2BEPRT
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26021
Nº do Documento:SA22020060301630/06
Data de Entrada:11/25/2019
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, B………… e C…………, habilitados a prosseguir os presentes autos de Impugnação Judicial em substituição de D……..…., inconformados, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), datada de 12 de Abril de 2019, que julgou verificar-se erro na forma do processo, tendo absolvido a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.
Alegaram, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1.Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra referenciados, pela qual o Tribunal recorrido decidiu: «Pelo exposto decide-se absolver a ré da instância».
2.Os fundamentos da sentença foram, entre outros, os seguintes: “O acto de revogação da isenção de imposto é um acto administrativo em matéria tributária, pelo que o pedido de anulação do mesmo só pode ser conhecido no âmbito de uma ação administrativa especial, prevista no art.º 46.º, n.º 2, alínea b) e 66.º e ss do CPTA, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, considerando que a p.i. foi remetida antes da entrada em vigor da nova redação.
Em sede de impugnação judicial, apenas poderia ser apreciada a legalidade da liquidação que foi emitida na sequência do acto administrativo que revogou a isenção de imposto e com base nesse mesmo acto, sendo certo que existindo acto administrativo prévio de revogação de isenção de imposto, este acto teria de ser anulado para que a liquidação – que assentou naquele mesmo acto – pudesse, também ser anulada.”
3.Pelas razões expostas, concluímos que ocorre erro na forma de processo utilizado”.
4.O pedido formulado nos presentes autos foi o seguinte:
a) Autora transferiu a sua residência normal em 22 de Julho de 2004;
b) em consequência anular-se a revogação da isenção do benefício fiscal anteriormente concedido;
c) anular-se a liquidação efectuada
5.O pedido dirige-se à anulação da liquidação de um imposto.
6.A forma do processo a seguir deve ser aferida em função do pedido.
7.Logo, o processo adequado para esse efeito é o da impugnação judicial.
8.Com efeito, depois de ter sido concedido o benefício fiscal aos agora recorrentes, a revogação do benefício não tem autonomia e tudo se passará como se estivéssemos em presença de um benefício fiscal automático, porque já reconhecido, e a forma de o atacar possa ser a via da impugnação da liquidação.
9.O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22/03/2018, 2.ª secção, aborda essa questão com o seguinte sumário:
Questão diversa, mas que se situa no âmbito do mérito da causa e já não no âmbito das excepções dilatórias (que é onde se situa o erro na forma do processo), é a de saber se a procedência da impugnação judicial está condicionada pela prévia reacção contenciosa contra um acto antecedente.
10.Acrescenta-se:
“Só no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação. V - No caso de benefícios fiscais automáticos nada impõe que a AT emita um acto a reconhecer ou a indeferir eventual pedido de reconhecimento do respectivo direito e, mesmo que a AT pratique tal acto, nada impõe ao contribuinte o ónus de atacar tal acto como meio de abrir a via contenciosa contra o acto de liquidação que venha a ser praticado com fundamento na não aceitação pela AT desse benefício; pelo contrário, o princípio da impugnação unitária (cfr. art. 54.º do CPPT) autoriza e impõe que a questão respeitante ao benefício automático seja suscitada contenciosamente no processo de impugnação judicial da liquidação que não atendeu ao mesmo.
10-A.O benefício fiscal estava concedido, pelo que a situação pode ser equiparada aos casos de benefício fiscal automático pelo que o processo utilizado é o próprio.
11.Por outro lado, a notificação da entidade recorrida da revogação do benefício fiscal e da liquidação foram simultâneas e constaram na mesma notificação, no mesmo impresso:
12.Claro que não existiria a liquidação se não existisse a revogação, ambas as duas fundem-se num acto só.
13.Nessa notificação diz-se:
“Da liquidação das imposições legais em divida poderá V.ª Exc.ª:
b) Apresentar Impugnação Judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no prazo de 90 dias, nos termos previstos nos artigos 99.º a 109º do CPPT.”
14.Independentemente dos recorrentes, na pessoa da falecida mãe e esposa, terem sido notificados da revogação da isenção do imposto automóvel, foram notificados da liquidação e da possibilidade de impugnação.
15.Na notificação consta ainda que “Do despacho de indeferimento do benefício fiscal poderá V.ª Exc.ª:
b) Interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (…), no prazo de 90 dias a contar da presente notificação, nos termos do disposto nos art.ºs 99º a 109º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
16.A notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira informa o contribuinte, representada aqui pelos recorrentes, de que tem igual prazo para impugnar ou recorrer contenciosamente, uma vez que nos termos do disposto no artigo 102.º do CPPT, para o qual remeteu a entidade recorrida, os 90 dias iniciam-se no termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
16.A. Isto é, o prazo notificado ao contribuinte, recorrentes, foi o mesmo, quer para recorrer contenciosamente quer para impugnar a liquidação.
17.A primeira questão que se deverá colocar é se face à notificação da Autoridade Tributária, havia a obrigação da impugnante recorrer contenciosamente em vez de impugnar a liquidação.
18.A notificação realizada suscita no declaratário normal – no contribuinte - a convicção de que qualquer meio de reação processual dos notificados, neste caso da notificada, é idóneo para reagir contra as decisões, quer de revogação da isenção do benefício fiscal, quer da liquidação do tributo.
19.Assim, a forma de reação à notificação de liquidação e da revogação do benefício fiscal foi notificada como alternativa e contando-se o mesmo prazo: 90 dias nos termos dos artigos 99.º a 109.º do CPPT.
20.Pelo que ficou na faculdade dos recorrentes ou recorrer contenciosamente ou impugnar a liquidação do tributo.
21.E mesmo que assim não fosse, o Tribunal recorrido afastou a possibilidade de convolação dos autos para a ação administrativa especial por ter sido ultrapassado o prazo do recurso contencioso mas não o da impugnação.
22.Ora, na sequência do que se concluiu nas conclusões 18.º e 19.º os recorrentes contaram o prazo para o recurso contencioso exatamente da mesma forma que para a impugnação da liquidação,
23.por esse prazo resultar da notificação, conforme já se alegou e concluiu na conclusão 15.ª desta síntese conclusiva.
24.A entidade recorrida, Administração Fiscal e Aduaneira notificou os recorrentes, na altura a sua mãe, para, b) Interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (…), no prazo de 90 dias a contar da presente notificação, nos termos do disposto nos art.ºs 99º a 109º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
25.Para efeitos de contagem de prazo, a notificação foi exatamente igual tanto para o recurso contencioso como para a impugnação da liquidação.
26.Assim, e tendo em conta o prazo que lhes foi concedido, a impugnação da liquidação foi intentada no prazo para recorrer contenciosamente,
27.devendo concluir-se que os recorrentes intentaram a impugnação dentro do prazo concedido para o recurso contencioso.
28.Poder-se-á dizer que houve erro na notificação.
29.A tê-lo havido, erro a conceder um prazo mais dilatado do que se encontra plasmado na lei, facto não poderá prejudicar os recorrentes.
30.Pois deverá sempre considerar-se que o recorrente beneficia do prazo que lhe foi concedido na notificação, embora, tenha havido erro na notificação do prazo devido atento os condicionalismos da lei.
31.Logo, atenta a notificação, não tinha decorrido o prazo do recurso à ação administrativa e, não isso, e esse lapso, o Tribunal recorrido convolava a impugnação judicial para ação administrativa.
32.A convolação para ação especial é possível pois o obstáculo alegado na sentença não se verificou, em função do erro na notificação quanto ao prazo para intentar a ação administrativa.
33.A consideração do erro na forma do processo e a consequente absolvição da instância depois de terem decorrido 13 anos;
34.de ser ter realizado o julgamento e as alegações escritas das partes, conhecer dessa exceção é desarmante e viola, por muitas razões a favor que se aduzem, o princípio da tutela da jurisdição efectiva previsto na C.R.P. nos artigos 20.º e 268.º.
35.Com efeito, num sistema processual de procedimento tributário, CPPT, onde vigora o princípio da impugnação unitária que quer dizer também que uma reação a um acto lesivo tem de abranger os actos prévios quer sejam definitivos e de impugnação autónoma.
36.Isto é, a tutela dos interesses dos contribuintes não pode estar dependente de um formalismo que se torna insuportável por ser só isso: formalismo oco,
37.e diz-se isto, porque o formalismo seguido acautelou o contraditório e as garantias das partes em fazerem valer as suas posições.
38.Nos presentes autos, na sentença, defendeu-se que apesar de o acto de liquidação e de revogação serem simultâneos e constarem na mesma notificação, a impugnação não poderia ser atacada sem que o fosse a decisão de revogação do benefício fiscal.
39.Ora, não se aceita este entendimento.
40.O princípio da impugnação unitária deve ser entendido como a faculdade de impugnar o acto final de liquidação onde poderá ser apreciada qualquer ilegalidade nos termos do art.º 99.º do CPPT.
41.O que se defende na sentença, é que apesar de já haver liquidação do tributo, a reação processualmente adequada – forma do processo - seria a ação especial de anulação da decisão de revogação do benefício fiscal. Isto é, para atacar a liquidação, que se realizou e já estava notificada, teria de “atacar, em primeiro lugar, o acto administrativo tributário.
42.Esta forma de ver o sistema na sua unidade, não é conforme uma visão, afecta e ofende o princípio, aliás, plasmado no art.º 54.º do CPPT, que indica o caminho de uma tutela jurisdicional efectiva.
43.Que princípio constitucional é este que deverá informar a interpretação dos preceitos constitucionais?
Será o que facilita que os cidadãos tenham acesso aos tribunais;
Que sejam apreciadas as suas causas desde que contendam com interesses dignos de proteção legal;
E que o recurso aos tribunais mereça uma decisão de mérito por contraposição a decisões de forma que não regulam os interesses das partes tendo em conta o princípio do pedido.
44.Nos presentes autos e dada a notificação simultânea da cessação do benefício fiscal e da liquidação do tributo, entender que a forma de processo para anular a liquidação seria a de ação administrativa, seria defender que, e sendo dois actos finais, seria entender que antes da liquidação teria de se anular o acto de revogação. Esta ação seria preliminar à impugnação.
45.Não estamos em presença de formas de reação alternativa quando os actos, quer de revogação do benefício fiscal quer o de liquidação, são inseridos na mesma notificação?
46.Constitui fundamento da impugnação judicial da liquidação a invocação de qualquer ilegalidade, nos termos do disposto no art.º 99.º do CPPT.
47.Pelo que, o processo de impugnação era igualmente idóneo para a anulação do tributo liquidado.
48.Não há outra forma de entender o princípio da jurisdição efectiva constante na Constituição da República Portuguesa nos artigos 20.º e 268.º em articulação, conformação e integração com o artigo 54.º do CPPT.
49.É que, apreciar de outra forma, que a anulação da liquidação carece de um processo prévio de anulação da decisão de revogação do benefício fiscal, estamos em situação análoga à dos actos interlocutórios e a frustrar a aplicação prática do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
50.E por isso somos a aderir ao que se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional 410/2015 de 19 de Novembro de 2015:
“Esses problemas de constitucionalidade podem equacionar-se assim: o efeito preclusivo da não impugnação do ato de cessação do benefício relativamente à impugnação do ato de liquidação tributária, inviabilizando a invocação nesta de vícios daquele outro, reconhecido na decisão recorrida, é compatível com os direitos assegurados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP? Esclareça-se que não se trata de apreciar se a existência de uma qualquer norma legal determinando a necessidade de impugnação autónoma imediata de um ato interlocutório praticado no âmbito de um procedimento tributário ofende os parâmetros constitucionais apontados. O que está em causa é, mais precisamente, apurar se o respeito por tais parâmetros constitucionais é compatível com a imposição, sem base legal adequada, do ónus de impugnação judicial autónoma e imediata de um ato interlocutório lesivo (ou simplesmente destacável), em termos de a invocação dos vícios próprios de tal ato se tornar impossível no âmbito da impugnação da decisão final do procedimento tributário. Isto, claro, tendo presente, por um lado, que o artigo 54.º do CPPT é, literalmente, uma regra sobre a possibilidade excecional de impugnar atos interlocutórios lesivos ou destacáveis; e, por outro, que n.º 2 do artigo 95.º da LGT não pode constituir «a lei expressa» a que se refere o segundo troço da previsão do artigo daquela norma, não se encontrando outra.
51.O Acórdão em referência debruça-se sobre um caso de impugnação da liquidação sem que previamente se recorresse contenciosamente da decisão de revogação do benefício fiscal.
52.Nos presentes autos, como se alegou acima, na notificação da decisão de revogação do benefício fiscal e da liquidação foram dadas ambas as alternativas de reação ao contribuinte: recorrer ou impugnar; foram concedidos, na notificação, os mesmos prazos para os dois tipos de reação, remetendo tanto uma notificação como outra para os artigos 99.º a 109.º do CPPT, o contribuinte optou pela impugnação, não se pode posteriormente, vir dizer que houve erro na forma do processo e impedir a convolação.
53.É um entendimento que obstrui o acesso aos tribunais e à justiça e impede uma decisão de fundo não compreendida até pelos Agentes da Justiça em legal.
54.O entendimento sufragado constitui uma violação manifesta do disposto no artigo 20.º e 268.º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ª Exc.ª mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado procedente e revogada a sentença recorrida para se fazer a tão almejada JUSTIÇA

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado pronunciou-se pelo provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
A impugnação judicial serve para reagir contra actos tributários que comportem a legalidade de actos de liquidação, de fixação da matéria colectável, quando não dê origem a qualquer liquidação, e de determinados actos de fixação de valores patrimoniais – cfr. artigos 97.º, n.º 1, alíneas a) a f), 99.º e ss. e 134.º do CPPT.
De acordo com o artigo 97.º, n.ºs 1, alínea p), e 2, do CPPT, o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação é o recurso contencioso de anulação. Atendendo ao disposto no artigo 191.º do CPTA, as remissões do CPPT para o regime do recurso contencioso de anulação consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial – cfr. artigos 46.º e 78.º e ss. deste Código.
O acto de revogação da isenção de imposto é um acto administrativo em matéria tributária, pelo que o pedido de anulação do mesmo só pode ser conhecido no âmbito de uma acção administrativa especial, prevista nos artigos 46.º, n.º 2, alínea b), e 66.º e ss. do CPTA, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, considerando que a p.i. foi remetida antes da entrada em vigor da nova redacção.
Em sede de impugnação judicial, apenas poderia ser apreciada a legalidade da liquidação que foi emitida na sequência do acto administrativo que revogou a isenção de imposto e com base nesse mesmo acto, sendo certo que no caso, existindo acto administrativo prévio de revogação da isenção de imposto, este acto teria de ser anulado para que a liquidação – que assentou naquele mesmo acto – pudesse, também ser anulada. Ora, o acto administrativo não pode ser anulado no âmbito de uma impugnação judicial, mas apenas em sede de acção administrativa especial instaurada para o efeito.
Pelas razões expostas, concluímos que ocorre erro na forma de processo utilizada.
Note-se que o Acórdão n.º 410/2015 do Tribunal Constitucional, invocado pelos impugnantes, nada tem que ver com a situação em apreço pois que o acto de revogação da isenção não configura um qualquer acto interlocutório.
O erro na forma do processo é de conhecimento oficioso – artigo 196.º do C.P.C. – e importa a convolação na forma do processo adequada, se for possível, nos termos da lei – artigos 97.º, n.º 3, da L.G.T. e 98.º, n.º 4, do C.P.P.T.
Acontece que a convolação dos presentes autos de impugnação judicial em acção administrativa especial no caso concreto não é possível em virtude de, à data da remessa da p.i. – 30.06.2006 (cfr. fls. 2 do processo físico) – haver já decorrido o prazo legal para impugnar o acto administrativo de revogação da isenção, pois que o mesmo é de três meses a contar da notificação do acto (cfr. artigos 58.º, n.º 1, alínea b), e 59.º, n.º 2, do CPTA), tendo esta ocorrido em 02.03.2006, conforme admite a impugnante no art. 4º da p.i.. Nos termos do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, na redacção aplicável ao caso, “A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil.” Esta remissão para o disposto no n.º 4 do artigo 144.º do CPC implica a aplicação da regra da continuidade dos prazos e da sua suspensão em férias judiciais – no caso, entre o domingo de Ramos e a segunda-feira de Páscoa – com o que é manifesta a extemporaneidade da remessa da p.i.
É certo que, como os impugnantes referem, desde a apresentação da p.i. em juízo a esta data decorreram já quase 13 anos. Todavia, o decurso do tempo não tem a virtualidade de sanar a nulidade do erro na forma de processo, a qual pode ser conhecida até à sentença final, nos termos do n.º 2 do artigo 200.º do CPC. Acresce que, para além de violar a lei, a falta de conhecimento do erro na forma de processo traduzir-se-ia numa situação de desigualdade face a situações semelhantes que têm – porque devem ter – tal tratamento embora não tenha decorrido tanto tempo até ao respectivo conhecimento. Na verdade, o erro na forma de processo apenas agora se constata, existindo o mesmo desde o início do processo, sendo a p.i. insusceptível de convolação desde sempre, ou seja, não é uma situação que tenha ocorrido em virtude do decurso do tempo. O que acontece é que apenas agora foi constatada.
Pelo exposto, decide-se absolver a ré da instância.
Nada mais há com interesse.

Importa agora conhecer do recurso que nos vem dirigido e, para tanto, seguiremos de perto o parecer emitido pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Este recurso vem interposto contra a sentença proferida pelo TAF do Porto, no âmbito de ação de impugnação judicial intentada contra o ato de revogação de benefício fiscal e na qual se peticionava a anulação de tal ato e a consequente anulação do ato de liquidação, e que julgou verificada a nulidade processual por erro na forma de processo e absolveu a FP da instância.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido por considerar que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
Para o efeito alega que «numa situação híbrida como a dos autos, em que se notifica, simultaneamente, da revogação do benefício fiscal e da liquidação e se concede o mesmo prazo para as duas formas de reação, teremos de defender a alternatividade das formas de reação». E que atendendo que o prazo para a impugnação se conta a partir do termo do prazo de pagamento, a ação é tempestiva.
Mais invoca a doutrina do acórdão do STA de 22/03/2018, proc. n.º 01263/16, no sentido de que “Só no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento a impugnação do acto que recair sobre o pedido de reconhecimento é autónoma em relação à impugnação do acto de liquidação, não podendo a questão do direito ao benefício ser discutida no processo de impugnação”.
Mais defende que no caso concreto se está perante um benefício fiscal automático e que a revogação desse benefício não tem autonomia face ao processo de impugnação, ou seja, que é admissível apreciar em sede de impugnação judicial o pedido de revogação do benefício fiscal.
Mais invoca que tendo sido deduzido pedido de anulação do ato de liquidação, “não há como não considerar a impugnação judicial como meio processual próprio”, concluindo dessa forma pela regularidade da forma de processo.
Mais invoca a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2015, de 19 de Novembro de 2015, para concluir pela inconstitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal “a quo”, no sentido de impor um “ónus de impugnação judicial autónoma e imediata de um ato interlocutório lesivo (ou simplesmente destacável), em termos de a invocação dos vícios próprios de tal ato se tornar impossível no âmbito da impugnação da decisão final do procedimento tributário”.
Termina pedindo a revogação da sentença.

Na sentença recorrida o tribunal “a quo” considerou que na ação a impugnante peticiona (i) a anulação da revogação da isenção do imposto automóvel anteriormente concedido e (ii) a anulação da liquidação efectuada na sequência daquela revogação, tendo por fundamento o facto de o ato de revogação padecer de erro nos pressupostos, por estarem preenchidos os requisitos para a concessão da isenção.
Entendeu o tribunal “a quo” que «o pedido de anulação da liquidação surge como consequência do pedido de anulação do acto de revogação da isenção, assumindo-se este como pedido principal». E que «de acordo com o artigo 97.º, n.ºs 1, alínea p), e 2, do CPPT, o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação é o recurso contencioso de anulação. Atendendo ao disposto no artigo 191.º do CPTA, as remissões do CPPT para o regime do recurso contencioso de anulação consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial – cfr. artigos 46.º e 78.º e ss. deste Código. O acto de revogação da isenção de imposto é um acto administrativo em matéria tributária, pelo que o pedido de anulação do mesmo só pode ser conhecido no âmbito de uma acção administrativa especial, prevista nos artigos 46.º, n.º 2, alínea b), e 66.º e ss. do CPTA, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, considerando que a p.i. foi remetida antes da entrada em vigor da nova redacção».
Mais considerou que «a convolação dos presentes autos de impugnação judicial em acção administrativa especial no caso concreto não é possível em virtude de, à data da remessa da p.i. – 30.06.2006 (cfr. fls. 2 do processo físico) – haver já decorrido o prazo legal para impugnar o acto administrativo de revogação da isenção, pois que o mesmo é de três meses a contar da notificação do acto (cfr. artigos 58.º, n.º 1, alínea b), e 59.º, n.º 2, do CPTA), tendo esta ocorrido em 02.03.2006, conforme admite a impugnante no art. 4º da p.i..».

A questão suscitada nas conclusões do recurso consiste em saber se a decisão recorrida padece do vício de erro de julgamento ao julgar verificado o erro na forma de processo e absolver a FP da instância, o que passa por saber se é admissível que o tribunal conheça em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do vício imputado ao ato de revogação do benefício fiscal que despoletou essa liquidação.
Pese embora os termos lacunares da decisão recorrida, resulta da mesma e dos documentos juntos aos autos, designadamente da petição inicial e dos atos da Administração Tributária e Aduaneira que foram notificados à Recorrente, que a ação de impugnação judicial apresentada tem por objecto o ato de revogação do benefício fiscal previsto no Dec.-Lei n.º 264/93, de 30 de Julho, e o ato de liquidação do imposto automóvel e juros compensatórios, no valor global de € 10.685,30 euros, praticado na sequência de tal revogação.
Mais resulta que a Recorrente foi notificada simultaneamente desses dois atos, em cuja notificação é advertida da possibilidade de utilização de diversos meios de reação, tendo a Recorrente optado pela impugnação judicial dos dois atos.
Como igualmente resulta desses elementos, aquando da introdução do veículo automóvel no território nacional, a Recorrente terá visto deferido o seu pedido de isenção do imposto automóvel ao abrigo do disposto no artigo 12º do Dec.-Lei nº 264/93, de 30 de Julho, e só posteriormente a ATA revogou esse ato e procedeu à liquidação do imposto.
Ora, se nos casos em que o benefício fiscal dependa de reconhecimento por parte da ATA se pode justificar a imposição de um ónus de impugnação autónoma do respetivo ato de indeferimento, já tal não ocorre nos casos em que, como é o caso dos presentes autos, o ato de liquidação ocorre na sequência da revogação de benefício fiscal concedido e cuja prática ocorre no mesmo procedimento. Nestes casos, e atento o disposto no artigo 54º do CPPT, que consagra o princípio da impugnação unitária, faz antes sentido que se imponha a impugnação unitária. Na verdade, ainda que a Recorrente apenas invoque vícios relativos ao ato de revogação do benefício, não se antevê quais seriam as razões, materiais ou adjetivas, a impor a impugnação autónoma desse ato, o que redundaria, tal como ocorre no caso concreto dos autos e é invocado pela Recorrente, ao chamar à colação a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2015, numa manifesta violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Na verdade, o ato de revogação do benefício fiscal não assume autonomia relevante em relação ao ato de liquidação do imposto, sendo os dois atos praticados no mesmo procedimento administrativo e naturalmente imbricados.
Assim sendo e uma vez que na sua petição inicial a Recorrente formula os pedidos de anulação do ato de revogação do benefício e do ato de liquidação, a impugnação judicial é o meio processual próprio para reagir e atacar eventuais vícios que afetem a sua validade, motivo pelo qual a decisão recorrida padece efetivamente do vício de erro de julgamento de direito que lhe é assacado pela Recorrente, o que justifica e impõe a sua revogação, tal como é pedido.
Em face do exposto, conclui-se que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente.

Pelo exposto, acordam em:
- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida;
- ordenar a baixa dos autos a fim de ser proferida nova sentença que aprecie os vícios imputados aos atos sindicados, se a tal nada mais obstar.
Custas pela AT, tendo-se em conta que não contra-alegou.
D.n.

Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.