Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01100/15.8BELRA
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25360
Nº do Documento:SA22019121701100/15
Data de Entrada:03/11/2019
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 30 de Novembro de 2018, que julgou improcedente o recurso, deduzido nos autos de contra-ordenação nº 13332015060000013007, relativa a infração ao artº 104º nº 1 al. a) do Código do IRC, no valor € 10.397,13.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) – O douto Tribunal “a quo” julgou improcedente o recurso da decisão da fixação da coima, não tendo atendido ao pedido formulado pela Recorrente de organizar um único processo e aplicar uma única coima.
B) – O facto de às contraordenações fiscais ser aplicável o regime do cúmulo material e não o cúmulo jurídico não significa que não se obtenha utilidade processual com a organização de um único processo de contraordenação ou com a apensação de todos os processos de contraordenação, instaurados contra o mesmo infrator.
C) – Não sendo aplicável o regime do cúmulo jurídico às infrações fiscais não significa, isso, que ao mesmo arguido possa ser aplicado um número infinito de coimas, independentemente do valor máximo aplicável a todas elas, quer a título de dolo, quer a título de negligência.
D) – Sempre que ao mesmo infrator sejam aplicadas diversas coimas em diferentes processos, será de todo o interesse, quer por razões de economia processual, quer de certeza e justiça na aplicação do direito apensar todos os processos num único aplicando-se apenas uma coima.
E) – A apensação ou a organização de um único processo de contraordenação com a finalidade de ser aplicada uma única coima ao infrator, não pode ficar à mercê da vontade da autoridade administrativa, que atua recorrentemente de forma discricionária, originando que cada Serviço de Finanças possa decidir sobre se organiza ou não um único processo ou se apensa ou não vários processos de contraordenação sem que o contribuinte possa colocar em causa essa mesma decisão.
F) – Não existindo norma legal que confira competência exclusiva à autoridade administrativa para ser ela a organizar um único processo ou a apensar os diversos processos de contraordenação, pode o Tribunal ordenar a organização ou a apensação de processos instaurados contra o mesmo infrator, com vista à aplicação de uma única coima.
G) – Neste sentido já se pronunciaram os tribunais superiores, nomeadamente o STA no acórdão proferido no processo 01396/14, de 04/03/2014 cujo sumário se transcreve: “II – No momento em que a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma sanção relativa a uma infração como a dos autos dá entrada em Tribunal, conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infractor, ou quando relativamente a esse infractor já se encontrem pendentes nesse Tribunal processos por infracções idênticas, o juiz deve ordenar a apensação de processos, cumprindo a regra estabelecida no artigo 25º do Código de Processo Penal; III – Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT;”.
H) – Bem como o Acórdão do STA proferido no processo 01026/17, de 15/11/2017, onde se refere: “I- No momento em que a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma sanção relativa a uma infracção como a dos autos, dá entrada em Tribunal, conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infractor, ou quando relativamente a esse infractor já se encontrem pendentes nesse Tribunal processos por infracções idênticas, o juiz deve ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25º do Código de Processo Penal; II – Na fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT.
I) – Assim, a regra, ou o princípio geral do CPP é que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente um tribunal, no entanto, esta regra pode ser alterada, instaurando-se apenas um único processo para vários crimes ou infrações, desde que entre eles/elas exista uma ligação (conexão) que justifique uma decisão conjunta.
J) – No caso concreto, contra a ora recorrente foram insaturados mais dois processos de contraordenação, verificando-se pelo menos, a conexão subjetiva, situação à qual é aplicável o regime do artigo 25º do CPP.
L) – Ou seja, contra a recorrente foram instaurados os processos de contraordenação 133320150160000007783 e 13332015060000013430, tendo a recorrente apresentado recurso judicial contra a decisão de fixação da coima no mesmo dia em que apresentou o recurso no presente processo, motivo pelo qual na petição apenas identificou o número do processo de contraordenação e não o n.º do processo judicial, por este, ainda, não existir.
M) – Ao processo de contraordenação número 133320150160000007783 corresponde o processo judicial número 933/15.0BELRA e ao processo de contraordenação número 13332015060000013430 corresponde o processo judicial número 1089/15.3BELRA, processos estes pendentes no TAF de Leiria, pelo que se impunha a aplicação de uma única coima.
N) – Do exposto resulta que a douta decisão recorrida violou o artigo 25º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto na alínea a) do artigo 3º do RGIT.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, para cumprimento do regime do artigo 25º do CPP, fazendo-se assim a Costumada Justiça.

Respondeu o Ministério Público, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. A douta decisão recorrida, no tocante ao objecto do recurso (e não só) mostra-se bem fundamentada e explicitada, bem tendo decidido no tocante à questão da conexão ou apensação de outros processos (bem como no demais).
2. Tal questão, assumindo uma parte bem extensa da decisão impugnada, encontra-se sustentada em jurisprudência respeitada dos tribunais superiores, e bem apoiada em doutrina muito considerada.
3. Tendo tal questão, no contexto concreto dos autos sido decidida com bom senso e, em concreto, tendo como base o primado do justo na situação concreta.
4. Argumentando o recurso com a conexão processual subjectiva (e consequente apensação processual) com base na economia processual, no contexto concreto, a economia processual, seguindo-se a tese do recurso (neste momento do processo), acabaria por ser prejudicada, em concreto, e na medida em que, na realidade vivencial da vida vivida, a justiça acabaria por ser feita após avanços e recursos do tribunal (saindo prejudicada a economia processual do procedimento).
5. E sem atendermos sequer à questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, e que o tribunal não deve, a nosso ver, deixar de considerar e ponderar.
6. E neste contexto, por entendermos que a questão que constitui o objecto do recurso se encontra muito bem fundamentada e sustentada na douta sentença, tomando o tribunal, na decisão da mesma questão, uma opção dotada de bom senso, deve a mesma manter-se por corresponder, no contexto concreto dos autos, ao primado do justo.
7. Devendo, na sequência, o presente recurso ser julgado improcedente.

O Ministério Público, notificado, remeteu para a resposta ao recurso oferecida pelo Ministério Público no TAF de Leiria que, no essencial, entendeu que a questão que constitui o objecto do recurso se encontra muito bem fundamentada e sustentada devendo portanto o recurso improceder.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Em 22-03-2015 foi instaurado o processo de contra-ordenação n.º 1333201506000001300 tendo sido levantado auto de notícia com o seguinte teor:


2. Em 22-03-2015 foi emitida em nome da Recorrente notificação para apresentação de defesa ou pagamento com redução;
3. Em 16-04-2015 foi pelo Chefe do Serviço de Finanças da Batalha aplicada coima à Recorrente no valor de € 10.397,13, de acordo com decisão com o seguinte teor



4. O presente recurso foi apresentado no Serviço de Finanças da Batalha em 18-05-2015.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Como bem refere a recorrente nas suas alegações recursivas, na sentença recorrida conheceram-se três questões distintas, sendo que apenas discorda da questão da não apensação dos diversos processos de contraordenação em que a recorrente figura como arguida.
Discorda deste segmento da decisão recorrida, no essencial, argumentando que o regime do cúmulo material, e não o cúmulo jurídico, não significa que não se obtenha utilidade processual com a organização de um único processo de contraordenação ou com a apensação de todos os processos de contraordenação, instaurados contra o mesmo infractor, além de que, sempre que ao mesmo infrator sejam aplicadas diversas coimas em diferentes processos, será de todo o interesse, quer por razões de economia processual, quer de certeza e justiça na aplicação do direito, apensar todos os processos num único, aplicando-se apenas uma coima.
Sobre esta questão decidiu-se, no essencial e com relevância, na sentença recorrida:
Considerando que os autos não contêm quaisquer elementos que permitam concluir pela verificação de conexão objectiva, apenas há que atender à conexão subjectiva. E esta ocorre quando o mesmo agente tiver cometido várias infracções cujo conhecimento seja da competência da mesma entidade administrativa (cfr. artigo 25.º do CPP).
Razão pela qual não se vislumbra fundamento legal para impor a apensação dos processos, a não ser que, por motivos de economia processual, a entidade administrativa assim o entenda. Algo que não sucedeu, como resulta do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças quando se pronunciou sobre o direito de defesa exercido pela Recorrente nos processos de contra-ordenação em causa.
E, importa sublinhar, a falta de apensação de processos não configura qualquer nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.
Com efeito, enquanto no regime de punição de cúmulo jurídico do concurso das contra-ordenações há lugar a uma avaliação global da actividade delituosa do arguido e da sua culpa, no regime de cúmulo material isso não ocorre, já que essa avaliação deve ser feita apenas na aplicação de cada uma das coimas parcelares.
Ora, tendo na fase administrativa ocorrido diversos processos por cada uma das infracções e tendo sido proferida decisão e aplicada uma coima em cada um deles, que entretanto foram objecto de recurso para o tribunal tributário, podia a Recorrente ter requerido ao tribunal, junto do processo mais antigo, a apensação dos processos, o que não sucedeu. Com efeito, a Recorrente limita-se a identificar os processos de contra-ordenação sem contudo identificar os correspondentes números de processo em Tribunal.
De todo o modo, em conclusão não há fundamento legal para considerar que a decisão padece de qualquer vício de nulidade insuprível que afecte a sua validade por falta de apensação.
Como do texto resulta que a improcedência da questão respeitante à apensação de processos se fundamentou em duas vertentes:
-por um lado, porque não é possível proceder à verificação da conexão objectiva por falta de elementos nos autos e, por isso, apenas há que atender à conexão subjectiva;
-por outro lado, porque as razões de economia processual, que poderiam justificar a pretendida apensação, não resultaram verificadas como se extrai do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças quando se pronunciou sobre o direito de defesa exercido pela Recorrente nos processos de contra-ordenação em causa;
-além destes dois fundamentos, refere a sentença não ser possível a apensação dos processos, porque podia a Recorrente ter requerido ao tribunal, junto do processo mais antigo, a apensação dos processos, o que não sucedeu, com efeito, a Recorrente limita-se a identificar os processos de contra-ordenação sem contudo identificar os correspondentes números de processo em Tribunal.
Além destes fundamentos ainda se esclarece na sentença recorrida que a falta de apensação de processos não configura qualquer nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.

Analisado atentamente o recurso que nos vem dirigido, em conjugação com a fundamentação expressa da sentença recorrida, não se vê que os fundamentos ali assumidos para a improcedência do recurso interposto da decisão de aplicação da coima sejam minimamente postos em causa com o presente recurso.
Para que esta questão fosse julgada improcedente bastaria a assunção pelo tribunal, o que não vem impugnado com este recurso, cfr. artigo 635º, n.º 5 do CPC, de que o Chefe do Serviço de Finanças entendeu de forma correcta não se encontrarem reunidas as circunstâncias legalmente previstas para a apensação dos diferentes processos de contra-ordenação por razões de economia processual, além de que, é expressamente assumido pelo tribunal não dispor de todos os elementos necessários à pretendida apensação, quer na fase administrativa, quer na fase judicial.
Ou seja, com o recurso que nos vem dirigido não se afrontam eficazmente os argumentos e razões constantes da sentença recorrida que foram determinantes para a improcedência da questão colocada, pelo que, o recurso não pode proceder.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.