Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01006/18.9BEPRT
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - A Contribuição sobre o Sector Bancário tem natureza jurídica de contribuição financeira.
II - As normas que aprovam o regime jurídico da Contribuição sobre o Sector Bancário não enfermam de inconstitucionalidade orgânica, nem material, não violando os princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência.
III - Da afetação efetuada quanto à C.S.B. que integra as receitas do Fundo de Resolução, e das receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E. de 2015, não resulta a violação do art. 105º nº 1 al. a), da C.R.P..
Nº Convencional:JSTA000P26770
Nº do Documento:SA22020111801006/18
Data de Entrada:08/26/2020
Recorrente:A............, SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 1006/18.9BEPRT (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
“Banco A…….., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 21-04-2020, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto de indeferimento do pedido de reclamação graciosa por si apresentado, que incidiu sobre o acto de autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário, referente ao exercício de 2015.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A) A douta sentença incorreu em diversos erros de julgamento, devendo por isso ser revogada;
B) Primeiramente, não se acompanha a jurisprudência citada na sentença a quo, a qual, salvo melhor opinião, que classifica a CSSB como uma contribuição especial, daí retirando a consequência que as mesmas não se encontram sujeitas ao princípio da legalidade estrita nos termos em que o estão os impostos;
C) Desde logo, há que referir que estamos em causa perante um verdadeiro imposto, o que é patente pelo facto a CSB ter sido criada com vista a “reforçar o esforço fiscal do sector financeiro”, e bem assim, pelo facto de, desde a sua criação, a CSB ter sido destinada à satisfação das necessidades financeiras do Estado. Tal facto reflecte-se, por exemplo, no Relatório sobre o Orçamento de Estado para 2011, no Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2013 do Tribunal de Contas, no relatório sobre Orçamento de Estado para ou no Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2015 do Tribunal de Contas, nas referências feitas à CSB;
D) Também do ponto de vista dos respetivos sujeitos passivos se percebe que a CSSB nunca poderia configurar uma contribuição especial na medida em que, admitindo-se que a mesma se destina efetivamente a financiar o Fundo de Resolução (Nacional), resulta do elenco de sujeitos passivos que na verdade nem todos poderão beneficiar da respectiva intervenção (mas somente o B………. e o C………);
E) Assim, estamos perante um imposto cuja receita se encontra afeta ou consignada ao Fundo de Resolução, mas tal afectação é apenas isso mesmo, sendo certo que a existir uma contribuição financeira (doutrinária e legalmente qualificável como tal) para o Fundo de Resolução, esta será constituída pelas contribuições inicias, periódicas e especiais das instituições participantes;
F) Também a indedutibilidade em IRC da CSSB, em paralelo com a desconsideração de quaisquer gastos inerentes ao pagamento de impostos que incidam sobre lucros, reforça a qualificação como imposto;
G) Desta forma, o princípio da legalidade impõe, por um lado, que aqueles e respetivos elementos essenciais – incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos constituintes - sejam criados por lei (artigo 103.º, n.º 2 da CRP), e por outro lado, que esta lei seja da iniciativa da Assembleia da República, i.e, sendo a própria a legislar sobre o tema (assumindo a forma de Lei), ou autorizando o governo a legislar sobre a matéria (caso em que assumirá a forma de Decreto-lei);
H) Uma vez que o tribunal a quo parte da errada qualificação jurídica da CSB, acaba por ir contra o princípio da “tipicidade fechada” na criação de impostos, resultante do artigo 103.º, n.º 2, da CRP;
I) De acordo com o plenário do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 70/2004, de 28 de Janeiro, a habilitação legal de fixação de taxas de imposto através de Portaria apenas se deve considerar conforme à constituição se estabelecida de acordo com um critério de “razoabilidade quanto ao intervalo dentro do qual o legislador regulamentar podia fixar a taxa efectiva cuja razão de ser só poderia corresponder à sua preocupação de que esse intervalo não fosse de tal modo amplo que criasse uma incerteza intolerável quanto ao grau de amputação de riqueza admissível e esvaziasse de real conteúdo o juízo de opção política expresso num tal modo de tributação exigido ao legislador parlamentar” (negritos nossos);
J) Assim, é inegável vício de inconstitucionalidade orgânica, porquanto se constata uma manifesta desadequação e falta de correspondência entre a estatuição constante da Lei habilitante e a regulamentação efetuada através da Portaria n.º 121/2011, que cria uma incerteza intolerável para os contribuintes;
K) Pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a CSB deveria ter sido qualificada como um verdadeiro imposto, inquinado com o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade, nos termos do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, devendo a sentença ser revogada;
L) Incorreu o Tribunal a quo também em erro de julgamento, porquanto a CSB deveria ter sido inconstitucional por violação do princípio da igualdade, nos termos dos artigos 13.º e 104.º da CRP;
M) O relatório do Orçamento de Estado para 2011 que a Portaria n.º 121/2011 era muito claro no sentido de que a CSSB era criada com o duplo objectivo de: (i) Reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro (e não apenas o bancário); e de (ii) Mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados;
N) Assim, não se percebe porque motivo se há de onerar e presumir que a criação de risco é imputável exclusivamente ao sector bancário, e não a todo o sector financeiro (como de resto constava nas propostas apresentadas a nível internacional e que deram origem à CSSB), excluindo-se outros agentes económicos com forte intervenção no mercado financeiro, tais como as sociedades financeiras;
O) Ainda que se pudesse qualificar a CSB como uma contribuição financeira, também o princípio da equivalência não estaria cumprido, pois não é de todo verdade que a CSSB permita a resolução do sector bancário, dado que o Fundo de Resolução (Nacional) não tem essa finalidade desde 2016, que é agora do Fundo Único de Resolução;
P) Com o Regulamento n.º 806/2014/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2014, a União Europeia deu um novo passo na harmonização dos mecanismos de supervisão e resolução europeias, criando, no que ao caso importa, o Fundo Único de Resolução, e que se tornou aplicável a partir de 01 de Janeiro de 2016;
Q) Desde essa data, o Fundo Único de Resolução é considerado o mecanismo de financiamento da resolução das Instituições de Crédito dos Estados-Membros participantes (cf. artigos 2.º, al. a), 96.º e 99.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 806/2014), substituindo o mecanismo de financiamento da resolução dos Estados-Membros participantes (o que inclui o Fundo de Resolução Nacional) caso seja necessário um plano de resolução para as Instituições de Crédito;
R) Consequentemente, não é verdade, como afirma a douta sentença a quo, que a CSB, ao financiar o Fundo de Resolução, se está a compensar os presumíveis beneficiários de eventuais intervenções públicas resolução, pois dos que se encontram hoje em actividade e que têm todos de contribuir, apenas uma pequena parte pode beneficiar da intervenção desse fundo: o B……….. e o C……….. Mais, para além desses dois Bancos, o Fundo de Resolução só pode visar novas medidas de resolução das sociedades financeiras, que nem sequer são sujeitos passivos da CSB (mas ainda assim beneficiariam do Fundo de Resolução, na medida em que não estiverem abrangidas pela competência do MUR);
S) Desta forma, contrariamente ao que a douta sentença afirma, pode-se e deve-se comparar os bancos às sociedades financeiras;
T) Ora, seguindo os ensinamentos constantes no Acórdão n.º 539/2015, de 20 de Outubro de 2015. do Tribunal Constitucional, é indubitável que, se de acordo com os regimes legais aplicáveis, o sujeito passivo da CSB não pode beneficiar de qualquer medida de resolução que venha a ser determinada e financiada pelo Fundo de Resolução ao qual aquela contribuição está consignada, não existe qualquer relação objectiva, falhando redondamente qualquer equivalência ainda que difusa que pudesse existir!
U) Desta forma, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto ainda que a CSB se pudesse qualificar como uma contribuição financeira, inquinado com o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, mais concretamente quanto ao princípio da equivalência, nos termos do artigo 13.º da CRP, pelo que deverá a sentença ser revogada;
V) A Portaria n.º 121/2011 padece ainda de ilegalidade, em virtude de alterar a natureza da taxa prevista na norma habilitante (de taxa progressiva para proporcional) e incrementar a base de incidência da aludida contribuição, impondo um limite para a dedução à base de incidência, que consiste nos depósitos efetivamente cobertos pelo Fundo de Garantia de Depósitos;
W) Efectivamente, se o artigo 4.º do regime da CSB determina que as taxas do imposto deveriam variar “em função do valor apurado”, não pode alterar-se o que deveria ser uma taxa progressiva, através de Portaria, para uma taxa proporcional em resultado da existência de taxas únicas;
X) A isto acresce que a al. a) do artigo 3.º do regime jurídico da CSB excluí claramente da base de incidência do imposto “os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 201/49/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro”, sem estabelecer qualquer limite ou relevância quantitativa de tal dedução”;
Y) Portanto, enquanto o regime jurídico da CSB excluía da base de incidência tais depósitos, sem estabelecer qualquer limite ou relevância quantitativa de tal dedução, a Portaria n.º 121/2011 veio limitar a relevância de tais depósitos apenas na medida do montante efectivamente coberto pelo Fundo de Resolução (v. artigo 4.º, n.º 2, al. c)); Z) Sendo ao legislador quem cabe estabelecer a base de incidência de imposto, não pode vir uma Portaria alterar tal base de incidência!
AA) Temos em que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto a Portaria n.º 121/2011 viola claramente o regime da CSB aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (com as alterações subsequentes), pelo que deverá a sentença ser revogada;
BB) No que respeita a inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade, a sentença incorreu também em erro de julgamento, uma vez que a Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho alterou a redacção do n.º 1 do artigo 5.º da Portaria n.º 121/2001, passando a taxa para 0,110%;
CC) Note-se que a mencionada portaria foi publicada a 12 de Junho de 2015, produzindo efeitos, nos termos do seu artigo 3.º, a partir de 1 de Janeiro de 2015
DD) Por outro lado, o douto Tribunal a quo também não aferiu corretamente o tipo de facto tributário em presença, nem levou em linha de conta que a CSB é sujeita a prorrogação anual.
EE) No que importa ao facto tributário, importa ter presente que, conforme estatuído no n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 121/2011, de “A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição.”
FF) Tal implica que a CSB liquidada no ano de 2015 se aplica a factos ocorridos em 2014, porquanto é neste exercício que se apuram os saldos mensais que relevam para o apuramento da respetiva base de incidência.
GG) No que toca à verificação do facto tributário, relembre-se o ensinamento de Saldanha Sanches, que refere que o facto tributário se deve entender ocorrido no momento em “que se verifica uma certa situação de facto a que a lei liga um dever de prestar (Cf. Saldanha Sanches, in “Manual de Direito Fiscal”, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 255. ) ”;
HH) Assim, incorreu em erro o Tribunal a quo, ao afirmar que o momento relevante a considerar é o da aprovação das contas (que se reconduz a um dever de prestar) e não o do encerramento do exercício.
II) Por outro lado, sempre deve recordar-se que a prestação de contas por parte de sociedades comerciais não tem senão um efeito de relato; constitui, um mero instrumento de publicidade da situação das sociedades, que através do relato dessa mesma situação pretende veicular aos acionistas, bem como a outros investidores e/ou entidades para as quais tal informação seja relevante, um retrato fiel da atividade e do estado da entidade em questão.
JJ) Desta forma, a correspondência entre a situação contabilística da sociedade e a realidade relatada nas contas aprovadas pelos seus acionistas, tem um efeito meramente confirmativo - mas não constitutivo ou modificativo - da situação da sociedade;
KK) No presente caso, portanto, não pode senão entender-se que o facto tributário ocorreu no momento da verificação dos saldos mensais ie, até 31 de Dezembro do ano anterior àquele a que respeita.
LL) A acrescer a tudo o que se tem dito importa ainda ter presente que a CSB é sujeita a prorrogação anual, através da Lei do Orçamento de Estado.
MM) E concretamente, com respeito ao ano sob análise, a CSB foi prorrogada pelo artigo 235.º da LOE 2014 - Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro – a qual foi aprovada a 31-12-2012, com entrada em vigor, nos termos do Artigo 261.º, no dia 1 de janeiro de 2015,
NN) Perante o exposto, é incontestável que nos encontramos perante um tributo de natureza retroativa, porquanto a lei que habilita a sua cobrança entrou em vigor após verificação do facto tributário sobre a qual incide [a média anual dos saldos finais de cada mês].
OO) E sempre será de se notar que, ainda que o raciocínio do Tribunal a quo estivesse correcto, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, e o facto tributário fosse a aprovação de contas, o certo é que as contas de 2014 teriam de ser aprovadas, atendendo ao artigo 65º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, até ao dia 31 de Maio de 2015, pelo que sempre se verificaria a retroactividade, uma vez que a taxa aplicável foi fixada em Junho de 2015 (i.e., a taxa foi fixada depois da aprovação das contas em 2015)…
PP) O facto de o regime originário da CSB ter entrado em vigor em 2011 é irrelevante para a questão da retroactividade, porquanto o que está em causa é, por um lado, a inconstitucionalidade da alteração efectuada pela Portaria n.º 176-A/2015, de 12 de Junho, na sequência da alteração dos limites máximos aplicáveis operada pelo artigo 236.º da Lei do Orçamento de Estado para 2015; e por outro a entrada em vigor da LOE de 2015, que prorrogou o Regime da CSB autorizando a cobrança deste tributo em 2015 sobre um facto tributário ocorrido em 2014. QQ) Temos em que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto a CSB deveria ter sido qualificada como um verdadeiro imposto, inquinado com o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade fiscal, nos termos do artigo 103.º, n.º 3 da CRP, pelo que deverá a sentença ser revogada.
RR) Por fim, a CSB ora impugnada é ilegal por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CSB não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CSB aqui em causa – 2015 -, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CSB até à presente data – 2011 a 2019, como se demonstrará.
SS) Vício que, entende o RECORRENTE, é cominado com a nulidade do acto de (auto)liquidação ora em crise, a qual é invocável a todo o tempo e é de conhecimento oficioso, tal como dispõe o número 2 do artigo 162.º do CPA, o n.º 1 do artigo 58.º do CPTA e, bem assim, o artigo 286.º do Código Civil (CC).
TT) Acresce que, estando em causa a violação de normas constitucionais, encontra-se, ainda aberta a possibilidade de discutir a respetiva inconstitucionalidade até trânsito em julgado das decisões, admitindo, inclusivamente, que essa discussão se possa iniciar no plano de recurso, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1ª instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Dezembro de 2000, proferido no processo n.º 024319, disponível em www.dgsi.pt).
UU) Ora, o princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP.
VV) A regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada aprovação, divulgação e transparência do Orçamento do Estado e da sua execução.
WW) Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos a regra da especificação, a par de outras regras orçamentais, como a da não compensação e a da não consignação. Ora, de acordo com esta regra orçamental da especificação, o orçamento deve individualizar de forma adequada e suficiente as receitas.
XX) Esta regra orçamental da especificação orçamental integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.
YY) Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO, quer na versão de 2001, quer na versão de 2015, prevêem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.
ZZ) Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que releva para os presentes autos, e no que respeita à receita, estabelece o artigo 17.º da LEO de 2015 que “As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento” (cf. também artigo 8.º da LEO de 2001).
AAA) Sucede, porém, que a Contribuição sobre o Sector Bancário - tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente individualizada e orçamentada de acordo com a regra da especificação enunciada.
BBB) Com efeito, no ano de 2015 – ano da (auto)liquidação em crise nos presentes autos – a Contribuição sobre o Sector Bancário é mantida em vigor por força do artigo 235. ° da Lei do Orçamento do Estado para esse ano (v.g. Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro), sendo que, neste orçamento, a CSB não é referida, específica e concretamente, em nenhum dos mapas orçamentais
CCC) Ora, neste orçamento, afigura-se evidente a impossibilidade de apuramento do valor exacto da receita prevista arrecadar com a Contribuição sobre o Sector Bancário, não sendo possível retirar-se do montante da receita do Fundo de Resolução (de €300.000.000), prevista no Mapa V, qual o montante que corresponde à receita a obter com a cobrança da Contribuição sobre o Sector Bancário, uma vez que esta contribuição não é, sequer, a única fonte de financiamento daquele Fundo.
DDD) Se é certo que, do artigo 153.º-F, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, resulta que constitui receita do Fundo de Resolução, designadamente, o produto da Contribuição sobre o Sector Bancário, também o é, de acordo com o mesmo artigo, o produto das contribuições iniciais e periódicas das instituições participantes e, ainda, outras receitas provenientes de empréstimos, aplicação de recursos, liberalidades, entre outras.
EEE) Ora, no aludido Mapa V, as receitas do Fundo de Resolução não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se individualiza (especifica) e quais os montantes, a título de Contribuição sobre o Sector Bancário, que, afinal, se autoriza que sejam cobrados durante o ano e consignados ao Fundo de Resolução, em clara violação da CRP (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,º da LEO de 2001 e 17.º da LEO de 2015).
FFF) De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o alegado valor inscrito no Mapa V de €300.000.000 e, desse valor - assumindo mesmo que ali esteja incluída, ou possa estar (não se sabe), a Contribuição sobre o Sector Bancário - qual o que lhe corresponde e é aprovado pela Assembleia da República.
GGG) Com efeito, desde a Lei do Orçamento do Estado para 2014, que a CSB surge aparentemente englobada na rubrica 01.02.99, na categoria dos “impostos diretos diversos” do Mapa I e englobada entre as receitas do Fundo de Resolução constantes dos Mapas V e VI.
HHH) De todo o exposto resulta, à evidência, que a receita decorrente da Contribuição sobre o Sector Bancário em causa não se pode presumir prevista na Lei do Orçamento do Estado – neste caso, por referência ao ano de 2015 –, e a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto nem na CRP, nem na LEO,
III) Ora, só com o cumprimento efectivo dessa necessidade, legal e constitucional, de adequada individualização da receita do tributo em causa, decorrente do princípio da especificação orçamental, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido quer pela CRP, quer pela LEO, razão pela qual existe este princípio.
JJJ) Nesta medida, é forçoso concluir que a receita tributária em causa escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e, consequentemente, à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado.
KKK) Por outro lado, os vícios apontados quanto à inscrição orçamental das receitas da CSB não atentam, apenas, contra o princípio da legalidade, por violação do princípio da especificação das receitas, mas também implicam o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente o princípio da transparência, o da unidade e o da universalidade e, mesmo, os da não consignação e da não compensação.
LLL) Acresce, ainda, referir, por cautela do patrocínio, que o facto de a recente jurisprudência dos Tribunais Superiores, ter qualificado a Contribuição sobre o Sector Bancário como uma “contribuição financeira” - e não como uma taxa ou como imposto - também não poderá justificar qualquer aligeiramento da regra da especificação orçamental quanto a estas receitas.
MMM) Em primeiro lugar, porque, quer a CRP, quer a LEO, referem-se a receitas, sem especificar a sua origem.
NNN) Depois, porque as contribuições financeiras possuem características em tudo semelhantes aos impostos, tendo, assim, também sido vistas pelo Tribunal de Contas, que as vem qualificando na categoria dos “impostos directos”.
OOO) Por tudo, verifica-se, pois, a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo e autorização parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2011 a 2020, incluindo o de 2015, foi efectuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CSB, o que é passível de permitir a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei – o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina, quer na redacção de 2001, quer na de 2015, a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique).
PPP) Razão pela qual a omissão da referência à CSB na Lei do Orçamento do Estado de 2015 e dos respectivos mapas orçamentais, corresponde a manifesta violação da regra da especificação orçamental da receita prevista no artigo 8.° da LEO de 2001 e do artigo 17° da LEO de 2015 e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n.° 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, implica a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.º da CRP.
QQQ) Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de consignação e de compensação. É de notar que, ainda que se admita que a receita da CSB é consignada, a excepção ao subprincípio da não consignação obrigaria a uma bem maior exigência na sua orçamentação, com vista ao seu controlo parlamentar.
RRR) Ora, a violação do princípio, legal e constitucional, da especificação conduz à nulidade dos "créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)", conforme prevêem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da Contribuição sobre o Sector Bancário nunca tivesse sido prevista.
SSS) Por este motivo, o acto de (auto)liquidação da CSB aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade (abstracta), porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO. Ilegalidade que, pela sua gravidade, deverá materializar-se, salvo melhor opinião, numa nulidade típica ou integral.
TTT) Com efeito, e com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de Janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no actual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”.
UUU) Assim, de acordo com esta norma, são nulos quaisquer actos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei - com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade –, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal.
VVV) Donde é forçoso concluir-se que as deficiências de orçamentação da CSB, desde a sua criação e até à presente data, são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, por não orçamentado, com a consequente nulidade das respectivas (auto)liquidações, ao abrigo da alínea k) do artigo 161.º do CPA.
WWW) Em face do exposto, e atenta a desconformidade do tributo em questão com o disposto no artigo 17.º da LEO e com o artigo 105.º da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indirectamente que seja) o acto de autoliquidação sub judice, devendo ser declarado nulo, nos termos da alínea k) do artigo 161.º do CPA, com todas as consequências legais.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se a revogação da sentença a quo, julgando-se procedente a impugnação judicial, determinando a anulação do acto de autoliquidação da CSB n.º 260000081104, ordenando a devolução dos montantes de imposto entregues, bem como o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios no termos legalmente devidos, e assim se fazendo, mais uma vez, serena, sã e objectiva justiça.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da natureza da Contribuição sobre o Sector Bancário bem como da invocada violação do princípio da legalidade (art. 103.º n.º2 da C.R.P.), quer na sua vertente reserva de lei, quer no que respeita aos elementos típicos e da violação dos princípio igualdade e da equivalência (artigos 13.º e 104.º da CRP) e ainda da suscitada ilegalidade da Portaria n.º 121/2011 e da violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (art. 103.º n.º3 da CRP), sem olvidar a agora apontada inconstitucionalidade por violação da regra da discriminação orçamental prevista no art. 105.º n.º 1, a) da C.R.P..
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. A Impugnante é uma instituição de crédito autorizada pelo Banco de Portugal para o exercício da actividade bancária, residente em Portugal para efeitos fiscais.
2. A Impugnante, em 29/6/2015, preencheu a declaração – modelo 26 – respeitante à Contribuição sobre o Sector Bancário que se encontra a fls. 15/16 e se dá por reproduzida, reportada ao ano de 2015, e declarou como “base da contribuição”:


3. Da declaração referida em 2, resultou uma Contribuição sobre o Sector Bancário, a pagar pela Impugnante, no montante de € 15.477.766,87.
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o documento nº 169026000008104, que consta a fls. 16 e se dá por reproduzido, referente à Contribuição sobre o Sector Bancário, relativa ao ano de 2015, a pagar pela Impugnante, no montante de € 15.477.766,87.
5. A Impugnante, em 30/6/2015, procedeu ao pagamento do montante identificado em 3/4, conforme documento de fls. 17 verso que se dá por reproduzido.
6. A Impugnante, em 3/7/2017, apresentou nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, uma “reclamação graciosa de ato de autoliquidação de contribuição sobre o Setor Bancário”, referente ao ano de 2015.
7. A Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante ofício datado de 13/12/2017, promoveu a audiência prévia para a Impugnante se pronunciar sobre o projecto de indeferimento “da decisão de reclamação graciosa”, com base na informação interna emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes nº 256-AIR1/2017 que consta a fls. 20/23 e se dá por reproduzida.
8. A Autoridade Tributária e Aduaneira, em 18/1/2018, proferiu despacho com o teor “Concordo pelo que indefiro a reclamação graciosa”, baseado na informação interna emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes nº 015-AIR1/2018, conforme documento de fls. 25 verso/26 que se dá por reproduzido.
9. A Autoridade Tributária e Aduaneira, em 19/1/2018, remeteu à Impugnante o ofício que consta a fls. 25 e se dá por reproduzido, com o assunto “Notificação de Decisão Final (…) Reclamação Graciosa”, aí referindo que “(…) foi proferido despacho de indeferimento (…) fica notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente (…) ou impugnar judicialmente no prazo de três meses (…)”.
10. O despacho mencionado em 9 foi notificado à Impugnante, por meios electrónicos, Via CTT, a que acedeu em 22/1/2018, conforme “print” de fls. 27 que se dá por reproduzido.
11. A presente acção deu entrada em juízo em 18/4/2018.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
*
A convicção do Tribunal estribou-se na análise crítica da documentação junta aos autos e ao processo administrativos apenso, referida no probatório em relação a cada um dos factos aí enunciados, bem como na factualidade alegada e não impugnada, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da natureza da Contribuição sobre o Sector Bancário bem como da invocada violação do princípio da legalidade (art. 103.º n.º2 da C.R.P.), quer na sua vertente reserva de lei, quer no que respeita aos elementos típicos e da violação dos princípio igualdade e da equivalência (artigos 13.º e 104.º da CRP) e ainda da suscitada ilegalidade da Portaria n.º 121/2011 e da violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (art. 103.º n.º3 da CRP), sem olvidar a agora apontada inconstitucionalidade por violação da regra da discriminação orçamental prevista no art. 105.º n.º 1, a) da C.R.P..

Quanto à natureza da C.S.B., e aos princípios da legalidade, da igualdade, da equivalência, à ilegalidade da Portaria n.º 121/2011 e ainda quanto ao princípio da não retroactividade da lei fiscal:
Relativamente ao ano de 2015 a C.S.B. foi mantida pelo art. 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31-12, que aprovou o Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2015, introduzindo algumas alterações ao regime anteriormente vigente, conforme invoca a recorrente.
Reitera-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19/6/2019, proferido no processo nº 0683/17, proferido em formação alargada da Secção do Contencioso Tributário, realizada ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.), o qual se encontra publicado na base de dados informatizada do IGFEJ, I.P., bem como no acórdão de 17-06-2020, Proc. nº 02381/15.2BELRS 01165/17, acórdão de 27-11-2019, Proc. nº 02867/16.1BELRS - relativos à mesma C.S.B. de 2015-, ambos publicados no mesmo local e acessíveis em www.dgsi.pt.
Refere-se no último dos arestos apontados que:
“…
Tendo em consideração: i) o carácter unânime da decisão prolatada em 19 de Junho de 2019 por este Tribunal; ii) a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes do STA que têm sido proferidas sobre a mesma questão; e iii) o pouco tempo que ainda decorreu desde que este entendimento foi firmado, impõe o princípio da segurança jurídica que o teor daquela decisão seja igualmente seguido no recurso aqui em apreço.
3.2. No referido acórdão de 19 de Junho de 2019 firmou-se a seguinte interpretação: "Tendo a Contribuição sobre o Sector Bancário natureza jurídica de contribuição financeira, não ocorre inconstitucionalidade orgânica e material das normas do seu regime jurídico, por violação dos princípios constitucionais da não retroactividade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, da igualdade, capacidade contributiva e equivalência, pelo que também a respectiva autoliquidação, ainda que referente ao ano de 2011, não enferma de ilegalidade por alegada violação desses mesmos princípios".
Interpretação da qual, pelas razões antes aduzidas, aqui não divergimos
3.3. Assim, e porque as questões de direito a que há que responder no âmbito do presente recurso são idênticas às que foram analisadas e decididas no acórdão de 19 de Junho de 2019 (processo nº 2340/13.0BELRS 0683/17), deve aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 94.º do CPTA, i. e., proceder-se a uma fundamentação sumária da presente decisão através de remissão para as decisões precedentes e os fundamentos aí expendidos. Considerando que o texto do referido acórdão se encontra disponível, na íntegra, on-line, na base de dados da DGSI , dispensa-se a junção da respectiva cópia. Porém, complementarmente, transcrevemos alguns excertos que se nos afiguram essenciais para a compreensão da fundamentação da decisão aqui proferida.
3.3.1. Quanto à natureza jurídica da contribuição sobre o sector bancário com contribuição financeira a favor de entidades públicas: “(…) [N]ão se reconduz à taxa stricto sensu (não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a administração dirija aos respectivos sujeitos passivos) nem se reconduz a um imposto, pois que não se verifica a respectiva unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita (não se destina a que «as instituições participantes concorram para os gastos da comunidade, em cumprimento de um qualquer dever de solidariedade»), antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade (…) toda a motivação legislativa constante dos supra apontados diplomas legais, legitima, em termos de interpretação, a conclusão de que a CSB visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos sistémicos que ali então se identificaram, e não se destinando, assim, a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado (…)”.
3.3.2. Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica das normas que instituíram a Contribuição sobre o Sector Bancário, afirma-se no supra mencionado acórdão deste tribunal o seguinte: “(…) pela natureza de contribuição financeira da CSB, resulta que a criação da mesma não está sujeita a reserva de lei formal, expressa na imperatividade de lei da AR ou de decreto-lei do Governo, com credencial parlamentar (arts. 165°, n°1, al. i) e 198°, n°1, al. b), ambos da CRP) (…) no caso da CSB, o respectivo regime jurídico foi, como se viu, criado pelo art. 141º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011), aí constando a incidência subjectiva e objectiva e as margens de variação das taxas aplicáveis a cada uma das componentes da base de incidência objectiva, sendo que a Portaria n° 121/2011, de 30/03, para a qual também se remete, se limitou à densificação das características essenciais do regime jurídico (base de incidência, taxas, regras de liquidação, de cobrança e de pagamento), cumprindo o escopo regulamentar prescrito no próprio regime jurídico da CSB inserido no art. 141º daquela Lei da AR (maxime no art. 8° desse Regime Jurídico).
Daí que não ocorra, portanto, inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade fiscal das normas de tal Regime Jurídico (art. 103º, nº 2 da CRP), nem inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da reserva de lei formal (art. 165º nº 1, al. i) da CRP), das normas da Portaria n° 121/2011, de 30/03 (…)”.
3.3.3. Quanto às alegadas inconstitucionalidades materiais das normas que instituíram a Contribuição sobre o Sector Bancário, afirma-se no supra mencionado acórdão deste tribunal que não há violação do princípio da igualdade – “(…) considerando o caso concreto da CSB, verifica-se que, por um lado, ela atinge igualmente todas as instituições de crédito do sector bancário a operar em Portugal, independentemente de a sua sede principal e efectiva se situar em território português (art. 2° do RCSB; art. 2° da Portaria n° 121/2011) (…)” – nem da capacidade contributiva – “(…) Carecendo, portanto, de relevância o alegado pela impugnante quanto à violação do princípio da igualdade, nesta última perspectiva da violação do princípio da capacidade contributiva e da universalidade, dado entender-se que estamos perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (…)” –, nem da proibição de retroactividade da lei fiscal “(…) Não há, portanto, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos. E considerando, como se disse, que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), ), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente (…) – nem da protecção da confiança legítima – “(…) dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CSB (até porque não seria expectável que Portugal ficasse arredado da aplicação dos novos tributos, discutidos e aceites a nível europeu pelos Estados Membros e em condições tendencialmente iguais), em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos(…)”.
E acrescenta-se ainda naquela decisão que, mesmo quanto às alegadas inconstitucionalidades materiais que poderiam ser imputadas ao tributo qualificado como contribuição financeira, por violação do princípio da proporcionalidade ou da equivalência, as mesmas não procedem, pois “(…) as modulações do peso e da medida do tributo em função dos maiores ou menores riscos sistémicos provocados pela actuação dos sujeitos passivos (expressão da observância de um critério de proporcionalidade na construção da estrutura sinalagmática), estão presentes na delimitação da respectiva base de incidência objectiva: incidindo a CSB sobre o valor do passivo apurado e aprovado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados, fica claro que, apesar de a taxa não ser progressiva, o valor da contribuição a pagar por cada sujeito passivo é directamente proporcional à intensidade do risco sistémico que a sua actuação pode presumivelmente provocar, directamente associada à dimensão do passivo e, consequencialmente, à dimensão da lesão resultante do eventual incumprimento das suas responsabilidades para com terceiros, depositantes ou titulares de produtos financeiros emitidos ou garantidos pelas instituições de crédito (cfr. o art. 4° Portaria n° 121/2011). Daqui se concluindo que, ao invés do alegado pela recorrente, as normas que definem a incidência subjectiva e objectiva e as taxas da CSB, constantes do RCSB (art. 141° Lei n° 55-A/2010, de 31/12) não violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art. 13° da CRP), bem tendo decidido a sentença recorrida”. …”.

Considerando tratar-se de jurisprudência reiterada pelo S.T.A., da qual resulta a improcedência das questões acima suscitadas por referência à C.S.B. relativa ao ano de 2015, remete-se quanto à fundamentação para esses acórdãos, nos termos do art. 663.º n.º 5 do C.P.C., dispensando-se a junção de cópia dos mesmos, atenta a publicação já efetuada e a imposição de não serem praticados atos inúteis.
Resulta, assim, que o recurso não é provido quanto às indicadas questões, incluindo a da violação da não retroactividade.

Quanto à inconstitucionalidade por violação da regra da discriminação orçamental prevista no art. 105.º n.º 1, a) da C.R.P.:
Relembramos que o âmbito da presente questão respeita apenas à dita inconstitucionalidade e no que se refere ao indeferimento de reclamação graciosa relativa a autoliquidação da C.S.B. de 2015.
No mapa V anexo ao O.G.E. de 2015, aprovado pela Lei 82-B/2014, consta no Diário da República a pág. 88, a discriminação das receitas do Ministério das Finanças e seus Fundos autónomos, sendo indicada, no que se refere ao Fundo de Resolução, a quantia global de € 300 000 000.

Por outro lado, nos termos previstos no art. 153.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a C.S.B. constitui receita do Fundo de Resolução.
Ora, dispõe o art. 105.º da C.R.P. o seguinte:
(Orçamento)
“1 - O Orçamento do Estado contém:
a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos;
b) O orçamento da segurança social.
2 - O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.
3 - O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.
4 - O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.»
Da afetação que resulta efetuada quanto à C.S.B. entre as receitas do Fundo de Resolução e da discriminação efetuada quanto às receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E. de 2015, não resulta a violação do art. 105.º, n.º1, a), da C.R.P..
Conforme se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2011, proferido a 28-9-2011, no processo nº 211/2011, publicado em www.tribunalconstitucional.pt, “o quadro primário de conteúdo, elaboração, aprovação e execução do Orçamento constante deste preceito é completado pelo artigo 106.º da Constituição, conjunto normativo relativamente parco que é desenvolvido pela Lei de Enquadramento Orçamental”.
É nesse contexto que foi aprovada a Lei de Enquadramento Orçamental (L.E.O.) n.º 91/01, de 20/8, bem como a actual L.E.O. pela Lei n.º 151/2017, de 11/9, bem como ainda outros diplomas (em que se prevê ainda a discriminação das receitas e despesas do Estado e dos Fundos, de acordo com várias regras, como as relativas aos classificadores a utilizar).
Tais exigências não decorrem do previsto na C.R.P., pelo menos, com o conteúdo indicado pela recorrente.
Aliás, tratando-se a C.S.B. de uma contribuição financeira a favor do Fundo de Resolução, conforme referido na jurisprudência do S.T.A. para que se remeteu, foi já considerado que goza de maior liberdade no que toca ao seu lançamento, liquidação e cobrança, sendo de desaplicar o regime garantístico dos impostos, conforme se pode ler ainda no acórdão do T.C. n.º 539/2015, de 20-10-2015 proferido no proc. 27/15, do Tribunal Constitucional, publicado em www.tribunalconstitucional.pt e no Diário da República, 2.ª série, de 19-11-2015.
O previsto no O.G.E. para 2015 não é diferente do ocorrido em anos anteriores, o que permitiu a fiscalização da execução orçamental do Fundo de Resolução, nos termos previstos no art. 107.º da C.R.P., quer pelo Tribunal de Contas, conforme resulta dos relatórios anuais tornados públicos pelo mesmo quanto a esses anos, de que se dá notícia no parecer junto aos autos, elaborado pela sr.ª prof.ª Maria d´ Oliveira Martins, bem como pela Assembleia da República que também a tem exercido, como é do conhecimento público.
Acresce que a aplicação da nulidade quanto a essa inconstitucionalidade, em termos de invalidar os efeitos produzidos anteriormente, sempre dependeria de uma ponderação a efectuar pelo Tribunal Constitucional, nos termos do art. 282.º n.º4 da C.R.P., conforme assinalado no acórdão do S.T.A. de 20-11-2014, proferido no processo 0438/14, publicado em www.dgsi.pt. - neste sentido, o recente Ac. deste Tribunal de 28-10-2020, Proc. nº 2015/18.3BEPRT (em que a Recorrente é a mesma), www.dgsi.pt.
Dispensa do remanescente de custas:
Prescreve o artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Nos presentes autos, a que foi atribuído o valor de € 15.477.766,87, está em causa um pedido de anulação de um acto de indeferimento de reclamação graciosa referente a uma autoliquidação de C.S.B..
Tendo sido suscitadas várias questões a dirimir, as mesmas foram enunciadas de forma um tanto complexa, nomeadamente, a referente à violação do princípio da discriminação orçamental.
No entanto, a decisão do recurso assentou fundamentalmente em jurisprudência já produzida pelo S.T.A. e pelo Tribunal Constitucional, conforme consta indicado na fundamentação que antecede.
Tal leva a admitir tratar-se de uma situação específica que, num contexto em que as custas a pagar decorrentes do valor do processo acima indicado seriam de montante “exorbitante”, conforme considerado na sentença recorrida, leva a aplicar ao caso o princípio da proporcionalidade na vertente de proibição do excesso na condenação em custas, e em termos de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos