Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0991/14
Data do Acordão:10/21/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLVEIRA
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL
FORNECIMENTO DE ÁGUA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:É de admitir revista, em sede da apreciação preliminar a que se reporta o artigo 150.º, 4, do CPTA, se está sob recurso acórdão do Tribunal Central Administrativo que julgou improcedente acção de anulação de decisão de tribunal arbitral que condenou município a pagamento de várias dezenas de milhões de euros em matéria atinente ao serviço essencial do fornecimento de água, e se está, ainda, em discussão a própria existência da figura do recurso de revista excepcional para este tipo de casos.
Nº Convencional:JSTA000P18078
Nº do Documento:SA1201410210991
Data de Entrada:09/12/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE BARCELOS
Recorrido 1:ÁGUAS DE BARCELOS, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. Águas de Barcelos, S.A. obteve de Tribunal Arbitral, em acórdão de 18.1.2012, a condenação do Município de Barcelos a:
«1.º Considerar procedente o pedido de reposição de equilíbrio económico-financeiro, mediante:
a) A alteração do «Caso Base» nos termos que constam do documento junto à p.i sob o n.º 25; e
b) o pagamento pelo Demandado à Demandante de:
O valor necessário para repor posto em causa pelos desvios dos caudais dos anos 2005 a 2009, ou seja, o montante de € 24.602.600, acrescido de juros de mora, à taxa legal, caso o pagamento não seja efectuado até ao trânsito em julgado da presente decisão e
- uma compensação financeira anual entre 2010 e o termo do Contrato no valor anual de € 5.897.179, a preços de 2010, sendo cada prestação anual acrescida de juros de mora, à taxa legal, caso o seu pagamento não seja feito até ao fim de cada ano em que se vencer».

1.2. O Município de Barcelos apresentou no Tribunal Central Administrativo Norte acção de anulação dessa decisão, no quadro do artigo 186.º, 1, do CPTA.

1.3. Por acórdão de 14/03/2014 (fls.172 a 205), aquele Tribunal Central julgou a acção improcedente.

1.4. É desse acórdão que o Município vem interpor recurso de revista, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, sustentando que:
01- Não tem aplicação no presente recurso dos autos a limitação constante do n° 1 do art° 150° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porquanto este artigo limita excepcionalmente a admissibilidade dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas pelo Tribunal Central Administrativo quando estes últimos decidam em “segunda instância”.
02 - Encontrando-se o Tribunal Arbitral fora da Organização Judiciária Estadual não se poderá reconduzir ao conceito da primeira instância, pelo que o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em acção de anulação daquela decisão, não poderá, da mesma forma, ser reconduzido ao conceito de decisão proferida em segunda instância.
03 - Deve pois o presente recurso ser admitido como de revista com o fundamento no disposto dos art° 46° da LAV, 140° e 150º n° 1 a contrario Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
04- Aliás, tendo em conta o que vem de dizer-se — por não se poder reconduzir o presente caso ao conceito de instâncias, já que o tribunal arbitral, não fazendo parte da organização judiciária estadual não poderá ser tido como instância — a interpretação da norma constante do art° 150° n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos segundo a qual estaria vedado o recurso da decisão do Tribunal Central Administrativo sobre a acção de impugnação de decisão do tribunal arbitral, por ser uma decisão proferida em primeira instância, sempre enfermaria de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, por não estar garantido o princípio da tutela jurisdicional efectiva e o acesso aos tribunais.
05- Em complemento do acima exposto, sempre se dirá que em causa no presente recurso, está uma questão de elevada relevância jurídica cuja apreciação por este Supremo Tribunal se impõe nos termos e para os efeitos do art° 150° nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
06- A questão que ora se colocará a este Supremo Tribunal é a de saber se o entendimento segundo qual a restrição a produção de meios de prova resultante da limitação de tempo fixado para a prolação da decisão pelo Tribunal Arbitral salvaguarda o principio de igualdade e princípio de contraditório constantes das al. b) e c) do art° 30° nº 1 da LAV ou se, pelo contrário, como defende o aqui Recorrente, a produção de prova requerida não pode ser restringida desde que necessária para a descoberta da verdade de pontos essenciais para a decisão da causa, devendo antes constituir causa justificativa da prorrogação do prazo fixado ao Tribunal Arbitral para proferir a decisão nos termos da segunda parte do nº 2 do artº 43° da LAV.
07- Aquela é uma questão complexa e difícil, que convoca a determinação do sentido e alcance de princípios que formam o travejamento estrutural do processo, designadamente os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento das partes e sobre a qual não há qualquer jurisprudência superior conhecida, o que permite constatar o requisito da relevância jurídica constante do n.º 1 do art.° 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos susceptível de fundamentar a admissão do presente recurso».

1.5. A recorrida sustenta, em síntese, que «o presente recurso não deve ser admitido, nos termos do disposto no art. 142.º e 150.º, n.º 1 do CPTA, por o acórdão recorrido corresponder a uma decisão proferida em segunda instância», e que a sua inadmissibilidade decorre, também, «do princípio da recorribilidade restrita das decisões arbitrais consagrado nos arts. 27.º e 29.º da LAV (aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto)».

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Como se viu, está na base do presente recurso uma condenação do Município de Barcelos, em tribunal arbitral, a pagar à ora recorrida um montante de várias dezenas de milhões de euros.
Apontando violação do princípio de igualdade de tratamento e do princípio do contraditório, o Município intentou a anulação da condenação no Tribunal Central, mas sem êxito.
A matéria em discussão sempre, e afinal, atinente ao serviço essencial do fornecimento de água e ainda da capacidade financeira para o seu pagamento bem como dos investimentos necessários à sua manutenção, com elevados valores envolvidos, justifica, desde logo, que se considere como de importância fundamental.
Suscita-se, no entanto, um problema prévio, que é o da própria admissibilidade intrínseca da figura do recurso de revista excepcional para este tipo de casos.
O recorrente e a recorrida formulam teses opostas.
Também neste Supremo Tribunal, ainda sem aplicação do novo regime estabelecido pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, a questão não encontrou resposta consolidada, e o tratamento que obteve, designadamente nos acórdãos de 08/09/2011, Processo n.º 0664/09 e de 08/11/2012, Processo n.º 0538/12, revela a sua forte complexidade.
Nestas condições, sendo de importância fundamental o problema de base a que respeita o recurso e sendo também controversa e complexa a questão da própria possibilidade de recurso de revista no tipo de casos como o presente, tudo converge no sentido da sua admissão por esta Formação, sem embargo de que será naturalmente à Secção de julgamento que caberá a palavra final quanto a ambos os problemas.

3. Pelo exposto admite-se a revista.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Outubro de 2014. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.