Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0863/17.0BEALM
Data do Acordão:12/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DESPACHO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PROPINAS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:I - Embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
II - A intervenção do Representante da Fazenda Pública no processo de execução fiscal apenas tem justificação quando estão em causa interesses da Administração Tributária ou de outras entidades públicas que, nos termos da lei, aquela deva representar.
III - Não existindo norma que expressamente atribua à Fazenda Pública a representação dos Institutos Politécnicos nos processos de execução fiscal respeitantes a dívidas de que aquelas entidades sejam credoras, a sua representação em juízo há-de caber, ex vi do n.º 3 do artigo 15.º do CPPT, ao mandatário judicial designado pelo respectivo Presidente.
Nº Convencional:JSTA000P26843
Nº do Documento:SA2202012020863/17
Data de Entrada:01/30/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – Em 15.11.2017, A…………, com os sinais dos autos, apresentou oposição à execução fiscal n.º 3697201701068407, instaurada no Serviço de Finanças Seixal 2, para cobrança coerciva de dívida de propina relativa ao ano lectivo 2007-08, no valor de €505,00, conforme certidão emitida pelo Instituto Politécnico de Lisboa.

2 – Citada para contestar nos termos do artigo 210.º do CPPT, por despacho de 9.10.2018 (fls. 44 do SITAF), o representante da Fazenda Pública da Direção de Finanças de Setúbal invocou o disposto no artigo 15.º, n.º 3 do CPPT para requerer a declaração da Fazenda Pública como parte ilegítima e a citação do Presidente da Escola Superior de Educação de Lisboa para contestar a acção.

3 – Por despacho de 16.09.2019 (fls. 54 do SITAF), decidiu a Ex.ma Juíza do TAF de Almada o seguinte:
«[…] não obstante a entidade credora ser a Escola Superior de Educação de Lisboa a verdade é que o processo de execução fiscal corre termos no Serviço de Finanças do Seixal 2ª, pelo que a entidade com legitimidade nos presentes autos é a Fazenda Pública.
Aliás, tem sido entendimento do STA, em diversos Acórdãos, que sempre que o processo executivo corre termos em órgãos da AT, será a Fazenda Pública a parte legitima nos processos de oposição à execução e, como tal, quem deve contestar as respectivas acções. (ver neste sentido, embora sendo diversas as partes, o Acórdão do STA de 31/05/2017, no processo nº 42/2017) […]».

4 – Inconformado com o teor daquele despacho, o Representante da Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT (oposição de julgados), apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
I - Ressalvado o devido respeito, que muito é, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o decidido no aliás douto…;
II - Com ressalva do devido respeito que nos merece o Tribunal "a quo", não podemos concordar com a decisão vertida no aliás Douto Despacho que decidiu ter a Representação da Fazenda Pública legitimidade para representar a Instituição de Ensino Superior exequente nos presentes autos de oposição;
III - Por estar em causa a definição da questão prévia da legitimidade da Representação Fazenda Pública para representar a entidade exequente, Requer-se, nos termos do n.º 2 do art. 285.º do CPPT, a subida imediata do presente recurso, bem como a atribuição de efeito suspensivo, ao mesmo, devendo esta questão ficar definitivamente definida em momento anterior à decisão final;
IV - A quantia exequenda do processo de execução fiscal respeita a propinas e não a taxas de portagem, pelo que o entendimento jurisprudencial vertido no Acórdão de 31/05/2017, no processo nº 42/17, não é aplicável aos presentes autos;
V - Na sequência de notificação para contestar os presentes Autos arguiu-se a ilegitimidade da Representação da Fazenda Pública pois que de acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) compete ao representante da Fazenda Pública nos Tribunais Tributários representar a Administração Tributária, e nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal;
VI - Tal como se enuncia na referida norma, a competência do representante da Fazenda Pública pode estender-se à representação de qualquer outra entidade pública desde que não exista norma especial que preveja outro tipo de representação;
VII - De acordo com o n.º 3 do art.º 15.º do CPPT, quando a representação do credor tributário não for do representante da Fazenda Pública, as competências deste são exercidas pelo mandatário judicial que aquele designar;
VIII - Ora, o PEF em causa nos presentes autos foi instaurado com base em certidão de dívida que foi remetida ao Serviço de Finanças em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 179.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro;
IX - Atento o disposto no art. 179.º dúvidas não restam que as dívidas de propinas são cobradas no processo de execução fiscal, mas salvo melhor opinião, não existe disposição legal que determine a representação da Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) do Instituto Politécnico de Lisboa no presente processo de oposição, à Representação da Fazenda Pública;
X - A representação em juízo da a Escola Superior de Educação de Lisboa, do Instituto Politécnico de Lisboa está legalmente cometida ao seu Presidente, de acordo com o estabelecido no art.º 22 º, n.º 1, l) dos Estatutos daquele Instituto Público, republicados no Diário da República, 2.ª série — N.º 202 — 19 de outubro de 2018, não tendo a Representação da Fazenda Pública tem legitimidade para o efeito.
XI - O n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 62/2007, estabelece que as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à Lei Quadro dos Institutos Públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da referida lei;
XII - A Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) do Instituto Politécnico de Lisboa, enquanto Instituição Universitária e Instituto Público está classificada como Instituto Público de regime especial - art. 48.º, nº 1, al. a) da Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro - Lei Quadro dos Institutos Públicos;
XIII - De acordo com o disposto na al. n) do nº 1 do artigo 21º daquele diploma legal, compete ao conselho diretivo dos institutos públicos "constituir mandatários do instituto, em juízo e fora dele, incluindo com o poder de substabelecer";
XIV - Dispõe o nº 2, do art. 1º da mesma Lei nº 3/2004: "As normas constantes da presente lei são de aplicação imperativa e prevalecem sobre as normas especiais actualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte expressamente da presente lei.";
XV - Assim sendo, entende-se que a Representação da Fazenda Pública não tem legitimidade para representar a Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) do Instituto Politécnico de Lisboa, embora tenha sido notificada para contestar estes autos;
XVI - Esse é também o entendimento do (STA) nos Acórdãos de 16.12.2015, no Processo n.º 01455/15; de 14.12.2016, Processo 1308/16 e de 03.05.2018, Processo 0359/18;
XVII - Assim conclui-se não ter a RFP legitimidade para representar a Instituição de ensino superior exequente, in casu, a Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx) do Instituto Politécnico de Lisboa;
XVIII - No mesmo sentido foram proferidos despachos pelo Tribunal ora recorrido nos processos nº 133/17.4BEALM, n.º 376/17.0BEALM, nº 388/17.4BEALM e n.º 648/17.4BEALM, que se juntaram, que consideraram o representante da Fazenda Pública não ter legitimidade para representar em juízo o "Instituto Politécnico de Lisboa", o "Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa" (ISCAL) e o "Instituto Politécnico de Portalegre", respetivamente quando a execução teve origem em certidões de dívida emitidas por aqueles estabelecimentos de Ensino Superior;
XIX - Ao decidir como decidiu, perfilhou o Douto Despacho solução oposta "relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças" [no caso, Despachos] do mesmo Tribunal;
XX - Padece, a decisão, de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 15.º do CPPT e 54.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF);
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a presente impugnação judicial totalmente IMPROCEDENTE, por não provada, com todas as consequências legais.

5 – Não foram apresentadas contra-alegações.

6 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.

7 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

II – Fundamentação

1. De facto
Com interesse para a decisão a proferir, há a considerar o seguinte circunstancialismo processual, já antes referido:
a) pelo Serviço de Finanças de Seixal 2 foi instaurada execução fiscal contra A…………, à qual foi atribuído o n.º 3697201701068407, para cobrança coerciva de dívida à Escola Superior de Educação de Lisboa, do Instituto Politécnico de Lisboa, proveniente de “propinas do ano lectivo de 2007/2008”, no valor de € 505,00 (cfr. fls. 4 do SITAF);
b) o executado deduziu oposição a essa execução fiscal (cfr. petição inicial de fls. 1 a 15);
c) admitida a oposição e notificada para contestar, a Fazenda Pública invocou a sua “ilegitimidade para representar a entidade credora” (cfr. requerimento de fls. 51);
d) a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada proferiu o despacho recorrido, em que considera a Fazenda Pública parte legítima (cfr. despacho de fls. 54).

2. De direito
2.1. Da admissibilidade do recurso
A execução fiscal aqui em causa tem o valor de 505,00€, o que inviabilizava a possibilidade de recurso nos termos do disposto no n.º 4.º do artigo 280.º do CPPT, mesmo na redacção anterior à da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, e por isso o recurso vem interposto ao abrigo do n.º 5 do mesmo artigo na redacção anterior à última modificação legislativa do CPPT (recurso que hoje se mantém, embora com diferentes pressupostos, na redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT).
A primeira questão a apreciar e decidir é, pois, a de saber se estão verificados os pressupostos para a admissão do recurso ao abrigo do disposto no referido n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, isto é, se está verificado o requisito de «mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior» que tenham decidido em sentido diverso.
Ora, embora a letra do artigo se refira a sentenças, há-de aplicar-se neste caso o decidido por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 3 de Maio de 2017 (proc. 0141/17), onde se afirmou o seguinte:
[…]
Desde logo, há que referir que, embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
[…]

No caso, a Fazenda Pública invoca, em oposição ao decidido no Despacho recorrido, três acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo – a saber, acórdãos de 16.12.2015 (proc. 01455/15), de 14.12.2016 (proc. 1308/16) e de 3 de Maio de 2018 (proc. 0359/18) – e quatro despachos do TAF de Almada – despachos exarados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada nos processos nº 133/17.4BEALM, n.º 376/17.0BEALM, nº 388/17.4BEALM e n.º 648/17.4BEALM (anexos ao requerimento do recurso), dos quais hoje, pelo menos dois, constam de processos em que já foi proferida sentença e já transitaram em julgado (é o caso dos processos 367/17.0BEALM e o 388/17.4BEALM, conforme consulta do SITAF).
Nos cinco processos antes mencionados (os dois do TAF de Almada e os três deste Supremo Tribunal Administrativo), que versavam sobre oposições à execução fiscal de tributos em que a representação do credor tributário não cabia à Fazenda Pública, a legitimidade passiva processual foi exercida pelo mandatário do respectivo credor tributário.
Por essa razão, consideramos estarem, in casu, preenchidos os requisitos do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, na redacção em vigor à data da interposição do recurso, e que o mesmo deve ser aceite.
Com efeito, a admissibilidade do presente recurso afigura-se essencial para a melhor aplicação do direito (um requisito que caracteriza este tipo de recursos extraordinários) e, com isso, para a efectivação das finalidades essenciais do sistema de justiça e da sua legitimação, como são a interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3 do C. Civ.). No caso concreto acresce ainda a realização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que apenas a intervenção em juízo do titular do crédito cuja cobrança coerciva se realiza na execução fiscal pode assegurar a efectiva representação dos interesses presentes na lide.

2.2. Da legitimidade passiva para contestar a oposição à execução fiscal
No que respeita à questão decidenda da legitimidade passiva nas oposições às execuções fiscais em que a dívida provém de tributos em que o credor não é o Estado, há-de aplicar-se o que constitui jurisprudência pacífica e consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo vertida nos arestos indicados pelo Recorrente.
De acordo com esta jurisprudência (No processo n.º 01455/15 conclui-se que a legitimidade passiva na oposição à execução fiscal respeitante à cobrança coerciva de taxas dominiais da APL, S.A, é da APL, S.A.; e nos processos 01308/16 e 0359/18, que a representação em juízo do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. na reclamação de um acto do órgão de execução fiscal (levantamento de penhora) em que o objecto do processo é uma dívida ao IEFP, IP, cabe a mandatário especialmente designado para o efeito pelo Presidente do IEFP e não à Fazenda Pública.), “a intervenção do Representante da Fazenda Pública no processo de execução fiscal apenas tem justificação quando estão em causa interesses da Administração Tributária ou de outras entidades públicas que, nos termos da lei, aquela deva representar”, ou seja, “é legítimo extrair do art.º 15.º do CPPT a conclusão de que ao representante da Fazenda Pública pode caber a representação de outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal se e nos casos em que a lei lhe atribua essa representação”.
E como se havia também estabelecido nos acórdãos de 20 de Maio de 2009 (recurso 0388/09), de 13 de Janeiro de 2010 (recurso 01129/09), e de 30 de Março de 2011 (recurso 197/11), a representação em juízo do IVV em execuções fiscais de dívidas a esta entidade ou reclamações de actos praticados pelo órgão de execução fiscal no âmbito daquelas execuções cabe a mandatário especialmente designado para o efeito pelo respectivo Presidente e não à Fazenda Pública.
Ora, vertendo esta jurisprudência para o caso dos autos, há que concluir que não existindo norma que expressamente atribua à Fazenda Pública a representação dos Institutos Politécnicos nos processos de execução fiscal respeitantes a dívidas de que aquelas entidades sejam credoras, a sua representação em juízo há-de caber ex vi do n.º 3 do artigo 15.º do CPPT ao mandatário judicial designado pelo respectivo Presidente.


III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em revogar o despacho recorrido.


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Custas pelo Recorrido [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Lisboa, 2 de Dezembro de 2020. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.