Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0755/14
Data do Acordão:02/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 36º do CPC, subsidiariamente aplicável, é permitida a coligação de oponentes quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
II - Não se verificando qualquer dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos da al. f) do art. 577º do CPC, pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [al. e) do nº 1 do art. 278º do Código de Processo Civil].
Nº Convencional:JSTA000P21438
Nº do Documento:SA2201702080755
Data de Entrada:06/24/2014
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – B………… e A…………, com os demais sinais dos autos, vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou por verificada a excepção dilatória firmada na coligação ilegal, absolvendo da instância a Fazenda Pública.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«Primeiro - A procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação dos mesmos factos, a saber, se a devedora originária foi declarada insolvente e se tal insolvência foi declarada fortuita e quem exercia a gerência factual.
Segundo – Não se verifica coligação ilegal, atento o disposto no nº1, do art.º 36.º, do Código de processo Civil, quanto à matéria factual da insolvência e da sua qualificação;
Terceiro – E não se verifica coligação ilegal, atento o disposto no nº2, do art. 36.º, do código de Processo Civil, quanto à material factual da insolvência e da sua qualificação e quanto à matéria de apuramento de quem exercia a gerência factual;
Quarto – Não se verifica qualquer coligação ilegal dos oponentes e Recorrentes;
Quinto – Deve a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que declare os oponentes e Recorrentes partes Legitimas em coligação, e ordene o prosseguimento dos autos.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer com a seguinte fundamentação:
«1. A coligação de autores exige que a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos (formulados por cada autor) estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência é igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (art.36° n°s 1 e 2 CPC vigente/art.2° al. e) CPPT);
2. No caso concreto cada um dos autores/oponentes invocou uma distinta causa de pedir, facto jurídico que fundamenta a pretensão de tutela judicial expressa no pedido (art.581° n°4 CPC), consubstanciada em diferentes factos materiais:
a) oponente B…………: inexistência de gerência efectiva no período temporal fiscalmente relevante;
b) oponente A……………: ausência de culpa na situação de insuficiência do património da sociedade, originária executada
No sentido propugnado, apreciando caso com idênticas causas de pedir, pronunciou-se o acórdão STA-SCT 18.10.2006 processo n°232/06.
3. A coligação ilegal de autores constitui excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Fazenda Pública da instância (arts.576° n°2 e 577° al. f) CPC vigente)
Não obstante, a aplicação do princípio pro actione permitirá a cada um dos autores apresentar nova petição no prazo de um mês, contado do trânsito em julgado da decisão, as quais se consideram apresentadas na data de entrada da primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação (art.12° n°4 CPTA/art.2° al. c) CPPT).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5. É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte com interesse:
«Estamos perante uma petição inicial de oposição com dois oponentes, ambos gerentes de direito, a quem foi revertida pela AT a execução instaurada contra a sociedade “C…………, Lda.”
Acontece, porém, que a coligação de oponentes tem que observar os requisitos estabelecidos no anterior art. 30º do CPC, hoje, artigo 36° do CPC, por ser de aplicação subsidiária de acordo com o art. 2°, al. c) e art. 104° ex vi do art. 211°, n.°1, ambos do CPPT.
Com efeito é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou interpretação e aplicação das mesmas regras de direito (art. 30° do CPC, à data em que foi proposta a oposição)
Como ficou assente, os fundamentos versus causas de pedir dos oponentes são diferentes ou diversas.
O oponente B…………. assenta a sua ilegitimidade no facto de não obstante a gerência de direito não ser na realidade gerente efetivo por estar desligado da administração da sociedade.
Já o oponente A…………. vem invocar a ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária.
Ora, tal como decorre da lei, atualmente o artigo 36° do CPC (com igual redação ao anterior artigo 30°), não permite a coligação de autores sempre a causa de pedir seja diferente e a procedência dos pedidos principais não dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogos.
Tal situação obsta que o tribunal possa conhecer do mérito da oposição.
Deste modo, tratando-se de uma questão do conhecimento oficioso e não sendo um pressuposto estabelecido no interesse das partes e não podendo a dita excepção ser sanada, não tem o Tribunal qualquer margem para analisar o mérito da causa.
Os oponentes ao terem deduzido uma oposição em conjunto, agiram sem apoio legal, o que consubstancia uma excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito e geradora da absolvição da instância da FP, o que se determinará — cfr. artigos 578°, 581°, n.º 4 e 595°, todos do CPC.
Neste preciso sentido, e numa situação igual àquela que aqui se discute, pode ler-se, o acórdão do STA, de 18/06/2013, proferido no processo n° 0551/13, (disponível na web, na página da dgsi) nos termos que seguidamente se transcrevem:
“1 — Embora não haja norma legal que preveja a coligação de oponentes, não haverá obstáculo a que ela ocorra, desde que verificados os requisitos, do art. 30º, do CPC que é de aplicação subsidiária, nos termos do art. 2°., al. c) do CPPT.
I — Ou seja, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos
(…)
A decisão de absolvição da instância, que se proferirá, não deixa desprotegida a defesa dos Oponentes, os quais podem, em concretização do princípio pro actione e de acordo com o artigo 37.º, n.º 5, do CPC, deduzir oposições autónomas contra a execução, no prazo de 30 dias, prazo, esse consagrado no citado normativo.
*
4. Decisão.
Face ao exposto, o Tribunal julga verificada a excepção dilatória consistente na coligação ilegal de oponentes e, nos termos das disposições legais invocadas, abstém-se de conhecer o mérito da oposição, absolvendo da instância a FP.»


6. Do objecto do recurso
A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento da decisão do TAF do Coimbra de fls. 67/73 dos autos, que julgou verificada a excepção dilatória de coligação ilegal dos oponentes, ora recorrentes, abstendo-se de conhecer do pedido e absolvendo a fazenda pública da instância.
Contra o assim decidido insurgem-se os ora recorrentes alegando, em síntese, que a dedução da oposição num único articulado se afigura admissível, pois que «Não se verifica coligação ilegal, atento o disposto no nº1, do art.º 36.º, do Código de processo Civil, quanto à matéria factual da insolvência e da sua qualificação» e não se verifica coligação ilegal, «atento o disposto no nº2, do art. 36.º, do código de Processo Civil, quanto à matéria factual da insolvência e da sua qualificação e quanto à matéria de apuramento de quem exercia a gerência factual».


7. Da ilegalidade da coligação de oponentes

A questão a decidir no presente recurso é, pois, a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por entender não estarem verificados os requisitos legais de coligação dos oponentes.
Vejamos.
Como vem sublinhando a jurisprudência desta Secção, embora não haja norma legal que preveja a coligação de oponentes, não haverá obstáculo a que ela ocorra, se se verificarem os requisitos em que a coligação é admitida pelo CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do art. 2.º, alínea c), do CPPT. Ou seja, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, nos termos do art. 36º do CPC (Na redacção anterior, artº 30º). Sendo que, se não verificar qualquer um dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos do art. 577.º, alínea f), do CPC, pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância (alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil) - cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 03.05.2012, recurso 131/12, de 14.02.2013, recurso 1067/12, de 17.10, 2012, recurso 702/12, de 30.10.2013, recurso 979/12, de 31.10.2012, recurso 640/12, de 09.07.2014, recurso 194/13, de 06.05.2012, recurso 1310/14 e de 27.04.2016, recurso 339/15, todos in www.dgsi.pt.

No caso vertente forçoso é concluir que a coligação dos oponentes não se enquadra no disposto no artº 30º, nºs 1 ou 2 do CPC, já que não foi invocada uma “mesma e única” causa de pedir por ambos os oponentes.

Na verdade verifica-se que o Oponente B…………. invoca a sua ilegitimidade para a execução fiscal por não ter exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária alegando que, por esse mesmo facto, «não teve qualquer culpa no não pagamento das quantias exequendas» (petição inicial, nº 6)

Por sua vez, o Oponente A………… admite o exercício da gerência mas alega ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária para satisfazer as dívidas tributárias.
Argumenta que não tendo sido a insolvência da devedora originária «qualificada como culposa, não existe, nem dolo, nem negligência, por parte de A…………… – não existe culpa» (petição inicial ponto 21).
Este argumento – da natureza fortuita da insolvência - é também invocado, de forma subsidiária, pelo oponente B………… (ponto 14 da petição inicial), pese embora o mesmo assente a sua ilegitimidade no facto de não ter exercido a gerência da executada originária.
Ora, como ficou dito no supra citado Acórdão de 17.10.2012, proferido no recurso 702/12, “…o n.º 1 do artº. 30.º do CPC, para permitir a coligação de autores com fundamento na mesma causa pedir não se basta com a exigência dessa identidade, exigindo ainda que a causa de pedir seja única (se bem interpretamos a norma, não no sentido de uma só, mas no de que não existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os autores).
E bem se entende essa exigência: na verdade, não faria sentido permitir a coligação de autores que, a par da mesma causa de pedir, invocassem, cada um deles, causas de pedir próprias, sob pena de as razões de economia processual justificativas da coligação saírem postergadas (….).”


No caso em apreço, como vimos, resulta da petição inicial que não estamos perante a mesma e única causa de pedir e que, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
Por outro lado, os pedidos formulados pelos recorrentes não estão entre si numa relação de prejudicialidade, pois que podem ser apreciados autonomamente, sendo que um poderá ser julgado procedente e outro improcedente.
Daí que se conclua, também aqui, que se verificam diferentes fundamentos de oposição, pelo que os oponentes estavam impedidos de se coligarem, bem como impedido estava o tribunal de formular qualquer convite à regularização da petição de oposição uma vez que não se encontrava perante uma causa de pedir única, mas perante diferentes causas de pedir.
Improcedem, pois, todos os fundamentos do recurso.

8. Decisão:

Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o julgado recorrido.

Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.