Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0320/12
Data do Acordão:03/06/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO URBANO
PEDREIRA
Sumário:Tendo-se decidido, em autónoma impugnação judicial deduzida contra os actos de fixação de valores patrimoniais, pela ilegalidade de tais actos de fixação, impõe-se, face até à inerente prejudicialidade da causa, a consequente anulação da liquidação operada com base e no pressuposto da legalidade da fixação de tais valores patrimoniais.
Nº Convencional:JSTA000P17172
Nº do Documento:SA2201403060320
Data de Entrada:03/23/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A., relativamente à liquidação nº 2007017376703, de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) do ano de 2007, referente a vários prédios inscritos nas respectivas matrizes urbanas do município de Paços de Ferreira.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Vem impugnada a liquidação de IMI n° 2007017376703 atinente à 2ª prestação do ano de 2007, dos artigos 854, 855, 856, 857, 858 e 859, inscritos na matriz predial urbana da Freguesia de ………, Paços de Ferreira, no montante de € 5.312,01.
B. Como resulta da douta sentença a quo, o acto de liquidação impugnada é consequência directa de um acto de avaliação, autonomamente impugnado através do processo n° 504/07.4BEPNF.
C. Por via de tal relação, foram os presentes autos suspensos até à prolação de sentença no processo n° 504/07.4BEPNF, pelo que, a nosso ver, a suspensão deveria manter-se, nos termos da alínea c) do n° 1 do art. 284° do CPC, até ao trânsito em julgado da questão prejudicial.
D. Não tendo a Fazenda Pública sido notificada de qualquer despacho autónomo que determine a cessação da suspensão, foi notificada da douta sentença, com a qual não se conforma pelo supra exposto e pelo conteúdo, que passamos a analisar.
E. A matéria de fundo em causa nos presentes autos é a classificação fiscal das pedreiras como prédios rústicos, nos termos do art. 3°, n° 3, al. b) do CIMI, ou como urbanos, nos termos do art. 6° n° 1 al. d), do mesmo Código.
F. Na douta sentença de que se recorre julgou-se a presente impugnação procedente, aderindo às alegações e ao Parecer junto pela Impugnante, considerando que os prédios em causa devem considerar-se prédios rústicos.
G. Com o assim decidido, não se conforma a Fazenda Pública, existindo erro na aplicação das normas legais aos factos.
H. No âmbito do IMI, a classificação dos prédios obedece a critérios próprios, concordantes com a noção que já lhes era dada pelo Código da Contribuição Autárquica (CCA), os quais são, no entanto, diferentes do conceito civilista, previsto no art. 204° do Código Civil.
I. No que respeita ao conceito fiscal de prédio diga-se em súmula que o art. 2° do CIMI constitui um exemplo da ressalva da parte final do n° 2 do art. 11° da LGT, que admite a interpretação de certos conceitos jurídicos seja feita afastando-se do sentido usual que têm em outros ramos de direito.
J. Desde logo, para os prédios, serem classificados como rústicos relevam a localização e o destino económico, como se refere no próprio preâmbulo do CIMI, "nos prédios rústicos, continua a considerar-se como base para a tributação o seu potencial rendimento produtivo".
K. Quanto à localização, releva a situação fora ou dentro de um aglomerado urbano.
L. Quanto ao destino económico, não sendo de classificar como terrenos para construção, nos termos do n° 3 do art. 6° do CIMI, ou têm uma utilização geradora de rendimentos agrícolas ou, não tendo nenhuma utilização agrícola, não se encontram construídos ou apenas dispõem de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
M. Pelo disposto em todo o art. 3° do CIMI, para serem rústicos os prédios ou têm uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, concreta ou não geram qualquer outro rendimento, isto é, ou têm aptidão para gerar rendimentos agrícolas, ou não têm ou não podem ter uma utilização geradora de quaisquer outros rendimentos.
N. O n° 2 do art. 3° do CIMI refere, inclusive, que, estando situados dentro de aglomerado urbano, só são considerados rústicos se por força de disposição legalmente aprovada não puderem ter utilização geradora de quaisquer rendimentos - doutro modo, são urbanos.
O. Quer-se dizer: sempre que o art. 3° do CIMI se refere a alguma actividade económica para classificar um dado prédio como rústico, para este efeito aquela deve ser geradora de rendimentos agrícolas, silvícolas ou de pecuária tal como considerados em IRS.
P. Não estando afectados a utilização geradora de rendimentos agrícolas, os terrenos situados fora de aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção só poderão ser classificados de prédios rústicos se, não tendo uma utilização geradora de outros rendimentos, dispuserem apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor, sem estarem afectos ou terem como destino normal uma qualquer outra actividade económica.
Q. Se tais prédios estiverem afectos a qualquer outra actividade económica, que não a agrícola, serão classificados como urbanos (campo de golfe, parque de campismo, campo de jogos, exploração de pedreiras, exploração de parqueamento automóvel, ciclovias, etc.).
R. Se se sufragasse o entendimento resultante da douta sentença, qualquer que fosse a actividade económica que se exercesse num prédio situado fora de um aglomerado urbano tal não determinaria a sua classificação como prédio urbano, seria sempre um prédio rústico.
S. Esse entendimento levaria à constatação de que, fora dos aglomerados urbanos, só seriam prédios urbanos os que tivessem, construção de edifícios habitacionais, comerciais, industriais ou serviços, desde que não fossem de carácter acessório, não tivesse autonomia económica ou fossem de reduzido valor.
T. Manifestamente não é esse o sentido e alcance da lei, considerada no conjunto de normas vertidas no art. 3° do CIMI, que delimita o conceito de prédio rústico.
U. Basta atentar no texto do n° 2 do art. 3° do CIMI: se para terrenos situados dentro de um aglomerado urbano tem de haver disposição legalmente aprovada a impedir uma utilização geradora de quaisquer outros rendimentos que não agrícolas para não serem considerados prédios urbanos, para terrenos situados fora de um aglomerado urbano a mera possibilidade de uma utilização geradora de outros rendimentos que não agrícolas obriga a considerá-los urbanos, afastando a sua classificação como rústicos.
V. Do teor do art. 6°, retira-se que enquanto os nºs. 2 e 3 indicam as realidades a considerar prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, ou terrenos para construção, o n° 4 afirma que aceita na categoria Outros as realidades nele exemplificadas, e dá espaço a que outras se subsumam à sua previsão.
W. Temos por mais acertada, com todo o respeito devido por diferente opinião, a tese de que, se mostra como essencial o destino económico do bem,
X. sendo que, as conclusões retiradas pela impugnante apenas o podem ser, na circunstância de o prédio não estar efectivamente afecto a uma actividade económica diferente da agrícola (quando não tem qualquer utilização geradora de rendimentos).
Y. O conceito de prédio rústico é restritivo, apenas se incluindo nesta designação os prédios que realmente só tenham rendimentos agrícolas, que não tendo esses rendimentos tenham aptidão para os produzir, ou então que não tenham qualquer rendimento de outra actividade económica.
Z. A tributação almeja a realização de outros fins e o cumprimento de diferentes objectivos que não os da exclusiva satisfação das necessidades financeiras do Estado, nos termos consagrados ao nível da lei fundamental, reafirmados na Lei Geral Tributária e repercutidos no regime legal de tributação do património, designadamente na classificação dos prédios e respectiva tributação.
AA. Desta forma, o disposto nos art. 103°, n° 1 e 104°, n° 3 da CRP, art. 4°, n° 1 e art. 5° da LGT, legitima e justifica a diferença de regras na tributação do património quanto a prédios rústicos e urbanos,
BB. sendo manifesto que se pretendeu aplicar as regras de tributação e avaliação dos prédios rústicos, apenas àqueles que reúnem determinado tipo de características susceptíveis de os confinar à obtenção de rendimentos agrícolas ou à não obtenção de outros quaisquer rendimentos.
CC. Não se justifica a aplicação das regras de determinação do valor patrimonial e da tributação aplicada aos rústicos, a prédios cuja utilização esteja afecta a outra actividade que seja geradora de rendimentos nessa outra qualquer actividade económica, como é o caso da indústria de exploração de pedreiras.
DD. E naqueles prédios desenvolve-se efectivamente uma actividade industrial de extracção de pedras, destinadas a fins comerciais e industriais, geradora de rendimento sem qualquer ligação com rendimentos agrícolas.
EE. Sendo também verdade que as licenças de estabelecimento de pedreira da recorrente concedida de acordo com o estabelecido nos diplomas, de licenciamento das pedreiras, bem como a sua revogação e a fiscalização do seu funcionamento compete às DRME no âmbito do Ministério da Economia, e não do Ministério da Agricultura sendo aquele Ministério que superintende na actividade em causa e não este. (cfr. artigos 2°, 9°, 18°, 29° e 46° do Decreto-Lei n° 89/90 e 8°, 12° e 13° do Decreto-Lei nº 109/91).
FF. Em tais prédios não se produz, nem pode produzir-se qualquer actividade agrícola, silvícola ou pecuária, não têm qualquer aptidão agrícola, nem têm, nem podem ter actividade geradora de rendimentos agrícolas.
GG. Relativamente ao apelo às noções civilísticas, é consensual, em matéria de conceitos e classificação de prédios, que o direito tributário, intencionalmente, se distancia daqueles conceitos, adoptando conceitos e classificações próprias que valorizam a vertente económica.
HH. Termos em que, são de manter os actos administrativos de avaliação dos prédios urbanos, impugnados no processo de Impugnação n° 504/07.4BEPNF, determinantes do valor patrimonial dos prédios urbanos em causa, bem como a liquidação aqui em causa.
II. A douta sentença de que se recorre fez assim errada aplicação no caso concreto, no que concerne ao momento da prolação da sentença, da alínea c) do n° 1 do art. 284° do CPC, e no que respeita à qualificação dos prédios, das disposições legais vigentes, nomeadamente da aplicação dos arts. 3° e 6° n° 1 al. d) do CIMI, pelo que deve ser revogada.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e que a impugnação seja julgada improcedente.

1.3. Contra-alegou a recorrida, formulando, a final, as conclusões seguintes:
i. A Recorrida deduziu a presente acção de impugnação judicial contra o acto de liquidação de IMI n° 2007 017376703, respeitante à segunda prestação do ano de 2007, na parte da colecta referente aos imóveis inscritos na matriz sob os artigos U-00854, U-00855, U-00856, U-00857, U-00858 e U-00859, do Município de Paços de Ferreira, mais concretamente na parte que resultou da respectiva avaliação e qualificação como prédios urbanos.
ii. O presente recurso foi, assim, interposto no âmbito desse processo de impugnação judicial, que correu os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel sob o número de processo 732/08.5BEPNF;
iii. Com efeito, interpôs a Fazenda Pública, ora Recorrente, recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 25 de Janeiro de 2012, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida e, em consequência, determinou a anulação do acto tributário controvertido - acto de liquidação de IMI n° 2007 017376703, respeitante à segunda prestação do ano de 2007, na parte da colecta referente aos imóveis inscritos na matriz sob os artigos U-00854, U-00855, U-00856, U-00857, U-00858 e U-00859, do Município de Paços de Ferreira;
iv. Concretizando, entendeu o Tribunal a quo que "(...) O (...) normativo não estabelece, como requisito essencial para a qualificação como rústico, que o prédios sejam afectos ao rendimento agrícola; antes estipula que se verifica, alternadamente, esta condição (prédios afectos ao rendimento agrícola) ou, caso tal não aconteça, que não tenham qualquer construção. (...)", pelo que "(nada obsta na lei fiscal transcrita a que os prédios sub judice, propriedade da ora Impugnante, sejam classificados como rústicos, pois os mesmos preenchem todos os requisitos previstos no normativo em causa (não se encontram em aglomerados urbanos, não são terrenos para construção e não têm qualquer construção)".
v. Mais considerou a Exma. Senhora Juíza a quo que "(...) Existiria uma grave desigualdade e discrepância ao ter de se tributar como prédio urbano uma pedreira inserida em Reserva Agrícola Nacional quando tais áreas são consideradas como prédios rústicos para quaisquer outras finalidades (...)";
vi. Razão pela qual conclui aquele Tribunal no sentido de que sendo "(...) ilegal o acto tributário de fixação de valores patrimoniais tributários àqueles prédios com recurso às normas aplicáveis à avaliação dos prédios urbanos (...)", tal situação "(...) implica a anulação de todos os actos tributários decorrentes da avaliação objecto de apreciação do mesmo (...)", logo e por maioria de razão, do acto de liquidação de IMI controvertido nos presentes autos - acto de liquidação de IMI n° 2007 017376703, respeitante à segunda prestação do ano de 2007, na parte da colecta referente aos imóveis inscritos na matriz sob os artigos U-00854, U-00855, U-00856, U-00857, U-00858 e U-00859, do Município de Paços de Ferreira, mais concretamente na parte que resultou da respectiva avaliação e qualificação como prédios urbanos;
vii. Não obstante, a Ilustre Representante da Fazenda Pública invoca, nas respectivas alegações de recurso, que a indicada Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel padece de uma errada aplicação no caso concreto, das disposições legais vigentes à realidade dos prédios em causa, nomeadamente na aplicação dos artigos 3° e 6°, n° 1 alínea d) do Código do IMI, pelo que deve ser revogada, sendo de manter o acto tributário controvertido porque de manter igualmente os actos administrativos de avaliação como urbanos dos prédios em causa;
viii. Todavia, ficou aqui devidamente comprovado que as razões esgrimidas pela Recorrente carecem de total fundamento, devendo, nessa medida, improceder em toda a linha o Recurso ora sob resposta, sendo, ao invés, de confirmar a douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel nos seus exactos termos;
ix. Desde logo, e a título de questão prévia, cumpre referir que, e conforme entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, improcede a excepção dilatória de inutilidade da lide invocada pela Digna Representante da Fazenda Pública;
x. Acresce que em face da delimitação positiva do conceito fiscal de prédio rústico, a classificação dos prédios como urbanos (artigos 4° e 6° do Código do IMI) e mistos (artigo 5° do mesmo diploma legal) assume natureza meramente residual. Por outras palavras, são os próprios prédios urbanos que, enquanto categoria, são residuais face aos prédios rústicos. O que significa que só são classificados como tal os prédios que, de acordo com os critérios constantes da lei, não sejam susceptíveis de ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto quanto aos prédios mistos;
xi. Assim, só se um prédio não for classificado como rústico é que (residualmente) se classifica como urbano; e só se um prédio urbano não for enquadrado numa das sub-categorias (i) habitacional, (ii) comercial, industrial ou serviços ou (iii) terreno para construção, é que terá o enquadramento - duplamente residual - de (iv) outro prédio urbano;
xii. Tendo presente o exposto, são considerados como prédios rústicos os terrenos que (i) se situem fora de um aglomerado urbano; (ii) que não sejam de classificar como terrenos para construção; e que (iii) tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas ou, caso não tenham essa afectação, que não se encontrem construídos ou tenham construções de carácter acessório;
xiii. Não é, assim, estabelecido como requisito essencial para a qualificação e classificação de um prédio como rústico, que o mesmo seja afecto a uma actividade geradora de rendimento agrícola; antes é estipulado que se verifique, alternadamente, esta condição - prédios afectos ao rendimento agrícola - ou, caso tal não aconteça, que não tenham qualquer construção;
xiv. Conclui-se, pois, que nada obsta a que os prédios sub judice, propriedade da ora Recorrida, sejam classificados como rústicos, pois os mesmos cumprem todos os requisitos de que a lei faz depender a sua classificação, pela positiva, como prédios rústicos (não se encontram em aglomerados urbanos, não são terrenos para construção e não têm qualquer construção);
xv. Com efeito, trata-se de prédios (i) situados fora de um aglomerado urbano, (ii) que não são classificados como terrenos para construção, (iii) que não têm como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas (tal como definidos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - IRS) e que (iv) dispõem apenas de construções de carácter acessório sem autonomia económica;
xvi. Termos em que os prédios em causa são prédios rústicos, nos termos em que tais prédios são classificados pela alínea b), do n° 1, do artigo 3° do Código do IMI;
xvii. Acresce que, a Administração Fiscal errou, ainda, na qualificação da categoria em que se enquadram esses prédios, por o próprio artigo 6°, n° 4 do Código do IMI (que vem esclarecer a amplitude da previsão da alínea d) referente a classificação residual destes tais "outros" prédios) vir estipular que apenas se enquadram nesta previsão os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, que não sejam terrenos para construção, nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n° 2, do artigo 3,° do Código do IMI;
xviii. Termos em que, quer por aplicação directa do disposto na alínea b), do n° 1 do artigo 3°, quer por aplicação, a contrario, do referido no n° 4, do artigo 6°, ambos do Código do IMI, a conclusão terá que ser, necessariamente a mesma: os prédios da Recorrida, ora sob sindicância, são prédios rústicos, ao abrigo do disposto no Código do IMI;
xix. Nesse sentido, o acto de liquidação de IMI controvertido, respeitante à segunda prestação do ano de 2007, na parte da colecta referente aos imóveis inscritos na matriz sob os artigos U-00854, U-00855, U-00856, U-00857, U-00858 e U-00859, do Município de Paços de Ferreira, é ilegal porque são ilegais os actos tributários de fixação de Valores Patrimoniais Tributários aos prédios em questão com recurso às normas aplicáveis à avaliação de prédios urbanos, pelo que, naturalmente, deverá o mesmo ser anulado, conforme decidido no âmbito da sentença recorrida.
xx. Sem prejuízo do exposto, verifica-se ainda que os conceitos adoptados pela Lei Fiscal em relação à definição de prédios urbanos e rústicos não foram afastados dos conceitos do CC, o que resulta quer da interpretação dos artigos 2° a 6° do Código do IMI, quer da interpretação do artigo 8° do Código do IRS, que reproduz a definição civilística de prédio rústico e urbano;
xxi. No mais, são considerados prédios rústicos os prédios que não têm qualquer edificação ou construção (ou que não tenham qualquer possibilidade de os ter) e prédios urbanos os restantes, tendo o intérprete o ónus de prova de que assim não seja;
xxii. No caso das pedreiras e saibreiras - apesar de não ter sido feita qualquer prova de que as mesmas deveriam ter um tratamento excepcional em relação aos conceitos delimitados pelo CC - tal tratamento não teria qualquer justificação em termos de direito fiscal, por estas pedreiras e saibreiras - ou, no limite, as pedreiras dos prédios objecto do presente recurso -serem terrenos sem qualquer edificação ou construção, cujo rendimento é aferido pela extracção de minerais do próprio solo, não tendo estes prédios sofrido qualquer intervenção humana para gerar este aproveitamento económico, incluindo uma exploração das propriedades naturais dos terrenos, tal como é o caso das salinas, que também são considerados prédios rústicos para efeitos fiscais;
xxiii. O facto de esta actividade ser uma actividade comercial e industrial, e não uma actividade agrícola, não poderá influir como critério para que os prédios em causa sejam considerados urbanos e não rústicos, por o rendimento dos prédios não dever ser considerado como critério para proceder à sua classificação em termos de IMI, que deverá tributar o valor patrimonial dos prédios e não o seu rendimento;
xxiv, Nestes termos, não há qualquer razão justificativa para que as pedreiras sejam consideradas como prédios urbanos, quer em termos civilísticos - onde a sua classificação tem necessariamente de ser como prédio rústico - quer em termos de lei tributária, não tendo a Circular procedido a qualquer justificação para que prédios com esta actividade (de pedreira) devam ser classificados como urbanos (a menos que tal Circular se aplique apenas às pedreiras e saibreiras situadas dentro dos aglomerados urbanos, o que se admite);
xxv. São, deste modo, ilegais os actos tributários de avaliação dos valores patrimoniais tributários dos prédios anteriormente identificados controvertidos nos presentes autos, com recurso às normas aplicáveis à avaliação de prédios urbanos;
xxvi. Em razão do que é de anular o acto de liquidação de IMI controvertido, respeitante à segunda prestação do ano de 2007, na parte da colecta referente aos imóveis inscritos na matriz sob os artigos U-00854, U-00855, U-00856, U-00857, U-00858 e U-00859, do Município de Paços de Ferreira, devendo, nessa medida, improceder em toda a linha o Recurso ora sob resposta, sendo, ao invés, de confirmar, nos seus exactos termos, a douta Sentença, proferida em 25 de Janeiro de 2012, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Termina pedindo a improcedência do recurso e a confirmação do julgado recorrido.

1.4. Subidos os autos, e logo tendo o MP [invocando prejudicialidade da causa substanciada na impugnação judicial nº 504/07.4BEPNF do TAF de Penafiel (em que a ora recorrida impugnou os actos de fixação dos valores patrimoniais dos prédios a que se reporta a liquidação aqui também impugnada)], promovido a aquisição para os presentes autos de cópia da sentença proferida naquela impugnação judicial, foi ordenada a junção da mesma sentença (cfr. promoção e despacho, ambos a fls. 273 v.) e, face a informação da secção de que tal sentença não transitara em julgado (por ter sido interposto recurso para este STA) foi, então, deferida a promoção do MP no sentido de suspensão da presente instância «até proferimento de decisão final, com trânsito em julgado, na causa prejudicial (cfr. promoção de fls. 291 e despachos de fls. 293 e 294).
Posteriormente, junto o transitado acórdão do STA (proferido no recurso que fora interposto da sentença de 1ª instância proferida na dita impugnação nº 504/07.4BEPNF do TAF de Penafiel), o MP emitiu Parecer nos termos seguintes:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF do Penafiel de 25.01.2012 que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por "A…………, S.A." e anulou a liquidação impugnada.
Nas Conclusões da sua Alegação sustenta a recorrente, no essencial, que:
- «Não se justifica a aplicação das regras de determinação do valor patrimonial e da tributação aplicada aos rústicos, a prédios cuja utilização esteja afecta a outra actividade que seja geradora de rendimentos nessa outra qualquer actividade económica, como é o caso da indústria de exploração de pedreiras» - Conclusão CC;
- «A douta sentença de que se recorre fez (...) errada aplicação no caso concreto, no que concerne ao momento da prolação da sentença, da alínea c) do n° 1 do art. 284° do CPC, e no que respeita à qualificação dos prédios, das disposições legais vigentes, nomeadamente da aplicação dos arts. 3° e 6° n° 1 al. d) do CIMI, pelo que deve ser revogada» - Conclusão II.
Está em causa a classificação fiscal dos prédios em causa (pedreiras), como prédios rústicos, nos termos do art. 3°, n° 3, al. b) do CIMI, ou como prédios urbanos, nos termos do art. 6°, nº 1, al. d) do mesmo normativo.
Essa questão, como se vê de fls. 265 e sgs, já foi apreciada por este Supremo Tribunal, nos doutos Acs. de 30.05.2012 e de 27.11.2012, proferidos nos Rec. nº 1109/11 e 317/12, respectivamente, sendo que neste último vinha questionada a legalidade dos actos de fixação dos valores patrimoniais relativos aos prédios cuja liquidação de IMI se impugna nos presentes autos.
No douto Acórdão proferido no Rec. n° 317/12, de cuja doutrina não se vê motivo para divergir, formulou-se a seguinte conclusão:
«A mera não afectação ou não destinação normal de um prédio rústico, situado fora do aglomerado urbano, a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas não basta, só por si, para "desclassificar" o prédio como rústico e classificá-lo como urbano, antes se exigindo que, nos casos em que não tenha tal afectação, o prédio não se encontre construído ou disponha apenas de edifícios ou construções de carácter acessório».
Sendo similar o acervo factual em que se fundou a decisão que deu origem ao Rec. n° 317/12 e aquela que ora se aprecia e decorrendo o acto de liquidação anulado pela sentença recorrida dos valores patrimoniais tributários fixados pelos actos anulados naquele outro processo (art. 113°, n° 1 do CIMI), não poderá deixar de ser anulatória a decisão sobre a legalidade do acto de liquidação que vem sindicado nos presentes autos. Na verdade, como se refere na parte final do douto Ac. de fls. 295 a 318, «(…) se são anulados os actos de fixação dos valores ((1) Por evidente lapso escreveu-se "valões) patrimoniais também estão inquinadas as liquidações que neles assenta».
Nesta conformidade, com base na doutrina constante dos doutos arestos citados, para cuja fundamentação com a devida vénia se remete, emite-se parecer no sentido da improcedência do presente recurso e da consequente manutenção do julgado.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida não consta autonomamente especificada factualidade provada ou não provada.
Todavia, na respectiva fundamentação, a sentença, apropriando-se, como dela resulta, da própria fundamentação constante da decisão proferida na prejudicial impugnação nº 504/07.4BEPNF (na qual, como se disse, a recorrida impugnara os actos de fixação dos valores patrimoniais dos prédios a que se reporta a liquidação aqui também impugnada) afirma que os prédios aqui em questão «não se encontram em aglomerados urbanos, não são terrenos para construção e não têm qualquer construção», que «a pedreira de Paços de Ferreira está incluída numa zona extractiva e que, à sua volta existem zonas de reserva e de defesa de monumentos arqueológicos. Não existem casas próximas e todos os terrenos à sua volta ou são agrícolas ou de reserva. Os caminhos de acesso à pedreira são em terra e não existe saneamento. (…) todas as construções existentes na zona da pedreira são pré-fabricados temporários e servem de apoio ao exercício da actividade da mesma. (…) para que fosse possível existir alguma construção na zona em causa, teria de haver uma alteração ao plano directório municipal em vigor.»

2.2. Ora, considerando-se que se configura aqui a fundamentação de facto em que assenta a decisão ora recorrida, e considerando que, naquela referida impugnação foi proferida decisão, transitada em julgado, anulando «os actos de fixação de valor patrimonial impugnados» (cfr. o acórdão junto por cópia a fls. 295 a 318, nomeadamente a sua parte dispositiva, bem como o Ponto 4.1.) por se entender que «A mera não afectação ou não destinação normal de um prédio rústico, situado fora de aglomerado urbano, a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, não basta, só por si, para “desclassificar” o prédio como rústico e classificá-lo como urbano…», havemos forçosamente de concluir que também o presente recurso está votado ao insucesso.
Com efeito, anulados que foram os actos de fixação de valores patrimoniais subjacentes à liquidação judicialmente impugnada (na parte em que o foi) nos presentes autos, anulada tinha que ser, necessária e consequentemente, a respectiva liquidação (ou seja, a liquidação aqui impugnada e que tinha como pressuposto aquele valor patrimonial), como se decidiu na sentença recorrida.
E neste contexto e sem necessidade de maior desenvolvimento, conclui-se pela improcedência do recurso interposto pela Fazenda Pública.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Março de 2014. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Isabel Marques da Silva.