Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0777/18
Data do Acordão:09/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:O alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não exige que se apurem novos factos no processo-crime mas apenas que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P23560
Nº do Documento:SA2201809050777
Data de Entrada:08/13/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:C........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
*
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre da sentença do TAF do Porto de 23/04/2018 (fls. 870-A/870-AG) que julgou procedente a ação intentada contra o ato do diretor de finanças do Porto, datado de 13/04/2017, que, concordando com as conclusões de relatório dos Serviços de Inspeção, fixou o rendimento tributável para efeitos de IRS, por métodos indiretos, para o ano de 2010, referente a acréscimo patrimonial não justificado no valor de € 8.624.930,00 euros, e determinou a sua anulação.
Termina as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«i) Visa o presente recurso reagir contra a sentença que concedeu provimento ao recurso interposto ao abrigo do disposto no Art.º 146.º-B do CPPT – manifestação de fortuna –, com a consequente anulação da decisão recorrida, a qual sufragou que não existe caso julgado, na medida em que nos recursos das decisões de derrogação de sigilo bancário – no que concerne à inaplicabilidade do n.º 5 Art.º 45.º da LGT – apenas foi feita no Acórdão proferido no Proc. n.º 1796/15.0BEPRT, uma mera referencia à “latere” à questão da extinção do procedimento criminal por morte do marido da ora Recorrida e ao alegado abuso do referido n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, não consubstanciando uma verdadeira apreciação jurídica, muito menos para efeitos de formação de caso julgado, sendo que a eventual referência a tais argumentos, é feita sobre a égide da derrogação do sigilo bancário e respectivos pressupostos, e não para efeitos de análise da legalidade da decisão de tributação por métodos indirectos, com fundamento em manifestações de fortuna.
ii) É contra tal entendimento que se insurge a Recorrente.
iii) A factualidade dada como provada na sentença recorrida, teve a sua génese nos procedimentos de derrogação do sigilo bancário à Recorrida e a A…………, tendo no âmbito, dos recursos interpostos a Recorrida invocado a inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, bem como a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A………….., e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
iv) Tais argumentos foram apreciados no âmbito das sentenças proferidas pelo TAF do Porto no âmbito dos Procs. n.º 2449/15.5BEPRT e 1796/15.OBEPRT, tendo sido posteriormente objecto de recurso por parte da ora Recorrida, e no âmbito dos acórdãos proferidos por esse Venerando Tribunal nos Procs. n.ºs 2449/15.5BEPRT e 1796/15.0BEPRT, os mesmos negaram provimento aos recursos interpostos, tendo as decisões de derrogação de sigilo bancário transitado em julgado.
v) Nos presentes autos de manifestação de fortuna, a ora Recorrida suscitou novamente a inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, bem como a extinção do processo de inquérito criminal atendendo ao falecimento de A…………., do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, ou seja, a Recorrida escorou a sua pretensão na mesma fundamentação que já havia esgrimido no âmbito dos processos de derrogação de sigilo bancário, e sob os quais já recaíram sentenças e acórdãos transitados em julgado (veja-se a este propósito o entendimento proferido no Acórdão n.º 1796/15.0BEPRT de 14.01.2016).
vi) Entendeu o Recorrente que a sentença procede a uma errada interpretação e aplicação de facto e de direito, no que respeita o trânsito em julgado dos argumentos atinente à inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, à extinção do processo de inquérito criminal atendendo ao falecimento de A…………, e ao abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
vii) Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado, ou seja o caso julgado visa essencialmente a imodificabilidade da decisão transitada e a irrepetibilidade do juízo contido na sentença.
viii) Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – que é o problema dos limites objectivos do caso julgado –, temos de reconhecer que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada
ix) Efectivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem — precisamente, os fundamentos — e aos quais se refere
x) Como refere M. TEIXEIRA DE SOUSA (“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 579), “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (realce nosso) (e ainda Castro Mendes In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 43-44 e ao nível da jurisprudência vejam-se os acórdãos do STJ de 13.12.2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no Proc. n.º 0743 739; de 06.3.2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no Proc. n.º 08B402, de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no Proc. n.º 644/O8.2TBVFR.P1.S1 e Acórdão do STA de 23.11.2016, no Proc. 915/16).
xi) Em face da jurisprudência e da doutrina elencada, recorta-se que para efeitos do caso julgado, a sentença como conclusão e silogismo de determinados fundamentos, atinge tais fundamentos como pressupostos daquela decisão.
xii) Tendo presentes autos a Recorrida invocando a questão inaplicabilidade do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, bem como a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A……………, e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, tais questões já haviam sido objecto de apreciação por sentenças e acórdãos em sede de procedimento de derrogação de sigilo bancário, ou seja, tais fundamentos enquanto pressupostos daquelas decisões encontravam-se abrangidos no segmento decisório das sentenças os quais foram confirmadas por acórdãos desse Venerando Tribunal.
xiii) Logo, relativamente a esses argumentos e ainda que apreciação em ambas as instâncias, tenha sido à “latere” como alega do tribunal a quo, tendo tais fundamentos enquanto pressupostos da decisão sido julgados improcedentes por decisões transitadas em julgado, verificam-se os pressupostos do caso julgado.
xiv) É que, as decisões proferidas reiteraram que o procedimento de derrogação do sigilo fiscal observava os requisitos estatuídos na lei, e não ofendia qualquer dos fundamentos alegados pela Recorrida – a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A……………, e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º. 45.º da LGT, e nesse desiderato, a sentença enquanto silogismo dos fundamentos esgrimidos pelas partes, atinge tais fundamentos como parte da decisão, tendo-se formado caso julgado.
xv) E nesse desiderato a sentença recorrida ofende o caso julgado ao aludir que as decisões não se pronunciaram expressamente acerca da extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A…………., e do abuso do processo de inquérito criminal nos termos do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, pois tendo os mesmos sido julgados improcedentes, não faz sentido que em cumprimento de tais decisões e em sede de fixação dos acréscimos patrimoniais – manifestação de fortuna – o procedimento se encontre ferido de anulabilidade, tais argumentos já foram apreciados e julgados improcedentes.
xvi) Ou seja, tendo as decisões determinado o acesso às contas bancárias da Recorrida e julgado improcedentes os fundamentos esgrimidos em sede de derrogação do sigilo bancário, o tribunal a quo procede à errónea a apreciação de factos e de direito e labora em manifesto erro ao não julgar verificada a excepção de caso julgado.
xvii) Até porque, se os fundamentos esgrimidos pela Recorrida em sede de derrogação do sigilo bancário foram julgados improcedentes, ainda que à “latere” mas inseridos na decisão, e que aquelas determinaram o acesso às contas bancárias, como é possível que em sede de manifestação de fortuna, este procedimento venha a ser a anulado com base nos mesmos fundamentos que já haviam sido apreciados em sede de derrogação do sigilo bancário?
xviii) Recorta-se assim que a sentença procede a erro de julgamento ao julgar não verificada a excepção caso julgado, em manifesta e clara violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do Art.º 577.º do CPC
xix) No que respeita à inaplicabilidade do disposto no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, aquilatou a sentença recorrida em face da jurisprudência dos tribunais superiores que tal normativo legal não se encontra gizado por forma a permitir que toda e qualquer situação em que haja um inquérito no qual estejam a ser investigados factos aos quais o direito à liquidação respeite, o prazo de caducidade desse direito seja sempre, sem mais prolongado, considerando que para que o alargamento do prazo regra de caducidade consagrado no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, é necessário que as correcções que originaram a liquidação decorram da factualidade material investigada no âmbito do inquérito criminal, ou seja, exige que a liquidação dependa do desfecho do processo de inquérito para que possa ser efectivada.
xx) Entendeu assim a sentença que em termos que permitem a respectiva liquidação, o Recorrente está obrigado a encetar o procedimento, sem aguardar pelo desfecho do inquérito, uma vez que a qualificação ou não desses factos como crime é irrelevante para a liquidação, escorando a sua fundamentação nos acórdãos proferidos por esse Colendo Tribunal nos Proc. n.º 01619/09.9BEBRG de 15.10.2010 e Proc. n.º 00478/12.OBEPRT.
xxi) Todavia, a sentença procede a uma errada interpretação e aplicação do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
xxii) Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que «Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 [do artigo 45.º] é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano (n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 60-A/2005, de 20/12, em vigor desde 1/1/2006)» - cf. Acórdão de 02.07.2008, proferido no âmbito do Proc. n.º 343/2008.
xxiii) O direito à liquidação do IRS relativo ao ano de 2010 caducaria em 31.12.2014, se até essa data não fosse validamente notificada a respectiva liquidação ou o aludido prazo não sofresse qualquer vicissitude que o alterasse, como sucedeu em 15.12.2014, com a instauração do inquérito criminal tendo em vista a investigação de indícios da existência de ilícitos criminais de natureza fiscal.
xxiv) Considerando-se estar em causa um circuito de movimentos financeiros com o intuito de ocultar rendimentos e a sua não declaração para efeitos fiscais, que poderia constituir fraude fiscal, conforme previsto no Art.º 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT foi instaurado, em 2014.12.15, o Processo n.º 2609/2014IDPRT à empresa B………… SGPS e ao seu accionista A……………….. (Inquérito criminal n°93/2014.3 IDPRT).
xxv) No que concerne ao acórdão desse Colendo Tribunal proferido no Proc. n.º 00478/12.0BEPRT de 26.03.2015, invocado pelo tribunal a quo, o mesmo não é subsumível ao caso dos autos na medida em que ali se discutia a questão da identidade factual entre as correcções que originaram a liquidação e factualidade objecto de investigação no inquérito criminal tendo sido entendido que “O alargamento do prazo regra de caducidade previsto no n.º 5 do art.º 45.º, da LGT pressupõe que as correcções que originaram a liquidação em causa assente em factualidade material investigada no âmbito de um inquérito criminal”.
xxvi) Logo, o arresto em questão não possui qualquer similitude com o caso dos autos na medida em que no caso vertente os factos objecto de correcção em sede de manifestação de fortuna e os factos referentes ao inquérito criminal são idênticos, e por outro lado, subjaz que tal questão nunca foi controvertida nos presentes autos.
xxvii) Já no que respeita ao acórdão proferido por esse Colendo Tribunal no Proc. n.º 016197/09.9BEBRG de 15.10.2010, afere-se que o entendimento aí espelhado é oposto ao vertido na sentença.
xxviii) Desde logo, no acórdão referente ao Proc. n.º 01619/09.9BEBRG de 15.10.2010, estávamos perante factos idênticos aos dos presentes autos – tributação por método indirecto em sede de manifestação de fortuna, tendo sido instaurado procedimento criminal, tendo sobre aquela questão entendido que “Ou seja, a AT não fica obrigada a suspender o procedimento tributário (que, nos termos do art.º 54.º da LGT n.º 1, «compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários», designadamente, nos termos da alínea h), a «avaliação directa ou indirecta dos rendimentos) até terminar o processo-crime. A AT caso tenha conhecimento de factos que possam ter relevância fiscal, pode dar início ao procedimento e prosseguir com o mesmo sem prejuízo de tais factos estarem a ser objecto de investigação criminal (...) Ora, apesar de não sabermos qual o âmbito do referido processo-crime, a verdade é que a decisão de fixação da matéria tributável com recurso ao método indirecto não está dependente da qualificação de comportamento algum como integrando ilícito criminal. Tal decisão depende exclusivamente, nos termos já referidos, da averiguação da veracidade dos rendimentos declarados num determinado ano face às manifestações de fortuna evidenciadas, designadamente, face aos acréscimos patrimoniais revelados pelos depósitos bancários efectuados nesse ano. Ou seja, a tributação por método indirecto não está de modo algum dependente do juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum, de um juízo sobre a ilicitude e a culpa de uma conduta, mas apenas do apuramento dos factos que Integrem os respectivos pressupostos nos termos do art.º 87.º, alínea 1), e 89.º-A, n.º 5, da LGT”.
xxix) Logo, as conclusões tecidas no âmbito do acórdão desse Colendo Tribunal no Proc. n.º 01619/09.9BEBRG de 15.10.2010, são opostas àquelas que foram retiradas na sentença recorrida, porquanto, enquanto que para a sentença recorrida se exige que a liquidação dependa do desfecho do processo de inquérito para que possa ser efectivada, o acórdão desse Venerando Tribunal em que aquela se escorou é perentório em reiterar que a decisão de fixação da matéria tributável com recurso ao método indirecto não está dependente da qualificação de comportamento algum como integrando ilícito criminal, estando exclusivamente, dependente da averiguação da veracidade dos rendimentos declarados num determinado ano face às manifestações de fortuna evidenciadas, designadamente, face aos acréscimos patrimoniais revelados pelos depósitos bancários efectuados nesse ano.
xxx) E acrescenta ainda o aludido acórdão que “Por outro lado, enquanto no processo criminal a prova tem por objecto «todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» (cf. art.º 124.º n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP)), não podendo falar-se de ónus da prova, no procedimento de determinação da matéria tributável a prova tem por objecto a demonstração dos factos constitutivos dos direitos da AT ou do contribuinte e haverá que respeitar as regras próprias da distribuição do ónus da prova: no caso, demonstrando a AT a existência dos pressupostos da alínea f) do art.º 87.º da LGT (art.º 74.º, n.º 3, da LGT), caberá ao contribuinte o ónus de demonstrar «que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados» (art.º 89.º, n.º 3, da LGT). Dessa falta de dependência do procedimento tributário em relação ao processo-crime resulta, designadamente, que nunca se justificaria a suspensão daquele até à decisão deste.
No entanto, o facto de não ser admissível a suspensão do procedimento tributário a aguardar a decisão do processo-crime, não significa, como deixámos já dito, que a AT não possa e até que não deva utilizar os meios de prova existentes no processo-crime.” (destacado nosso).
xxxi) Recorta-se assim que, a sentença para além de extrair um entendimento diametralmente oposto ao vertido no acórdão que transcreve, procede ainda a uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
xxxii) Por outro lado, o legislador consagrou no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT, a possibilidade de alargar o prazo da caducidade do direito à liquidação do imposto até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano de modo a não permitir que os factos ilícitos criminais escapem à tributação pelo simples motivo de só terem sido apurados após o termo do prazo normal da caducidade dos tributos, sendo que tal possibilidade se justifica pelo “carácter oculto” que em regra assumem esses factos e que, por isso, os torna mais susceptíveis de escapar à actividade de inspecção que recai sobre a Recorrente.
xxxiii) Assim, o legislador consagrou no n.º 5 do Art.º 45.º da LGT um alargamento do prazo e não uma suspensão do prazo de caducidade, pois caso assim o entendesse teria colocado no capítulo referente à suspensão do prazo de caducidade estatuído no Art.º 46.º da LGT, pois, a alínea a) do n.º 1 do Art.º 46.º da LGT, já contem uma norma com vista à suspensão do prazo de caducidade em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão.
xxxiv) Pressupondo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, nos termos do n.º 3 do Art.º 9.º do Código Civil, recorta-se que o legislador não consagrou, no Art.º 45.º n.º 5 da LGT que a liquidação dependa do desfecho do processo de inquérito, até porque, tal requisito não se encontra vertido no elemento literal da norma do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT.
xxxv) O que o legislador consagrou não foi uma suspensão do prazo de caducidade mas um alargamento desse prazo até ao arquivamento ou trânsito em julgado acrescido de um ano.
xxxvi) Destarte, não pode encontrar-se neste alargamento do prazo de caducidade qualquer argumento no sentido da suspensão do procedimento tributário até ao termo do processo de inquérito como aquilatou a sentença recorrida, pois, as condutas que possam estar em causa no âmbito do processo de inquérito não se confundem com os factos que relevam para a fixação da matéria tributável e a decisão final do procedimento em sede de avaliação indirecta do rendimento tributável, não dependendo da qualificação desses factos como crime.
xxxvii) Socorrendo-nos do entendimento vertido no acórdão proferido Proc. n.º 01619/09.9BEBRG de 15.10.2010, “Não vislumbramos, pois, qualquer razão para que o procedimento deva ser suspenso até que o processo-crime conheça decisão com trânsito em julgado. (…) Mas, salvo o devido respeito, não pode encontrar-se neste alargamento do prazo de caducidade qualquer argumento no sentido da suspensão do procedimento tributário até ao termo do processo-crime, pois as condutas que neste estejam em causa não se confundem com os factos que relevam para a fixação da matéria tributável e a decisão final do procedimento (no caso, a decisão pela avaliação indirecta do rendimento tributável) não depende da qualificação desses factos como crime, como deixámos já referido.
Em suma: a nosso ver, não invocando o Recorrente qualquer ilegalidade na obtenção da informação bancária no processo-crime, não vemos como possa opor-se com sucesso à utilização dessa informação como meio de prova em sede de procedimento tributário; de igual modo, não encontramos qualquer razão que possa justificar a suspensão do procedimento tributária a aguardar a decisão do processo-crime” (realce nosso).
xxxviii) Neste desiderato, a sentença enferma de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do n.º 5 do Art.º 45.º da LGT em face da lei e da jurisprudência propalada por esse Colendo Tribunal.
xxxix) No que respeita à dispensa do remanescente da taxa de justiça que havia sido requerida pelo ora Recorrente, entendeu a douta sentença que a matéria discutida nos presentes autos não se afigura de complexidade inferior à comum, tendo ao invés, exigido um aturado estudo do quadro legal aplicável e dos argumentos apresentados pelas partes, tendo havido lugar a produção de prova testemunhal, sendo os articulados de grande dimensão e complexidade, tendo fixado o valor da causa e € 8.624.930,00.
xl) Tendo em conta o valor da causa fixado na sentença (€8.624.930,00), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente (em todas as instâncias), em cumprimento do disposto na anotação à TABELA 1 anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do art.º 6.º do citado diploma legal.
xli) No que diz respeito à complexidade da causa é necessário analisar os pressupostos previstos no n.º 7 do Art.º 530.º do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso e no que respeita à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no Art.º 8.º do CPC.
xlii) Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (Art.º 530 n.º 7) antecipou três grupos de requisitos, a saber: i) a existência ou não de articulados ou alegações prolixas – vide al. a); a questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso – cfr. al. b); terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas — vide al. c).
xliii) A fundamentação espelhada na sentença assenta no pressuposto de que a matéria dos autos não se afigura de complexidade inferior à comum tendo exigido um aturado estudo do quadro legal aplicável e dos argumentos apresentados pelas partes, tendo havido produção de prova testemunhal, sendo os articulados de grande extensão e complexidade.
xliv) Tais argumentos falecem, desde logo, porquanto, a sentença não procedeu uma decisão de mérito acerca da complexidade das operações financeiras detectadas pela Recorrente, pois ainda que se pudesse alvitrar a complexidade dos autos tendo em conta o volume de operações e de fluxos financeiros detectados pela Recorrente vertidas nos articulados carreados pelas partes, o que é certo é que, no caso dos autos, a sentença não emitiu nenhuma decisão de mérito com base nesse pressuposto factual.
xlv) Com efeito, a sentença julgou o presente recurso procedente com base exclusivamente em questões de direito – excepção do caso julgado e caducidade da liquidação do imposto – vertidas em “basta” jurisprudência dos tribunais superiores, não possuindo a complexidade que a sentença lhe assaca e laborando em manifesto erro.
xlvi) Por outro lado, o Recorrente adoptou nos presentes autos um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé, tendo apenas apresentado as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não tendo usado de quaisquer articulados ou alegações prolixas, ou, solicitado quaisquer meios de provas adicionais, e por essa razão, não deve o Recorrente ser penalizado em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado, e, positivamente valorado.
xlvii) Relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, verifica-se que, não só as questões objecto de recurso não são de complexidade superior à normal, como, sobre a mesma matéria, foram já proferidas decisões dos tribunais superiores os quais foram vertidos pela sentença recorrida.
xlviii) Neste desiderato, a decisão não incidiu nem se debruçou acerca de matéria inovadora ou complexa, mas em matéria já sindicada em acórdãos dos tribunais superiores e em questões que são colaterais com a avaliação indirecta da matéria colectável.
xlix) Logo, a sentença recorrida ao indeferir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça incorre em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e em clara e manifesta violação do disposto no n.º 7 do Art.º 6.º do RCP.
l) Refira-se ainda que as custas a suportar neste processo, taxas de justiça no montante de [aproximadamente] € 110.000,00 (por cada uma das partes), equivale por dizer que, a parte vencida, será responsável pelo pagamento, não só dos referidos € 110.000,00 [a titulo de taxas de justiça pela sua intervenção no processo] mas, também, de mais € 110.000,00 [correspondentes às taxas de justiça pagas pela parte vencedora], bem como, demais € 110.000,00 [a título de despesas com honorários do mandatário].
li) Ou seja, a parte vencida teria, no fim, que pagar cerca de € 220.000,00 apenas na 1.ª instância, sem contar com as custas em sede de recurso, pelo que o Recorrente invoca, a inconstitucionalidade da norma constante dos n.ºs 1, 2 e 7 do art.º 6.º do RCP, bem como, da alínea c) do n.º 3 do Art.º 26.º e da al. d) do n.º 2 do Art.º 25.º, ambos do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando preveem, sem mais, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado.
lii) A fixação de custas no valor de € 110.000,00, ou em valor semelhante, viola, em absoluto, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade entre a correspectividade dos serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais – vide Art.ºs 2.º, 18.º, n.º 2 e 20.º n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
liii) O n.º 7 do Art.º 6.º do RCP não deve ser interpretado – de forma alguma – como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de € 275.000,00, por violar o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proporcionalidade, pois a interpretação assim conducente deve tal norma ser desaplicada por padecer de inconstitucionalidade material.
liv) Até porque, o custo do serviço de justiça não aumenta proporcionalmente ao valor da causa, nem ilimitadamente em função deste.
lv) Assim, deverá ser julgada inconstitucional a norma constante dos n.ºs 1 e 2 do art.º 6.º do RCP, quando interpretada no sentido que leve à aplicação do cálculo das custas judiciais sem ter em atenção o limite máximo estipulado no mesmo RCP (€ 275.000,00), por violação do Art.º 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos art.ºs 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental.
lvi) Da mesma forma, deve ser julgada inconstitucional a norma constante do n.º 7 do art.º 6.º do RCP, quando prevê a aplicação de remanescente, por violação do art.º 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos art.ºs 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental.
lvii) Deve, ainda, ser julgada inconstitucional a norma constante da al. c) do n.º 3 do Art.º 26.º e a 2.ª parte da al. d) do n.º 2 do Art.º 25.º, ambos do RCP, quando preveem, sem mais, o pagamento de honorários no montante de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, sem prever que a parte vencedora faça prova de que, efectivamente, pagou tal montante a título de honorários [o que pode permitir um enriquecimento sem causa da parte ou do mandatário] por violação do art.º 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos art.ºs 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental.
lviii) Imputar à parte vencida, a título de taxa de justiça e custas de parte, o montante de cerca de € 220.000,00 – apenas em 1.ª instância – parece-nos, manifestamente desproporcionado face às características do serviço público concretamente prestado, sem qualquer tradução na complexidade do presente processo, sendo, por isso, claríssima a desproporção entre o serviço público envolvido e o valor total cobrado, violando, dessa forma, não só o princípio estruturante constitucional da proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais previsto no n.º 1 do Art.º 20.º da CRP.
lix) Assim, deverá ser julgada inconstitucional – por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no Art.º 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso e o principio da proporcionalidade – a norma que se extrai da conjugação do disposto no art.º 6.º n.ºs 1, 2 e 7 e TABELA I A e B anexa do RCP, bem como, da al c) do n.º 3 do art.º 26.º e da 2.ª parte da al. d) do n.º 2 do art.º 25.º, também do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando preveem, sem mais, o pagamento de honorários sem que esse valor tenha que ser justificado (veja-se a este propósito o acórdão do TCA Sul, no acórdão n.º 07373/14 de 13/03/2014).
lx) Sendo certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a final) fixado em função desse valor, sem qualquer tecto máximo, possibilita a obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela justa medida a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado.
lxi) Em suma, ao não se estabelecer um limite máximo para as custas a pagar, nomeadamente por não se estabelecer um limite máximo para o valor da acção a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os Art.ºs 6.º n.ºs 1, 2 e 7, 26.º n.º 3 al. c) e 25.º n.º 2 al. d) do RCP, por referência à tabela 1 anexa ao mesmo RCP, estão violados os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.
lxii) Por fim referia-se que caso assim não se entenda se requer que esse colendo Tribunal dispense uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça (cfr. Acórdão do STA de 01953/13 de 07.05.2014).
lxiii) Neste desiderato, se requer que caso não sejam atendíveis os argumentos sindicados pelo Recorrente, seja por esse Colendo Tribunal dispensada uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada, e em consequência manter-se a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto na ordem jurídica com todas as legais consequências.»
*
1.2. A recorrida contra-alegou formulando as seguintes conclusões:
«i. Sem prejuízo das questões decidendae, a RECORRIDA reitera todo o anteriormente invocado em sede de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT, incluindo a questão da comprovação da origem e da natureza das quantias mobilizadas aqui em causa;
I. A exceção dilatória de caso julgado material
ii. A única questão que aqui se coloca é saber se o acórdão proferido no processo n.º 1796/15.0 BEPRT já decidiu ou não sobre a inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 45.º da LGT que conduz à caducidade do direito à liquidação, produzindo caso julgado material sobre esta questão, para efeitos dos presentes autos;
iii. Em momento algum, a petição inicial do recurso judicial da decisão de derrogação do sigilo bancário do processo n.º 17961/15.0 BEPRT invocou a questão da (i) inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, a (ii) extinção do inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A………….., e o (iii) abuso do processo de inquérito criminal;
iv. A referida petição inicial apenas alegou que o processo de inquérito criminal instaurado a A………… foi extinto por falecimento deste e, como tal, não poderia servir como fundamento de derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT;
v. Esse foi o argumento e a questão levantada pela RECORRIDA nesse processo;
vi. Tendo, igualmente, censurado a utilização abusiva que a AT fez (e faz) do processo de inquérito criminal para se permitir a correções e liquidações que de outro modo não poderia fazer;
vii. Mas tal nunca foi uma questão ou argumento per si, no recurso judicial da decisão de derrogação do sigilo bancário do processo n.º 1796/15.0 BEPRT;
viii. Nem o poderia ser, pois estávamos no âmbito de apreciar os pressupostos legais de derrogação do sigilo bancário e não dos requisitos legais para efetuar as correções à matéria coletável e respetiva liquidação;
ix. Não se vislumbra, portanto, de que modo as decisões transitadas em julgados no processo n.º 2449/15.5 BEPRT e, especialmente, no processo n.º 1796/15.0 BEPRT, possam constituir caso julgado sobre as questões invocadas na petição inicial do recurso judicial da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT;
x. Acresce que, como referiu com propriedade o Tribunal a quo, as questões resolvidas nos processos n.ºs 1796/15.0 BEPRT e 2449/15.5 BEPRT não entroncam na relação material controvertida nos presentes autos,
xi. Deste modo, podemos concluir que a decisão do Tribunal a quo deverá manter-se na ordem jurídica e a exceção dilatória do caso julgado material deverá ser julgada não verificada.
xii. Sem prescindir,
II. A ilegitimidade da prorrogação do prazo de caducidade do direito à liquidação com fundamento no n.º 5 do artigo 45.º da LGT
xiii. A RECORRIDA reitera e dá aqui por inteiramente reproduzidos os artigos 43 a 61 da petição inicial do recurso judicial da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º-A da LGT;
xiv. E, fazendo jus ao acórdão 15 de outubro de 2010, do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.º 01619/09.0 e à sentença recorrida, conclui-se que quando estiver em causa a averiguação de factos que relevem para a fixação da matéria tributável, o procedimento tributário não tem de ficar «suspenso» até terminar o processo-crime;
xv. Assim, sucede porque a AT, caso tenha conhecimento de factos que possam ter relevância fiscal, pode dar início ao procedimento e prosseguir com o mesmo sem prejuízo de tais factos estarem a ser objeto de investigação criminal;
xvi. Mas já não será assim quando a AT não tenha conhecimento desses factos e estes sejam apurados no processo-crime;
xvii. Neste caso, trata-se de uma situação bem diversa, qual seja a de no processo-crime virem a ser apurados factos que determinem o direito à liquidação de imposto, caso em que o termo do prazo de caducidade deste direito é excecionalmente alargado até um ano após o trânsito em julgado da decisão;
xviii. O n.º 5 do artigo 45.º da LGT consagra, assim, a possibilidade de estender o prazo da caducidade do direito à liquidação de modo a que não se permita que os factos lícitos criminais escapem à tributação pelo simples motivo de só terem sido apurados após o termo do prazo normal da caducidade dos tributos;
xix. Como salientou o Tribunal a quo, no caso concreto, o facto que se considerou estar sujeito a tributação e que motivou a revisão da matéria tributável por recurso a métodos indiretos aqui posta em crise — a existência de acréscimo patrimonial não justificado na esfera da Recorrente — era plenamente conhecido pela AT, em momento até anterior ao início do procedimento inspetivo, e, bem assim, que o apuramento da responsabilidade tributária não estava dependente do desfecho do processo de inquérito;
xx. E o procedimento inspetivo instaurado com vista ao apuramento desse facto seguiu os seus normais trâmites e culminou com a fixação da matéria coletável através de métodos indiretos, pese embora, nomeadamente, a morte do arguido A……………, e a consequente extinção do procedimento criminal e, portanto, sem que deste tenha advindo qualquer input para a inspeção tributária, que se socorreu, designadamente, da derrogação do sigilo bancário para análise dos movimentos financeiros verificados nas contas da RECORRIDA;
xxi. Portanto, a situação dos presentes autos não é, em face do exposto, subsumível ao n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não beneficiando, como tal do alargamento do prazo de caducidade aí consagrado;
xxii. Deste modo, podemos concluir que a decisão do Tribunal a quo deverá manter-se na ordem jurídica e julgar procedente a questão da caducidade do direito à liquidação.
III A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
xxiii. No caso concreto, a conduta das partes, quer nos articulados escritos, quer nas intervenções em sede de audiência de julgamento, pautou-se pela lisura, pela boa-fé processual, bem como pela evitação de atos dilatórios;
xxiv. E a solução dada ao litígio não envolveu a análise das questões tecnicamente mais complexas, ou pelo menos que implicariam um maior dispêndio de tempo, isto é, o Tribunal a quo não teve a necessidade de se debruçar sobre a questão dos movimentos financeiros;
xxv. Deste modo, a RECORRIDA vem requerer que a decisão do Tribunal a quo a respeito da não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça seja revogada e substituída por outra que autorize a dispensa, parcial ou total, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porquanto se encontram preenchidos os requisitos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser indeferido e mantida a decisão do Tribunal a quo, exceto quanto à possibilidade de dispensa, parcial ou total, do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!».
*
1.3. O TCA Norte, por decisão de 29/06/2018 (fls.949/963), julgou procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e considerou competente a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
*
1.4. O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
«I. Objecto do recurso
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF do Porto que julgou procedente a ação intentada contra o ato do senhor diretor de finanças do Porto, datado de 13/04/2017, que, sancionando as conclusões de relatório dos Serviços de Inspeção, fixou o rendimento tributável para efeitos de IRS, por métodos indiretos, para o ano de 2010, referente a acréscimo patrimonial não justificado no valor de € 8.624.930,00 euros, e determinou a sua anulação.
2. Considera a Recorrente que a sentença padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação da lei por violação do artigo 577º, nº 1, alínea i), do CPC, na interpretação adotada pelo tribunal recorrido, no que respeita à apreciação da questão da exceção do caso julgado por si invocada, e do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, na questão da caducidade do direito de liquidação decorrente da não aplicação do alargamento do prazo previsto no citado normativo, invocada pelo Recorrido.
Para o efeito alega que os fundamentos invocados pelo contribuinte e aqui recorrido no recurso que dirigiu ao tribunal “a quo” a respeito da inaplicabilidade do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT já foram apreciados em anteriores ações propostas pelo mesmo e sobre os quais foi emitida pronuncia pelo tribunal e relativamente à qual se formou caso julgado formal o qual no seu entender deve ser respeitado.
E quanto ao prazo de caducidade entende a Recorrente que o que o legislador consagrou no nº 5 do artigo 45º da LGT não foi uma suspensão do prazo de caducidade, mas um alargamento desse prazo até ao arquivamento ou trânsito em julgado acrescido de um ano.
Considera por último que ao indeferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça o tribunal “a quo” incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e em clara e manifesta violação do disposto no nº 7 do artigo 6º do RCP.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que mantenha na ordem jurídica a decisão de fixação da matéria tributável.
II. Fundamentação da sentença
Para se decidir pela procedência do recurso da decisão de determinação da matéria tributável por avaliação indireta considerou o tribunal “a quo”, em síntese, que à data da notificação do contribuinte já havia decorrido o prazo de 4 anos previsto no nº 1 do artigo 45º da LGT, motivo pelo qual se verificava a caducidade do direito de liquidação, sendo que não se mostrava aplicável ao caso concreto o alargamento do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT invocado pela Administração Tributária.
Mais se entendeu que sobre esta específica questão não se formara caso julgado, uma vez que as decisões judiciais anteriormente proferidas no âmbito dos procedimentos de derrogação do sigilo bancário não se tinham pronunciado sobre essa mesma questão, tendo apenas merecido uma referência colateral por parte do tribunal.
No que respeita ao pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, entendeu o tribunal “a quo” não estarem reunidos os respetivos pressupostos.
III. Apreciação das questões suscitadas no recurso.
1. Exceção de caso julgado sobre a questão da aplicabilidade do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT
1.1 Considera a Recorrente que, tendo as decisões proferidas nos processos n.ºs 2449/15.5BEPRT e 1796/15.0BEPRT «determinado que o procedimento de derrogação de sigilo bancário observou a lei e pugnou pela improcedência dos fundamentos esgrimidos pela Recorrida, tais fundamentos – a extinção do processo de inquérito criminal, atendendo ao falecimento de A………………., e do abuso de processo de inquérito criminal nos termos do nº 5 do art. 45º da LGT –, como parte da decisão foram julgados improcedentes, tendo-se formado caso julgado» - ponto 3.34 das alegações de recurso.
Segundo percebemos o sentido das alegações da Recorrente, o facto de o contribuinte ter invocado idênticos argumentos sobre a inaplicabilidade do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT no âmbito da impugnação das decisões de derrogação do sigilo bancário, que foram julgados improcedentes pelo tribunal em decisões já transitadas em julgado, ter-se-ia formado caso julgado sobre essa questão.
1.2 Na contestação que ofereceu aos autos, a Recorrente suscitou a exceção de caso julgado, invocando que a questão da aplicabilidade do prazo consignado no nº 5 do artigo 45º da LGT já havia sido objeto de apreciação por decisões transitadas em julgado no âmbito dos processos de derrogação do sigilo bancário que correram sob os n.ºs 2449/15.5BEPRT e 1796/15.0BEPRT, de cujas decisões judiciais (acórdãos do TCA Norte) foram juntas cópias aos autos (fls. 651 e segs. e 673 e segs).
Tal como vertido nos pontos 2) a 6) do probatório fixado pelo tribunal “a quo”, nos dois referidos processos o TCA Norte não enunciou qualquer questão decidenda tendo por objeto a inaplicabilidade do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT.
Como se deixou igualmente exarado na sentença recorrida, a questão apreciada naqueles processos conexa com a instauração do processo-crime, designadamente no processo n° 1796/15.0BERT, tem por objeto a apreciação dos pressupostos do acesso à documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 63º-B da LGT mais precisamente com os efeitos decorrentes da extinção do procedimento criminal por óbito do arguido e da transmissão das relações jurídicas do “de cujus” para a herança jacente invocados pela cabeça-de-casal e aqui recorrida.
Ora, nessa sede o tribunal limitou-se a concluir pela verificação desses pressupostos, tendo desvalorizado a morte do agente do crime para esse efeito e considerado não abusiva a invocação da pendência do processo-crime para efeitos de derrogação do sigilo bancário e acesso à documentação bancária, em face da natureza penal dos indícios apurados e no processo figurar também como arguida a sociedade de que aquela pessoa singular era accionista. Todavia não foi feita qualquer apreciação, ainda que incidental, sobre a aplicação do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT.
Para além da doutrina e jurisprudência invocadas na sentença recorrida, permitimo-nos aqui citar o acórdão do STJ de 21/03/2013, proc. 3210/07, que por sua vez evoca a lição do professor Manuel de Andrade, no sentido de que «o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais (considerando que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente») e numa razão de certeza ou segurança jurídica («sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»). Assim, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta».
Todavia, refere-se igualmente no mesmo aresto, invocando-se o disposto no atual artigo 621º do CPC (“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga…”.) «Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste».
Refere igualmente a este respeito Miguel Teixeira de Sousa (in “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág. 49 e segs.) que a «... excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (…). (Pág. 176.)
Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente». (Pág. 179.)
Também no acórdão da Relação de Coimbra de 28/09/2010, proc. 329/09.6TBCVL, cujo entendimento foi igualmente sufragado no aresto do STJ se considerou, fazendo-se a distinção entre a figura da “exceção do caso julgado”, em que se exige a tríplice identidade (sujeitos, causa de pedir e pedido), e a figura da “autoridade do caso julgado”, que a «... excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas; A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica)».
Aplicando ao caso concreto tais ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais, que são adotados de forma maioritária na jurisprudência, temos que concluir que a decisão tomada no processo nº 1796/15.0BEPRT sobre a verificação dos pressupostos legais de derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 63º-B da LGT, tendo como suporte a instauração e pendência de processo-crime, não se repercute sobre a apreciação que o tribunal “a quo” venha a fazer sobre a relevância desse mesmo processo-crime na definição de prazo de caducidade mais alargado ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, de modo a pôr em causa os princípios da certeza ou segurança jurídica.
É certo que as questões estão imbricadas, pois o apuramento de dados que se pretende com a derrogação do sigilo bancário visa definir eventual responsabilidade tributária, ou seja, constitui um momento prévio do procedimento de liquidação, que só deve prosseguir se a AT estiver em tempo e prazo para definir essa responsabilidade. E nessa medida a decisão sobre os pressupostos de acesso à documentação bancária tem implícito o entendimento da observância desse requisito temporal. Mas não de forma tão abrangente que permita concluir que as premissas de que parte o julgador para decidir uma e outra das questões seja similar. Daí que a figura da “autoridade do caso julgado” (Por contraposição à figura da “exceção do caso julgado”, que exigindo a tríplice identidade se mostra arredada na situação concreta dos autos.) não se imponha no caso concreto.
Entendemos, assim, que se impõe a confirmação da sentença recorrida nesta parte.
2. Questão da aplicabilidade do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT.
Entendeu o tribunal “a quo” a este propósito, apoiando-se na jurisprudência do TCA Norte (ac. de 15/10/2010, p. 01619/09.0BEBRG (Na sentença cita-se ainda o acórdão do TCA Norte de 26/03/2015, proc. 00478/12.0BEPRT.)) que «a ratio legis de tal preceito é, …impedir a eventual não tributação de factos tributários que possam emergir de ilícitos criminais e que, por essa razão, apenas sejam conhecidos ou apurados eventualmente após o termo do seu prazo normal da caducidade com o desfecho da investigação criminal»; E que no caso concreto é «inequívoco que o acto que se considerou estar sujeito a tributação e que motivou a revisão da matéria tributável por recurso a métodos indiretos aqui posta em crise — a existência de acréscimo patrimonial não justificado na esfera da Recorrente era plenamente conhecido pela Administração Tributária, em momento até anterior ao início do procedimento inspectivo». Concluindo, assim, o tribunal “a quo” que a situação dos autos não é subsumível ao n do artigo 45 da LGT e que nessa medida ocorreu a caducidade do direito à liquidação do imposto em causa.
Não acompanhamos o entendimento vertido na sentença recorrida, que para além de configurar uma interpretação restritiva do disposto no citado preceito legal, que uma adequada interpretação não consente, configura igualmente uma apreciação ligeira da factualidade apurada nos autos
Decorre da matéria de facto assente na sentença recorrida - pontos 2) e 3) do probatório - que o processo-crime foi instaurado em 15/12/2014 com base em elementos contabilísticos recolhidos em procedimento tributário, relativos a movimentos financeiros entre diversas sociedades e um dos seus acionistas que criaram suspeitas de ocultação de rendimentos suscetíveis de constituir fraude fiscal.
A par da instauração de processo-crime (processo nº 2609/2014.IDPRT – sociedade e nº 093/2014.3IDPRT – acionista) e com base nos mesmos elementos foi igualmente aberto em 16/12/2014 procedimento inspetivo, no âmbito do qual veio a ser proferida em 13/04/2017 a decisão do senhor diretor de finanças objeto de impugnação, que fixou o rendimento tributável com base em avaliação indireta.
Ora, em face de tais elementos levados ao probatório e que remetem para outros juntos aos autos, designadamente para o relatório dos Serviços de Inspeção, carece de suporte factual a asserção do tribunal “a quo” transcrita supra no sentido de ser «inequívoco que o acto que se considerou estar sujeito a tributação e que motivou a revisão da matéria tributável por recurso a métodos indiretos aqui posta em crise – a existência de acréscimo patrimonial não justificado na esfera da Recorrente – era plenamente conhecido pela Administração Tributária, em momento até anterior ao início do procedimento inspectivo».
Na verdade, o que a AT recolheu antes do início do procedimento inspetivo e da instauração do processo-crime foram apenas elementos contabilísticos que criaram suspeitas de ocultação de rendimentos (decorrente da multiplicidade de movimentos financeiros entre a SGPS e outras sociedades e um dos seus accionistas sem aparente razão de ser). Ora, a conclusão sobre a falta de justificação dos acréscimos patrimoniais no montante de € 8.624.930,00 euros na esfera do acionista só é firmada na conclusão do relatório da ação inspetiva e após análise daqueles movimentos financeiros, acesso à documentação bancária e exercício do direito de audição.
Resulta, assim, que os elementos recolhidos no procedimento inspetivo instaurado em 16/12/2014 se destinavam não só a apurar a responsabilidade tributária dos sujeitos passivos, como a instruir o processo-crime igualmente instaurado nessa data, uma vez que tanto num caso como noutro a sua instauração foi efetuada com base nos mesmos elementos indiciantes de ocultação de rendimentos.
Atenta tal factualidade, não subsistem dúvidas que os factos que deram origem ao processo-crime e ao procedimento que culminou na fixação do rendimento tributável cuja decisão foi impugnada são os mesmos. E assim sendo, mostra-se aplicável o prazo alargado previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT, ou seja, ressalvado o prazo de 4 anos previsto no prazo de caducidade só termina um ano após o arquivamento do processo de inquérito ou do trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
Ou seja, o que releva para efeitos de alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação é que haja identidade dos factos com base nos quais seja instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação e não como considerou o tribunal “a quo” que esse alargamento esteja apenas limitado às situações em que sejam apurados novos factos em processo-crime, pois esta interpretação restritiva não tem a mínima correspondência na letra da lei, já que a razão de ser desse alargamento tem a ver com a gravidade potencial dos factos e a complexidade na sua averiguação e não com a sua novidade como parece transparecer do entendimento sufragado na sentença recorrida.
Tal tem sido o entendimento sufragado na jurisprudência do STA, como decorre dos acórdãos de 02/07/2008, proc. 0343/08, de 11/05/2016, proc. 01071/14, de 01/10/2014, proc. 0178/14, de 11/11/2015, proc. 0190/14, e de 06/12/2017, proc. 073/166 (No mesmo sentido o acórdão do TCA Sul de 14/04/2015, proc. 05108/11.) .
No caso concreto não foi levado ao probatório qualquer elemento que permita concluir que tenha sido ultrapassado esse prazo, designadamente que tenha sido posto termo aos dois processos-crime instaurados (processo nº 2609/2014.IDPRT – sociedade e nº 093/2014.3IDPRT – acionista. (Embora no processo em que figura como arguido o falecido acionista, a morte deste conduza à extinção do procedimento criminal e ao seu arquivamento.).)
Em face do exposto, entendemos que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, por incorreta interpretação e aplicação do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, motivo pelo qual se impõe a sua revogação, julgando-se nesta parte procedente o recurso.
Atento que o tribunal “a quo” deu como prejudicadas outras questões suscitadas pela Recorrida, impõe-se a baixa dos autos para conhecimento das mesmas.
Por esse motivo afigura-se-nos prejudicado o conhecimento da questão relacionada com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.».
*
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
*
2. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
«Com vista à apreciação de tal excepção, mostra-se necessário proceder à fixação da matéria de facto relevante para o efeito. Assim, resulta provado dos elementos documentais juntos aos autos, que:
1. Foi apresentado, pela Recorrente, recurso da decisão proferida pela Exma. Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira a 17/12/2015, que determinou o acesso directo da Administração Tributária às suas contas e documentos bancários relativamente ao ano de 2010, que correu termos neste tribunal sob o processo n.º 2994/15BEPRT e cuja sentença de improcedência foi confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) por acórdão de 12/05/2016 (cfr. doc. 1 junto com a oposição do Recorrido a fls. 651 a 670 do processo físico cujo teor se dá por integralmente reproduzido).—
2. O recurso interposto para o TCAN, no âmbito do processo identificado no ponto anterior, teve como questões a decidir o erro de julgamento da matéria de facto, sobre matéria que o Recorrente considerava dever ter sido dada como provada, e o erro de julgamento em matéria de direito, quanto à falta de fundamentação da decisão de derrogação do sigilo bancário; falta dos pressupostos legais para o levantamento do sigilo bancário e violação do princípio da proporcionalidade. (cfr. fls. 661 do processo físico).--
3. No Acórdão do TCAN que decidiu o referido recurso não foram apreciadas questões de inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, de extinção do processo de inquérito criminal por morte do marido da Recorrente e de abuso do processo criminal nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT (cfr. doc. 1 referido no ponto 1 da factualidade).--
4. Foi intentado, pela Recorrente, recurso da decisão proferida em 28/05/2015, pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que determinou o acesso directo a documentos e demais informação de natureza bancária, relativamente ao ano de 2010, de que fosse titular o falecido marido da Recorrente, processo que correu termos, neste tribunal, sob o n.º 1796/15.0BEPRT e cuja sentença de improcedência foi confirmada pelo TCAN por acórdão de 14/06/2016 (cfr. doc. 2 junto com a oposição do Recorrido a fls. 673 a 755 do processo físico cujo teor se dá por integralmente reproduzido).--
5. O recurso interposto para o TCAN, no âmbito do processo identificado no ponto anterior, teve como questões a decidir o erro do julgamento da matéria de facto, a falta de notificação para o exercício de audição prévia, a falta de fundamentação da decisão de derrogação do sigilo bancário e a falta dos pressupostos legais para o levantamento do sigilo bancário (cfr. pág. 32 do doc. 2 supra referido).---
6. No Acórdão do TCAN que decidiu do referido recurso não foram apreciadas as questões de inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 45.º da LGT e, quanto ao abuso do processo criminal nos termos desse preceito e à alegada extinção do processo de inquérito criminal por morte do marido da Recorrente, ficou expresso apenas o seguinte:






Além dos factos considerados por provados para efeitos da apreciação da excepção de caso julgado, consideram-se, ainda, provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. Foi realizado procedimento de inspeção externa à sociedade “B…………. Participações SGPS, SA” (doravante apenas B………… SGPS), com incidência no IRC do ano de 2010, o qual se iniciou em 18/10/2014 ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 012014404559 (cf. fls. 128 do processo físico).--
2. No âmbito desse procedimento inspectivo, “apurou-se que na contabilidade desta sociedade foram registadas na conta-corrente do seu accionista A………… (...) além de transacções financeiras realizadas entre ambas as partes, também movimentos financeiros verificados entre a B………… SGPS e outras entidades (cf. fls.73 do processo físico).--
3. Tendo sido considerado, pelos serviços de inspecção tributária, “poder estar em causa um circuito de movimentos financeiros com o intuito de ocultar rendimentos e a sua não declaração para efeitos fiscais, que poderia constituir fraude fiscal, conforme o previsto no art.º 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias”, em 15/12/2014, foi instaurado o processo de inquérito criminal n.º 2609/2017IDPRT à sociedade B………. SGPS e o processo de inquérito criminal n.º 93/2014.3IDPRT ao seu accionista A…………. (cf. fls. 80 dos autos).---
4. A coberto da Ordem de Serviço n.º O1201405538, emitida em 16/12/2014, foi realizado, pela Divisão de Inspecção Tributária – II da Direcção de Finanças do Porto, procedimento de inspeção externa, que incidiu sobre o IRS de 2010 da Recorrente e de A……………. (doravante apenas A…………), casados em regime de comunhão geral de bens, “em virtude de existirem suspeitas de omissão de rendimentos na declaração de IRS referente a 2010” (cf. fIs. 73, 74, 80 e 130 do processo físico).--
5. Em 9/01/2015, verificou-se o óbito de A…………. (cf. fls. 80 do processo físico).--
6. Em 23/02/2015, iniciou-se o procedimento inspectivo titulado pela ordem de serviço referida no ponto 4, através da respectiva assinatura, pela Recorrente, viúva de A………….., sujeito passivo B da sociedade conjugal em 2010 e cabeça de casal da herança aberta por óbito de A………… (cf. fls. 73, 80 do processo físico).--
7. Em 17/09/2015, a Directora Geral da Autoridade Tributária autorizou “o acesso direto a todas as contas e documentos bancários existentes na instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que fosse titular a Recorrente” (cf. fls. 86 do processo físico).--
8. Em 3/04/2017, no âmbito do procedimento inspectivo referido no ponto 4, foi elaborado relatório de inspeção tributária, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
(…)































(cf. fls. 67 a 124 do processo físico cujo teor se dá por integralmente reproduzido). ---
9. Por despacho do Director de Finanças do Porto, datado de 13/04/2017, que sancionou as conclusões do relatório de inspeção tributária foi determinada a avaliação indireta do rendimento tributável da Recorrente em sede IRS, nos seguintes termos:



(cf. fls. 126 do processo físico).--
10. O relatório de inspecção tributária, com a decisão de fixação do rendimento colectável de IRS, de 2010, por métodos indirectos, foi remetido ao mandatário da Recorrente, através do ofício com a referência n.º 20175000104852, de 18- 04-2017, com o seguinte teor:




(cf. fls. 66 do processo físico).--
11. O presente recurso deu entrada, neste Tribunal, em 02/05/2017 (cf. comprovativo de entrega a fls. 2 do processo físico). - -».
*
3.1. A sentença recorrida julgou não verificada a invocada exceção de caso julgado (fls. 870M).
Identificou, depois, como questões a decidir (fls. 870N) as seguintes:
. Da inaplicabilidade da prorrogação do prazo de caducidade do direito à liquidação com fundamento na instauração de inquérito criminal, alicerçada na inaplicabilidade do nº 5 do artigo 45º da LGT;
. Da ilegalidade do procedimento de inspeção tributária por violação do princípio da proporcionalidade e da imparcialidade;
. Da ilegalidade do procedimento de avaliação indireta por acréscimos patrimoniais ou despesas efetuadas não justificadas (artigo 87º 1 f) da LGT), em virtude do caráter residual ou subsidiário do procedimento, da inexistência de qualquer acréscimo patrimonial e da violação do princípio da capacidade contributiva;
. Da alegada comprovação, pela recorrente, da origem e natureza do alegado acréscimo patrimonial verificado.
Pronunciou-se a sentença recorrida pela caducidade do direito à liquidação do imposto em causa, por não ser aplicável o nº 5 do artigo 45º da LGT, pelo que ficaria prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Entendeu, ainda, a sentença recorrida não se encontrarem reunidos os necessários pressupostos para dispensar do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*
3.2. Recorreu a FP sustentando, em síntese, que a sentença sofre do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação da lei por violação do artigo 577º, nº 1, alínea i) do CPC, referentemente à apreciação da questão da exceção do caso julgado e, ainda do nº 5 do artigo 45º da LGT, no que respeita à caducidade do direito de liquidação decorrente da não aplicação do alargamento do prazo previsto neste preceito normativo.
Segundo a recorrente os fundamentos invocados pela recorrida relativamente à inaplicabilidade do prazo previsto no nº 5 do artigo 45.º da LGT já foram apreciados nas ações por esta proposta no âmbito do levantamento do sigilo fiscal sobre os quais se teria já formado caso julgado formal.
Acrescenta a recorrente que ao indeferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a sentença recorrida sofre de erro sobre os pressupostos de facto e viola o nº 7 do artigo 6º do RCP e diversos preceitos constitucionais.
Conclui pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que mantenha na ordem jurídica a decisão de fixação da matéria tributável.
Diversamente a recorrida sustenta que a mesma sentença deve ser confirmada salvo no que respeita ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que entende dever ser, nesta parte, alterada.
Do exposto resulta que o presente recurso tem por objeto as questões discutidas relativas ao caso julgado, à caducidade do direito de liquidação decorrente da não aplicação do alargamento do prazo previsto no nº 5 do artigo 45.º da LGT e o indeferido pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*
3.3. Entende-se que a sentença recorrida que entendeu que não se verifica a alegada exceção de caso julgado é de confirmar.
Estabelece o artigo 619.º do Código de Processo Civil (serão deste diploma os demais artigos mencionados sem qualquer outra referência), sob o título, valor da sentença transitada em julgado, o seguinte:
“1. Transitada em julgado a sentença, (...) a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702º”.
Acrescenta o artigo 621.º, sob o título alcance do caso julgado, o seguinte:
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga ... ”.
Referem-se estes preceitos, como na sentença recorrida se escreveu “ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial submetida a juízo” sendo “a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende que seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”.
E o conceito de caso julgado consta do artigo 580º nº 1, tal como do seu título resulta, quando afirma que há caso julgado quando ocorre a repetição de uma causa, verificada depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Refere o nº 1 do artigo 581.º, sob o título requisitos do caso julgado, que há repetição da causa “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, (nº 2) que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (nº 3) que há “identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e (4) que há “identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.
Acompanha-se, por isso, o acórdão deste STA de 23.11.2016, recurso n.º 915/16, quando afirma que “para sabermos se há ou não repetição da acção, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no art. 498.º [hoje art. 581.º], mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 497.º [hoje art 580.º], onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Continua a recorrente FP a defender a exceção de caso julgado material com fundamento no facto de a derrogação do sigilo bancário no âmbito do procedimento inspetivo ter sido objeto de apreciação nos processos n.º 2449/15.SBEPRT e n.º 1796/15.0BEPRT, cujas sentenças foram confirmadas por acórdãos do TCAN, já transitados em julgado, e de aí terem sido apreciados os argumentos de inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, de extinção do processo de inquérito criminal por morte de A……… e por abuso do processo criminal nos termos do referido preceito, aí invocados pela contribuinte à semelhança do que fez nos presente autos.
Segundo a FP a contribuinte fundamenta a sua pretensão, agora em sede de manifestações de fortuna, nos mesmos argumentos que formulou, anteriormente, nos processos de sigilo bancário que foram julgados improcedentes e relativamente aos quais se formou caso julgado o que obstaria à sua reapreciação.
Como na sentença recorrida se afirma a exceção de caso julgado deduzida centra-se não na decisão propriamente dita de tais processos, atinentes à derrogação de sigilo bancário, mas na alegada apreciação nesses processos de alguns dos argumentos invocados nos presentes autos.
Para que ocorra repetição da mesma causa, para efeitos de existência de caso julgado, torna-se necessário que ocorra a identidade de sujeitos, a identidade de pedido, com vista a obter o mesmo efeito jurídico, e a identidade de causa de pedir, procedendo a pretensão deduzida nas duas ações do mesmo facto jurídico.
Não existe identidade de pedido pois que com as ações referidas pretendia-se a anulação de decisões de derrogação de sigilo bancário enquanto que na presente se pretende a anulação da decisão de fixação de rendimento tributável através de métodos indiretos, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT.
Não ocorre identidade da causa de pedir já que naquelas o pedido resulta de uma alegada não verificação dos pressupostos para a derrogação do sigilo bancário e nesta de uma alegada não verificação dos pressupostos para a fixação do rendimento por métodos indiretos.
*
3.4. Importa, agora, averiguar se a eventual apreciação naqueles processos dos argumentos referentes à inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, à extinção do processo de inquérito criminal, por morte de A…………. e por abuso do processo criminal integrará o conceito de caso julgado a impedir a sua apreciação, nos presentes autos.
A FP já havia suscitado a exceção de caso julgado, invocando que a questão da aplicabilidade do prazo consignado no nº 5 do artigo 45º da LGT já havia sido objeto de apreciação por decisões transitadas em julgado no âmbito dos processos de derrogação do sigilo bancário, processos n.ºs 2449/15.5BEPRT e 1796/15.0BEPRT, de cujos acórdãos, do TCA Norte, foram juntas cópias aos autos (fls. 651 e segs. e 673 e segs).
Em tais acórdãos e como refere o MP o TCA Norte não enunciou qualquer questão decidenda tendo por objeto a inaplicabilidade do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT.
E como refere a sentença recorrida a questão apreciada naqueles processos conexa com a instauração do processo-crime, tem por objeto a apreciação dos pressupostos do acesso à documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 63º-B da LGT mais precisamente com os efeitos decorrentes da extinção do procedimento criminal por óbito do arguido e da transmissão das relações jurídicas do “de cujus” para a herança jacente invocados pela cabeça-de-casal e aqui recorrida.
Como refere o MP, nessa sede o tribunal limitou-se a concluir pela verificação desses pressupostos, tendo desvalorizado a morte do agente do crime para esse efeito e considerado não abusiva a invocação da pendência do processo-crime para efeitos de derrogação do sigilo bancário e acesso à documentação bancária, em face da natureza penal dos indícios apurados e no processo figurar também como arguida a sociedade de que aquela pessoa singular era acionista, não tendo feito qualquer apreciação, ainda que incidental, sobre a aplicação do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT.
Como refere o MP, que, que com a devida vénia transcrevemos:
“Para além da doutrina e jurisprudência invocadas na sentença recorrida, permitimo-nos aqui citar o acórdão do STJ de 21/03/2013, proc. 3210/07, que por sua vez evoca a lição do professor Manuel de Andrade, no sentido de que «o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais (considerando que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente») e numa razão de certeza ou segurança jurídica («sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»). Assim, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade deste».
Refere-se igualmente no mesmo aresto, invocando-se o disposto no atual artigo 621º do CPC «Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste».
Refere igualmente a este respeito Miguel Teixeira de Sousa (in “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág. 49 e segs.) que a «... excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (…).
Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente».
Também no acórdão da Relação de Coimbra de 28/09/2010, proc. 329/09.6TBCVL, cujo entendimento foi igualmente sufragado no aresto do STJ se considerou, fazendo-se a distinção entre a figura da “exceção do caso julgado”, em que se exige a tríplice identidade (sujeitos, causa de pedir e pedido), e a figura da “autoridade do caso julgado”, que a «... excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas; A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica)».”.

É, por isso, de concluir acompanhando o MP que a decisão tomada no processo n.º 1796/15.0BEPRT sobre a verificação dos pressupostos legais de derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 63º-B da LGT, tendo como suporte a instauração e pendência de processo-crime, não se repercute sobre a apreciação que o tribunal “a quo” venha a fazer sobre a relevância desse mesmo processo-crime na definição de prazo de caducidade mais alargado ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, de modo a pôr em causa os princípios da certeza ou segurança jurídica.
As ditas questões estão relacionadas uma vez que com a derrogação do sigilo bancário se pretende averiguar da responsabilidade tributária com vista a uma eventual e futura liquidação.
Assim sendo aquela derrogação e esta liquidação só podem determinar-se se, ainda, não tiver decorrido o prazo de caducidade.
Daí que, como refere o MP, esteja implícito o entendimento da observância desse requisito temporal, mas não de forma tão abrangente que permita concluir que as premissas de que parte o julgador para decidir uma e outra das questões seja similar.
É, por isso, de concluir que a autoridade do caso julgado não se impõe no caso concreto devendo, nesta parte, confirmar-se a sentença recorrida.
*
3.5. Escreveu-se na sentença recorrida que, no caso dos autos, reportando-se o IRS ao ano de 2010, o prazo para a respetiva liquidação caducaria, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, no prazo de 4 anos contados do termo do ano em que se verificou o facto tributário (31/12/2010), ou seja, em 31/12/2014.
Ainda segundo a sentença recorrida é «inequívoco que o acto que se considerou estar sujeito a tributação e que motivou a revisão da matéria tributável por recurso a métodos indiretos aqui posta em crise — a existência de acréscimo patrimonial não justificado na esfera da Recorrente era plenamente conhecido pela Administração Tributária, em momento até anterior ao início do procedimento inspectivo» pelo que concluiu que a situação dos autos não é subsumível ao nº 5 do artigo 45.º da LGT e que, por isso, ocorreu a caducidade do direito à liquidação do imposto em causa.
Estabelece o referido n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pelo n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (OE/2006), o seguinte:
“Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”
O STA apreciou já, por diversas vezes, a questão do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, nomeadamente em 06/12/2017, proc. 073/16, tendo afirmado que “não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto”.
Refere, ainda, este acórdão que a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão.
Já nos acórdãos de 11/11/2015, proc. 0190/14 e de 01/10/2014, proc. 0178/14, havia afirmado o STA que “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”.
No mesmo sentido podem consultar-se os acórdãos do STA 11/05/2016, proc. 01071/14 e de 02-07-2008, proc. 0343/08.
Da matéria fatual provada resulta o seguinte:
1. Foi realizado procedimento de inspeção externa à sociedade “B………. Participações SGPS, SA” (doravante apenas B………… SGPS), com incidência no IRC do ano de 2010, o qual se iniciou em 18/10/2014 ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 012014404559 (cf. fls. 128 do processo físico).
2. No âmbito desse procedimento inspectivo, “apurou-se que na contabilidade desta sociedade foram registadas na conta-corrente do seu accionista A…………. (...) além de transacções financeiras realizadas entre ambas as partes, também movimentos financeiros verificados entre a B……….. SGPS e outras entidades (cf. fls.73 do processo físico).
3. Tendo sido considerado, pelos serviços de inspecção tributária, “poder estar em causa um circuito de movimentos financeiros com o intuito de ocultar rendimentos e a sua não declaração para efeitos fiscais, que poderia constituir fraude fiscal, conforme o previsto no art.º 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias”, em 15/12/2014, foi instaurado o processo de inquérito criminal n.º 2609/2017IDPRT à sociedade B……….. SGPS e o processo de inquérito criminal n.º 93/2014.3IDPRT ao seu accionista A……….. (cf. fls. 80 dos autos).---
4. A coberto da Ordem de Serviço n.º O1201405538, emitida em 16/12/2014, foi realizado, pela Divisão de Inspecção Tributária – II da Direcção de Finanças do Porto, procedimento de inspeção externa, que incidiu sobre o IRS de 2010 da Recorrente e de A…………… (doravante apenas A……….), casados em regime de comunhão geral de bens, “em virtude de existirem suspeitas de omissão de rendimentos na declaração de IRS referente a 2010” (cf. fIs. 73, 74, 80 e 130 do processo físico).
Refere o MP que o entendimento vertido na sentença recorrida além de configurar uma interpretação restritiva do disposto no citado preceito legal, que uma adequada interpretação não consente, configura, igualmente, uma apreciação ligeira da factualidade apurada nos autos.
Entende-se que da factualidade transcrita não resulta que a existência de acréscimo patrimonial não justificado na esfera da recorrente era conhecido pela AT e muito menos em momento anterior ao início do procedimento inspetivo.
O que do probatório resulta é que o processo-crime foi instaurado (contra a sociedade e o seu acionista A………..), em 15/12/2014, com base em elementos contabilísticos recolhidos em procedimento tributário, relativos a movimentos financeiros entre diversas sociedades e um dos seus acionistas que criaram suspeitas de ocultação de rendimentos suscetíveis de constituir fraude fiscal.
Resulta, ainda, do probatório que a par da instauração de processo-crime e com base nos mesmos elementos foi igualmente aberto em 16/12/2014 procedimento inspetivo, no âmbito do qual veio a ser proferida em 13/04/2017 a decisão do diretor de finanças objeto de impugnação, que fixou o rendimento tributável com base em avaliação indireta (ponto 9).
Como refere o MP o que a AT recolheu antes do início do procedimento inspetivo e da instauração do processo-crime foram apenas elementos contabilísticos que criaram suspeitas de ocultação de rendimentos, decorrente da multiplicidade de movimentos financeiros entre a SGPS e outras sociedades e um dos seus acionistas sem aparente razão de ser e a conclusão sobre a falta de justificação dos acréscimos patrimoniais no montante de € 8.624.930,00 euros na esfera do acionista só é firmada na conclusão do relatório da ação inspetiva e após análise daqueles movimentos financeiros, acesso à documentação bancária e exercício do direito de audição.
É, por isso, de afirmar que os elementos recolhidos no procedimento inspetivo, instaurado em 16/12/2014, se destinaram a apurar a responsabilidade tributária dos sujeitos passivos e a instruir o processo-crime instaurado nessa data, uma vez que tanto naquele como neste caso a instauração foi efetuada com base nos mesmos elementos indiciantes de ocultação de rendimentos pelo que são os mesmos os factos que deram origem ao processo-crime e ao procedimento que culminou na fixação do rendimento tributável cuja decisão foi impugnada.
É, por isso, aplicável à situação dos presentes autos o alargamento do prazo previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT sendo que o prazo de caducidade só termina um ano após o arquivamento do processo de inquérito ou do trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
Não se torna necessário, para que ocorra o mencionado alargamento do prazo, como se sustenta na sentença recorrida, que se apurem novos factos no processo-crime mas diversamente que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação.
A razão de ser deste alargamento resulta da gravidade dos factos e da complexidade na sua averiguação e não da novidade afirmada na sentença recorrida.
Sofre, por isso, a sentença recorrida do vício de erro de julgamento, por incorreta interpretação e aplicação do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, pelo que deve ser revogada procedendo, nesta parte o recurso.
Uma vez que considerou a sentença recorrida prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas deve determinar-se a baixa dos autos para que as mesmas aí sejam apreciadas.
*
3.6. Revogada a sentença recorrida fica prejudicado o conhecimento da questão relacionada com a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que a mesma apreciou e decidiu desfavoravelmente.
Importa contudo apreciar o suscitado pedido de dispensa do remanescente no que respeita ao presente recurso pois que quer a recorrente quer a recorrida entendem que tal pedido deve ser deferido.
O Regulamento das Custas Processuais previu a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça para evitar a questão da inconstitucionalidade da norma da qual resultasse o pagamento de um eventual e desproporcional montante da taxa de justiça.
Por isso todos os processos, salvo os que beneficiam de isenção, estão sujeitos ao pagamento de custas que são a fonte de financiamento do sistema judicial. Estabeleceu o legislador uma taxa fixada previamente tendo em consideração não só o valor da causa mas também a sua complexidade.
Partiu é certo do valor da ação que fixa, em princípio, o valor económico da pretensão e o proveito correspondente.
Contudo o legislador, nas ações de montante superior a € 275 000, permitiu a dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça.
A taxa de justiça, tal como resulta do número 2 do artigo 529 do CPC, corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa
Acrescenta o artigo 530º do CPC, no nº 1, que a taxa de justiça é apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
No mesmo sentido o artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais estabelece que:
«1. Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.
2. Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.».
Nos termos do artigo 6º nº 1 do mesmo Regulamento “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento …”.
O n.º 7 do mesmo artigo acrescenta que “nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta afinal, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Deve atender-se, por isso, na condenação no pagamento da taxa de justiça à complexidade das causas que contenham articulados ou alegações prolixas ou que tratem de questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise de questões jurídicas de âmbito diverso e bem assim as que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Do exposto resulta que o legislador previu e fixou a taxa de justiça que deve sempre ser paga pelo impulso processual relativamente a todas as causas de valor inferior ou igual a €275 000.
Relativamente ao montante da taxa correspondente às causas de valor superior a €275 000 entendeu o legislador que a sua fixação ficou dependente da verificação de determinados pressupostos legais.
Podem, por isso, as partes pedir a sua dispensa total ou parcial e pode o juiz, oficiosamente, dispensá-la total ou parcialmente.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes exige a verificação, na situação concreta, da menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.
O STA, em 16-09-2015, proc. 1443/13, pronunciou-se já, acompanhando jurisprudência constitucional que cita, sobre a não inconstitucionalidade dos nºs 1, 2 e 7 do referido Regulamento das custas processuais.
Pronunciou-se, ainda, sobre a não inconstitucionalidade da alínea d) do artigo 25º e alínea c) do artigo 26º do mesmo Regulamento no que respeita aos quantitativos dos honorários de mandatário.
Neste mesmo acórdão entendeu-se, ainda, que “este Supremo Tribunal Administrativo, de todo o modo, apenas pode pronunciar-se sobre tal dispensa (do remanescente) nesta instância de recurso, artº 1º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais, visto o recurso constituir, para este efeito um processo autónomo.
A causa em apreciação nos presentes autos não pode considerar-se demasiado complexa, para efeitos do disposto na norma do artigo 6º nº 7 do RCP.
O comportamento processual das partes foi o normal e adequado.
Daí que se entenda ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 95%.
*
O alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não exige que se apurem novos factos no processo-crime mas apenas que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e aberto o procedimento de liquidação.
*
4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste STA em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos para que os mesmos aí prossigam para apreciação das demais questões suscitadas.
Acordam, ainda, em dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, neste recurso, em 95%.
Custas do presente recurso pela recorrida.

Lisboa, 5 de setembro de 2018. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.