Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0951/11
Data do Acordão:02/26/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TERCEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RECURSO DE MERA LEGALIDADE
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I – Em processo de impugnação judicial instaurado antes de 15 de Setembro de 1997, é admissível recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por um dos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição, possibilidade que estava prevista na redacção inicial do art. 32.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984 e que, pese embora tenha sido abolida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, se manteve para os processos instaurados antes da sua entrada em vigor, que ocorreu naquela data (cfr. art. 120.º do ETAF de 1984, art. 5.º do Decreto-Lei n.º 229/96 e Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho).
II – Nesse recurso, não pode alterar-se a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal central administrativo, designadamente aditando-lhe outra que o recorrente entenda estar provada documentalmente, como também não podem sindicar-se os juízos probatórios efectuados por esse tribunal, pois, intervindo em terceiro grau de jurisdição o Supremo Tribunal Administrativo apenas conhece matéria de direito (cfr. art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984).
III – No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.
IV – Sem prejuízo do que ficou dito em II, nada obsta a que o Supremo Tribunal Administrativo verifique se foi feita correcta aplicação das regras do ónus da prova, pois aí estão em causa, não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada por recurso à interpretação de regras legais.
V – Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.
VI – À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT).
VII – Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.
VIII – O juízo dito em VI é um mero juízo de facto, pois para sua formulação não é necessário interpretar normas jurídicas ou fazer utilização da sensibilidade jurídica dos julgadores, mas apenas aplicação de regras da vida e da experiência comum, motivo por que se encontra subtraído à sindicância do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos que ficaram referidos em II.
Nº Convencional:JSTA00068605
Nº do Documento:SA2201402260951
Data de Entrada:10/27/2011
Recorrente:BANCO A.... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC96 ART712 N1 A ART668 ART660 N2.
CIRC01 ART23 ART42 N2 ART52 N1 ART23 N1.
CPPTRIB99 ART125 N1.
CPTRIB91 ART78 ART121.
LGT98 ART74 N1 ART75 N1 N2 ART81 N1 ART83 N1 N2 ART87 N1 B.
ETAF84 ART32 N1 A ART120 ART21 N4.
CCIV66 ART342.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01086/05 DE 2007/02/15; AC STA PROC01109/12 DE 2012/11/07; AC STA PROC0726/02 DE 2002/07/10; AC STA PROC049/10 DE 2011/03/02; AC STA PROC0479/07 DE 2007/10/24; AC STA PROC026635 DE 2002/04/17
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG366.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo de impugnação judicial com o n.º 24/1999 do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto

1. RELATÓRIO

1.1 O “Banco A……………., S.A.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido (a fls. 628 a 656) pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que, em sede de recurso da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Tributário da 1.ª instância do Porto e conhecendo em substituição, julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo Contribuinte contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1992, na sequência de diversas correcções à matéria tributável declarada efectuadas pela Administração tributária (AT) e das quais ora nos interessa considerar apenas (Quanto às demais, a sentença transitou em julgado.) as seguintes duas, que estiveram na origem do referido julgamento de improcedência:

i) não aceitação como custos fiscais da amortização das despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados” e respeitantes ao valor pago aos anteriores locatários pelas benfeitorias realizadas naqueles;

ii) não aceitação, para cálculo das mais-valias declaradas com a alienação de activos (direitos ao arrendamento que o Contribuinte detinha sobre vários imóveis onde estavam instaladas as suas agências), de que concorram para a determinação do valor de aquisição os encargos suportados pelo Contribuinte com a adaptação dos espaços arrendados para o exercício da sua actividade.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.):
«
1.ª A impugnação deduzida foi julgada improcedente na parte respeitante a duas correcções à matéria colectável, quais sejam:

a) Desconsideração, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, alínea c), do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, e artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do Código do IRC, da amortização de despesas com edifícios arrendados respeitantes ao valor pago aos anteriores locatários pelas benfeitorias realizadas naqueles;

b) Correcção das mais-valias fiscais decorrente da não aceitação como componente do valor de aquisição dos activos alienados dos encargos suportados pelo Banco com a adaptação dos espaços por este arrendados para o exercício da sua actividade;

2.ª Devem aditar-se ao probatório, nos termos do artigo 712.º do CPC, os factos relevantes para a decisão de mérito e documentalmente provados, designadamente que o fundamento para a correcção referente à não aceitação das despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados” foi o seguinte: “(...) O montante acrescido corresponde ao somatório das seguintes parcelas (...) 346.617.000$ - Respeitante à amortização à taxa de 33,33% de trespasses e outras despesas que configuram trespasses no montante de 1.045.055 contos contabilizadas na rubrica despesas com edifícios arrendados (Anexos, 10, 11 e 12) e não devidamente documentadas a qual não é custo, quer nos termos da al. c) do n.º 3 do art. 17.º do Dec-Reg n.º 2/90, quer de harmonia com a al. h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC (…) (cf. fls. 351 e 350 dos autos);

3.ª Por relevante e documentalmente provado, deve aditar-se o facto de no referido anexo à fundamentação das correcções e relativamente às despesas não aceites como custo no exercício de 1992 inscritas na rubrica “despesas com edifícios arrendados”, a administração tributária referir o seguinte a título de fundamentação (cf. fls. 357 e 358 dos autos):

Identificação do documento
Natureza das despesas
Trespasses
Trab de electricidade e construção civil
Benfeitorias e cedência do direito de arrendamento
recibo de 6/11
10000
[1]
rec de B…………. e C……………
45000
[1]
Cont prom arrendamento comerc
90000
[2]
recibo de 26/03
113000
[1]
Comunicação interna
15000
[2]
recibo de 26/03
65000
[1]
recibo/D………….. Lda
145000
[1]
rec/E……………. Lda
80000
[1]
recibo F………….., Lda
105000
[1]
recibo de 06/03
4520
[1]
aditamento cont prom arrendamento
25000
[2]
recibo de 18/10
40000
[1]
declaração de 01/08
100000
[1]
recibos de 31/07
110495
[1]
recibo/G…………. Lda
100000
[1]
recibo H……………. Lda
80000
[1]
recibo de 09/03
5000
[1]
Recibos/I…………..
110000
[1]

[1] Os recibos de quitação não contêm o número de identificação fiscal dos intervenientes e não estão numerados
[2] Não há recibo de quitação; o custo está documentado por comunicação interna

4.ª Por relevante e documentalmente provado, deve aditar-se o facto de as referidas despesas com edifícios arrendados respeitantes ao valor pago aos anteriores locatários pelas benfeitorias realizadas naqueles estarem documentadas por recibos emitidos pelos beneficiários, com reconhecimento notarial de assinaturas, nos quais dão quitação das importâncias recebidas do Recorrente “(…) a título de indemnização pelas benfeitorias por nós efectuadas e não retiradas (…)” – cf. docs. n.ºs 79 a 96 juntos com a p.i.;

5.ª Por relevante e documentalmente provado, deve aditar-se o facto de nos documentos complementares anexos às escrituras de cessão onerosa dos arrendamentos celebradas entre o Recorrente e a sociedade J………………., S.A., as partes clarificarem a composição do preço pago pela cessão da posição contratual indicando que aquele preço inclui “(…) as obras de beneficiação realizadas no locado (...)” (cf. documentos complementares às escrituras públicas juntas como docs. n.ºs. 44 a 76 com a p.i.);

6.ª No que concerne à primeira correcção mantida, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão na falta de demonstração da indispensabilidade do custo para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, isto é, no artigo 23.º do Código do IRC e acrescenta que a despesa em questão não constitui uma despesa de instalação;

7.ª A invocação daqueles fundamentos constitui manifesto excesso de pronúncia, uma vez que aqueles não foram os fundamentos subjacentes à emissão da liquidação, a qual assentou, por um lado, na alegada indocumentação dos custos, e, por outro lado, no facto de tais despesas serem qualificadas como trespasses e não poderem ser deduzidas, salvo reconhecimento da DGCI;

8.ª No contencioso de mera legalidade deve o tribunal limitar-se a sindicar a legalidade do acto tal como emitido, desconsiderando a fundamentação a posteriori e não podendo subsumir o acto em normas de incidência completamente distintas das invocadas pela administração tributária (cf. Acórdão do Pleno do STA de 02.03.2006, proferido no recurso n.° 51/03 e a abundante jurisprudência e doutrina nele citadas);

9.ª Assim, violando a Decisão Recorrida o disposto nos artigos 660.º, n.º 2, e 668.º n.º 1, alínea d), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT e artigo 125.º, n.º 1, do mesmo Código, deve a mesma ser anulada, na parte ferida de nulidade, anulando-se, também nessa parte, a liquidação impugnada (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, apreciando situação similar referente ao exercício de 1991 do Recorrente, de 23.03.2004, proferido no recurso n.º 07103/02);

10.ª Caso se entenda que a decisão não enferma de nulidade, sempre se dirá que o Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento de Direito ao sindicar a legalidade do acto emitido com base em fundamentos que não lhe dizem respeito;

11.ª Efectivamente, uma vez que o Tribunal recorrido deu por assente que as despesas em questão não constituíram trespasses mas uma indemnização por benfeitorias nos locais arrendados e reconheceu a respectiva documentação, não poderia ter mantido a liquidação nesta parte, não lhe restando senão anulá-la com estes fundamentos;

12.ª No que se refere à segunda correcção mantida, referente às mais-valias fiscais, decorrente da não aceitação como componente do valor de aquisição dos activos alienados dos encargos suportados pelo Banco com a adaptação dos espaços por este arrendados para o exercício da sua actividade, o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação nesta parte, baseando-se, por um lado, na circunstância de o Recorrente ter continuado a usufruir das benfeitorias introduzidas nos espaços e, por outro lado, na consideração de que a transferência das benfeitorias implantadas não decorre das escrituras referidas no ponto n.º 8 do probatório, julgando-se inverosímeis os documentos complementares juntos às escrituras públicas;

13.ª No entanto, incorre em manifesto erro de julgamento o Tribunal a quo, não só quanto à valoração da prova constante dos autos, mas sobretudo quanto à repartição do ónus da prova;

14.ª A questão controvertida é a de saber se as transmissões de activos realizadas pelo Recorrente, geradoras de mais-valias fiscais, abrangeram ou não as benfeitorias implantadas nos imóveis arrendados;

15.ª Nenhum elemento foi aportado nos autos que demonstre que, contrariamente ao declarado, não ocorreu qualquer transmissão das benfeitorias à sociedade J…………….., sendo certo é essa realidade que é reflectida quer pela contabilidade, quer pela declaração das mais e menos-valias fiscais modelo 31 apresentada pelo contribuinte, quer pelos documentos justificativos apresentados nos quais os contraentes clarificam a composição do preço pago pela cessão da posição contratual indicando que aquele preço inclui as obras de beneficiação realizadas no locado;

16.ª O Recorrente considerou o aludido crédito por benfeitorias como activo do seu imobilizado, inscrito na rubrica “Obras em imóveis arrendados”, e ao ceder a sua posição contratual à J……………. cedeu igualmente aquelas benfeitorias, abatendo-as ao imobilizado por contrapartida dos correspondentes ganhos;

17.ª O facto de o Recorrente ter continuado a usufruir das benfeitorias implantadas no locado, como subarrendatário, é manifestamente irrelevante para a decisão da questão controvertida porquanto tal circunstância não significa nem indicia que o referido crédito de benfeitorias não tenha sido transmitido à J………………;

18.ª Na cessão da posição contratual transmite-se um complexo de direitos e deveres, pelo que nas operações entre o Recorrente e a J……………… foi transmitido não apenas o direito de arrendamento propriamente dito mas também o direito de ressarcimento de benfeitorias implantadas cujo contrato de arrendamento era pressuposto, sendo essa a incontroversa vontade negocial das partes;

19.ª Assim, dúvidas não podem subsistir de que os ganhos respeitantes a elementos do activo imobilizado foram obtidos com a cedência das benfeitorias e não apenas do direito de arrendamento, nem o contrário vem provado;

20.ª Na verdade, a valoração da prova efectuada padece de manifesto erro de julgamento porquanto não existe, nem vem invocada, nenhuma razão para desconsiderar o valor probatório dos documentos juntos com as escrituras, devendo considerar-se provado que o preço pago pela cessão da posição contratual incluiu as aludidas benfeitorias;

21.ª Mas mesmo que não se considerasse provada tal factualidade, certo é que também não foi provado nem o poderia ser, face aos elementos constantes dos autos, que os elementos do activo imobilizado referentes a benfeitorias não foram cedidos à sociedade “J……………….” juntamente com o arrendamento;

22.ª A liquidação adicional sub judice só poderia manter-se na ordem jurídica caso a administração tributária tivesse logrado demonstrar que as transmissões de activos, declaradas no mapa modelo 31, não abrangeram as benfeitorias ou que o preço não foi contrapartida daquelas;

23.ª Incorre em erro de julgamento o Tribunal a quo pois na falta de prova conclusiva sobre se aquela componente – crédito de benfeitorias – estava ou não compreendida nas transmissões de activos cujas mais-valias foram levadas a tributação, deveria ter anulado o acto tributário, tal como imposto pelo n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, pois permaneceu incólume a presunção de veracidade do declarado e da contabilidade;

24.ª Existe fundada dúvida sobre a existência do facto tributário pois a mera circunstância de o Recorrente continuar a usufruir das benfeitorias não legitima a conclusão de que aquelas não foram transmitidas e valorizadas no preço acordado e o facto de não constar das escrituras de cessão da posição contratual uma expressa menção às benfeitorias implantadas nos locais arrendados também não autoriza a conclusão de que a vontade negocial das partes foi a de não transmitir o referido activo;

25.ª Resultando da contabilidade do contribuinte e da declaração modelo 31 que aquele cedeu as referidas benfeitorias e auferiu um preço pelas mesmas pago pela sociedade “J………………” estava a administração tributária obrigada, porque é ela então que invoca os factos, a provar a existência e quantificação dos factos tributários não declarados, na medida em que contrariam a fé da declaração do contribuinte;

26.ª Não logrando a administração tributária satisfazer o referido ónus probatório, ou seja, não tendo demonstrado que o valor de aquisição declarado pelo contribuinte não era verdadeiro, é aquela a suportar as desvantagens da incerteza do facto, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo;

27.ª Pelo que, por todas as razões acima aduzidas, deve a Decisão Recorrida ser revogada e, por conseguinte, ser anulado o acto tributário sub judice.

Por todo o exposto, […] deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e, nessa medida, a anulação da liquidação em crise […]».

1.3 A Fazenda Pública apresentou contra alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
Para tanto, depois de enunciar as questões a decidir como sendo as de saber «[s]e é de manter a correcção que foi efectuada pela Administração Fiscal relativamente ao Banco impugnante quanto ao I.R.C. relativo ao exercício de 1992, com base na não aceitação como custo fiscal, de amortizações de despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados”, contabilizadas nos períodos de 1988, 1990 e 1991, suportada com facturas emitidas pela “K………………..”» e «[s]e é de manter a correcção de mais-valias que foi também efectuada, pela A.F., quanto ao mesmo I.R.C., com base na não aceitação como componente do valor de activo alienado, de encargos suportados com a adaptação de espaços arrendados para o exercício da sua actividade», expendeu sobres as mesmas os seguintes considerandos:
«Parece ser no presente caso de conhecer do recurso interposto com toda a extensão que resulta das conclusões apresentadas, uma vez que se trata de impugnação originada já em 5-8-96, e face à norma transitória constante do art. 131.º da L.P.T.A.
Quanto à primeira questão, invoca-se no recurso interposto, nomeadamente, que:
1 - são de aditar ao probatório, nos termos do art. 712.º do C.P.C. vários factos que melhor se indicam nas conclusões 2.ª a 5.ª (fls. 698 a 700), o que é efecta [sic] com base em os mesmos serem relevantes para a decisão de mérito e estarem documentalmente provados;
2 - ocorreu excesso de pronúncia e erro de julgamento de Direito, a gerar a nulidade do decidido e mesmo a anulabilidade da liquidação de I.R.C., nos termos dos arts. 660.º n.º 2 e 668.º n.º 1 al. d) do C.P.C., aplicáveis subsidiariamente, e 125.º do C.P.P.T., na medida em que a decisão se fundamenta noutra norma, o art. 23.º do C.I.R.C., acrescentando ainda que a despesa em questão não constitui uma despesas de instalação;
3 - ocorreu ainda erro de julgamento, considerando que as respectivas despesas são uma indemnização por benfeitorias nos locais arrendados, face à documentação emitida.
Ora, o decidido assenta fundamentalmente na falta do necessário formalismo das facturas existentes, em que o n.º sequencial não constava das mesmas.
Certo é que foi ainda afastada a abrangência com base nas respectivas despesas não poderem ser considerado custo também por se tratarem de despesas não amortizáveis.
E foi ainda tal fundado no disposto nos arts. 41.º n.º 1 al. h) do C.I.R.C. e 17.º al. c) do Decreto Regulamentar n.º 2/90.
Ora, nos termos em que mais se fundamentou o acto, tal como foi transcrito no acórdão, de tal não era assim de considerar ainda por corresponder a pagamentos efectuados a título de cedências de posição, não se enquadrando no conceito de trespasse em sentido técnico, ou a quantias pagas pelos proprietários.
A ser assim, afigura-se que o mais que se fez constar não resulta em excesso.
Também pelas razões inicialmente indicadas, parece não ser de admitir a existência de erro, com base em as mesmas constituírem benfeitorias, nem com base em as mesmas terem um carácter indemnizatório.
No que respeita à segunda questão, e quanto à valoração da prova, também se invocam vários argumentos em contrário do decidido, nomeadamente, que:
- não foram expressas razões para desconsiderar o valor probatório dos documentos que alegadamente vieram a ser juntos com as escrituras;
- no que respeita ao crédito de benfeitorias, tal era de considerar de acordo com o constante da contabilidade e o declarado.
Ora, também aqui é de verificar que ficou a constar ter o Banco ora recorrente continuado a utilizar as benfeitorias a título de subarrendatário; por outro lado, que, não tendo tal sido incluído nas respectivas escrituras, mas nos ditos documentos, assim não era de considerar por estes terem sido um expediente; e decidiu-se tal por aplicação do disposto no art. 42.º do C.I.R.C.
Ora, apesar de ser de reconhecer, face aos termos amplos em que se mostra previsto que, por transmissão, possa ocorrer a não sujeição a mais-valias, parece também que bem se andou ao se decidir no sentido de excluir o valor das ditas benfeitorias do transmitido, o que não resulta inviabilizado por as mesmas terem sido documentadas como um crédito, o que não foi aceite, pela A.F., por todas as referidas razões».

1.5 Os Juízes Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se o acórdão recorrido enferma de:

i) nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que apreciou a legalidade da primeira das correcções em causa com fundamentos diversos dos que foram invocados pela AT (cfr. conclusões 6.ª a 9.ª);

ii) erro de julgamento de facto, por não ter levado ao probatório factos que o Recorrente reputa documentalmente comprovados e relevantes para apreciar a legalidade das referidas correcções (cfr. conclusões 2.ª a 5.ª) e ainda, relativamente à segunda das correcções em causa, por ter feito incorrecta valoração da prova (cfr. conclusões 12.ª a 20.ª), o que, como procuraremos demonstrar, impõe que previamente se averigúe da possibilidade deste Supremo Tribunal Administrativo, em razão da sua competência hierárquica, conhecer dessas questões;

iii) (para a eventualidade de não proceder a invocada nulidade por excesso de pronúncia) erro de julgamento de direito, quando sindicou a primeira das referidas correcções ao abrigo de fundamentos que não foram os utilizados pela AT, sendo que, tendo considerado, como considerou, que as despesas em questão não se referiam a trespasses e estavam devidamente documentadas (inversamente ao que considerara a AT), mas a indemnização por benfeitorias nos locais arrendados, não podia senão anular a liquidação, não podendo mantê-la com outros fundamentos que não foram invocados pela AT (cfr. conclusões 10.ª e 11.ª);

iv) erro de julgamento de direito, relativamente à segunda das correcções em causa, quanto à repartição do ónus da prova, sendo que na dúvida deveria considerar-se que o Contribuinte transmitiu os direitos respeitantes às benfeitorias (cfr. conclusões 21.ª a 26.ª).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal Central Administrativo Sul procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1.º) - O Banco impugnante foi objecto de fiscalização por parte da Direcção de Serviços de Fiscalização de Empresas (DSPIT), relativamente ao exercício de 1992; em consequência, foram efectuadas diversas correcções ao resultado apurado na declaração modelo 22 de IRC apresentada pelo impugnante, com referência àquele ano;

- tais correcções encontram-se resumidas no mapa modelo DC-22, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos;

- dessas correcções resultou o apuramento da matéria colectável de Esc. 2.442.952.941$00;

2º) - Em consequência daquela correcção à matéria colectável, o impugnante passou a apresentar uma colecta de 879.463.059$00, de que resultou IRC a pagar de 1.337.281.560$00, bem como derrama no valor de 87.946.306$00;

3º) - Entre outros fundamentos de tais correcções, ressalta, na parte que ora interessa, o seguinte:

- correcção das mais-valias fiscais no montante de 1.984.596.000$00 decorrente da não aceitação como componente do valor de aquisição dos activos alienados, dos encargos suportados pelo banco com a adaptação dos espaços por este arrendados para o exercício da sua actividade;

- não consideração do benefício fiscal, contido no DL n.º 143-A/89, de 03 de Maio, de dedução à matéria colectável de 20% dos rendimentos de CLIPs emitidos após 02/02/91, no valor de 251.474.000$00;

4º) - O impugnante efectuou já o pagamento por conta de parte do imposto liquidado o montante de 337.415.316$00, correspondendo 263.895.901$00 a imposto e 73.519.415$00 a juros compensatórios;

5º) - O Banco impugnante, por volta de 1990, propôs-se aumentar (quadriplicar) o número de balcões;

6º) - A concretização dessa medida teve lugar por volta de 1991;

- para isso comprava ou tomava de arrendamento imóveis distribuídos por todo o país, com maior incidência na grande Lisboa e no grande Porto;

7º) - A este Banco o que interessava era o espaço em si;

- a realização das obras de adaptação esteve a cargo de vários empreiteiros, mormente, a “K………………”;

8º) - O Banco impugnante celebrou diversos contratos de cessão onerosa do direito ao arrendamento e autorização de subarrendamento e fiança com a sociedade “J………………, SA” - cfr. o teor das escrituras públicas juntas a fls. 106 e segs., que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos;

9º) - O impugnante considerou estas operações que efectuou com a “J……………………, SA” como venda de activos, e procedeu ao seu registo como tal;

10º) - O aqui peticionante considerou na base de cálculo do benefício dedução ao rendimento, o saldo da conta A - 807 200 004-66 (Juros) que apresentava o montante de Esc. 1.257.369.000$00, correspondente aos juros dos CLIPs auferidos no exercício de 1992, e emitidos após 02/02/91.

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Ao abrigo do art. 712.º do CPC e em ordem ao conhecimento da questão [da] legalidade da correcção relativa à não-aceitação como custo fiscal, das amortizações de despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados” suportada com facturas emitidas pela K………………, no montante de € 811.599,05, cujo conhecimento foi omitido na sentença recorrida e no acórdão anulado pelo STA, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:

11º) A correcção relativa à não-aceitação como custo fiscal, das amortizações de despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados” suportada com facturas emitidas pela K…………….., no montante de € 811.599,05, foi justificada com a seguinte fundamentação:

“19. No que respeita à correcção de Esc. 162.711.000$00 referida na alínea b) do ponto 6 da reclamação graciosa e inscrita na Linha 5 do Quadro 18 do Mapa de Apuramento Modelo DC-22, resultou a mesma da não aceitação como custo fiscal do exercício de amortizações praticadas à taxa de 33,33% referentes a despesas contabilizadas nos exercícios de 1988, 1990 e 1991 na rubrica “despesas com edifícios arrendados”, pelo montante de Esc. 504.795.000$00 - a factura da K……………. de 1988 contabilizada pelo valor de Esc. 19.543.000$00 foi reintegrada à taxa de 5% -.
20. Não obedecendo os documentos de suporte das despesas acima referidas - facturas emitidas pela K……………….., Lda., relacionadas no anexo n.º 1 fls. 1 a 5 -, aos requisitos legais exigidos pelo n.º 5 do artigo 35.º do Código do IVA, nomeadamente por não se encontrarem numeradas, não foram as amortizações das mesmas despesas aceites como custo fiscal por infringirem o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.
21. Relativamente a esta correcção, entendeu a DSPIT que estando as prestações de serviços efectuadas pela K……………… - trabalhos vários de electricidade e construção civil - sujeitas a IVA nos termos do artigo 4.º do Código do IVA, deveria a emissão das respectivas facturas obedecer aos requisitos do artigo 35.º n.º 5 do mesmo código.
22. Deste modo, entenderam estes serviços de fiscalização que não preenchendo as facturas de suporte das despesas objecto de amortização esses requisitas, nomeadamente por não se encontrarem numeradas e, como tal, indevidamente documentadas, não seria de aceitar a correspondente amortização como custo fiscal nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.”- cfr. fls. 289 dos autos da decisão da reclamação».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT efectuou diversas correcções que deram origem à liquidação adicional de IRC do ano de 1992 ora impugnada. Para além do mais que ora não cumpre considerar, entendeu a AT que a ora Recorrente, com referência ao exercício do ano de 1992, no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC, tinha incorrido nos seguintes erros:

a) tinha deduzido indevidamente como custos fiscais as amortizações das despesas que suportou com o pagamento aos anteriores locatários dos imóveis que veio a ocupar, a fim a fim de estes cessarem os seus contratos de arrendamento com o locador, das benfeitorias por eles realizadas naqueles imóveis e que foram contabilizadas como “despesas com edifícios arrendados”;

b) tendo o recorrente cedido onerosamente a sua posição contratual em contratos de arrendamento, não pode aceitar-se, para cálculo das mais-valias declaradas com a alienação desses activos (direitos ao arrendamento que o Contribuinte detinha sobre vários imóveis onde estavam instaladas as suas agências), que concorram para a determinação do valor de aquisição os encargos suportados pelo Contribuinte com a adaptação dos espaços arrendados para o exercício da sua actividade.

O Contribuinte discordou dessas correcções e, após formação da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico que interpôs da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa, impugnou judicialmente a liquidação.
Da sentença proferida em 1.ª instância foi interposto recurso pelo Impugnante, que veio a ser apreciado pelo Tribunal Central Administrativo Sul nos seguintes termos:

· quanto à primeira das referidas correcções, e suprindo a nulidade por omissão de pronúncia de que enfermava a sentença recorrida e o primeiro aresto do Tribunal Central Administrativo Sul proferido nestes autos (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de fls. 597 a 606), entendeu o acórdão recorrido, em síntese, aceitar a argumentação expendida na informação que foi apropriada pela decisão de indeferimento da reclamação graciosa e considerou, em síntese, que as despesas contabilizadas sob a rubrica “despesas com edifícios arrendados” não são despesas indispensáveis para a actividade do Recorrente (para a obtenção de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, de acordo com o art. 23.º do CIRC), uma vez que o este não estava obrigado por lei a efectuar tal pagamento que, quando muito, caberia ao dono do arrendado, motivo por que não podem ser consideradas como custo fiscal nem amortizadas, tal como se considerou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Julho de 2002, proferido no processo n.º 726/02, para cuja fundamentação remeteu;

· quanto à segunda daquelas correcções, e remetendo para a sentença recorrida, considerou que as despesas efectuadas pelo Recorrente com a adaptação dos imóveis para aí instalar as suas agências não podem integrar o custo de aquisição a considerar no cálculo das mais-valias obtidas com a alienação onerosa dos direitos de arrendamento que detinha sobre esses imóveis porque aquelas despesas não se referem aos activos alienados e, assim, o art. 42.º do CIRC não permite que, para efeitos de cálculo das mais-valias, se inclua no valor de aquisição dos direitos de arrendamento os custos suportados com as obras de adaptação que efectuou nos imóveis, tanto mais que, apesar de o Recorrente alegar que transmitiu à referida sociedade «não só a sua posição de arrendatário, como também todos os seus pertences corpóreos, constituídos pelas melhorias introduzidas nos arrendados […] não é isso que decorre das escrituras referidas no ponto n.º 8 do probatório» e a junção dos documentos complementares de que «agora o impugnante fez acompanhar essas escrituras», «onde se declara que parte ou a totalidade do preço estipulado corresponde a obras de beneficiação», porque naquelas escrituras não lhes foi feita referência, «não pode deixar de ser visto como um expediente para dar cobertura e credibilidade à posição do impugnante»; ademais o Recorrente continuou a usufruir das benfeitorias, não na condição de arrendatário, mas na de subarrendatário, uma vez que celebrou contratos de arrendamento com a sociedade denominada “J…………….”, a quem cedera onerosamente os seus direitos de arrendamento sobre os imóveis em causa, ou seja, o Recorrente continuou a usufruir das benfeitorias que efectuou nos imóveis «só que, agora, investido numa qualidade diferente – de subarrendatário».

O Recorrente não se conformou com o assim decidido e interpôs recurso desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul para este Supremo Tribunal Administrativo.
O presente recurso vem, pois, interposto em 3.º grau de jurisdição desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, possibilidade que à data em que foi instaurada a impugnação judicial era concedida pelo art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e que se manteve para os processos pendentes quando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro.
Este diploma legal, que criou o Tribunal Central Administrativo, introduziu alterações profundas nas competências dos tribunais em sede tributária, modificando, entre outros preceitos do ETAF, o referido art. 32.º, pelo que ficaram reduzidos a dois os graus jurisdição nesta matéria, mas alterou também o art. 120.º do ETAF, consagrando, na nova redacção: «A extinção do anterior 3.º grau de jurisdição no contencioso tributário operada pelo presente diploma apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor».
Nos termos do n.º 1 do art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º n.º 229/96, este entrou em vigor em 15 de Setembro de 1997, com a instalação e entrada em funcionamento do Tribunal Central Administrativo, determinadas pela Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho.
O que significa que, tendo a presente impugnação judicial sido instaurada em 5 de Agosto de 1996 (cfr. o carimbo de entrada que foi aposto na petição inicial) é ainda admissível o terceiro grau de jurisdição.
Nas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do CPC, sustenta o Recorrente, em síntese, que o acórdão recorrido

· enferma de nulidade por excesso de pronúncia por, relativamente à primeira das referidas correcções, ter apreciado a legalidade ao abrigo de outros fundamentos, que não os que foram usados pela AT (cfr. conclusões 6.ª a 9.ª);
· fez errado julgamento de facto, na medida em que não levou ao probatório diversa factualidade que se encontra documentalmente provada e que é relevante para apreciar a legalidade das referidas correcções e que o Recorrente pretende que seja agora aditada por este Supremo Tribunal ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC) velho (Aqui como adiante, as referências ao CPC serão efectuadas para o código anterior ao que foi aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.) (cfr. conclusões 2.ª a 5.ª), e ainda, relativamente à segunda das correcções em causa, por ter feito incorrecta valoração da prova (cfr. conclusões 12.ª a 20.ª);
· (para a eventualidade de não proceder a invocada nulidade do acórdão) fez errado julgamento de direito, quanto à primeira das referidas correcções, por ter apreciado a legalidade ao abrigo de fundamentos diversos dos utilizados pela AT, sendo que, tendo considerado, como considerou, que as despesas em questão não se referiam a trespasses e estavam devidamente documentadas (inversamente ao que considerara a AT), não podia senão anular a liquidação, não podendo mantê-la com outros fundamentos que não foram invocados pela AT (cfr. conclusões 10.ª e 11.ª);
· fez erro de julgamento de direito, relativamente à segunda das correcções em causa, quando considerou que incumbia ao Contribuinte a demonstração de que na cessão da posição contratual incluiu não só o direito ao arrendamento, como também o direito sobre as benfeitorias por ele efectuadas nos locados, assim fazendo errada aplicação das regras de repartição do ónus da prova, designadamente do art. 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (cfr. conclusões 13.ª, 14.ª e 21.ª a 26.ª).

Daí, as questões a apreciar e decidir serem as que deixámos já enunciadas em 1.7.


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2.2.2 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

O Recorrente considera que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul incorreu em excesso de pronúncia e arguiu a respectiva nulidade, prevista no art. 125.º do CPPT e no art. 668.º do CPC.
Se bem interpretamos a motivação do recurso e respectivas conclusões, reconduz essa nulidade ao facto de aquele Tribunal, para concluir pela legalidade da correcção efectuada pela AT por não ter aceitado como custos fiscais as amortizações das despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados” e respeitantes ao valor pago aos anteriores locatários pelas benfeitorias realizadas naqueles, ter suportado essa correcção em fundamentos diversos dos que foram utilizados pela AT quando da prática do acto.
Sustenta o Recorrente que, enquanto a AT procedeu à referida correcção porque entendeu que as despesas em causa não estavam documentadas e que, porque constituíam trespasse, a sua aceitação estava dependente de reconhecimento pela DGCI, o Tribunal a quo considerou que tais despesas não podiam ser aceites porque não eram indispensáveis (cfr. art. 23.º do CIRC) e porque não constituíam despesas de instalação.
Assim, na tese do Recorrente, a invocação pelo Tribunal de fundamentos diferentes daqueles que estão subjacentes à correcção e consequente liquidação adicional, constitui excesso de pronúncia, que inquina o acórdão recorrido de nulidade. Vejamos:
Como é sabido, impõe-se que haja uma correspondência entre o que é pedido e o que é pronunciado, devendo o juiz pronunciar-se sobre tudo o que for pedido e só sobre o que for pedido. Só em casos excepcionais previstos na lei processual ou na lei substantiva pode o juiz apreciar oficiosamente questão que não foi suscitada pelas partes.
Nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT, ocorre nulidade da sentença quando o juiz se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (Nulidade também prevista na alínea d) do art. 668.º, n.º 1, do CPC.). Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».), que estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Com esta norma pretendeu o legislador proibir o juiz de se ocupar de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, com excepção daquelas que a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
«O que se proíbe, naquele art. 660.º, n.º 2, do CPC é que se conheça de «questões» não suscitadas. Não se deve confundir «questões» com «argumentos». Quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 12 ao art. 125.º, pág. 366.).
Ora, o vício invocado pelo Impugnante foi o da ilegalidade da correcção em causa por, em violação de lei, a AT ter considerado que as despesas em causa não eram dedutíveis como custos fiscais. Assim, na medida em que o acórdão, em substituição, conheceu desse vício, não releva para efeitos de nulidade que, eventualmente, o tenha feito sob um enquadramento diverso do que lhe foi dado na petição inicial.
Voltando a citar JORGE LOPES DE SOUSA, «O que o tribunal não poderá fazer, por força da regra da identidade entre causa de pedir e causa de julgar é anular um acto por vício diferente daquele que foi invocado pelo impugnante (por exemplo, se o impugnante invocou apenas o vício de falta de fundamentação, não pode o tribunal anular o acto por violação do direito de audição prévia ou por violação de uma regra de incidência tributária), a não ser que se trate de vícios de conhecimento oficioso» (Ibidem.).
Pode suceder que na apreciação da legalidade dessa correcção, o Tribunal Central Administrativo Sul tenha feito errada escolha, interpretação ou aplicação das normas ou princípios legais ou tenha considerado pressupostos factuais que não sejam os correctos; mas, nessa eventualidade, terá incorrido em erro de julgamento, ou seja, estaremos já no âmbito da validade material do julgado. O que não pode dizer-se é que o acórdão enferme de vício formal decorrente da apreciação de uma questão que não lhe era legítimo conhecer.
Assim, sem prejuízo da alegação do Recorrente vir a ser apreciada como erro de julgamento (adiante, em 2.2.4), como, aliás, o mesmo pediu a título subsidiário, entendemos que improcede a arguida nulidade do acórdão.


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2.2.3 DO ERRO NO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

Apesar de, como deixámos dito em 2.2.1, ser admissível o presente recurso jurisdicional em terceiro grau de jurisdição, não podemos ignorar que o Supremo Tribunal Administrativo tem nele os poderes de cognição limitados a matéria de direito, como resulta do art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984 A secção de contencioso tributário [do Supremo Tribunal Administrativo] apenas conhece de matéria de direito nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1.ª instância».).
Tem vindo este Supremo Tribunal a entender que tal limitação dos seus poderes de cognição tem o mesmo alcance que a restrição que a lei processual civil estabelece para o Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista, pelo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só poderá ser conhecido pelo Supremo quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, que corresponde ao n.º 3 após essa alteração O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».) e que, no novo CPC tem correspondência no art. 674.º, n.º 3) (Quanto aos poderes de cognição da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 23 i) ao art. 279.º, págs. 370/371.).
O que significa que não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo, contrariamente ao que pretende o Recorrente, aditar factualidade alguma à que foi dada como assente pelo Tribunal Central Administrativo Sul, ainda que a mesma possa ser do conhecimento oficioso, como o é a respeitante à fundamentação do acto impugnado.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso 2.ª a 5.ª, em que o Recorrente peticionava a este Supremo Tribunal que, ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a) 1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
[…]».), do CPC, aditasse diversas factualidade, que considera estar provada documentalmente. Sem prejuízo do que ficou dito, o Supremo Tribunal Administrativo não está impedido de utilizar os elementos documentais respeitantes à fundamentação do acto impugnado constantes dos autos e para os quais o acórdão remeteu expressamente no julgamento que efectuou da matéria de facto (Note-se que a situação é diversa daquela que tantas vezes este Supremo Tribunal tem verberado, em que, ao invés de proceder ao julgamento, o tribunal se limita à mera reprodução de documentos (ou de outros meios de prova), sem que os factos que aqueles se destinam a provar sejam indicados e sem que sobre os mesmos seja efectuado um juízo de provado ou não provado. No caso, o Tribunal a quo deu como provado que a fundamentação do acto impugnado é a que consta de um determinado documento, para o qual remeteu, assim obviando à tarefa puramente mecânica de reprodução do teor desse documento.).
A referida delimitação dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal Administrativo quando conhece em terceiro grau de jurisdição significa também que não pode sindicar os juízos probatórios que foram efectuados pelo Tribunal a quo.
Consequentemente, também improcedem as conclusões do recurso 13.ª a 20.ª, na parte em que o Recorrente exprime discordância com a valoração da prova que foi efectuada pelo Tribunal Central Administrativo Sul. Ou seja, este Supremo Tribunal, contrariamente àquilo que sustenta e lhe pede o Recorrente, não pode alterar o juízo do Tribunal a quo, de que não pode conceder-se credibilidade aos documentos complementares às escrituras e, consequentemente, dar como provado que o Recorrente, ao ceder à “J………………” a sua posição contratual, cedeu também as benfeitorias que tinha efectuado nos locados, sendo que no preço pago pela cessão da posição contratual incluiu aquelas benfeitorias.
Concluindo: «no recurso interposto de acórdão de um tribunal central administrativo, prolatado já sobre decisão de um tribunal tributário, o recorrente não pode […] questionar nem a matéria de facto nem os juízos probatórios que o tribunal recorrido formulou» (Cfr., entre muitos outros no mesmo sentido, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de cujo sumário foi extraída a passagem citada, de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1086/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (https://dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 392 a 399, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4bed331b779959148025728f005044f9?OpenDocument.).
Improcedem, pois, as conclusões 2.ª a 5.ª e 13.ª a 20.ª, estas na parte respeitante à invocada discordância relativamente à valoração da prova.


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2.2.4 DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO QUANTO À 1.ª CORRECÇÃO: PROIBIÇÃO DE SINDICAR O ACTO IMPUGNADO À LUZ DE FUNDAMENTOS DIVERSOS DOS QUE FORAM OPORTUNAMENTE INVOCADOS PELA AT

Como deixámos dito supra, o Recorrente insurgiu-se contra o acórdão na medida em que este, para concluir pela legalidade da correcção efectuada pela AT por não ter aceitado como custos fiscais as amortizações das despesas contabilizadas na rubrica “despesas com edifícios arrendados” e respeitantes ao valor pago aos anteriores locatários pelas benfeitorias realizadas naqueles, suportou essa correcção em fundamentos diversos dos que foram utilizados pela AT quando da prática do acto.
Apesar de, como referimos em 2.2.2, essa alegação não constituir nulidade do acórdão, como foi invocado pelo Recorrente, a mesma pode e deve ser conhecida como erro de julgamento. Seria assim mesmo que o Recorrente o não houvesse requerido (Nesse sentido, por mais recente, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3406 a 3412, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da?OpenDocument.), como requereu subsidiariamente. Passemos então a conhecer do erro de julgamento:
Sustenta o Recorrente que a AT procedeu à referida correcção indicando como fundamentos
(i) que as despesas em causa não estavam documentadas, o que violava o disposto no art. 41.º, n.º 1, alínea c), do CIRC 1 - Não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
h) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».) e
(ii) que, referindo-se tais despesas a pagamentos devidos a título de trespasse, a aceitação das respectivas amortizações ficava dependente de reconhecimento pela DGCI, como decorre do art. 17.º, n.º 3, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro 3 - Excepto em caso de deperecimento efectivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, não são amortizáveis os seguintes elementos do activo imobilizado incorpóreo:
a) Trespasses;
[…]».).
Na verdade, foi essa a fundamentação utilizada pela AT, como decorre do modelo DC-22 (cfr. fls. 345 a 361) para que o acórdão remeteu expressamente no facto dado como assente sob o n.º 1.
Como bem salienta o Recorrente, o Tribunal Central Administrativo Sul, conhecendo da legalidade dessa correcção, concluiu, contrariamente ao que considerou a AT, por um lado, que os referidos custos estavam documentados, sendo que em sede de IRC e para efeito de documentação dos custos, não é exigível o cumprimento dos requisitos que o Código do IVA impõe para as facturas em ordem ao exercício do direito de deduzir o imposto e, por outro lado, que as despesas em causa não podiam ser qualificadas como trespasses, constituindo antes indemnizações por benfeitorias nos locais arrendados.
No entanto, o Tribunal a quo, pese embora tenha concluído pela não verificação dos fundamentos em que a AT alicerçou a correcção, entendeu que a mesma devia manter-se, quer porque não estava demonstrada a indispensabilidade das mesmas para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora (cfr. art. 23.º do CIRC Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: […]» (na redacção em vigor à data).)), quer porque não constituíam despesas de instalação para efeitos de amortização como elemento do activo imobilizado incorpóreo nos termos do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro (Quanto a este último fundamento, o acórdão recorrido louvou-se na e remeteu expressamente para a posição assumida no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Julho de 2002, proferido no processo n.º 726/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Março de 2004 (https://dre.pt/pdfgratisac/2002/32230.pdf), págs. 2036 a 2040, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ff047868b8a2ffff80256bff00534e07?OpenDocument.).
Assim, temos que concordar com o Recorrente quando afirma que o Tribunal a quo sindicou a legalidade da correcção em causa com fundamentos diferentes daqueles que foram os usados pela AT para proceder à correcção e consequente liquidação adicional, o que lhe está vedado. O Tribunal não pode substituir-se à AT na prática da actividade administrativa, designadamente mantendo com fundamentação diversa (ainda que eventualmente mais ajustada) da que foi usada pela Administração os actos tributários que deveriam ser anulados.
Como temos vindo a dizer em várias ocasiões, só pode valer como fundamentação a declaração de motivos que a AT externou quando da prática do acto, sendo de todo irrelevante a externação de motivos que não seja coeva do acto, a denominada fundamentação a posteriori. É que, no domínio do contencioso de mera legalidade, que é o da impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados (Neste sentido, entre outros, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 19 de Dezembro de 2007, proferido no processo com o n.º 874/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (https://dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1818 a 1822, com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0afc57c5f9094163802573ca0057a626?OpenDocument;
– de 2 de Março de 2011, proferido no processo 49/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (https://dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 327 a 332, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/247bcd945cbdcc068025784e0050fa15?OpenDocument.
Sustentando a mesma tese, vide também, entre muitos outros e com numerosa indicação de jurisprudência e doutrina, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 371/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 13 de Fevereiro de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32130.pdf), págs. 1793 a 1805, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34ec720a1ff520008025790600465893?OpenDocument.
Na doutrina, vide:
· MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, pág. 479, que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, pág. 1329, onde que diz que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
· MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, pág. 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».).
Como ficou dito no citado acórdão de 2 de Março de 2011, «[n]o contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto. Porque o contribuinte tem de defender-se apenas dos pressupostos enunciados na fundamentação contextual do acto tributário e dos quais se distraíram os efeitos lesivo, o tribunal está impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, isto é, que não foram invocados para conduzir ao acto tributário impugnado, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de recurso contencioso face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais».
Assim, no processo de impugnação judicial a apreciação da legalidade da actuação da AT está balizada pelos fundamentos que a suportaram, não podendo o tribunal, perante a constatação da ilegalidade do fundamento que suportou o acto impugnado, apreciar se aquela actuação poderia basear-se noutros fundamentos, quer estes sejam por ele eleitos, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.
Concluímos, pois, pela procedência do invocado erro de julgamento quanto à primeira das correcções em causa. No que se refere a essa correcção e à consequente liquidação adicional, na parte em que nela teve origem, o acórdão recorrido será revogado e a impugnação judicial será julgada procedente, com a consequente anulação da liquidação impugnada, nessa parte.


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2.2.5 DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO RELATIVAMENTE À 2.ª CORRECÇÃO: DO ÓNUS DA PROVA

O Recorrente discorda também do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, na medida em que neste se julgou improcedente a impugnação judicial na parte respeitante à correcção das mais-valias fiscais declaradas.
Segundo o acórdão recorrido, que subscreveu a tese da sentença que, por seu turno, aderiu ao entendimento da AT, no apuramento das mais-valias declaradas com referência à cessão à sociedade denominada “J………………” dos direitos ao arrendamento que o Impugnante detinha sobre imóveis onde estão instaladas as suas agências não pode considerar-se como integrando o valor de aquisição os encargos por ele suportados com as benfeitorias efectuadas com vista à adaptação dos espaços arrendados para o exercício da sua actividade.
A AT alicerçou essa correcção na seguinte fundamentação: «[…] O L……………. alienou direitos de arrendamento relativos a diversas agências, a uma associada, J…………………, SA, que lhe advieram de contratos locativos, passando, por consequência, de arrendatário a subarrendatário dos mesmos espaços. Para efeitos de apuramento das mais e menos-valias considerou como valor de aquisição não só o montante despendido na obtenção daqueles direitos (trespasses+indemnizações pagas pelas benfeitorias deixadas pelos cedentes no locado), mas também todas as despesas por si realizadas a fim de adaptar os espaços arrendados ao exercício da sua actividade, procedimento que contraria o estabelecido no n.º 2 do art. 42.º do CIRC» (cfr. cópia do modelo DC-22, de fls. 345 a 361, para o qual o acórdão remeteu expressamente no facto dado como assente sob o n.º 1).
Ou seja, a AT, apesar de não questionar que o Contribuinte tenha suportado efectivamente despesas com a realização de obras para adaptar os locados para o exercício da sua actividade, entende que as mesmas não podem entrar no cálculo das mais-valias em causa porque o que foi transmitido foi exclusivamente o direito ao arrendamento e aquelas despesas não foram efectuadas para a obtenção desse direito. Dito de outro modo, aquelas despesas só poderiam ser consideradas como integrando o custo de aquisição se tivessem sido transmitidos os direitos respeitantes às benfeitorias.
O Tribunal Central Administrativo Sul, por remissão para a sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto, segue o entendimento de que essas despesas não podem integrar o valor de aquisição por não se integrarem na previsão do art. 42.º, n.º 2, do CIRC As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas, sem prejuízo do disposto na parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 28.º» (sempre na redacção em vigor à data).). Isto por duas ordens de razão: das escrituras referidas no n.º 8 dos factos provados não decorre que se tenha operado a transferência das benfeitorias, sendo que os documentos complementares a essas escrituras não merecem credibilidade e o Contribuinte continua a usufruir das benfeitorias que efectuou nos locados, sendo apenas que antes o fazia na qualidade de arrendatário e agora o faz na qualidade de subarrendatário.
Ou seja, se bem interpretamos o acórdão recorrido, aí se entende que a AT andou bem ao proceder àquela correcção, uma vez que considerou que não está demonstrado que o Contribuinte tenha transmitido para a referida sociedade as benfeitorias implantadas nos imóveis arrendados, tanto mais que continuou a usufruí-las (Salvo o devido respeito, temos dificuldade em alcançar a relevância deste último fundamento.).
O Recorrente discorda desse entendimento. Desde logo, porque sustenta que transmitiu para aquela sociedade imobiliária, não só os direitos ao arrendamento sobre os locais onde tem as suas agências, mas também os direitos respeitantes às benfeitorias que aí realizou, como o comprovam os documentos complementares que apresentou; mas logo acrescenta que, ainda que não se dê como provada a transmissão, o Tribunal Central Administrativo Sul fez incorrecta aplicação das regras sobre a distribuição do ónus da prova, pois competiria à AT demonstrar que essa transmissão não teve lugar.
Como deixámos dito em 2.2.3, não pode este Supremo Tribunal conhecer do invocado erro na apreciação da prova, uma vez que está a conhecer do recurso em terceiro grau de jurisdição, com poderes de cognição limitados à matéria de direito. Só o poderia fazer no caso de ter sido ofendida disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não sucede na situação sub judice.
Mas, se nos está vedada a apreciação do erro na apreciação da prova, já podemos apreciar se o Tribunal a quo fez correcta aplicação das regras sobre a distribuição do ónus da prova, como requerido pelo Recorrente. Aí estão em causa, não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada por recurso à interpretação de regras legais (Com interesse, vide o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 24 de Outubro de 2007, proferido no processo n.º 479/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (https://dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1568 a 1573, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c49321441c86d9a48025738500433267?OpenDocument.
Aí ficou dito: «em sintonia com o defendido pelo Prof. ANTUNES VARELA em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122.º, página 220, é de entender que os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) cuja emissão ou formulação se apoia em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da fixação da matéria de facto. Os juízos sobre a matéria de facto que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador, que estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei são do conhecimento dos tribunais com meros poderes de revista.Mas, já constitui matéria de direito saber a quem cabe o ónus da prova por ser questão que tem de ser apreciada à face da interpretação das normas legais».). Vejamos:
O Tribunal Central Administrativo Sul não deu como provado que os contratos por que o Contribuinte transmitiu para a referida sociedade imobiliária os seus direitos tenham incluído as benfeitorias, rectius o crédito por benfeitorias, por ele realizadas nos locados para os adaptar para o exercício da sua actividade, mas também não deu como provado o contrário, ou seja, que tais benfeitorias não foram incluídas naqueles contratos. Fica, portanto, a dúvida quanto ao facto de saber se esses direitos foram ou não transmitidos.
Ora, é nestas situações em que, finda a actividade de fixação da matéria factual, directamente e através da formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que interessem para a decisão da causa, que se devem fazer funcionar as regras do ónus da prova, por força das quais os pontos em que se verifique tal dúvida serão decididos contra a parte que tem o ónus da prova (Sobre a questão, vide
· ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 450;
· DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, anotação 1 ao art. 74.º, pág. 655.). Em sede do processo judicial tributário, em regra, não existe um ónus da prova subjectivo ou formal, ou seja, a obrigação da parte lograr a prova dos factos do seu interesse, de carrear para o processo a prova desses factos, sob pena de vê-los decididos como não provados. O ónus da prova e as regras da sua repartição têm no processo tributário, essencialmente, a função de pôr termo às situações em que o tribunal, após a instrução, chega a uma situação de falta de convicção sobre os factos que interessam para a decisão da causa (non liquet). Como o tribunal não se pode abster de decidir, terá então que fazer funcionar as regras do ónus da prova, decidindo contra a parte que tem o ónus da prova. Ou seja, plenamente cumprido que esteja o princípio do inquisitório, se o tribunal permanecer em dúvida, fazem-se funcionar as regras da repartição ónus da prova, em ordem a determinar a decisão sobre o facto incerto.
Está em causa saber se, para cálculo das mais-valias declaradas com a alienação de determinados activos (direitos ao arrendamento que o Contribuinte detinha sobre vários imóveis onde estavam instaladas as suas agências), concorrem para o valor de aquisição os encargos suportados pelo Contribuinte com a adaptação dos espaços arrendados para o exercício da sua actividade, o que passa por saber se o direito aos créditos resultantes dessas benfeitorias se transmitiu ou não para a sociedade a quem o Contribuinte cedeu a sua posição contratual, sendo que a este propósito o Tribunal a quo ficou numa situação de non liquet.
Cumpre, pois, responder à questão – meramente de direito, como deixámos já dito, e, por isso, compreendida no âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal – de saber sobre quem recai o ónus da prova de tal facto, contra quem deve ser decidida a questão de saber se as referidas benfeitorias foram ou não transmitidas.
Antes do mais, convém ter presente que as regras por que se resolverá a questão são as que estavam em vigor à data dos factos, ou seja, as dos arts. 78.º Quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».) e 121.º Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado» (na redacção inicial, que é a aplicável).) do Código de Processo Tributário (O Código de Processo Tributário vigorou entre 1 de Julho de 1991, data em que entrou em vigor, nos termos do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, diploma que o aprovou, e 31 de Dezembro de 1999, como resulta da conjugação dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou o Código de Procedimento e de Processo Tributário.) (CPT), apesar de não haver diferenças quanto ao regime que veio a ficar consagrado nas normas que lhes sucederam: as do art. 75.º, n.º 1 Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a lei comercial e fiscal».), da LGT e do art. 100.º Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».) do CPPT.
O Recorrente sustenta que, atenta a presunção de veracidade decorrente do art. 78.º do CPT, se devem ter como verdadeiros os dados resultantes da sua contabilidade e declaração de rendimentos, dos quais resulta ter havido a transmissão dos direitos sobre aquelas benfeitorias; que competia à AT ilidir essa presunção (tanto no procedimento como no processo judicial) e que, perante a fundada dúvida sobre se essa transmissão ocorreu ou não, haveria que fazer funcionar a regra do art. 121.º do mesmo Código (O Recorrente alude ao art. 100.º do CPPT, mas, como dissemos, à data a questão era regulada pelo art. 121.º do CPT.), decidindo-se a questão contra a AT e anulando a liquidação na parte que teve origem na correcção das mais-valias declaradas.
Salvo o devido respeito, entendemos que não é assim.
O Recorrente levou à sua contabilidade e declarou para efeitos de IRC do ano de 1992 que cedeu aquelas benfeitorias a título oneroso. Não tendo a AT posto em causa a regularidade formal da contabilidade do Contribuinte, o afastamento da presunção de verdade constante do art. 78.º do CPT poderia acontecer caso a AT demonstrasse que a referida transmissão não aconteceu ou, pelo menos, caso a AT demonstrasse a existência de indícios bastantes de que a transmissão não ocorrera efectivamente. Esta última proposição exige que concretizemos:
No caso sub judice a correcção em causa e a consequente liquidação adicional resultam, não da afirmação pela AT da existência de factos tributários não declarados, nem sequer de uma quantificação desses factos diferente da declarada, mas antes da não aceitação pela AT de factos declarados pelo Contribuinte (a transmissão dos direitos respeitantes às benfeitorias) e constitutivos do direito deste a vê-los relevados negativamente no apuramento das mais-valias declaradas, uma vez que fariam parte do valor de aquisição a considerar.
Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32220.pdf), págs. 1130 a 1146, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f666641b6aec74680256ba000519532?OpenDocument.).
No caso dos autos (de liquidação adicional de IRC com o fundamento que as mais-valias realmente obtidas com a alienação de activos – cedência da posição contratual nos contratos de arrendamento respeitantes aos locais onde funcionam as agências do Contribuinte – são superiores às declaradas porque não pode aceitar-se que integrem o respectivo valor de aquisição as despesas com benfeitorias efectuadas pelo Recorrente nos locados para os adaptar para o exercício da sua actividade, uma vez que não se comprova a transmissão dos direitos sobre as benfeitorias), não é a AT quem está a afirmar a existência de um facto tributário; a AT limita-se a não reconhecer o direito que o Contribuinte se arroga (o direito de ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, na determinação do lucro tributável, aquelas despesas) com fundamento na inexistência de comprovação do facto que o suportaria (a transmissão para a referida sociedade imobiliária dos créditos por benfeitorias de que o Contribuinte era titular por obras efectuadas nos locados).
Assim, para saber sobre quem recai o ónus da prova da existência dessa transmissão, teremos que analisar as normas de cuja aplicação resultou a liquidação impugnada.
Embora o sistema fiscal português consagre o método da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável (cfr., relativamente ao IRC, o art. 16.º, n.º 1, do respectivo Código A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal».)), nem sempre o apuramento da matéria colectável se fará com base na declaração do contribuinte: desde logo, como é óbvio, não se fará quando o contribuinte não apresente a declaração, caso em que a AT procederá oficiosamente à sua determinação, com base nos elementos de que dispuser ou que lhe sejam fornecidos pelos serviços de fiscalização; não se fará também quando, como resulta hoje do art. 75.º, n.ºs 1 e 2, da LGT e, à data, do art. 78.º do CPT, a declaração não seja apresentada nos termos previstos na lei ou quando o contribuinte não forneça à AT os elementos indispensáveis ao controlo da situação tributária dele ou quando do controlo efectuado resultar que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade. Neste último caso, que é o que ora nos interessa, a AT procederá ao apuramento do lucro tributável, o que deverá fazer, se tal for possível, com recurso a métodos directos e, na impossibilidade de «comprovação e quantificação directa e dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável», com recurso a métodos indiciários [cf. art. 52.º, n.º 1, do CIRC, sempre na redacção aplicável, e, hoje, os arts. 81.º, n.º 1, 83.º, n.ºs 1 e 2, e 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT]. Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material). Como é óbvio, os contribuintes só têm direito a ver relevado negativamente no apuramento do lucro tributável o montante dos custos efectivamente suportados (cf. art. 23.º, n.º 1, do CIRC) e, do mesmo modo, só têm direito a ver diminuído o montante dos proveitos resultantes das mais-valias através do valor de aquisição desde que este corresponda a encargos efectivamente suportados com a aquisição dos activos transmitidos (cfr. art. 43.º, n.º 2, do CIRC) e não de quaisquer outros encargos.
Assim, no caso dos autos, podemos avançar as seguintes conclusões, de acordo com a jurisprudência há muito firmada nos tribunais tributários: porque a liquidação adicional de IRC tem por fundamento o não reconhecimento pela AT de uma parcela do valor de aquisição (a respeitante às despesas declaradas com a realização das benfeitorias), compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, demonstrar a existência de indícios sérios de que a transmissão das benfeitorias cujo valor integra o valor de aquisição não ocorreu; feita essa prova, recai sobre o Contribuinte o ónus da prova da existência dessa transmissão, que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, na sua matéria tributável; neste caso, não bastará ao Contribuinte criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 121.º do CPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado nesse preceito legal contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao Contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, do seu lucro tributável.
Daí que tenhamos dito que à AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que a transmissão em causa não ocorreu, Se o fizer, estará materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar as despesas em causa como parte integrante do valor de aquisição a utilizar no apuramento das mais-valias e, consequentemente, estará ilidida a presunção de veracidade da escrita, consagrada à data no art. 78.º da CPT. É este mesmo artigo que refere que a presunção nele consagrada pode ser afastada, designadamente, pela verificação de «outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (Ou seja, apesar de estarmos perante uma presunção legal, para ela ser ilidida não é necessária prova em contrário – diversamente do que, geralmente, se exige relativamente às presunções deste tipo (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC), pois o art. 78.º, in fine, do CPT estabelece, com carácter especial, regime diverso de ilisão da presunção.).
No caso sub judice a AT entendeu que no caso existiam indícios fundados de a transmissão desses direitos sobre as benfeitorias não ocorreu, quais sejam a mesma não ser mencionada nas escrituras por que o Contribuinte transmitiu os seus direitos de arrendamento para a referida sociedade.
Por seu turno, o Tribunal Central Administrativo Sul ratificou esse entendimento, não questionando a suficiência ou a objectividade desses indícios e admitindo os mesmos como bastantes para legitimar a actuação da AT, de desconsiderar como integrando o custo de aquisição dos activos transmitidos (direitos de arrendamento relativos a diversas agências) as despesas suportadas pelo Contribuinte com a realização de obras de adaptação dos locados.
Na verdade, o Tribunal Central Administrativo Sul afirma, por remissão para a sentença, que o entendimento da AT não merece censura, sendo que, apesar do Impugnante sustentar que «ao alienar à dita “J……………….” todos os activos inerentes aos balcões utilizados por si, transferiu, não só a sua posição de arrendatário, como também todos os seus pertences corpóreos, constituídos pelas melhorias introduzidas nos arrendados», «não é isso que decorre das escrituras referidas no ponto n.º 8 do probatório», sendo que «[d]estas extrai-se que o impugnante aliena apenas a posição contratual que lhe adveio no contrato locativo e pelo preço aí referido».
Dito isto, resta-nos afirmar que, podendo embora este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos que ficaram referidos, sindicar a aplicação das regras do ónus da prova efectuada pelo Tribunal a quo, já não pode sindicar o juízo por este efectuado de que a AT estava legitimada para actuar, ou seja, de que os indícios por ela recolhidos são suficientes para afastar a presunção do art. 78.º do CPT. Estamos, no que a este juízo respeita, perante um verdadeiro juízo de facto, o qual, como deixámos já referido, se situa fora do âmbito dos poderes de cognição que no caso assistem a este Supremo Tribunal. Na verdade, a formulação deste juízo sobre a existência de indícios sérios de que a transmissão não ocorreu é um mero juízo de facto, pois para sua formulação não é necessário interpretar normas jurídicas ou fazer utilização da sensibilidade jurídica dos julgadores, mas apenas aplicação de regras da vida e da experiência comum.
Ora, assim sendo, não há dúvida que, de acordo com o que deixámos dito relativamente às regras de distribuição do ónus da prova, era sobre o Contribuinte – e não sobre a AT – que recaía o ónus da prova da transmissão dos direitos respeitantes às benfeitorias.
O julgamento efectuado pelo Tribunal Central Administrativo Sul não contende com esse entendimento, pelo que não merece a censura que o Recorrente lhe endereça quanto à violação das regras do ónus da prova. Concluímos, pois, pela improcedência do invocado erro de julgamento quanto à segunda das correcções em causa.


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2.2.6 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Em processo de impugnação judicial instaurado antes de 15 de Setembro de 1997, é admissível recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido por um dos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição, possibilidade que estava prevista na redacção inicial do art. 32.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984 e que, pese embora tenha sido abolida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, se manteve para os processos instaurados antes da sua entrada em vigor, que ocorreu naquela data (cfr. art. 120.º do ETAF de 1984, art. 5.º do Decreto-Lei n.º 229/96 e Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho).

II - Nesse recurso, não pode alterar-se a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal central administrativo, designadamente aditando-lhe outra que o recorrente entenda estar provada documentalmente, como também não podem sindicar-se os juízos probatórios efectuados por esse tribunal, pois, intervindo em terceiro grau de jurisdição o Supremo Tribunal Administrativo apenas conhece matéria de direito (cfr. art. 21.º, n.º 4, do ETAF de 1984).

III - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.

IV - Sem prejuízo do que ficou dito em II, nada obsta a que o Supremo Tribunal Administrativo verifique se foi feita correcta aplicação das regras do ónus da prova, pois aí estão em causa, não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada por recurso à interpretação de regras legais.

V - Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.

VI - À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT).

VII - Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.

VIII - O juízo dito em VI é um mero juízo de facto, pois para sua formulação não é necessário interpretar normas jurídicas ou fazer utilização da sensibilidade jurídica dos julgadores, mas apenas aplicação de regras da vida e da experiência comum, motivo por que se encontra subtraído à sindicância do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos que ficaram referidos em II.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência,

a) quanto à 2.ª das correcções referidas em 1.1, manter o acórdão recorrido;

b) quanto à 1.ª das correcções identificadas em 1.1, revogar o acórdão recorrido, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação adicional impugnada, tudo exclusivamente na parte que se lhe referem.

Custas pela Recorrente na parte em que decaiu e sem custas na parte restante, uma vez que a Recorrida delas estava isenta na legislação aplicável.

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Lisboa, 26 de Fevereiro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.