Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0203/09
Data do Acordão:07/09/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:BOA-FÉ
PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA
CONCURSO DE PROVIMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário:I - A violação da boa fé pode configurar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil (art. 6-A do CPA).
II - Não há frustração da confiança legítima numa situação em que a aceitação pelos interessados da nomeação na categoria de peritos tributários de 1.ª classe foi precedida de despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos, relativo ao respectivo reposicionamento no escalão salarial, mas não foi esse despacho - posteriormente revogado por ilegalidade - determinante da aceitação do lugar.
Nº Convencional:JSTA00065896
Nº do Documento:SA1200907090203
Data de Entrada:02/23/2009
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL.
DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC653/07 DE 2007/12/05.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. A…, B…, D…, E…, F…, G…, I…, K…, L…, M… E N…, todos devidamente identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção de responsabilidade civil extracontratual contra o ESTADO PORTUGUÊS.
Pedem a condenação do Estado ao pagamento de indemnizações, por diferenças de vencimento a que se acham com direito, por não ter sido respeitado despacho em que confiaram e que depois foi revogado.
1.2. Por sentença daquele tribunal, de 28.4.2008, foi a acção julgada improcedente e o Estado absolvido dos pedidos.
1.3. Inconformados, interpõem recurso para este STA em cujas alegações concluem:
A) O douto Acórdão «a quo» considerar improcedente a acção de responsabilidade civil extracontratual intentada conta o Estado Português, para pagamento de uma indemnização por danos sofridos pelos recorrentes fez errada interpretação dos factos e sua subsunção ao direito, nomeadamente aos artigos 2° e 22° da CRP e ao artigo 1° e 2° do DL 48.051, de 21.11.67.
B) O Despacho da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, datado de 17 de Abril de 1992, que veio a revogar o Despacho proferido pelo Director Geral das Contribuições e Impostos, mesmo que considerado lícito por ter sido proferido dentro dos prazos legais estipulados para a sua revogação, como o considera o douto Acórdão "a quo", acarretou para os Recorrentes sérios e graves prejuízos na sua carreira profissional devendo pelos mesmos serem ressarcidos.
C) A actuação da Administração induziu os Recorrentes em erro e levou-os a aceitarem serem nomeados em determinadas categorias de uma carreira, assegurando-lhes que não viriam as suas remunerações serem diminuídas.
Mas, tal não aconteceu!
D) E, mesmo que se considere legal a actuação da Administração, o que se admite sem conceder, a verdade é que pelos danos causados tem a mesma que ser responsabilizada.
E) Em causa está a violação do Principio da Confiança, da Certeza Jurídica que norteia a actuação da Administração para com os seus administrados (vd. Art° 6º-A do CPA), na medida em que ao dirigirem-se ao Chefe máximo dos Serviços nele depositavam toda a confiança para verem esclarecidas as dúvidas sobre o regime remuneratório e percurso profissional decorrente da transição para nova categoria.
F) O douto Acórdão "a quo" considerou que um dos pressupostos jurídicos da tutela da confiança não se encontra preenchido, já que os Recorrentes não lograram demonstrar que aceitaram aquela nomeação, exclusivamente, por causa do Despacho da DGCI, de 31.07.1991.
G) Com o devido respeito, discorda-se de tal consideração, já que claramente os Recorrentes tinham referido que apenas aceitariam a sua nomeação como peritos tributários ou contencioso tributário de 1ª classe, se a sua remuneração não fosse diminuída e fosse assegurada a sua promoção e progressão na categoria e carreira.
H) O requisito da "imputação da confiança" enquanto pressuposto jurídico da tutela da confiança encontra-se, pois, também preenchido, o que conduz a que todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado se verifiquem.
I) E, nesses termos, deverá a presente acção ser considerada procedente.
Termos em que e invocando o douto suprimento de V. Exas deve ser revogado o douto Acórdão "a quo", com as legais consequências.
1.4. O Estado contra-alegou, defendendo a bondade da sentença e seus fundamentos, concluindo no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre decidir.
2.
2.1. A sentença considerou apurado em sede de matéria de facto: ”1. No início do ano de 1989, todos os autores estavam providos definitivamente na categoria de peritos tributários ou de contencioso tributário de 2.ª classe, categoria que obtiveram após concurso de provas públicas (Alínea a) dos Factos Assentes).
2. Simultaneamente, encontravam-se, no mesmo ano, nomeados no cargo de Chefes de Repartição de Finanças de 2a classe ou Adjuntos de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe, funções que exerciam em comissão de serviço [Alínea B) dos Factos Assentes].
3. Em Setembro de 1991, todos os Autores desempenhavam as funções inerentes a cargos de chefia, como Chefes de Repartição de Finanças de 2ª classe ou Adjuntos de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe, e auferiam, nesse momento, a remuneração bruta de 277.400$00, respeitante ao escalão 5, índice 690, da escala retributiva especial dos funcionários da Administração Tributária [Alínea C) dos Factos Assentes].
4. Em 11 de Março de 1989, foi aberto concurso para provimento na categoria de perito tributário de 1ª classe, tendo os AA apresentado a sua candidatura ao referido concurso [Alínea D) dos Factos Assentes].
5. A lista classificativa para o concurso referido em 4, foi publicada em 10-4-1991 [Alínea E) dos Factos Assentes].
6. A partir da data referida na alínea 5, os AA começaram a preocupar-se com a situação profissional e remuneratória em que ficariam se aceitassem a nomeação na categoria de peritos tributários de 1ª classe, na medida em que deixariam de poder desempenhar o cargo em que se encontravam providos, na sequência do que apresentaram vários requerimentos escritos, designadamente ao Sr. Director Geral das Contribuições, visando o esclarecimento da situação [Alínea F) dos Factos Assentes].
7. Na sequência dos requerimentos referidos no facto antecedente, o Director Geral das Contribuições e Impostos, com data de 31 de Julho de 1991, emitiu um Despacho, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no âmbito do qual consta, designadamente que:
«A nomeação, por promoção, de Peritos Tributários/Fiscalização/Contencioso de 2ª classe, actuais titulares de cargos de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe ou Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe, aprovados em concurso, para a categoria de Perito Tributário/Fiscalização/Contencioso de 1ª classe, far-se-á com observância do disposto no nº 3 do artigo 4° do Decreto – Lei nº 187/90, de 7 de Junho.
Exemplificando, dir-se-á que um Perito tributário de 2ª classe, exercendo em comissão de Serviço o cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe, que se encontre actualmente integrado no N. S. R. no escalão 5, índice 690, (remuneração, ao tempo, de 277.400$00) será integrado, com a promoção, no escalão 6, índice 720, da categoria de Perito Tributário de 1ª classe, (remuneração de 289.500$00), por força do art. 17° do Dec-Lei nº 353-A/89, de 16/10» [Alínea G) dos Factos Assentes].
8. Se os AA se tivessem permanecido na categoria de peritos de 2ª classe e nos cargos de Adjunto de Chefe de Repartição de 1ª classe e Chefe de Repartição de Finanças de 2ª classe, usufruiriam todos eles, em 1992, de uma passagem automática ao índice 720, com remuneração de 312 600$00 [Alínea H) dos Factos Assentes].
9. Entre Outubro e Dezembro de 1991, o escalão e o vencimento dos Autores A…, B…, D…, E…, I…, M… e N… baixaram, primeiro para o índice 630, o que foi oficiosamente corrigido, e, posteriormente para o índice 660 e o vencimento para 253.300$00 [Alínea l) dos Factos Assentes].
10. Os demais Autores mantiveram o índice e escalão remuneratório [Alínea J) dos Factos Assentes],
11. Por despacho da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 17 de Abril de 1992, foi revogado o Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos referido na alínea G), conforme documento junto aos autos a fls. 81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente que "A nomeação, por promoção, de Peritos Tributários/Fiscalização/Contencioso de 2ª Classe, actuais titulares de cargos de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe ou Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª classe, aprovados em concurso, para a categoria de Perito Tributário/Fiscalização/Contencioso de 1ª classe, far-se-á com observância do disposto no nº 3 do artigo 4° do Decreto – Lei nº 187/90, de 7 de Junho." [Alínea L) dos Factos Assentes].
12. Os autores interpuseram recurso hierárquico e contencioso do despacho revogatório citado tendo, por Acórdão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, publicada a 8 de Outubro de 1998, sido confirmado o Acórdão da 1ª Secção do mesmo Tribunal Supremo, de 29/6/1993, que havia decidido considerar válido o despacho revogatório da Secretária de Estado do Orçamento de 17/4/1992, conforme documento constante dos autos de fls. 138 a 149-1 volume, cujo teor aqui se por integralmente reproduzido [Alínea M) dos Factos Assentes].
13. Após aceitação da nomeação, a situação dos Autores, em termos de índice de vencimento e remuneração, foi a seguinte:
(...)
[Nota do presente Acórdão: nos termos do artigo 714º, n.º 6, do CPC, remete-se para todo este ponto 13, sem necessidade da sua transcrição]
14. Sem prejuízo dos diferentes percursos que posteriormente os Autores vieram a ter, designadamente de nomeações posteriores para índices superiores, a 14-4-1999, se não tivessem aceite a nomeação, encontrar-se-iam no índice 750, com remuneração mensal de Esc. 427.200$00, a que acresceria a prestação proveniente do Fundo de Estabilização Tributária, no valor de Esc. 54.778$00 [Alínea O) dos Factos Assentes].
15. Em Abril de 1999, F…, O…, I…, L…, D… e M… tinham já ascendido a índices remuneratórios superiores ao índice 750 [Alínea P) dos Factos Assentes].
16. Os Autores aceitaram a nomeação na categoria de peritos tributários de 1ª classe, nas datas apostas nos documentos de fls. 84 a 94 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos [Resposta ao artigo 3° da Base Instrutória].
2.2.1. A acção sustenta-se, em síntese, no facto de os autores terem aceitado a nomeação como peritos tributários de 1ª classe em razão do despacho de 31 de Julho de 1991 do Director Geral das Contribuições e Impostos (despacho identificado no ponto 7 da matéria de facto) que lhe garantia certas condições de integração. Todavia, esse despacho veio a ser revogado, acarretando-lhes prejuízos que pretendem ver ressarcidos.
2.2.2. Este Tribunal teve oportunidade de decidir, pelo Acórdão de 5.12.2007, no recurso n.º 653/07, uma situação de base similar à que aqui se apresenta. Assim, em termos de delimitação do que está em causa, segue-se o exposto nessa decisão. Registar-se-á, logo em seguida, as diferenças que houver que assinalar.
Assim, e transcrevendo a parte que interessa:
A responsabilidade civil fundada na violação da boa fé
Os autores na petição inicial recortaram o facto ilícito com alguma prolixidade: (i) tanto invocam o Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos de 31 de Julho de 1991; (ii) como a violação da confiança depositada nesse desse despacho, por aquele que o revogou implicitamente, em 17-4-92.
A sentença recorrida considerou como facto ilícito (gerador da responsabilidade civil peticionada) o Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos. Tal ilicitude, na tese da sentença decorria da sua ilegalidade, a qual foi afirmada no Supremo Tribunal Administrativo, quando apreciou a validade do acto de 17-4-92, na sua veste de acto revogatório de acto ilegal.
Contudo, bem vistas as coisas, esta ilegalidade não afecta qualquer direito dos autores. O acto em causa era ilegal, precisamente, por atribuir aos autores uma “expectativa” que não tinha fundamento na ordem jurídica. O ressarcimento do dano provocado por um acto ilegal traduz-se na reposição da situação anterior, como se o acto ilegal não fosse praticado, ou dito de outro modo, como se um acto legal fosse “ab inicio” praticado. O ressarcimento dos danos causados por um acto administrativo ilegal é feito pela reconstituição da situação, como se a mesma fosse legal desde o início.
Assim, a legalidade da situação jurídica infringida pela ilegalidade do acto do Director Geral repõe-se integralmente com a revogação de tal acto e com pagamento aos autores das quantias que, nos termos da lei, lhe eram devidas. Como receberam as quantias que legalmente lhe eram devidas, a ilegalidade do acto do Director Geral foi reposta, pois a sua ilegalidade foi corrigida com a sua tempestiva revogação.
Falta, todavia, apreciar o outro fundamento invocado pelos autores como configurando um ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual: a lesão da confiança.
Neste ponto há que fazer ainda uma distinção importante.
Os autores atribuem a lesão da confiança ao acto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 17-4-92 (que revogou implicitamente o acto do Director Geral). Contudo, tal acto foi proferido dentro de um ano e com fundamento em ilegalidade – conforme concluiu este Supremo Tribunal no recurso contencioso respectivo. A confiança na estabilidade da situação jurídica tal como decorreria da aplicação dos critérios definidos pelo acto do Director Geral (quanto aos vencimentos que aí se diziam ser devidos) depois de proferido um acto revogatório legal deixa de ser legítima – pois os actos administrativos, mesmo quando constitutivo de direitos, não garantem aos seus destinatários a irrevogabilidade, dentro do prazo de um ano (art. 141º do CPA).
Foi por isso que o Supremo Tribunal Administrativo aceitou a validade da revogação implícita. E é por isso que os autores, a partir de então, não têm qualquer expectativa legítima a auferirem os vencimentos de acordo com o acto validamente revogado.
O que não significa, todavia, toda e qualquer exclusão de uma confiança legítima que veio afinal a não ser respeitada. Resta, efectivamente, um aspecto da frustração da confiança que pode ser autonomizado. É que, na verdade, foi dado como provado que os autores só aceitaram as nomeações por terem acreditado no Despacho do Director Geral. Constataram depois (para além de não terem auferido os vencimentos que o entendimento de tal despacho implicava) que vieram a auferir menos do que auferiam antes da aceitação da nomeação na nova carreira. Ora, mesmo negando aos autores o direito a auferir as remunerações de acordo com o acto do Director Geral (depois do mesmo ser revogado licitamente) importa saber, em que medida aquele acto (que apesar de validamente revogado gerou expectativas), pode gerar danos indemnizáveis a título de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Será que apesar da revogação lícita desse despacho, ainda existe um prejuízo causado por um estado de confiança fundado e legítimo?
É esta a questão que vamos apreciar de seguida.
A análise deste ponto exige, contudo, uma indagação detalhada sobre os pressupostos da responsabilidade civil fundada na lesão da confiança, tendo fundamentalmente em vista determinar (ou localizar) a ilicitude e quais os danos que eventualmente devem ser ressarcidos a esse título.
i) Violação da boa fé e ilicitude
Aceitamos que a ilicitude, para efeitos dos artigos 6º e 2º do Dec. Lei 48.051 decorra da violação de princípios de direito administrativo, como seja o princípio da boa fé. Como referem ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código de Procedimento Administrativo, anotação ao art. 6º-A, pág. 115 “quanto às implicações da violação do princípio da boa fé, nas relações jurídico-administrativas, em sede de responsabilidade da Administração ou dos interessados na sua actuação, entendemos que são plenas. Aquele dos sujeitos envolvidos nessa relação que não respeite as exigências da boa fé e dê causa, com isso, a prejuízos de outras pessoas constitui-se na obrigação de indemnizar civilmente: o sujeito administrativo por força do art. 22º da Constituição e 6º do Dec. Lei 48.051, os interessados na sua actuação, por força do art. 483º do C. Civil”.
O art. 6-A do C. P. Adm. consagra expressamente o princípio da boa fé, nas relações entre a Administração e os particulares, nos seguintes termos:
“1. No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) o objectivo a alcançar com a actuação pretendida”.
Sobre os termos em que a boa fé merece tutela jurídica, a nossa doutrina administrativa tem delimitado os seguintes parâmetros:
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo II, pág. 136 e seguintes, entende que este princípio se concretiza através de dois princípios básicos “o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da materialidade subjacente”. Este autor desenvolvendo depois cada um destes princípios explicita que “a tutela da confiança não é, no entanto, arvorada em princípio absoluto, ocorrendo apenas em situações particulares que a justifiquem. São, na verdade quatro os pressupostos jurídicos de tutela da confiança. Desde logo, a existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva ou ética da pessoa lesada. Em segundo lugar, exige-se uma justificação para essa confiança, isto é, a existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível. Igualmente necessário é o investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada. Por último, surge a imputação da situação de confiança, implicando a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado”. Estes pressupostos não são necessariamente cumulativos: “a falta de um pode ser compensada pela intensidade especial que assumam alguns – ou algum - dos restantes. Por sua vez “o princípio da materialidade subjacente” desvaloriza excessos formais, requerendo que o exercício de posições jurídicas se processe em termos de verdade material.
Esta visão segue, no essencial, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Tomo I, pág. 186 e 187 que enumera quatro pressupostos da vertente da boa fé que se traduz na tutela da confiança legítima:
“1º - uma situação de confiança, conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2º - uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível;
3º - um investimento de confiança, consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4 º- a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu”.
Também MARCELO REBELO DE SOUSA salienta a autonomização do princípio da protecção da confiança relativamente ao princípio da boa fé (Lições de Direito Administrativo, pág. 117/118), indica - em termos algo semelhantes - para sua concretização os seguinte pressupostos:
1º - uma actuação da parte de um sujeito de direito público integrado na Administração Pública, criando a confiança quer na durabilidade da sua eficácia, quer na possível prática de outro acto da administração;
2º - uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem, no desiderato último dessa actuação;
3º - a efectivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de actos ou omissões na base da situação de confiança;
4º - o nexo de causalidade entre a situação de confiança e o investimento de confiança”.
Na jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL o princípio da boa fé também tem sido acolhido, como se pode ler no Acórdão de 18-6-2003, onde é feita uma exaustiva indicação da jurisprudência mais recente:
“(…) Por sua vez, este STA também tem admitido a aplicação quer do princípio da boa fé quer do princípio da protecção da confiança no âmbito do direito administrativo e se pode concluir da seguinte resenha: - Acórdão de 24-3-83 – Rec. 17429; - Acórdão de 6-6-84 – AD 289, a págs. 62; - Acórdão de 2-2-88 – Rec. 24979; - Acórdão de 28-4-88 – Rec. 18436; - Acórdão de 1-3-89 – Rec. 24444: "Tendo sido a Administração que deu origem ao erro, a conclusão referida em... é apontada pelo princípio da boa-fé, que à mesma é oponível; - Acórdão de 12-11-91 – Rec. nº 23049 ;"O princípio da boa-fé é hoje pacificamente aceite na doutrina a na jurisprudência administrativas da generalidade dos países, sendo oponível à Administração, rectius se é ela própria a frustrar legítimas e fundadas expectativas por si criadas. ... o princípio do primado do Estado de direito democrático garanta um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas legitimamente criadas e, pois, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica."; - Acórdão de 5-12-91 – Rec. 28237; - Acórdão de 26-10-94 – Rec. 34604 – Rec. 17626; - Acórdão de 2-5-95 (Pleno) – Rec. 22871: "Violam o princípio da confiança comportamentos intrinsecamente contraditórios e inconsequentes, quer quando comparados com outros anteriormente praticados quer quando se tenha em conta o contexto global dos pressupostos de facto e de direito vinculativos da prática de um acto; - Acórdão de 4-5-95 – Rec. 241450-Z: "A violação do princípio da confiança supõe que um destinatário normal, medianamente avisado e cuidadoso, face a determinada conduta da Administração, possa razoavelmente concluir que esta se auto vinculou a proferir determinada decisão."; - Acórdão de 3-10-96 (Pleno) – Rec. 24079: "...sendo obviamente certo que os órgãos ou agentes públicos se encontram vedadas actuações de má-fé ou com o propósito de prejudicar ou enganar os administrados."; - Acórdão de 11-12-96 (Pleno) – Rec. 32156: "Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança,..., estruturantes do princípio do estado de direito..., constituem postulados ou normas de actuação a serem observados no exercício da actividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa actividade, não relevando assim no domínio da actividade vinculada..., consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes." – no mesmo sentido, cfr. o Ac. de 14-5-96 – Rec. 37684; - Acórdão de 29-9-99 – Rec. 34604; - Acórdão, de 17-12-99 (Pleno) – Rec. 40313: " O princípio da boa-fé, hoje expressamente consagrado no art. 6º A do CPA, mas já anteriormente vigente nas relações jurídicas administrativas, como princípio geral de direito, impõe uma actuação ponderada e coerente..."; - Acórdão de 28-11-00 – Rec. 42055 onde se salienta que a boa-fé administrativa implica a criação de um clima de confiança e de previsibilidade nas relações com os particulares, adoptando comportamentos consequentes e não contraditórios; - Acórdão de 16-10-02 – Rec. 48379: "Não há violação do princípio da boa-fé se ao requerente... não foram criadas expectativas minimamente sólidas..."; - Acórdão de 13-11-02 – Rec. 44846: Onde se refere que o princípio da boa-fé apenas releva "no âmbito da actividade discricionária da Administração."; - Acórdão de 30-4-03 (Pleno) – Rec. 47275/02: "O princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da C.R.P.), postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar.";- Acórdão de 6-5-03 – Rec. 46188: "O princípio da boa fé é acolhido expressamente no art. 6/A do CPA e concretiza-se através de dois elementos básicos: (i) tutela da confiança legítima e (ii) materialidade subjacente. A tutela da confiança assenta por seu turno nos seguintes pressupostos: - boa fé ou ética do lesado; elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; desenvolvimento de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada; existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.".
O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tem, também, sustentado que o princípio da confiança, insíto na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da CRP) implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar – cfr. designadamente, os Acs nºs: - 287/90, de 30-10-90 – Proc. BMJ 400, a págs. 214; - 302/90, de 14-11-90 – Proc. 107/89 – BMJ 401-130; 03/90, de 21-11-90 – Proc. 129/89, BMJ 401-139; - 365/91, de 7-8-91 – Proc. 368/91, DR, II Série, de 27-8-91; - 70/92, de 24-2-92 – Proc. 89/90, BMJ 414-130; - 410/95, de 28-6-95 – Proc. 248/94 – DR, II Série, de 16-11-95; - 625/98, de 3-11-98 – Proc. 816/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 41º, pág. 293; - 648/98, de 15-12-98 – Proc. 639/97; - 160/00, de 22-3-00 – Proc. 843/98, DR, II Série, de 10-10-00; - 109/02, de 5-3-02 – Proc. 381/01 e - 128/02, de 14-3-02 – Proc. 382/01.
O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem adoptado, por vezes com algumas adaptações, os pressupomos da tutela da confiança defendidos por MENEZES CORDEIRO e acima expostos – cfr, entre outros os Acórdãos do STJ de 5-3-96, CJ/Supremo (1996) 1, 115-118; 28-11-96 CJ/Supremo IV (1996) 3 118-121 5-2-98 BMJ 474, pág. 431, e a jurisprudência aí citada.
Importa porém realçar que a violação da confiança pode gerar uma multiplicidade de consequências: (i) a invalidade do acto; (ii) pode neutralizar a validade de um acto; (ii) pode impedir as consequenciais de um uso inadequado do direito; (iii) pode implicar o incumprimento de uma obrigação; (iii) pode limitar os efeitos do incumprimento de uma obrigação e pode, finalmente, (iv) gerar uma obrigação de indemnizar – cfr. JESUS GONZALEZ PEREZ, que segue precisamente esta ordem no estudo dos efeitos da violação da boa fé, in El Principio General de La Buena Fé En El Derecho Administrativo, pág. 77 a 87. Para este autor a infracção do princípio da boa fé seria a ilicitude determinante da indemnização, sempre que se verificassem os demais pressupostos (pág. 86).
Mas, podemos perguntar: se a violação da boa fé pode gerar uma indemnização, em que termos as coisas se passam? A lesão da boa fé é, só por si, o facto ilícito, ou é necessário ainda uma outra norma especial a atribuir-lhe tal relevo?
Este Supremo Tribunal, no Acórdão de 16 de Maio de 2001 (recurso 46.227) – Diário da República Apêndice de 8 de Agosto de 2003 – pág. 3895/3908 - equacionou a questão de saber onde radica, afinal, o fundamento da ilicitude na violação da confiança. Estava em causa a declaração de nulidade do acto de aprovação de um projecto de arquitectura. O Supremo depois de concluir que o acto que licenciou o projecto de arquitectura era nulo, e depois de considerar que tal acto era constitutivo de direitos, colocou a questão: “Há realmente ilegalidade na aprovação do projecto de arquitectura nessas condições, e ilegalidade que acarreta a respectiva nulidade. (…) E num caso destes responderá o Município pelos prejuízos causados? Com que fundamento? E no caso afirmativo, que prejuízos devem considerar-se abrangidos por essa indemnização? (…)”
A conclusão a que chegou, curiosamente foi a de que pelos princípios gerais não haveria qualquer responsabilidade civil. “Ora, - argumenta-se – se encararmos o facto gerador da responsabilidade como sendo a aprovação do projecto de arquitectura, embora haja ilegalidade nesse acto, uma barreira desde logo se ergue: não há danos que possam imputar-se ao acto da câmara, pois tal acto foi ao encontro da pretensão que o administrado formulara, deferindo-a nos seus precisos termos. Falham os requisitos do dano e nexo causal. Por outro lado, se quisermos construir a responsabilidade civil sobre o acto de recusa de emissão do alvará, ou de deliberação final de licenciamento, o que falta é a ilicitude da actuação do órgão administrativo. Na verdade, nenhuma das partes discute a legalidade dessa recusa aceitando que o regulamento do PDM impedia validamente que o autor construísse uma edificação com o coeficiente de ocupação que o seu projecto previa. A Administração actuou a coberto da normação aplicável, e não havendo ilegalidade não haveria fundamento para a condenação do réu”
A saída encontrada no referido Acórdão foi a da existência de uma norma especial (o art. 52º, n.º 5 do Dec. Lei 445/91, que prevê a constituição do Município na obrigação de indemnizar “os prejuízos causados” pela revogação, anulação ou declaração de nulidade dos actos de licenciamento nas circunstâncias aí referidas. Ou seja, o Supremo buscou um fundamento legal especialmente previsto para poder atribuir o efeito indemnizatório à violação da confiança. Só depois de encontrar um fundamento para a responsabilidade civil é que apelou à lesão da confiança, concluindo que o que estava em causa era uma responsabilidade civil pré-contratual, e desta forma limitar o âmbito do dever de indemnizar aos “danos negativos” (pág. 3904).
Também nos parece necessária a existência de uma base legal para fundamentar a ilicitude. De facto, a mera referência linguística à violação da confiança como equivalendo à ilicitude não é intuitivo. O percurso seguido pelo Acórdão acima referido mostra bem a preocupação de fazer assentar um juízo tão importante como o da ilicitude, numa base legal sólida (clara, simples e com uma referência literal evidente). A ilicitude há-de aferir-se sempre perante um comportamento e uma previsão normativa, pelo que sem a definição normativa prévia não é possível um juízo de ilicitude. Note-se todavia que a tutela da confiança para além de ser protegida através de disposições legais específicas (cfr. para o direito civil o caso dos artigos 179º, 184º, 2 e 1009º relativos a certos actos das sociedades civis puras; 291º perante a anulação ou declaração de nulidade de actos jurídicos), também é protegida quando não haja um dispositivo específico, mas “os valores fundamentais do ordenamento, expressos como boa fé ou sob outra designação, assim o imponham” (MENESES CORDEIRO, ob. cit. pag. 185).
É o que ocorre no procedimento administrativo quando o art. 6º-A do C. P. Adm. impõe um relacionamento entre a Administração e os particulares tutelando a confiança criada, e impondo um relacionamento segundo as regras da boa fé. É, portanto, esta a norma legal cujo incumprimento pode gerar responsabilidade civil. A boa fé é tutelada naquele artigo através da enunciação de conceitos muito gerais: “a Administração deve relacionar-se segundo as regras da boa fé”. Para apreciar se o comportamento assumido foi de boa fé “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, especialmente a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (art. 6º-A, 2, alíneas a) e b) do C. P. Adm). A concretização desses conceitos gerais, como é o caso da protecção da confiança deve ser feita, segundo nos parece, de acordo com os quatro pressupostos enumerados por MENESES CORDEIRO e FREITAS DO AMARAL, e MARCELO REBELO DE SOUSA acima referidos:
- (i) Situação de confiança;
- (ii) Justificação para essa confiança;
- (iii) Investimento de confiança;
- (iv) Imputação da situação de confiança à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante.
A conclusão é, pois, a seguinte: se o particular numa relação com a Administração Pública se encontrar numa situação de facto que preencha todos os pressupostos da lesão da sua boa – fé acima referidos, consideraremos verificada a ilicitude da conduta da Administração para efeitos de responsabilidade civil.
Aplicando este regime ao caso dos autos temos o seguinte:
Os autores acreditaram num Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos sobre matéria que se encontrava nas suas atribuições. Dirigiram-se previamente a essa entidade, por terem dúvidas sobre os efeitos remuneratórios da transição. O Despacho do Director Geral era claro, dando, inclusivamente um exemplo com a situação concreta em que se encontravam os autores: “Exemplificando, dir-se-á que um Perito Tributário de 2ª Classe, exercendo em comissão de serviço o cargo de Adjunto de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe ou de Chefe de Repartição de Finanças de 2ª Classe, que se encontra actualmente integrado no NSR no escalão, índice 690 será integrado, com a promoção, no escalão 6, índice 720, da categoria de Perito Tributário de 1ª Classe, por força do art. 17º do Dec. Lei 53-A/89, de 16 de Outubro”.
Verificam-se todos os pressupostos da tutela jurídica da confiança, como vamos ver.
Existe uma situação de confiança conforme com o sistema, estando os autores numa posição de boa fé, atenta a qualidade do autor do acto (Director Geral). Os autores não contribuíram com o seu comportamento para a criação da situação uma vez que se limitaram a questionar a Administração antes de agirem.
Essa situação de confiança está objectivamente justificada, uma vez que assenta não só na emissão de um despacho de um Director Geral com atribuições na matéria, como vinha concretamente destinada a resolver as dúvidas que lhe tinham sido previamente colocadas.
Houve um investimento de confiança dos autores, aceitando o novo lugar. A aceitação do lugar está de facto conexionada com a situação de confiança objectivamente criada.
A situação de confiança, neste caso, foi criada pelo Director Geral das Contribuições e Impostos, um órgão da Administrarão Pública, sendo o Estado que vai ser atingido pela protecção dada, ou seja, quem vai indemnizar os lesados.
Para haver ilicitude, como acima aceitamos, basta que a confiança do tutelado mereça protecção jurídica e tenha sido atingida. Já vimos que pelo art. 6º-A do CPA e concretização acima feita, que a situação dos autores se enquadra nesse quadro: confiança juridicamente tutelada lesada pelos serviços do réu. Deste modo aceitamos que se verifique o requisito da ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
ii) culpa
A invalidade do Despacho – causador do estado de confiança - foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo. Assentando o despacho num entendimento errado (como mais tarde se veio a verificar) o que importa é saber se o erro era ou não culposo. Pensamos que é de imputar aos serviços da Administração o erro de interpretação da lei. Na verdade, os serviços jurídicos do Ministério das Finanças do Estado Português, não podem deixar de estar obrigados a interpretar a lei correctamente, o que basta para se poder imputar o erro de interpretação do Director Geral das Contribuições e Impostos a título de negligência.
iii) Nexo de causalidade e danos ressarcíveis
Relativamente aos danos deve esclarecer-se que os mesmos se reconduzem aos danos decorrentes do “investimento de confiança” devendo ser ressarcidos todos e só os danos devidos pela frustração desse investimento. Que danos são esses?
Num Acórdão deste Supremo Tribunal de 23-9-2003, proferido no recurso 1527/02 (em que foi relator o mesmo deste processo) a questão do âmbito do dever de indemnizar, pela frustração da confiança (numa hipótese de responsabilidade pré – contratual), foi abordada em termos, com os quais continuamos a concordar, e que por isso (relativamente aos termos gerais em que o problema se coloca) seguiremos de perto (na parte que interessa ao presente processo).
Nestes casos protege-se a confiança e, por isso, os danos são aqueles que o lesado "não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato" – Revista de Legislação e Jurisprudência, 110º, 276, e, no mesmo sentido, M. BRITO, Código Civil anotado, 1º, 265 e GALVÃO TELES, Obrigações, 3ª edição, pág. 58. Este último autor refere concretamente a hipótese de um contrato concluído, ferido de invalidade, concluindo que "o lesado tem direito à indemnização dos danos negativos, ou seja, os danos que não teria sofrido se não entrasse em negociações ou não celebrasse o contrato nulo ou anulável". Ou, como refere o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA "quem agir de má fé no âmbito dos preliminares do contrato sujeita-se a indemnizar a contraparte pelo interesse contratual negativo, ou seja, a reparar os danos que aquela não teria sofrido se não fosse a expectativa na conclusão do negócio frustrado ou da vantagem que teria obtido se aquela expectativa se não tivesse gorado" – Ac. de 22-5-2003, recurso 03B1334 e de 10-5-2001, CJ, ano IX, Tomo 2, pág. 71 (a referência à "vantagem que teria obtido se aquela expectativa se não tivesse gorado" refere-se aos lucros cessantes - perda da vantagem - decorrentes da não celebração do contrato). "Que a indemnização dos danos negativos compreende tanto os danos emergentes como os lucros cessantes é opinião pacífica na doutrina portuguesa..." - ANA PRATA – Notas sobre a Responsabilidade Civil Pré - Contratual, pág. 174 e autores aí citados.
Este SUPREMO TRIBUNAL tem entendido que os danos resultantes da responsabilidade pré – contratual são apenas os danos negativos: "A responsabilidade civil por lesão da confiança é restrita à reparação do interesse contratual negativo, ou da confiança, isto é, do prejuízo resultante da frustração das expectativas de conclusão do negócio, estando excluída a reparação do interesse positivo, ou seja pelo benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas" – Ac. de 31-5-2001, rec. 46919; cfr. ainda o Ac. de 16-5-2001, rec. 46227, onde também se excluem do âmbito de protecção das regras que protegem a confiança aquilo que a parte prejudicada "... deixou de ganhar em consequência de não ter podido construir um prédio com as características que pretendia...".
MENEZES CORDEIRO reconduz a medida do dano na responsabilidade civil pré-concontratual "às regras gerais da responsabilidade civil" – Tratado de Direito Civil, I Parte Geral, 1999, pág. 346 – ou seja, “não há que operar, salvas disposições legais específicas e contrárias, limitações ao interesse negativo”. "Tratando-se da confiança, diz o referido autor, teremos de ver o âmbito desta, designadamente ponderando o círculo do investimento da confiança. Se por via da confiança suscitada, uma parte perdeu uma ocasião de negócio, a indemnização deve abranger o interesse positivo". Note-se, ainda, que é possível a indemnização de danos decorrentes de um "mau cumprimento" ao abrigo da responsabilidade pré - contratual, sempre que, o contrato seja válido e eficaz, mas com um âmbito que prejudica uma das partes e o dano seja imputável à violação dos deveres inerentes à fase prévia ao acordo (este tipo de danos não se incluem na categoria dos danos negativos, como é evidente, dado que o contrato foi válido e eficazmente celebrado)– cfr. o acórdão de 29 de Janeiro de 1973, anotado por ANTUNES VARELA na Revista de Legislação e Jurisprudência, onde o comprador de um imóvel o adquiriu na convicção, criada pelo vendedor, de que o mesmo poderia ser afecto ao comércio ou ao exercício de profissões liberais, e tal não era verdade. O dano, nestes caso, não pode ser o dano decorrente da não celebração do contrato, porque o contrato se celebrou válida e eficazmente. A situação em apreço nestes autos é semelhante a esta: os autores aceitaram a nomeação convencidos de que iam ganhar mais.
Pensamos que o dano indemnizável (qualquer que seja) deve ter, e nisto tem razão MENEZES CORDEIRO, a medida da lesão sofrida com o acto ilícito, ou sendo caso disso e quando a licitude resida na frustração da confiança, o dano deve ter medida dos danos provocados por essa frustração. ANTUNES VARELA também aceita esta orientação, quando nos diz: "Tal como na responsabilidade contratual e extracontratual, também na responsabilidade pré - negocial os danos indemnizáveis variam consoante as circunstâncias de cada caso. A indemnização terá sempre como objectivo, quer num quer noutro domínio colocar o lesado na situação patrimonial em que ele se encontraria se não fora o facto ilícito praticado" – Anotação ao Acórdão do STJ de 29-1-73, acima citado.
Qual será então o âmbito de protecção da confiança, e que direito a indemnização pode nascer na esfera jurídica dos autores? Ou dito de outro modo, quais os danos sofridos (em termos de causalidade adequada) pelo investimento de confiança que podem e devem ser suportados pelo Estado?
Podemos, com toda a certeza, excluir os seguintes:
Não há nexo de causalidade entre a lesão da confiança que o despacho do Director Geral causou e as remunerações que os autores diziam ser devidas, depois desse despacho ter sido validamente revogado. Quanto a esse ponto o princípio da legalidade é uma circunstância intransponível, e no local próprio (recurso contencioso do acto revogatório) ficou assente que os autores estavam a ser remunerados de acordo com a lei. O acto revogatório foi proferido dentro do prazo de um ano e com fundamento em ilegalidade, pelo que, a partir da sua prática a crença na validade do acto revogado deixou de ser legítima.
Também não há nexo de causalidade entre o dano emergente de uma mais rápida ou melhor progressão na carreira onde estavam antes da tomada de posse, que não estivesse já prevista na lei, na data em que aceitaram o novo lugar – é o caso das prestações do FET que, na altura, não estavam criadas e portanto não poderiam ter servido de termo de comparação no investimento de confiança dos autores. Os autores não puderam contar com esse facto e portanto o mesmo não podia ter pesado no investimento de confiança.
Também não há, no presente caso, direito ao ressarcimento, relativamente à diferença entre as remunerações auferidas e aquelas que poderiam ter auferido, se não fosse a lesão da confiança (pedido dos autores). Da análise que fizemos sobre ressarcibilidade do dano da confiança, concluímos que cabem nesta categoria as “perdas de ocasião de negócio” decorrentes do investimento de confiança (lucros cessantes dentro dos danos negativos). Também vimos que eram ressarcíveis os danos causados pela diferença entre a expectativa gerada nos preliminares do contrato e a realidade (erro sobre a das finalidades do arrendado, causado pelo vendedor, no exemplo anotado por ANTUNES VARELA). Mas, em todos estes casos o dano - apurado segundo a teoria da diferença, que hoje tem consagração legal, no art. 566º do C. Civil – era um dano efectivo ou real.
Ora, no caso dos autos não há um dano real ou efectivo. Na verdade, para apurarmos o dano causado pela perda da expectativa a uma melhor carreira não podemos ficcionar o momento da verificação do dano na altura mais conveniente ao lesado. Sendo a expectativa sobre a melhoria da carreira, a mesma só pode fazer-se em função de toda a carreira, como parece óbvio. Foi este o caminho seguido pela sentença e, a nosso ver bem. O dano – neste caso – corresponderia à diferença entre as remunerações auferidas na carreira onde tomaram posse e as remunerações que auferiria se não tivessem aceite a nomeação. Ora, nestas condições, não está demonstrado nos autos que os autores ficavam necessariamente em piores condições.
Nos termos do art. 70º do Dec. Regulamentar 42/83, de 20 de Maio (em vigor quando os autores fizeram o “investimento de confiança”) o acesso à categoria de Peritos de Fiscalização ou de Contencioso Tributário de 1ª Classe permitia o acesso à categoria de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe (categoria onde acederam), o que não lhes era permitido em quanto Peritos de Fiscalização ou de Contencioso de 2ª Classe (categoria que detinham):
“Artigo 70.º
(Nomeação do pessoal dirigente dos serviços locais)
1 - A nomeação do pessoal dirigente dos serviços locais é feita nos seguintes termos:
a) Os chefes de repartição de finanças de 1.ª classe, de entre peritos tributários de 1.ª classe, peritos de fiscalização tributária de 1.ª classe e peritos de contencioso tributário de 1.ª classe com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio ou, não havendo candidatos nas condições indicadas, de entre funcionários aprovados nas provas de selecção para a categoria de perito tributário de 1.ª classe, com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio, pela ordem das respectivas listas classificativas;
b) Os chefes de repartição de finanças de 2.ª classe e os adjuntos de chefe de repartição de finanças de 1.ª classe, de entre peritos tributários de 2.ª classe, peritos de fiscalização tributária de 2.ª classe e peritos de contencioso tributário de 2.ª classe com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio ou, não havendo candidatos nas condições indicadas, de entre funcionários aprovados nas provas de selecção para a categoria de perito tributário de 2.ª classe com média de classificação de serviço não inferior a 14 ou a Bom no último triénio, pela ordem das respectivas listas classificativas;”
O Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe, de acordo com o Anexo I, ao Dec. Lei 187/90, de 7 de Junho, era remunerado, através de 7 escalões, com os seguintes índices: 600, 650, 690, 740, 760, 790, 800.
Os Adjuntos de Chefe de Repartição de 1ª Classe e Chefes de Repartição de 2ª Classe, segundo o mesmo anexo I, eram remunerados de acordo com os seguintes escalões: 550, 590, 630, 660, 690, 720 e 750.
Como se vê, a progressão na carreira de origem, colocou os autores com possibilidade de ascenderem aos escalões 760, 790 e 800 que nunca poderiam atingir se não tivessem aceite a nomeação. Deste modo, é fácil concluir que a expectativa de uma melhor carreira não foi gorada.
Os autores apesar de não terem a progressão “anunciada”, continuavam a ter, apesar de tudo, uma expectativa de melhor progressão. Tanto era assim, de resto, que os autores C… e J… em 1993 ascenderam à categoria de Chefe de Repartição de Finanças de 1ª Classe, passando a ser remunerados pelo índice 760 - cfr. ponto 29 da matéria de facto – e com expectativa de poderem chegar a escalão 800. Se continuassem Peritos de 2ª Classe o melhor do resultado possível seria o escalão 750 (se se mantivessem como Chefes ou Adjuntos de Chefe de Repartição de Finanças) e 680 (e não 750, na nova carreira) quando regressassem ao lugar de origem (art. 4º, n.º 4 do Dec. Lei 187/90, de 7 de Junho, na redacção vigente à data em que se formou o “investimento de confiança”). Assim, quer na progressão possível, em lugares de chefia, quer na progressão possível na carreira de origem, quer na colocação nesta carreira quando terminassem a comissão de serviço em cargo de chefia, não há qualquer dúvida que os autores ascenderam a um lugar com muito melhores perspectivas de progressão na carreira a nível remuneratório.
Não houve, assim, contrariamente ao que os autores pretendam fazer crer a perda de uma oportunidade de melhor progressão. Em termos de oportunidade de progressão na carreira, os autores nada perderam. Ficaram efectivamente com melhores oportunidades.
Do exposto sobre as vicissitudes de ambas as categorias, decorre que o dano de confiança recortado pela diferença da expectativa entre as remunerações na carreira de Peritos Tributários de 1ª Classe e como Adjuntos e Chefes Adjuntos de Repartição de Finanças - perda de uma oportunidade de melhor progressão remuneratória - não se verifica, pois a expectativa de uma melhor progressão na carreira, como Perito de 1ª Classe, não se gorou: havia efectivamente (como vimos acima) possibilidade de uma maior progressão, na nova categoria.
Há, contudo, espaço para se poder recortar um dano resultante da quebra da confiança. Na verdade, os autores não contavam que a aceitação do lugar, na nova carreira (ainda que globalmente mais favorável) tivesse uma fase inicial onde havia uma efectiva diminuição do índice remuneratório, contavam, sim e pelo contrário, que tinham o direito a uma remuneração melhor (índice 750, mais concretamente).
E foi – note-se bem, pois é aqui que radica a “ilicitude” - essa crença que os determinou a aceitar o lugar.
Esta confiança, como já vimos, a partir da revogação (licita) deste despacho deixou de merecer protecção. Mas antes dessa revogação, ou seja, durante o tempo em que o Despacho do Director Geral vigorou, a expectativa dos autores a uma remuneração de acordo com os critérios aí definidos era legítima e portanto a sua frustração deve ser indemnizada.
Não decorre desta afirmação que os efeitos constituídos à luz dos actos validamente revogados devam ser atendidos, pois tal seria ilegal dada a retroactividade da revogação anulatória (art. 145º, 2, do CPA). O que está em causa não é produção de efeitos ilegais… mas precisamente a existência de uma compensação devida pela reposição da legalidade. Ora, em casos como o presente, em que os autores só aceitaram o lugar na expectativa (então legítima, pois provocada pelo dirigente máximo do serviço, e entidade que lhes processava os vencimentos), justifica-se que a frustração desta expectativa seja ressarcível, sob pena da consagração do princípio da boa fé não ter qualquer utilidade. O título jurídico onde assenta o direito dos autores não é o acto revogado – pois a revogação com fundamento em ilegalidade é retroactiva - mas a frustração (temporária) da confiança.
Ora, o dano emergente da frustração da confiança deve ter, nesta situação, a medida da duração da expectativa legítima, isto é, existe o dano de frustração da confiança, enquanto a mesma confiança persistiu, o que aconteceu desde a aceitação do lugar até à revogação do Despacho do Director Geral. Com efeito, a partir do momento em que a Administração revoga um despacho ilegal, deixam de ser legítimas as expectativas no cumprimento do despacho (ilegal) revogado. As exigências de responsabilização da violação da boa fé (protegendo o particular) cessam com a prática do acto legal, mas subsistiram no período em que perdurou o estado de confiança.
Note-se ainda que os autores, ao saberem da revogação do acto do Director Geral podiam, desde logo, e para além da luta pela sua anulação – que encetaram – pedir a anulação da aceitação do lugar, com fundamento em “erro sobre o objecto” nos termos do art. 251º do C. Civil (aplicável por força do art. 295º). Tinham assim direito a uma tutela judicial efectiva, cobrindo a totalidade dos danos: enquanto perdurou a vigência do acto do Director Geral serão indemnizados pelo dano da confiança e, revogado este, poderiam – se assim o tivessem querido – regressar à situação anterior, pedindo a anulação do “acto de aceitação” do lugar.
Subsiste, então e apenas, como dano provocado pela frustração da confiança a diferença de remuneração prometida ou anunciada e a efectivamente recebida, mas apenas desde o momento da aceitação do lugar até ao momento em que foi proferido o despacho revogatório.
Nestes termos, os autores devem ser ressarcidos pelo “dano da confiança”, ou seja, pela exacta medida da frustração da expectativa e durante o tempo em que esta se pode considerar legítima. Devem, assim, ser indemnizados pela diferença entre o vencimento auferido o que aufeririam se fossem remunerados nos termos do Despacho do Director Geral das Contribuições e Impostos de 31-7-91 (índice 750), desde a aceitação do lugar até 17-4-92 (data da revogação lícita daquele despacho). Ao montante assim encontrado, acrescem juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento - art. 805º, 3 do C. Civil.
Os autos não fornecem todos os elementos para cálculo da indemnização, pois importa apurar a data precisa da aceitação do lugar estas remunerações efectivamente percebidas por cada um deles desde daí e até 17-4-92, pelo que se relega para momento posterior (execução de sentença) o respectivo apuramento.”
2.2.3. Comece-se por sublinhar que a transcrição que se acaba de realizar não significa a aceitação, no presente aresto, da doutrina que naquele acórdão foi sucessivamente sendo apresentada quanto ao dever indemnizatório.
Procede-se a essa transcrição unicamente porque não há razão para outros desenvolvimentos sobre a única fonte donde poderia (acentua-se o condicional) resultar o dever indemnizatório por parte do Estado – a exigência de protecção da confiança e o ressarcimento do dano de confiança.
O problema, porém, está prioritariamente em saber se, no caso, houve a lesão da confiança ali detectada e, com isso, se a solução poderá ser a ali obtida. É que a sentença julgou totalmente improcedente a acção.
2.2.4. Deve notar-se que no sempre citado aresto, este STA deu como assente que os ali recorrentes só tinham aceitado o lugar em razão das garantias dadas pelo despacho posteriormente revogado.
Recordem-se os seguintes passos:
Na verdade, os autores não contavam que a aceitação do lugar, na nova carreira (ainda que globalmente mais favorável) tivesse uma fase inicial onde havia uma efectiva diminuição do índice remuneratório, contavam, sim e pelo contrário, que tinham o direito a uma remuneração melhor (índice 750, mais concretamente).
E foi – note-se bem, pois é aqui que radica a «ilicitude» - essa crença que os determinou a aceitar o lugar”.
Ora, em casos como o presente, em que os autores só aceitaram o lugar na expectativa (então legítima, pois provocada pelo dirigente máximo do serviço, e entidade que lhes processava os vencimentos), justifica-se que a frustração desta expectativa seja ressarcível, sob pena da consagração do princípio da boa fé não ter qualquer utilidade. O título jurídico onde assenta o direito dos autores não é o acto revogado – pois a revogação com fundamento em ilegalidade é retroactiva - mas a frustração (temporária) da confiança”.
Diversamente ocorreu face à sentença sob recurso. Julgou ela que “os Autores não lograram provar que tivessem aceitado a nomeação para a carreira de Perito Tributário de 1ª classe exclusivamente por causa do despacho de 31-07-1991, não demonstrando, por isso, o pressuposto de "investimento de confiança" que invocaram”.
A sentença produziu uma fundamentação específica sobre esse ponto. Aí se lê:
Na verdade, para demonstrar que aceitaram a nomeação nessa categoria por causa desse despacho, os Autores, na petição inicial, alegaram a factualidade levada à alínea G) da "Matéria Assente", que se mostra transcrita nos n°s 6 e 7 do Ponto II, e, bem assim, a factualidade levada aos artigos 1° a 4° da "Base Instrutória", que segue:
"1) (...) Os AA. deram conhecimento aos Directores de Serviços, Director Geral e Sub-Director Geral, que não aceitariam a nomeação na categoria de peritos tributários de 1ª classe, se isso significasse qualquer prejuízo em termos remuneratórios ou de carreira profissional?"; "2) E fizeram saber à hierarquia que só aceitariam ser providos na nova categoria, se no Estatuto remuneratório das Carreiras de Administração tributária estivesse garantido que a sua carreira e situação remuneratória não seriam prejudicadas?"; "3) Só após terem tido conhecimento do teor do despacho referido em H) e da interpretação nele vertida é que os AA decidiram aceitar a nomeação nesta categoria?"; "4) Facto que não teria ocorrido não fora o mesmo despacho?".
Os artigos 1°, 2° e 4° da "Base Instrutória" foram dados por "Não provados" e da factualidade do artigo 3° ficou provado apenas que "Os Autores aceitaram as nomeações na categoria de peritos tributários de 1ª classe, nas datas apostas nos documentos de fls 84 a 94 dos autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos".
Portanto, no caso em apreço, não tendo resultado provado que os Autores aceitaram as nomeações na categoria de Perito Tributário de 1ª classe, para que concorreram em 1989, exclusivamente por causa das garantias que lhes foram dadas pelo despacho de 31-07-1991. ou seja. que se não tivesse sido esse despacho se teriam mantido na categoria de origem (…) impõe-se concluir que não se mostra provado o "investimento de confiança" que é pressuposto, em nosso entender imprescindível, das situações em que a conduta da Administração pode ser ilícita por violação do princípio geral de direito administrativo consagrado no art. 6°-A do CPA”.
Nas alegações de recurso, e nas conclusões F a H, os recorrentes contrariam a sentença quanto à dita falta de prova. Recorde-se, por principais, as conclusões F e G:
“F) O douto Acórdão «a quo» considerou que um dos pressupostos jurídicos da tutela da confiança não se encontra preenchido, já que os Recorrentes não lograram demonstrar que aceitaram aquela nomeação, exclusivamente, por causa do Despacho da DGCI, de 31.07.1991.
G) Com o devido respeito, discorda-se de tal consideração, já que claramente os Recorrentes tinham referido que apenas aceitariam a sua nomeação como peritos tributários ou contencioso tributário de 1ª classe, se a sua remuneração não fosse diminuída e fosse assegurada a sua promoção e progressão na categoria e carreira.”
Sucede que os recorrentes não procedem a qualquer impugnação sobre matéria de facto, nem sustêm que a afirmada falta de prova resulte de alguma deficiência instrutória que pudesse ou devesse ter sido suprida; antes pretendem que a matéria de facto sustenta conclusão diversa daquela a que chegou a sentença.
Ora, como se viu, a sentença teve o cuidado de indicar o caminho encetado pelos autores para a demonstração da factualidade em discussão.
E, a final, sobre as circunstâncias da aceitação do lugar, ficou simplesmente provada a existência de preocupação sobre a situação que dela decorreria, a existência de um despacho indicador de qual seria a situação e as datas da aceitação.
Sendo assim, como é, não há, na verdade, elementos que permitam invocar o Despacho do Director Geral das Contribuições Impostos, de 31.07.1991 como o facto sem o qual não haveria aceitação, que não teria havido aceitação de nenhum ou de algum dos autores ora recorrentes.
Note-se, aliás, que a situação estatutária não envolve apenas a componente remuneratória. E mesmo quanto esta, não terá havido, como não houve no quadro abrangido pelo sempre citado acórdão deste Tribunal, “contrariamente ao que os autores pretendam fazer crer a perda de uma oportunidade de melhor progressão. Em termos de oportunidade de progressão na carreira, os autores nada perderam. Ficaram efectivamente com melhores oportunidades.
Assim, e com base na prova produzida esteve bem a sentença descuidando o despacho de 31.07.1991 como a razão da aceitação. Não lhe era possível afirmar se algum dos recorrentes, ou mesmo todos, deixaria de aceitar o lugar se admitisse, à partida, a ilegalidade do despacho, como depois se veio a comprovar e, com isso, a sua revogação, com aplicação do regime legal adequado.
Nas condições indicadas a conclusão da sentença merece ser sufragada.
E nas mesmas condições não merece a censura a decisão final absolvendo o Estado por não demonstrada a factualidade sobre que assentavam os demais pressupostos da responsabilidade civil.
3. Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 9 de Julho de 2009. - Alberto Augusto Oliveira (relator) - Adérito da Conceição Salvador dos Santos – Jorge Artur Madeira dos Santos.