Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0441/16.1BEBRG
Data do Acordão:10/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRS
NEUTRALIDADE FISCAL
TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário:O regime jurídico da neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º do CIRS, aplicável às operações de transformação em sociedade comercial de uma actividade empresarial em nome individual, não obsta à tributação de pagamentos recebidos pelo sujeito passivo pessoa singular por efeito dessas operações.
Nº Convencional:JSTA000P25082
Nº do Documento:SA2201910300441/16
Data de Entrada:03/22/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. O representante da Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 12 de Dezembro de 2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………….. e B……………… contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao exercício de 2007, no valor global de 613.879,56€, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
I - Salvo o devido respeito que merecem as opiniões e a ciência do Tribunal “a quo”, entende a Recorrente que a douta sentença, proferida a 12/12/2018, no âmbito do processo de Impugnação Judicial acima identificado, e que considerou o pedido dos Impugnantes, ora Recorridos, totalmente procedente, não se pode manter na ordem jurídica.
II - A Recorrente não se conforma com a sentença em causa, na medida em que entende que a mesma padece de erro de julgamento, em matéria de direito, ao ter concluído, nomeadamente, que “Em suma, na base da liquidação impugnada encontra-se uma motivação de direito – inaplicabilidade do regime jurídico da neutralidade fiscal – que não é apta a sustentar a decisão em crise, não sendo externada qualquer outra, padecendo, por isso, a fundamentação adoptada da invocada insuficiência”.
III - Tal como (bem) consta da douta sentença aqui posta em crise, «Nos presentes autos, compulsado o relatório a que se alude em l) dos factos provados, extrai-se que “o que está em causa, no caso em apreço, é determinar se estão ou não reunidas todas as condições para a aplicação do designado regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38º do CIRS”, tendo o mesmo concluído pelo incumprimento dos requisitos previstos no citado artigo».
IV - No caso que ora nos ocupa o objectivo visado pela exigência legal e constitucional de fundamentação foi plenamente atingido, tal como se alcança a partir da simples leitura do requerimento inicial que deu origem à instauração da reclamação graciosa a que se alude no ponto L) do probatório, e tal como se alcança, igualmente, a partir da simples leitura da petição inicial da presente impugnação judicial.
V - Ademais, encontra-se demonstrado à saciedade no “Relatório/Conclusões”, doravante abreviadamente designado “RIT”, a que se alude no ponto I) do probatório, as razões de facto e de direito que estiveram na base das correcções à matéria colectável aí efectuadas, ou seja, em suma, o não cumprimento por parte da Recorrida dos requisitos legais do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º do CIRS, tendo sido especificadas quais as alíneas da referida norma legal que não foram preenchidas, bem como os motivos pelos quais tal sucedeu.
VI - E, parece-nos não subsistirem dúvidas de que tal fundamentação foi correctamente percebida e apreendida, na sua plenitude, pelos Recorridos, ou não tivessem os mesmos começado a petição inicial da presente impugnação judicial exactamente pela defesa do preenchimento dos referidos requisitos no caso concreto.
VII - De igual modo, a nosso ver, também não assiste razão alguma à M.ma Juíza do Tribunal “a quo” quando refere que «(…) na base da liquidação impugnada encontra-se uma motivação de direito – inaplicabilidade do regime jurídico da neutralidade fiscal – que não é apta a sustentar a decisão em crise, não sendo externada qualquer outra, padecendo, por isso, a fundamentação adoptada da invocada insuficiência».
VIII - Na verdade, no caso em apreço, o que está em causa, essencialmente, é uma divergência entre os recorridos e a AT no que respeita à questão de se saber - tal como vem referido no item III.4 (“Verificação do cumprimento dos pressupostos legais subjacentes ao Regime de Neutralidade Fiscal”) do capítulo III do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, - “se estão ou não reunidas todas as condições para a aplicação do designado regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38º do CIRS”.
IX - No caso em apreço, os Recorridos pretenderam, ao enquadrarem a aludida transmissão de elementos patrimoniais da sua esfera empresarial privada para a esfera da sociedade “Farmácia das C…………. Unipessoal, Lda.” no regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º do CIRS, que tal transmissão de elementos patrimoniais não fosse objecto de tributação na sua esfera empresarial privada (em sede de IRS) no ano em que ocorreu tal transmissão (2007).
X - Tal como vem referido no item III.3 do capítulo III do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, o designado regime de neutralidade fiscal, a que alude o artigo 38º do CIRS, foi criado pelo Decreto-Lei nº 280/95, de 26/10, e tal como consta do respectivo preâmbulo, teve por objectivo o seguinte (sublinhado e negrito nosso):
“No âmbito da evolução normal das unidades económicas, muitas empresas em nome individual transformam-se em sociedades, no intuito de adoptar a estrutura jurídica que melhor corresponda às suas necessidades.
Quando existe uma continuidade económica, designadamente pelo facto de o empresário em nome individual continuar a deter a maioria do capital da nova sociedade e de a actividade a exercer se manter idêntica, justifica-se que aquela transformação não seja dificultada por razões fiscais, mas, pelo contrário, que seja instituído um regime de neutralidade fiscal.
Assim, respeitadas as condições que aconselham esse tratamento especial, difere-se a tributação, relativamente aos elementos patrimoniais transmitidos, para o momento ulterior da sua realização, acolhendo-se um regime semelhante ao já instituído para as fusões, cisões e entradas de activos”.
XI - Tal como vem igualmente referido no item III.3 do capítulo III do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, o aludido objectivo foi materializado no artigo 38.º do CIRS e no artigo 77.º do CIRC (actual artigo 86.º do CIRC).
XII - Os pressupostos legais, de natureza material e formal, subjacentes ao regime da neutralidade fiscal, enunciados nas alíneas a), b), c), d, e e) do n.º 1 do artigo 38.º do CIRS, são de verificação cumulativa.
XIII - Ora, tal como resulta do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, e da prova documental aí referida, os aludidos pressupostos legais, subjacentes ao regime da neutralidade fiscal, enunciados nas alíneas a), b), c), d, e e) do nº 1 do artigo 38.º do CIRS, não se verificam, na sua totalidade, no caso concreto.
XIV - Desde logo, não se verifica o cumprimento, por parte da sociedade “Farmácia das C…………. Unipessoal, Lda.”, e por parte dos Recorridos, do pressuposto a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 38.º do CIRS - (Pese embora no capítulo III do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, não se faça alusão expressa à falta de cumprimento do pressuposto enunciado nesta alínea, o certo é que tal alusão é efectuada no capítulo IX do RIT – item “Da apreciação dos fundamentos”).
XV - Bem como não se verifica o cumprimento dos pressupostos a que aludem as alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 38.º do CIRS.
XVI - Atento tudo o exposto, nomeadamente, nos itens 1. a 6. do capítulo III do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, e uma vez ter-se concluído, tendo presente a operação aí analisada, não se encontrarem reunidas as condições legais para que os Recorridos pudessem beneficiar do regime da neutralidade fiscal, impunha-se concluir, como se concluiu no ponto 7. do capítulo III do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, que tal operação se subsume no regime geral do IRS, com as consequências legais aí melhor explicitadas.
XVII - Em suma, tal como nos parece decorrer do RIT, estamos perante um trespasse que os Recorridos pretenderam fazer com a sociedade “D………….. – Unipessoal, Lda.” e, para tal, decidiram constituir uma sociedade unipessoal que seria utilizada para tal fim, eventualmente, com a finalidade de diferir e atenuar no tempo o pagamento dos tributos que seriam devidos.
XVIII - No entanto, verifica-se que a utilização para tal fim da sociedade “Farmácia das C……………. Unipessoal, Lda.” não pode ser aceite por, tal como demonstrado, não cumprir os respectivos requisitos legais.
XIX - Assim, salvo o devido respeito por melhor entendimento, afigura-se-nos que, atenta a fundamentação jurídica e factual constante do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, dúvidas não restam de que a AT deu integral cumprimento ao dever legal de fundamentação consagrado, nomeadamente, no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP], e no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária [LGT].
XX - Em conclusão, diremos que, ao decidir como decidiu, a M.ma Juíza do Tribunal “a quo”, partindo de uma errónea consideração dos factos relevantes para a boa decisão da causa, elencados no probatório, e de uma errada compreensão e interpretação do teor do RIT, a que se alude no ponto I) do probatório, incorreu, a nosso ver e salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, em erro de julgamento, em matéria de direito, ao concluir, como concluiu, que na base da liquidação impugnada encontra-se uma motivação de direito – inaplicabilidade do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º do CIRS – que não é apta a sustentar a decisão aqui posta em crise.
Pelo exposto e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença, com todas as consequências legais, como é de inteira Justiça.»

2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1 - O Tribunal a quo, por via da Sentença recorrida, julgou a impugnação judicial procedente, considerando que a liquidação de IRS em causa nos autos enfermava de vício de falta de fundamentação.
2 - A leitura dos factos acolhidos no probatório e respectiva subsunção ao direito sustenta integralmente a Decisão, sendo o recurso interposto pela Fazenda Pública um exercício de retórica que, falaciosamente, manipula e tenta distorcer a – preclara – fundamentação da Sentença recorrida.
3 - A FP, assim como a AT, não fundamenta em que medida é que a pretensa violação do artigo 38.º do CIRS tem como consequência que o negócio efectuado entre a Farmácia das C…………., Lda e a D…………, Lda possa ser suprimido da ordem jurídica e substituído por outro em que a Recorrida é sujeito.
4 - A AT no RIT, e a Recorrente nas alegações de recurso, confundem realidades distintas: i) a (suposta) inaplicabilidade do regime da neutralidade fiscal na constituição da sociedade Farmácia das C……….., Unip, Lda e ii) os reflexos dessa eventual violação ao artigo 38.º do CIRS no que tange com o negócio jurídico (trespasse) ocorrido entre a Farmácia das C…………. Lda e a D…………, Lda.
5 - A AT optou (sem arrimo legal) por desconsiderar / omitir / suprimir da relação jurídica tributária a trespassante Farmácia das C…………, Lda, tudo se passando como se os impugnantes tivessem sido sujeitos dessa operação.
6 - De tal sorte, e como se defendeu na p.i., o acto impugnado está ferido de erro quanto aos pressupostos / inexistência do facto tributário por incorrecta percepção da relação jurídico-tributária (que aliás, justificaria decisão de mérito e inerente direito a juros indemnizatórios, que lhe foram recusados na Sentença).
7 - A AT não enuncia, no RIT, qual a razão de direito para ter procedido a tal “desconsideração”, pelo que incorre em erro de fundamentação, vedando aos impugnantes a possibilidade a plena percepção das suas motivações e, inerentemente, se defenderem eficazmente das imputações que lhe foram endereçadas.
8 - Ou seja, a AT, partindo da entrada de património para a realização do capital social (da recorrente para a sociedade “Farmácia das C……….., Lda”) e da realização de contrato de trespasse entre essa sociedade e “D………….., Lda”, substituiu o sujeito passivo da relação de imposto, ficcionando, ilegalmente e sem que tão pouco fundamentasse essa originalidade, que os titulares do rendimento do trespasse teriam sido os impugnantes.
9 - Tal substituição ou desconsideração constituiu, como facilmente se percebe, uma ficção jurídica que ordenamento jurídico não consente e que, e esse o tónico da Decisão recorrida, a AT não fundamentou.
10 - Em suma do RIT é caracterizado pela falta de explicitação das normas ou dos institutos jurídicos de que a AT imaginou poder prevalecer-se para “declarar” ineficaz o trespasse celebrado entre a Farmácia das C…………, Lda e a D………….., Lda, imputando respectivo preço na esfera na esfera dos contribuintes, quando é certo que o enquadramento jurídico invocado no RIT se centra no suposto incumprimento do artigo 38.º do CIRS (respeitante, pois, e nos termos legais, aos impactos fiscais da realização do capital social por via da transmissão do património afecto ao exercício a uma actividade empresarial por pessoa singular).
11 - Os impugnantes, pese embora se tenham apercebido que no RIT se sustentava que a recorrida não se poderia ter prevalecido do regime do artigo 38.º do CIRS nessa operação societária – e por isso se tenham debruçado sobre a mesma – invocaram ao longo de toda a petição inicial a ilegalidade do desiderato a que a AT tinha chegado, evidenciando a inexistência de uma relação de causa e efeito entre essa putativa violação do artigo 38º do CIRS e a tributação em sede de categoria G em função do negócio de trespasse celebrado entre a Farmácia das C…….., Lda e a D…………, Lda.
12 - Mais afirmaram que da fundamentação do acto não era possível perceber quais os fundamentos que suportavam a liquidação de IRS impugnada, defendendo a inexistência facto tributário e a patente confusão entre os sujeitos da relação jurídica que dá origem às correcções.

13 - Inclusivamente, ensaiaram na p.i. que a AT poderia ter configurado o seu discurso fundamentador ao abrigo da Cláusula Geral Anti Abuso por, em tese, ser admissível enquadrar-se no n.º 2 do artigo 38.º da LGT o – errado – raciocínio na AT, concluindo a esse propósito que, se fosse essa a pretensão da AT, sempre deveria tê-lo expressamente invocado e utilizado o procedimento próprio desse instituto.

14 - Ensaios e tentativas que são bem demonstrativos de que os impugnantes nunca chegaram a saber qual o fundamento legal da liquidação que é objecto dos autos, por manifesta falta de justificação jurídica, sendo impossível, em face do RIT (e mesmo perante as alegações em resposta) perceber em que norma ou tese assenta a liquidação impugnada.

15 - Pelo que confiadamente se espera que seja negado provimento ao Recurso.

Termos em que, julgando improcedente o presente recurso, farão V. Exas. a habitual e sã Justiça!
Mais se requer, desde já, ao abrigo do princípio da proporcionalidade e a relativa simplicidade da presente impetrância, que, nos termos do n.º 7 do art.º 6 do Regulamento das Custas Processuais, seja determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça».


3. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte sentido:
- a fundamentação do acto de liquidação, por remissão para o relatório da inspecção tributária, afigura-se clara, suficiente e congruente, cumprimento os requisitos legais do artigo 77.º da LGT;
- provimento do recurso e revogação da sentença recorrida com fundamento em erro na aplicação do direito.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Os impugnantes figuram como “primeiros outorgantes” em documento denominado “Aditamento ao Contrato Promessa de Trespasse”, datado de 02.10.2007, no qual figura como “segunda outorgante” a sociedade “D………….– Unipessoal, Lda.” – conforme documento a folhas 143 a 145 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) Do documento a que se alude em A) consta conforme segue:
«(…).
Cláusula Primeira
Em 13 de Setembro de 2007 os Primeiros Outorgantes prometeram trespassar e a segunda Outorgante adquirir por negócio jurídico de "Trespasse", o estabelecimento comercial de exploração de farmácia, sito no ………., 4990 - ……. …………….. - Ponte de Lima, licenciado pelo ALVARÁ n.º 4831, expedido pelo INFARMED, em 08 de Outubro de 2006.
Cláusula Segunda
Pelo presente aditamento os Primeiros Outorgantes permitem e autorizam que a Segunda Outorgante inicie nesta data, a exploração da Farmácia da E…………, tomando dela a respectiva posse, nas seguintes condições:
a) Como contrapartida desta autorização a Segunda Outorgante antecipa o pagamento do preço, pagando nesta data a quantia de €900.000, 00 (novecentos mil euros).
b) Paralelamente, a Segunda Outorgante autoriza desde já que a Primeira Outorgante transfira o estabelecimento da “Farmácia E………” para sociedade de que seja única sócia, e para a qual já se encontra devidamente habilitada com o certificado de admissibilidade, que terá a designação social de Farmácia das C…………. Unipessoal, Lda.
c) Em resultado da transferência do estabelecimento a Segunda Outorgante desde já assume e aceita que o contrato definitivo de trespasse será outorgado pela sociedade Farmácia das C………… Unipessoal, Lda, pessoa colectiva …………., representada pela única sócia e gerente, Dr.ª A………….., para esta sociedade, Farmácia das C…………….. Unipessoal, Lda, se transferindo a relação contratual emergente da promessa aditanda.
Cláusula Terceira
As partes reconhecem, ainda, que o preço estabelecido no contrato promessa a que se reporta o presente aditamento foi calculado sem previa aferição do Goodwill, do tipo e natureza do stock, e que após a competente auditoria se verificou que o preço ajustado às reais condições do negócio seria de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), pelo que os primeiros outorgantes aceitam, incondicional e irrevogavelmente reduzir o preço do negócio, em 400.000 euros, fixando-se assim o referido valor de trespasse em €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), a pagar do seguinte modo:
a) com a assinatura da promessa foi paga a quantia de €100.000 (cem mil euros);
b) com a assinatura do presente aditamento é paga a quantia de €900.000 (novecentos mil euros);
c) no dia 4 de Abril será paga a quantia de €400.000 (quatrocentos mil euros);
d) no dia 30 de Dezembro de 2011 será paga a quantia remanescente, ou seja, €100.000 (cem mil euros).
Cláusula Quarta
Em tudo o que não for contrariado pelo presente aditamento mantém a promessa celebrada em 13 de Setembro de 2007.
(…)» - conforme documento a folhas 143 a 145 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) No dia 04.10.2007 foi celebrado “contrato de sociedade”, pelo qual a impugnante A………….. constituiu uma “sociedade unipessoal por quotas” sob a firma “Farmácia das C…………, Unipessoal, Lda.” – conforme documento a folhas 127 a 129 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
D) Do “contrato de sociedade” a que se alude em C) consta conforme segue:
«(…).
Que a realização do referido capital social de vinte e cinco mil euros, foi efectuado através de transferência que a sócia e seu marido fazem para a sociedade do seguinte bem em espécie, no valor total de trezentos e quarenta e oito mil trezentos e setenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos, que constitui a totalidade do património incluindo activo e passivo, afecto ao exercício da actividade empresarial de farmácia dela outorgante mulher, de que também faz parte o direito ao arrendamento, e que compõe o seu estabelecimento comercial de farmácia, em nome individual, com o NIF ……………, licenciado pelo alvará número quatro mil, oitocentos e trinta e um, emitido em oito de Outubro de dois mil e seis, pelo Instituto da Farmácia e do Medicamento, a funcionar no lugar ……….., ……………., concelho de Ponte de Lima.-----------------------------------------------
Que sendo o valor liquido total dos bens de trezentos e quarenta e oito um trezentos e setenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos e devendo com eles a sócia realizar a quota de vinte e cinco mi euros, há lugar a uma contrapartida a liquidar pela sociedade do montante de trezentos — e vinte e três mil trezentos e setenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos, valor que será levado à conta de suprimentos.
(…)» - conforme documento a folhas 128 a 129 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) A sociedade de Revisores Oficiais de Contas “………………” elaborou documento respeitante à sociedade a que se alude em C), datado de 24.09.2007, denominado “Relatório do Revisor Oficial de Contas nos termos do artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais” – conforme documento a folhas 129-verso a 131 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) A sociedade a que se alude em C) figura como “primeira outorgante” em documento denominado “contrato de trespasse”, datado de 04.10.2007, no qual figura como “segunda outorgante” a sociedade “D………….. – Unipessoal, Lda.” – conforme documento a folhas 137 a 142 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) Do documento a que se alude em F) consta conforme segue:
«(…).
Cláusula Primeira
É celebrado o presente contrato de trespasse do estabelecimento comercial de Farmácia, o qual se rege pelas cláusulas e normas seguintes e no que for omisso por legislação aplicável e abrange a cedência da respectiva chave e dos direitos, bem como a cedência de todas as licenças e alvarás a ele pertencentes e outros elementos conforme relatório do ROC.
Cláusula Segunda
A primeira vende e a segunda Outorgante adquire por negócio jurídico de “Trespasse”, o estabelecimento comercial de exploração de farmácia, sito no …….., 4990 - …………- ……. – Ponte de Lima, licenciado pelo Alvará n.º 4831, expedido pelo Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, em 08 de Outubro de 2006, que é detido pela primeira Outorgante, num prédio arrendado e descrito na respectiva matriz sob o art, 677.º e 678.º inscritos na Conservatória do Registo Predial com o n.º 0067/20010430, com a área de 126 m2, com valor mensal de renda € 1.250,00 euros, que serão aplicadas as regras do NRAU.
Cláusula Terceira
Pelo presente contrato, a primeira outorgante vende pelo valor global de 1.500.000,00 (Um Milhão e quinhentos mil euros), que que engloba os créditos, sobre clientes e o valor de stock, não inferior a € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros}, livre de quaisquer ónus ou encargos e responsabilidades, nomeadamente fiscais, e a segunda Outorgante, compra o estabelecimento comercial com a designação social Farmácia E……….. nas seguintes condições:
a) Na data da outorga do contrato promessa realizado em 13 de Setembro de 2007, a título de sinal e princípio de pagamento, a segunda Outorgante pagou aos anteriores proprietários, promitentes cedentes, Dr.ª A……………., casada, sob o regime de Comunhão Geral de Bens, com o Sr. Dr. B………….., a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros).
b) Em 2 de Outubro de 2007 a segunda outorgante pagou aos sobreditos Dr.ª A………….. e Dr. B……………, promitentes cedentes, a quantia de € 900.000,00 (novecentos mil euros).
c) No dia 4 de Abril de 2008 será paga à sociedade identificada como primeira outorgante, aqui trespassante, a quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros).
d) O remanescente da quantia em divida, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros) será pago no dia 30 de Dezembro de 2011.
e) Apurando-se um valor de stock inferior ao previsto no antecedente número, ou verificando-se a existência de dívidas que são da responsabilidade dos trespassantes, o preço será ajustado na medida da diferença, podendo a segunda outorgante descontar a diferença em qualquer uma das prestações identificadas nas antecedentes alíneas c) e d) desta cláusula.
Cláusula Quarta
Compete à Segunda Outorgante, o pagamento do imposto selo respeitantes a este negócio.
Cláusula Quinta
N.º 1 A primeira Outorgante obriga-se a assinar todos os documentos que se mostrarem necessários para o registo provisório da transmissão a favor da Segunda Outorgante da Farmácia da “E…………..”’ no INFARMED ou outras instituições, e com o Senhorio do Arrendado, sobre as novas disposições do NRAU, declaração que faz parte deste contrato, assim como, aquelas que sejam referentes ao Direito do trabalho, nomeadamente as comunicações aos trabalhadores, que obriga a comunicação do trespasse, aos funcionários do estabelecimento de Farmácia.
N.º 2 Verificando-se alguma dificuldade no registo do Alvará a favor da segunda outorgante, por culpa não imputável a esta sociedade, a primeira outorgante obriga-se a diligenciar no sentido de promover a efectiva inscrição, registo e transmissão do alvará a favor da D………….. Unipessoal, Lda, assistindo a esta o direito de não proceder ao pagamento das prestações do preço que se mostrarem em dívida, até efectivo registo do alvará.
(…)» - conforme documento a folhas 137 a 142 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) Pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direção de Finanças de Viana do Castelo, foi realizada uma acção inspectiva aos impugnantes relativa ao ano de 2007 – conforme documento a folhas 45 a 64 do PA, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) No âmbito da acção inspectiva a que se alude em H) foi elaborado documento denominado “Relatório/Conclusões” - conforme documento a folhas 45 a 64 do PA, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido
J) Em 13.03.2015 foi efectuada em nome dos impugnantes, liquidação de IRS relativa ao ano de 2007, no valor de 645.785,60 euros – conforme documento a folhas 36-verso do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) A Autoridade Tributária remeteu aos impugnantes documento denominado “Demonstração de acerto de contas”, com o número de identificação 201500003423079, no valor global de 613.879,56 euros – conforme documento a folhas 35-verso do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
L) Em 12.08.2015 foi remetida à Direção de Finanças de Viana do Castelo, “reclamação graciosa” em nome dos impugnantes da liquidação/“acerto de contas” a que se alude em J) e K) – conforme documentos a folhas 1 a 37 do PA, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
M) Em 20.12.2016 foi efectuado, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2321201501051369 do Serviço de Finanças de Ponte de Lima, e ao abrigo do “DL 67/2016”, o pagamento do valor de 485.580,02 euros, respeitante ao IRS do ano de 2007 e por referência ao documento de origem “15(…)00003423079” – conforme documentos a folhas 104-verso e 105 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) A petição da presente impugnação foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 01.03.2016 – conforme registo do SITAF a folhas 2 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.


Na sentença afirma-se ainda inexistirem factos não provados.

2. Questões a decidir
Saber se a factualidade dada como provada se reconduz ou não ao disposto no artigo 38.º do CIRS e se existe ou não fundamentação adequada da liquidação.

3. De direito
3.1. Da subsunção dos factos provados à previsão normativa do artigo 38.º do CIRS
Como já se avançou, a questão de direito aqui em apreço prende-se, em primeiro lugar, com a recondução ou não da factualidade dada como provada na sentença do TAF de Braga à previsão normativa do artigo 38.º do CIRS. Aquele artigo, sob a epígrafe “entrada de património para realização do capital de sociedade”, veio consagrar entre nós uma solução de neutralidade fiscal para que os sujeitos passivos que exerciam actividades de natureza empresarial sob a forma de empresa em nome individual pudessem adoptar uma estrutura jurídica mais adequada às suas necessidades, designadamente, a forma de sociedade comercial, sem que a isso obstassem constrangimentos de natureza fiscal (neste sentido v. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 280/95, de 26 de Outubro, que aditou ao CIRS o então artigo 36.º-A e que actualmente corresponde ao artigo 38.º).
Antes de analisar os requisitos legais do mencionado artigo 38.º do CIRS importa sublinhar que os mesmos visam assegurar a neutralidade fiscal das operações de empresarialização da actividade económica em nome individual sempre que exista uma “continuidade económica”, a qual é demonstrada não só pelo facto de “o empresário em nome individual continuar a deter a maioria do capital da nova sociedade e de a actividade a exercer se manter idêntica”, como ainda pela circunstância de se verificar uma simetria nas operações contabilísticas de saída dos bens do património da pessoa singular e ingresso dos mesmos na pessoa colectiva que lhe sucede ou da qual passa a deter, pelo menos, 50% do capital (tal como exigido no artigo 68.º-A do CIRC, aditado àquele código pelo mesmo Decreto-Lei n.º 280/95, e que correspondia ao artigo 77.º do CIRC à data da realização da operação).
Quer isto dizer que o legislador faz depender a “inexistência de resultado tributável da operação de realização de capital social decorrente da totalidade do património afecto ao exercício de uma actividade empresarial ou profissional por uma pessoa singular” da verificação de um conjunto de requisitos previstos nas alíneas a) a e) do referido artigo 38.º do CIRS. Requisitos que são:
- primeiro, que “[A] entidade para a qual é transmitido o património seja uma sociedade com sede e direcção efectiva em território português ou, sendo residente noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, o património transmitido seja afecto a um estabelecimento estável situado em território português dessa mesma sociedade e concorra para a determinação do lucro tributável imputável a esse estabelecimento estável” (al. a);
- segundo, que “[A] pessoa singular transmitente fique a deter pelo menos 50 % do capital da sociedade e a actividade exercida por esta seja substancialmente idêntica à que era exercida a título individual” (al. b);
- terceiro, que “[O]s elementos activos e passivos objecto da transmissão sejam tidos em conta para efeitos desta com os mesmos valores por que estavam registados na contabilidade ou nos livros de escrita da pessoa singular, ou seja, os que resultam da aplicação das disposições do presente Código ou de reavaliações feitas ao abrigo de legislação de carácter fiscal” (al. c);
- quarto, que “[A]s partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão sejam valorizadas, para efeito de tributação dos ganhos ou perdas relativos à sua ulterior transmissão, pelo valor líquido correspondente aos elementos do activo e do passivo transferidos, valorizados nos termos da alínea anterior” (al. d); e
- por último, que “[A] sociedade referida na alínea a) se comprometa, através de declaração, a respeitar o disposto no artigo 86.º do Código do IRC, a qual deve ser junta à declaração periódica de rendimentos da pessoa singular relativa ao exercício da transmissão” (al. e).
Ora, o que resulta das conclusões da acção de inspecção que serve de fundamento ao acto de liquidação impugnado – e que consta dos factos dados como provados na sentença (transcrição em I) – é que a operação jurídica e contabilística promovida pelo sujeito passivo – que não se limitou a uma mera transformação em sociedade comercial da actividade económica de farmácia desenvolvida em nome individual, antes incluindo também um posterior trespasse dessa actividade a uma outra sociedade comercial – não observou, pelo menos, o disposto nas alíneas d) e e) do artigo 38.º do CIRS.
Como expressamente se afirma no mencionado relatório de inspecção tributária, “a quota, no valor de € 25.000,00, recebida em troca dessa entrada de património é substancialmente inferior ao valor liquido dos elementos transmitidos (mesmo tendo sido considerados os valores contabilísticos)”, não observando, por isso, o requisito da alínea d), do n.º 1 do artigo 38.º do CIRC; e “também se verificou que não foi cumprido o disposto na alínea e) do mesmo artigo, bem como no n.º 1 artigo 77.° do CIRC; isto é, na contabilidade da sociedade Farmácia das C………….. não constam quaisquer registos dos bens que alegadamente constituíram a entrada em espécie para a realização do capital social”. Assim, com fundamento na inobservância dos requisitos legais para a aplicação do regime de neutralidade fiscal do artigo 38.º do CIRS, concluiu o referido relatório que “a previsão legal para o benefício do regime de neutralidade fiscal encontra-se subordinada ao cumprimento dos requisitos impostos pelo referido artigo. Na falta do seu estrito cumprimento, não existem condições legais para validar a operação tal como o contribuinte expande ser a sua pretensão”.
Ao concluir pelo não enquadramento da operação empresarial realizada no regime da neutralidade fiscal do artigo 38.º do CIRS, o relatório de inspecção tributária, na parte que é transcrita como factos provados na sentença do TAF de Braga, apresenta ainda o “circuito financeiro” dos fluxos relativos à operação de trespasse para demonstrar que dos €1.500.000,00 acordados como valor do trespasse, €1.400.000,00 ingressaram nas contas do sujeito passivo e não nas da alegada pessoa jurídica transmitente, pelo que, nessa medida, não poderiam qualificar-se como “entradas de capital” na Farmácia das C…………., Unipessoal Lda (a sociedade que a empresária em nome individual havia entretanto constituído para a realização da operação de trespasse à D…………….. Unipessoal, Lda), nem poderiam beneficiar também de qualquer tratamento fiscal mais favorável à luz das regras do CIRC. E que os €100.000,00 que ingressaram na conta bancária da Farmácia das C………….., Unipessoal Lda foram contabilizados como um suprimento da sócia e não como entrada em espécie para a realização do capital social da D………….. Unipessoal, Lda.
Lembramos, de resto, que as operações respeitantes à reorganização empresarial das sociedades comerciais, mesmo quando abrangidas por um regime de neutralidade fiscal, não obstam à tributação dos sócios relativamente às quantias em dinheiro (pagamentos) que lhes sejam atribuídas, como é o caso aqui do pagamento de €1.400.000,00 à sócia única da Farmácia das C………….. Unipessoal, Lda a título de trespasse. Tais pagamentos constituem sempre rendimento dos sócios, neste caso, do sujeito passivo, que terá de ser tributado em mais valias – artigo 10.º, n.º 1, al. b do CIRS.
Ora, a comprovação documental do pagamento de €1.400.000,00 do valor do trespasse à sócia e não à sociedade comercial, assim como a contabilização dos €100.000,00 a título de suprimento da sócia à D………….., Unipessoal Lda é suficiente para fundamentar a existência do facto tributário (rendimento do sujeito passivo singular), o qual resulta directamente da contabilidade e dos dados bancários e não, como alega a recorrida, de qualquer desconsideração do negócio jurídico celebrado entre as sociedades comerciais Farmácia das C…………… Unipessoal, Lda e D……………, Unipessoal Lda.
A este facto acresce também o de os registos contabilísticos do sujeito passivo, aquando da cessação da actividade empresarial em nome individual, mostrarem que alguns bens não haviam sido transferidos para a sociedade, tendo antes sido afectos ao uso pessoal da empresária, o que justificou ainda a respectiva tributação a título de mais valias nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, al. a, e 44.º, n.º 1, al. c, do CIRS, na redacção em vigor em 2007. Facto que, por integrar o relatório da inspecção tributária transcrito nos factos provados da sentença recorrida, tem de ser igualmente considerado nesta apreciação de direito, não merecendo igualmente censura a respectiva qualificação jurídica.
Em suma, ao tribunal cabe apreciar a questão tal como ela é conformada pelo impugnante, que sustentou o seu pedido de anulação da liquidação no enquadramento dos factos (incluindo o trespasse da Farmácia das C………….., Unipessoal, Lda para a D………….., Unipessoal, Lda) no regime da neutralidade fiscal do artigo 38.º do CIRS; sendo este também o tratamento contabilístico que o sujeito passivo impugnante havia dado à referida operação. Assim, tendo a Administração Tributária concluído e demonstrado em relatório de inspecção tributária que fundamenta aquela liquidação (fundamentação do acto tributário por remissão para o relatório de inspecção tributária, que é um tipo de fundamentação expressamente previsto e admitido no n.º 1 do artigo 77.º da LGT), que não se encontravam preenchidos os requisitos do referido artigo 38.º do CIRS, razão pela qual a operação em causa não pode beneficiar do regime de neutralidade fiscal do apoio à transformação societária das actividades empresarias em nome individual, e que por efeito daquelas operações de reestruturação da actividade empresarial o sujeito passivo tinha obtido rendimento que não havia sido tributado, concluímos que a liquidação impugnada tem fundamento legal.

3.2. Da falta de fundamento da liquidação
Tomando em consideração tudo o que antes se afirmou, concluímos também que não existe falta de fundamentação do acto de liquidação em apreço. A liquidação impugnada – como o relatório da inspecção tributária que lhe serve de fundamento e que é transcrito parcialmente nos factos provados da sentença do TAF de Braga mostra – fundamenta-se na existência de rendimentos obtidos pelo sujeito passivo (na qualidade de sócia da Farmácia das C…………., Unipessoal, Lda) enquadráveis no artigo 10.º do CIRS. Pelo que não procede a anulação da liquidação com este fundamento decidida pelo referido TAF de Braga.


3.3. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
O regime jurídico da neutralidade fiscal aplicável às operações de transformação em sociedade comercial de uma actividade empresarial em nome individual, previsto no artigo 38.º do CIRS, não obsta à tributação de pagamentos recebidos pelo sujeito passivo pessoa singular por efeito dessas operações, os quais não podem ser contabilisticamente enquadráveis no âmbito da operação não sujeita a tributação, devendo os mesmos ser tributados a título de rendimento auferido pelo sujeito passivo singular.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.




Custas pela recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

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Lisboa, 30 de Outubro de 2019. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Ascensão Lopes – Aragão Seia.