Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01427/19.0BELSB
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DECISÃO
PRAZO RAZOÁVEL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071264
Nº do Documento:SA12021100701427/19
Data de Entrada:07/02/2021
Recorrente:A............... E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
Legislação Nacional:Regime da Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado e Demais Entidades Públicas
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

B…………., A………………. e C……………….., melhor identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC) acção administrativa contra o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando a condenação deste a pagar a cada um dos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de 10.000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral e efectivo pagamento.
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Por saneador/sentença, de 14 de Fevereiro de 2020, o TAC de Lisboa julgou a presente acção parcialmente procedente, e, nesta procedência, condenou o Estado Português a pagar a cada um dos Autores a quantia de 5.750.00€ (cinco mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função jurisdicional e atraso na realização de justiça.
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O Réu e os Autores apelaram para o TCA Sul, e este, por acórdão proferido a 07 de Janeiro de 2021, com um voto de vencido, decidiu:
1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado Português, revogar a sentença recorrida e em substituí-la por outra, de condenação do Réu, Estado Português ao pagamento da indemnização no valor de 12.000,00€ a repartir por cada um dos Autores, no valor de 4.000,00€ acrescida de juros legais, desde a citação, em consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável.
2. Negar provimento ao recurso interposto pelos Autores, por não provado.”
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Os Autores, inconformados, vieram interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«1.ª A condenação e a absolvição parciais do réu do pedido ficaram a dever-se ao facto de no acórdão impugnado se ter entendido que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado da decisão definitiva da causa e a notificação da conta final de custas, elaborada após a decisão da reclamação, não deve ser contabilizado como sendo tempo de duração total do processo e que a indemnização só deve ser calculada com base nos anos considerados de excesso do prazo razoável de decisão.
2.ª Por sua vez, a redução da indemnização atribuída pela 1ª instância, que o acórdão fez operar, foi motivada pelo erro cometido de se ter considerado que os autores alegadamente não foram diligentes e cooperantes com o tribunal, tendo feito uso indevido de uma reclamação e omitido um pedido de aceleração processual, pelo que tiveram alguma culpa, e, por isso, também seriam responsáveis pelo excesso na duração do processo.
3.ª Porém, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência do TE que o art.º 6º, § 1º, da Convenção deve ser interpretado e aplicado no sentido de o tempo decorrente entre o trânsito em julgado da decisão que julgou definitivamente a causa e a notificação da conta final de custas, elaborada após esgotamento dos meios de impugnação no caso existentes, também se deve contar para a determinação da duração total do processo e para o cálculo da indemnização a atribuir ao lesado.
4.ª De facto, trata-se de uma fase em que se praticam actos no processo, podendo estender-se por vários meses e até anos, se houver recurso, e se executa uma parte da sentença, pelo que é parte da determinação dos direitos e obrigações de carácter civil, sendo certo que tem sido entendido que as fases declarativa e de execução são incindíveis, ainda que, nalguns casos, os processos sejam autónomos, contando-se como se de uma só fase se tratasse.
5.ª É igualmente entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência estrasburguesa que o verdadeiro sentido e alcance do citado art.º 6º, § 1º, impõe que a indemnização por danos não patrimoniais seja determinada com base no tempo de duração total do processo, e não só por cada ano considerado de atraso, à razão de uma quantia compreendida entre 1000,00 e 1500,00 por cada ano de pendência total.
6.ª Já se aceita em todos os quadrantes que é o TE que interpreta e determina o verdadeiro sentido e alcance das normas da Convenção, densificando os conceitos de prazo razoável, indemnização razoável e danos não patrimoniais ressarcíveis e que a sua jurisprudência, como que interpretação autêntica, desempenha um papel de relevo, pelo que deve ser seguida pelos tribunais nacionais.
7.ª Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais que os autores sofreram em consequência da violação do prazo razoável de decisão, o tribunal recorrido, em vez de uma indemnização razoável, atribuiu uma compensação insuficiente, tendo reduzido a já por si insuficiente que fora atribuída na sentença, muito abaixo do que seria justo e razoável, não tendo tido em conta os critérios constantemente seguidos pela jurisprudência de Estrasburgo e também pelos tribunais nacionais.
8.ª Os autores foram notificados já em cima das férias judiciais para juntarem documento comprovativo de notificação da réplica do réu, reclamaram a 1 de Agosto e, após indeferimento, deram entrada ao documento a 9 de Setembro, na mesma data em que o fariam se não tivessem reclamado, além de que não se tratou de nenhum incidente, antes sendo um acto processual normal, pelo que nem o uso da reclamação foi indevido nem houve qualquer atraso no processo.
9.ª No CPC não se prevê qualquer incidente de aceleração processual que pudesse ter sido accionado e aquele que está previsto nos artºs 108º e 109º do CPP não pode aqui ser aplicado por analogia, atenta a natureza dos valores envolvidos, pelo que não foi cometida qualquer omissão nem houve atraso do processo imputável aos autores, tendo, por isso, sido indevida a atribuição de culpa no atraso e a redução da indemnização, do que resultou violado art.º 4º do RRCEDEP.
10.ª Na fixação da indemnização o tribunal recorrido não teve em conta, nomeadamente, que o art.º 41º da Convenção manda atribuir uma reparação razoável às vítimas da violação do prazo razoável e que o TE, nesta parte seguido pelos tribunais nacionais, tem entendimento que a indemnização deve ser fixada entre 1000,00 e 1500,00 euros por cada ano de duração total do processo (e não só por cada ano de atraso).
11.ª Na elaboração do acórdão devia ter-se aplicado o citado art.º 41º e interpretar-se os art.ºs 494º e 496º, nºs 1 e 3, ambos do CC, no sentido de afastar a aplicação do segundo normativo, simplesmente porque não se trata de uma situação em que a responsabilidade se funde em mera culpa para a indemnização poder reduzida, devendo ter-se sempre em consideração os valores indemnizatórios revelados pela prática jurisprudencial.
12.ª O acórdão olvidou ou simplesmente desconheceu a tendência jurisprudencial que se vem verificado, desde há vários, no sentido de se abandonar a atribuição de indemnizações insuficientes e não razoáveis, referindo-se em vários arestos que se trata de entendimento praticamente unânime.
13.ª Cada um dos autores merece a atribuição de uma reparação razoável, de valor igual ao da que pediu, porque também é razoável o quantitativo desta, no sentido de que o mesmo não peca por excesso, sobretudo se comparado com os que é corrente ver-se serem pedidos e atribuídos em processos em tudo idênticos a este, só podendo pecar por defeito, nunca por excesso.
14.ª Além dos normativos já citados, mostram-se violados os artºs 2º, 20º, nº 4, 22º, todos da Constituição, 6º, § 1º, da Convenção, 2º, nº 1, do CPC, 1º, nºs 1 e 2, 3º, 7º, nºs 3 e 4, 9.º, 10º, nº 1, e 12.º, todos do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo art.º 1º Da Lei nº 6/07, de 31 de Dezembro, e 70º, nº 1, 483º, nº 1, 496º, nº 1, e 563º, todos do CC.»
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O recorrido contra-alegou, concluindo:
«A - DA NÃO ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO DE REVISTA POR FALTA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 150º, Nº 1 DO CPTA
1. De acordo com o preceituado no artigo 150º, nº 1, do CPTA, é entendimento pacífico que o recurso jurisdicional de revista tem natureza marcadamente excecional e, portanto, a sua admissibilidade está circunscrita a elenco limitado e muito concreto de casos.
2. Tal significa que não é de admitir o recurso de revista quando as questões suscitadas se prendem com os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, com referência ao momento até ao qual se deve contar a duração do processo, que no entender dos recorrentes deveria ser a notificação da conta, para efeito de se provar se a decisão foi, ou não, proferida em prazo razoável.
3. Reconduzindo-se a segunda das questões em saber se a indemnização fixada se situa dentro dos limites fixados pela jurisprudência e doutrina.
4. Como referem, fundamentam a presente revista no seguinte:
“A condenação e a absolvição parciais do réu do pedido ficaram a dever-se ao facto de no acórdão impugnado se ter entendido que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado da decisão definitiva da causa e a notificação da conta final de custas, elaborada após a decisão da reclamação, não deve ser contabilizado como sendo tempo de duração total do processo e que a indemnização só deve ser calculada com base nos anos considerados de excesso do prazo razoável de decisão.”
5. Na verdade, importa referir, desde logo, que não se divisa que do douto Acórdão recorrido resulte erro manifesto e grave, quer no domínio da apreciação da prova, quer na aplicação do direito, nem tal é invocado.
6. De facto o Tribunal a quo, não só, analisou toda a factualidade dada como provada, em sede de 1ª instância e nos termos da lei aplicável, Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, como fundamentou de forma detalhada as razões pelas quais se verificavam os pressupostos daquela responsabilidade civil, embora considerando a concorrência da responsabilidade dos AA, razão pela qual deu provimento ao recurso do Réu Estado Português.
7. Aliás, o facto da questão relativa ao momento até ao qual se deve contabilizar a duração do processo não suscitar controvérsia jurisprudencial ou mesmo doutrinal, como invocam os Recorrentes, só se pode dever ao facto da resposta a tal questão não suscitar dúvidas, ou pelo menos dúvida séria, pois que o próprio conceito de decisão em prazo razoável, dá resposta a tal questão, ao referir-se à decisão e não ao processo.
8. Pretende-se que a decisão a proferir em determinado processo aconteça dentro de um período de tempo que se situe dentro dos parâmetros considerados normais, sendo a mesma exequível, ou seja, contabilizando essa duração até ao trânsito em julgado da mesma.
9. Não se vê, pois, que a resposta a tal questão tenha especial relevância ou interesse para uma melhor aplicação do direito.
10. Quanto à questão relativa ao “quantum” da indemnização, quer no que se refere ao seu valor com referência a cada ano de demora, ou ao seu valor global, é assunto já tratado por esse Venerando Tribunal.
11. O teor do douto Acórdão está em linha com as decisões desse Venerando Tribunal no que se refere à fórmula de cálculo utilizada e para cada uma das instâncias pelas quais o processo tenha transitado, como resulta das citações ali constantes.
12. Não se divisa, por isso, também relativamente a esta questão, que o entendimento acolhido no douto Acórdão recorrido, em qualquer das suas vertentes, evidencie erro manifesto a exigir, só por si, a intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito.
13. Em consequência deste entendimento, impõe-se concluir que o caso em apreço, não se enquadra em nenhum dos pressupostos legais constantes do artº 150°, n° 1 do CPTA, conforme Acórdão do STA de 15/2021, in proc. nº 995T19.0BESNT.A1 in bases do ITIJ.
14. Em suma, conclui-se que não se encontra preenchido qualquer dos requisitos expressamente previstos naquela norma, pelo que, à semelhança de outras situações similares, deve esse Venerando Tribunal rejeitar liminarmente o presente recurso jurisdicional.
B - Do Recurso
15. A matéria do presente recurso de revista mantém, no essencial, o teor das invocações feitas no recurso da sentença do Tribunal de 1ª instância, interposto pelos AA, no que se refere às duas questões agora suscitadas, não apresentando argumentos novos e válidos.
16. Desta forma, importa realçar a argumentação expendida no douto Acórdão, com a qual se concorda, tanto no que se refere ao momento que deve servir de referência ao cálculo do valor da indemnização pelo atraso na decisão que tenha ocorrido e, por outro, relativamente à forma de cálculo dessa mesma indemnização.
17. Quanto à primeira das questões suscitadas, ali se entendeu que:
“Não só o trânsito em julgado marca o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à causa, nos termos do disposto no artigo 613º, nº 1 do CPC, como define o momento em que a decisão judicial, tendo sido já proferida, já não pode ser alterada, segundo o disposto no artigo 619º, nº 1 do CPC.
Por conseguinte, todas as fases posteriores ao trânsito da decisão judicial já não se prendem com o direito a obter uma decisão em prazo razoável, segundo os ditames constitucionais e emanados das fontes de direito internacional.”
18. Relativamente à segunda das questões, ali se considerou:
“Como decidido no Acórdão deste TCAS, datado de 10/12/2019, Processo nº 1966/09.0BEPRT, referido na sentença recorrida, de acordo com os padrões fixados pela jurisprudência do TEDH, atribui-se entre 1.000€ a 1.500€ por cada ano de atraso injustificado.
Tal quantitativo é aferido em função do número de ano de atraso ou de delonga processual e não por cada ano de duração total do respetivo processo.
É, por isso, errado associar-se a duração total do processo ao número de anos de verdadeiro atraso processual, como se realidades equivalentes se tratassem, pois que àquele primeiro período há que descontar o período normal da tramitação do processo, correspondente à resposta à solicitação dos cidadãos aos serviços de justiça.”
19. Verificamos, assim, do teor da fundamentação jurídica, ínsita no Acórdão, que se encontra em linha com a jurisprudência desse Venerando Tribunal e em conformidade com a lei e princípios constitucionais.
20. Não ocorre, pois, qualquer erro de julgamento no que tange a este vector da decisão, nem violação de norma ou princípio constitucional, como se sublinha no mesmo Aresto.»
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O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº6 do artº 150º do CPTA], proferido em 09 de Junho de 2021, com o seguinte discurso fundamentador:
«(…)
Os autores e aqui recorrentes accionaram o Estado a fim de obterem a condenação do réu no pagamento de indemnizações pela excessiva demora de um processo que instauraram nos tribunais comuns.
O TAC reconheceu esse atraso, ilícito e culposo, e condenou o Estado a pagar a cada um dos autores a indemnização de € 5.750,00, por danos morais, acrescida de juros moratórios.
Apelaram ambas as partes.
E o TCA - considerando, por maioria, que os lesados concorreram culposamente para a demora do referido processo — condenou o réu a pagar a cada autor a importância de €4.000,00, pelo mesmo título, bem como os correspondentes juros demora.
Na sua revista, os recorrentes dizem duas básicas coisas: que o aresto do TCA desconsiderou inadmissivelmente o tempo decorrido entre o trânsito do acórdão do STJ e a notificação final da conta de custas - assim afrontando a jurisprudência do TEDH; e que o mesmo aresto errou ao culpá-los por não terem solicitado uma «aceleração processual» durante os mais de quatro anos em que o processo permaneceu na Relação, aguardando que a revista já interposta fosse enviada ao STJ.
Ora, essas críticas dos recorrentes têm, «primo conspectu», alguma razão de ser - o que logo insta à reapreciação desses «themata». Por outro lado, elas inscrevem-se em questões repetíveis e, por isso, necessitadas de um esclarecimento paradigmático por parte do Supremo».
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A) Em 28.3.2008 os Autores propuseram contra o Banco …………., S.A., no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, uma acção com processo ordinário, à qual foi aposto o nº 857/08.7TVLSB, tendo a mesma sido distribuída à antiga 7ª Vara (fls. 2 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
B) Na referida ação, os Autores, na qualidade de mutuários e fiadores, pediram, além do mais, a declaração de nulidade de algumas das cláusulas inseridas num contrato designado de mútuo com hipoteca, celebrado a 24.6.2005, pelo prazo de 40 anos, através do qual o ali réu Banco ……….., SA, lhes concedera um empréstimo de 249.399,00€, para aquisição de habitação própria permanente (fls. 23 a 25 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
C) Também pediram a redução da prestação mensal que ficaram obrigados a pagar ao mutuante, no valor inicial de 900,01€ e depois agravada para 1.276,12€, a restituição dos diferenciais então já vencidos e de todos os que viessem a vencer-se até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a decidir a causa e a condenação do réu a abster-se de aplicar novos agravamentos no futuro (fls. 23 a 25 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
D) O Réu foi citado em 2.4.2008 (fls. 113 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
E) E contestou em 5.5.2008 (fls. 114 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
F) A contestação foi notificada aos Autores por ofício de 8.5.2008 (fls. 189 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
G) E estes replicaram em 23.5.2008 (fls. 190 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
H) Por ofício de 9.7.2008 os Autores foram notificados para, em 10 dias, juntarem aos autos documento comprovativo de terem notificado a réplica ao Réu (fls. 193 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
I) Em 1.8.2008 os Autores reclamaram dessa notificação (fls. 194 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
J) A reclamação foi objeto de despacho de indeferimento em 1.9.2008, data em que foi aberta conclusão (fls. 195 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
K) Por ofício de 3.9.2008 os Autores foram notificados desse despacho (fls. 196 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
L) Em 9.9.2008 os Autores juntaram comprovativo da notificação da réplica ao Réu (fls. 197 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
M) Foi aberta conclusão em 1.10.2008 (fls. 199 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
N) Nessa data foi marcada audiência preliminar para 19.2.2009 (fls. 199 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. I);
O) Na audiência preliminar os Autores apresentaram articulado superveniente, tendo o Réu sido notificado para responder, pelo que a diligência foi interrompida para continuar a 30.3.2009 (fls. 204 a 208 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. II);
P) Na audiência preliminar foi proferido despacho saneador, mas não foi designada data para julgamento (fls. 231 a 259 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);
Q) Em 9.9.2009 foi designada para julgamento a data de 2.3.2010 (fls. 264 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. II);
R) Na data designada a audiência de julgamento foi iniciada e suspensa após a inquirição de uma testemunha, para continuar a 29.4.2010 (fls. 328 a 331 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. II);
S) A leitura dos quesitos foi efetuada em 14.5.2010 (fls. 341 a 347 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. II);
T) A sentença foi proferida em 11.10.2010 (fls. 347 a 389 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. II);
U) O Réu recorreu da parte da sentença que lhe foi desfavorável em 11.11.2010 e os Autores fizeram-no a 26 do mesmo mês (fls. 400 a 409 e 410 a 462 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. II e vol. III);
V) O Réu contra-alegou em 20.1.2011 e os Autores fizeram-no em 27 do mesmo mês (fls. 549 a 744 e 756 a 758 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. III e vol. IV);
W) Os recursos foram admitidos por despacho de 4.2.2011 (fls. 760 a 769 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
X) e o processo foi remetido à Relação em 10.2.2011 (fls. 772 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
Y) Na Relação o processo foi apresentado a exame a 16.2.2011 e foi aberta conclusão no dia seguinte (fls. 774 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
Z) Em 20.10.2011 o relator proferiu despacho a mandar dar conhecimento aos juízes adjuntos (fls. 776 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
AA) De novo concluso a 10.11.2011 (fls. 778 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV),
BB) em 21.12.2012 o relator proferiu despacho a mandar inscrever o processo em tabela, para julgamento (fls. 778 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);
CC) Na sessão de 21.2.2013, o julgamento foi adiado sine die, sem se ter indicado qualquer justificação (fls. 780 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
DD) Em 24.6.2013, o processo voltou a ser inscrito em tabela para julgamento, desta vez, em 11.7.2013 (fls. 782 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
EE) O recurso foi decidido na data para tal efeito designada (fls. 783 a 823 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
FF) O acórdão foi notificado por ofícios de 12.7.2013 (fls. 824 e 825 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
GG) Os Autores interpuseram recurso de revista excepcional para o STJ em 23.9.2013 (fls. 827 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
HH) Em 25.10.2013 o Réu pronunciou-se no sentido de o recurso não ser admitido (fls. 861 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
II) Foi aberta conclusão em 25.11.2013 (fls. 865 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
JJ) Em 3.5.2018, o relator ordenou a remessa do processo ao STJ (fls. 869 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
KK) Em 4.6.2018 a secretaria deu cumprimento ao referido despacho (fls. 872 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
LL) O processo foi objeto de exame em 20.6.2018 (fls. 874 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
MM) A revista foi admitida por acórdão de 28.6.2018 (fls. 876 a 881 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV);
NN) O recurso foi decidido por acórdão de 19.12.2018 (fls. 903 a 967 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. V);
OO) O acórdão foi notificado por ofícios de 20.12.2018 (fls. 969 e 970 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. V),
PP) Tendo transitado em julgado em 14.1.2019 (fls. 971 do processo apenso nº 857/08.7TVLSB – vol. IV).”
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2.2 O DIREITO.
B……………, A……………………. e C……………….., intentaram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção administrativa para pagamento de uma indemnização, fundada na prática de ato ilícito, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, contra o Estado Português, que, como supra se referiu, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Réu ao pagamento de indemnização a cada um dos Autores no montante de 5.750€, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função jurisdicional e atraso na realização de justiça.
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Interposto, pelos Autores e pelo Réu, recurso de apelação para o TCAS, veio este a conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado Português e a negar provimento ao recurso interposto pelos Autores, reduzindo o montante indemnizatório a atribuir a cada autor para 4.000€, por entender que não era de levar em consideração o tempo decorrido entre o trânsito em julgado e a notificação da conta final (elaborada depois de decidida uma reclamação dos autores) e que o cálculo da indemnização a atribuir só deveria incidir sobre o tempo considerado como atraso e, não sobre todos os anos de duração total do processo; mais se entendeu que os autores contribuíram para o atraso da decisão final em dois momentos distintos [primeiro porque logo no início da instância, alegadamente terão feito uso indevido de uma reclamação; segundo, porque quando o Tribunal da Relação já tinha decidido o recurso por eles interposto, não suscitaram o incidente de aceleração processual para que o processo andasse.
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Os AA/ora recorrentes discordam do assim decidido, invocando como questões em discussão:
(i) A alegada culpa dos autores no atraso do processo;
(ii) Apurar quando o processo se considera findo;
(iii) Se só tem relevância o tempo que excede o prazo razoável de decisão;
(iv) O valor da indemnização atribuída.

Vejamos, enunciando, antes de mais, a legislação aplicável aos autos, nesta sede de responsabilidade civil extra contratual do Estado, designadamente, quando está em causa a violação do direito a uma decisão em prazo razoável.
Este direito começa por assumir consagração constitucional, nos termos constantes no nº 4, do artº 20º da CRP. «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
Bem como, consagrado no nº 1, do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), datada de 04 de Novembro de 1950, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13/10, em vigor na nossa ordem jurídica desde 09/11/1978 [DR, I Série, nº 89, de 16/06/1978] que estabelece, sob a epígrafe de “Direito a um processo equitativo”:
«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil (…)».
Dispõe, ainda, o artigo 13º da CEDH:
«Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na (…) Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais».
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de Dezembro de 1948, publicada no DR de 09/03/1978, prevê no seu artigo 8º:
«Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competente contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei».
De igual modo, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, datado de 07 de Outubro de 1976, aprovado pela Lei nº 29/78, de 12/06, prevê no seu artº 14º, os direitos dos cidadãos perante os tribunais, de entre os quais, que a causa no âmbito penal seja julgada “sem demora excessiva” [cfr. artigo14º, nºs. 1 e 3, alínea c), e ainda o Protocolo Facultativo Referente ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adoptado em 16 de Dezembro de 1966, aprovado pela Lei nº 13/82, de 15/06].
Estamos, pois, perante um direito à decisão da causa em prazo razoável [direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, que aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo, sem dilações indevidas] e um direito ao processo equitativo, ambos relacionados com os princípios da efectividade e da boa administração da justiça – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 414 e 417.
Dizem-nos a este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, pág. 417 que «A não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos casos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo».
Igualmente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem associado o respeito pelo prazo razoável à eficácia e credibilidade da justiça.
Daí que, segundo Isabel Celeste M. Fonseca, in “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”, in Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pág. 8, se refira: «mais uma das facetas da Europeização do Direito Administrativo e do Direito Processual Administrativo”, pois “a influência do Juiz de Estrasburgo tem sido tão significativa que o direito substantivo e processual de responsabilização por este tipo de danos tem traços muito idênticos nos diversos ordenamentos jurídicos».
Acresce que a determinação da razoabilidade do prazo requere sempre o exame da situação em concreto, exigindo-se a ponderação de todas as circunstâncias concorrentes nessa apreciação, como sejam a natureza do processo, a sua complexidade, o comportamento do requerente e das demais entidades intervenientes, sendo que, apenas os atrasos devidos às autoridades competentes podem ser imputados aos Estados e, por isso, só eles permitem apurar se há ou não violação do nº 1, do artigo 6º (…).
Por outro lado, incumbe aos Estados organizar o seu sistema judiciário de forma a que as suas jurisdições possam garantir a cada cidadão o direito de obter uma decisão definitiva sobre as pretensões levadas a juízo, sempre em prazo razoável.
Resulta ainda do artigo 22º da Lei Fundamental, sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, o seguinte:
«O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
E do nº 1 do artigo 2º do CPC:
«A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar».
Bem como, do nº 1 do artigo 2º do CPTA:
«O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão».
Defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 430, o seguinte: «Sob o ponto de vista jurídico-constitucional, não há qualquer fundamento para não aplicar o princípio geral da responsabilidade do Estado (…) às acções ou omissões praticadas no exercício da função jurisdicional («responsabilidade dos juízes», «responsabilidade pelo funcionamento da justiça»), desde que seja possível recortar no exercício destas funções os pressupostos de culpa, ilicitude e nexo de causalidade, indispensáveis para a efectivação da responsabilidade civil do Estado. (…) deve valer o princípio geral da responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional sempre que das acções ou omissões ilícitas praticadas por titulares de órgãos jurisdicionais do Estado, seus funcionários ou agentes resultem violações de direitos, liberdades e garantias ou lesões de posições jurídico-subjectivas (
Do exposto, se pode concluir que o direito de acesso à justiça e a uma decisão em prazo razoável, no nosso ordenamento jurídico, constitui uma garantia intrínseca ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, sendo que, qualquer violação a este direito, constitui o Estado em responsabilidade civil extra contratual [prevista no artº 22º da CRP e na Lei nº 67/2007 de 31/12 que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas – RRCEE] designadamente quando esteja em causa a responsabilidade do Estado por um funcionamento defeituoso do serviço público de justiça [atraso anormal ou violação do direito a decisão em prazo razoável].
Prevê ainda o artº 12º da Lei nº 67/2007 o seguinte: «(…) é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.».
Analisemos, pois, os diversos requisitos exigidos, para que se verifique a responsabilidade civil extra contratual do Estado, sendo que a factualidade a ter em consideração é a resultante dos autos.
(i) DA ILICITUDE
A este propósito consignou-se no acórdão recorrido:
«Tendo o processo sido instaurado em 28/03/2008, veio a ser definitivamente decidido em 19/12/2018, por acórdão do STJ, transitado em julgado em 14/01/2019, depois de ter percorrido as três instâncias, decorrente da interposição das duas vias admissíveis de recurso jurisdicional, numa duração total entre o início da constituição da instância, em 28/03/2008 e o trânsito em julgado da decisão, em 14/01/2019, de 10 anos, 9 meses e 17 dias.
No entanto, compulsados os factos constantes do probatório assente, assinala-se apenas ter existido um atraso imputável ao Réu, Estado Português, no âmbito da 2.ª instância, por o processo ter sido remetido ao Tribunal da Relação em 10/02/2011, tendo aí sido julgado em 11/07/2013 e, ao ser aberta conclusão em 25/11/2013, para o proferimento de despacho sobre a admissão do recurso interposto para o STJ, tal despacho apenas tendo vindo a ser exarado em 03/05/2018, numa delonga de 4 anos, 5 meses e 8 dias.
Na primeira instância, o processo não levou três anos a ser decidido (sendo a ação instaurada em 28/03/2008, foi proferida sentença em 11/10/2010) e no STJ o processo não levou sequer um ano a ser julgado (o processo foi remetido ao STJ em 04/06/2018 e foi decidido em 19/12/2018), pelo que, o único atraso a imputar como ilícito ao Réu, Estado português é o decorrente do referido atraso de 4 anos, 5 meses e 8 dias, no Tribunal da Relação.
Por isso, no que respeita à análise da concreta situação factual e com relevo para o pressuposto da ilicitude, acolhe-se a fundamentação de direito da decisão recorrida:
“7. O processo nº 857/08.7TVLSB percorreu três instâncias (Tribunal Judicial de Lisboa, Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça). Aproximando-nos das vicissitudes processuais, podemos concluir que o processo decorreu, na primeira instância, dentro da normalidade, sem qualquer ato que tenha excedido o prazo que, para o efeito, se poderia admitir como razoável, como aceitável. O mesmo se diga relativamente à tramitação no Supremo Tribunal de Justiça, onde o processo correu termos sem qualquer facto relevante para a presente ação e dentro do prazo que seria razoável. Tal já não sucedeu, de todo, no Tribunal da Relação de Lisboa. Na verdade, o processo subiu àquele tribunal em 10.2.2011 e teve acórdão em 11.7.2013. Na sequência da apresentação de recurso de revista, foi aberta conclusão em 25.11.2013. O respetivo despacho de admissão foi proferido em 3.5.2018, ou seja, 4 anos e 5 meses depois. Foram estes os factos que estiveram na origem da excessiva duração do processo n.º 857/08.7TVLSB (…)”».
Como supra se referiu, tem-se entendido que a razoabilidade da duração de um processo é avaliada segundo as circunstâncias concretas da causa e tendo em atenção os critérios consagrados pela jurisprudência, em particular, a complexidade do processo, o comportamento das partes e aquele que é atribuído às autoridades competentes, bem como, a importância do caso para os interessados.
Por referência ao nº 1, do artº 6º, da CEDH, tem-se enunciado 4 parâmetros definidores para aferir da razoabilidade da duração de um processo [cfr. entre muitos outros os acórdãos proferidos pelo TEDH em 06/04/2000, Proc. nº 35382/97, COMINGERSOLL S.A. v. PORTUGAL e em 08/06/2006, Proc. nº 75529/01, SÜRMELI v. GERMANY, in http://hudoc.echr.coe.int/eng].
São eles:
(a) A complexidade do processo;
(b) O comportamento das partes;
(c) A actuação das autoridades competentes no processo;
(d) O assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor.
E como tem vindo a ser referido por este Supremo Tribunal Administrativo (cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 28.11.2007, P. 308/07), a apreciação destes pressupostos implica sempre a densificação de conceitos como o de “prazo razoável”, de “indemnização razoável” e de “danos morais indemnizáveis”, a qual não pode deixar de implicar uma interpretação do direito interno em conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sob pena de “divergência entre a aplicação tida por apropriada na ordem nacional e a interpretação dada pelo Tribunal de Estrasburgo”, o que implica a adopção de uma “metodologia dialogante, que tem subjacente a ´relação fisiológica´ existente entre a jurisdição nacional e a europeia” – cfr. ainda, os Acs. deste Supremo Tribunal de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16.
Em resultado da jurisprudência do TEDH e deste STA, é de considerar-se que um processo decorreu para além do “prazo razoável” quando o mesmo foi decidido [decisão final de mérito] para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da “máquina judicial” (“lato sensu”).
E tal apreciação há-de ser concreta e global. Concreta na medida em que sempre haverá que atender às específicas características do processo, v.g.: a natureza do processo, a sua complexidade, a quantidade de intervenientes, o comportamento das partes, os seus incidentes e ocorrências especiais que possam ter influenciado a marcha do processo. Global porque, regra geral, tem-se em consideração a duração global do processo em causa, e não o que sucedeu em cada prazo em concreto – não obstante o TEDH ser sensível à duração manifestamente excessiva de uma das suas fases num determinado processo em que, apreciado o mesmo na sua globalidade, se tenha verificado um atraso desrazoável.
Também, no Acórdão deste STA de 27/11/201, proc. nº 0144/13, se consignou:
«(…) só se pode afirmar que um processo foi decidido para além do «prazo razoável» quando o mesmo foi julgado para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da «máquina judicial». Só assim, isto é, só havendo a certeza de que o processo foi decidido para além do tempo em que seria razoável decidi-lo e que essa anomalia se ficou a dever a culpa dos serviços da administração da justiça é que se poderá afirmar que se verificam as condições determinantes da emergência do direito a uma indemnização ressarcitória por via da responsabilidade civil extra-contratual.
Sendo assim, se se concluir que a decisão final foi proferida para além do «prazo razoável» mas que esse atraso se deve a uma tramitação com incidências extraordinárias, não provocadas pelo funcionamento da «máquina judicial» - designadamente que se ficou a dever à complexidade do processo, à própria natureza deste ou ao censurável comportamento das partes - então haverá que concluir não estarem reunidos os requisitos de que depende o apontado dever indemnizatório. Sendo certo que nessa apreciação o que releva é a análise da tramitação do processo no seu conjunto e não o que aconteceu em cada uma das suas fases o que obriga a que se não dê demasiada atenção ao cumprimento de cada um dos prazos dos actos desse percurso em detrimento de uma visão de conjunto que atenda a todas as suas incidências. Ou seja, e dito de forma diferente, na procura das causas responsáveis pelo atraso na decisão do processo a atenção deve ser concentrada naquelas que decorrem do comportamento das autoridades judiciárias pois que só se concluir que a demora foi irrazoável, foi chocante, foi inaceitável para os critérios e expectativas do homem comum e que tal resulta do andamento da máquina da administração da justiça é que se poderá falar na responsabilidade civil extra contratual do Estado. Juízo esse que terá de ter em conta (1) a complexidade do processo, (2) o comportamento das partes (3) a actuação das autoridades competentes no processo e (4) a importância do litígio para o interessado – cfr. por todos, Acórdão deste STA de 9/10/2008 (rec. 319/08)».
Refira-se, ainda, o constante no Ac. deste STA de 21/5/2015, proc. nº 072/14:
«(…) Sustentou-se ainda no acórdão deste Supremo de 10.09.2009 [Proc. nº 083/09 (…) que “a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objetiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstrato antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do requerente e o comportamento das autoridades competentes (magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo - Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03). Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efetivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários”».
Resulta do exposto que o prazo a ter em consideração nos presentes autos é o prazo global a uma decisão definitiva de mérito, ou seja, a sua duração global [sem prejuízo da valoração de atrasos excepcionais em determinadas fases ocorridos na respectiva tramitação].
Isto porque o TEDH também tem considerado que a existência de longos períodos durante os quais o processo não seja tramitado, sem qualquer justificação para o efeito, não é aceitável, para efeitos da razoabilidade da duração do processo – neste sentido, vide o § 33 do acórdão proferido em 24/11/1994, Proc. nº 15287/89, BEAUMARTIN v. FRANCE, in http://hudoc.echr.coe.int/eng.
Além de que, o TEDH também já considerou que uma excessiva pendência processual, não é justificação bastante para eximir o Estado da sua responsabilidade em assegurar a prolação de decisões judiciais em tempo razoável.
Acresce o TEDH considerar que, ainda que as insuficiências temporárias de meios possam eximir os Estados da responsabilidade pelo atraso na prolação de decisão judicial, as situações de insuficiência que se prolonguem no tempo e que assumam natureza estrutural não podem ser atendidas para obstar a essa responsabilidade (vide o § 40 do acórdão proferido em 10/08/1984, processo nº 8990/80, GUINCHO v. PORTUGAL, disponível para consulta online em http://hudoc.echr.coe.int/eng).
Com efeito, a extensa jurisprudência produzida pelo TEDH assumiu, de forma maioritária, que aos poderes e órgãos dos Estados se devem exigir medidas, desde reformas legislativas à efectivação e actualização de meios técnicos, materiais e humanos colocados ao dispor dos serviços de justiça, por ter sido o próprio Estado, ao ratificar a CEDH, que assumiu o dever de proceder a uma organização do seu sistema judiciário de forma a cumprir o estipulado na Convenção.
Por outro lado, dispõe o artigo 9º do RRCEE, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12, ex vi do seu artigo 12º:
«1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no nº 3 do artigo 7º”.
E constitui, jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal no sentido de que «o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20º, nº 4, da CRP, em sintonia com o art. 6º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar» [cfr., entre outros, os Acs. de 17.03.2005, proc. nº 0230/03, de 17.01.2007, proc. nº 01164/06, de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, de 10.09.2014, proc. nº 090/12, de 13.07.2016, proc. nº 0783/14, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16].
Atento este enquadramento jurídico, importa agora proceder à sua subsunção aos factos dados como provados, nos presentes autos.
E como se vem referindo, a definição de que seja, em cada processo, o prazo razoável para a prolação da respectiva decisão, não se obtém, como pretendem os recorrentes, pela verificação e soma dos tempos relativos aos actos que foram praticados, nas diversas fases, por motivos imputáveis ao Estado, para além dos prazos que a lei fixa, que são meramente ordenadores e disciplinadores [cfr. Ac. deste STA de 08.03.2018, in proc. nº 0350/17], mas sim pela duração do processo, numa perspectiva global.
Por outro lado, também não assiste razão aos recorrentes quando pretendem que seja fixado como termo final da duração do processo, o prazo que ocorre a partir da decisão final transitada em julgada, como seja a fase que decorreu, em concreto, resultante da notificação/reclamação da conta.
Porém, este prazo não pode ser contabilizado dado que em nada afecta a executoriedade da decisão. A tutela jurisdicional efectiva pressupõe que a decisão seja proferida em prazo razoável para assegurar a sua utilidade para a parte, pelo que, o que conta na determinação do tempo de duração efectiva do processo é o momento em que se produz aquela efeito útil, e esse momento é, o do trânsito em julgado da sentença ou acórdão.
Ou seja, por referência ao proc. nº 857/08.7TVLSB, o cômputo do prazo inicia-se com a apresentação da petição inicial – 28.03.2008 – e termina com o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial final – 14.01.2019 – não sendo considerável o tempo decorrido relativos à elaboração da conta, reclamação e reforma da mesma, dado que a partir do trânsito, a mesma é desde logo executável.
E deste modo, temos como relevante que a acção subjacente aos presentes autos deu entrada em juízo em 28.03.2008 e teve decisão transitada em julgado em 14.01.2019, ou seja apura-se um período de tempo de 10 anos e quase 10 meses.
Ora, este período de tempo, conduz-nos de imediato, de acordo com o enquadramento legal que supra se enunciou à verificação do facto ilícito, ou seja, à violação das normas jurídicas que regulam o acesso à justiça e ao direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.
Com efeito, a ilicitude tem de ser julgada verificada quando a decisão judicial não é proferida dentro do prazo razoável [artº 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado e demais Entidades Públicas], por motivos imputáveis ao Estado [quer seja em virtude de actos concretos de agentes, quer seja, do funcionamento anormal do serviço].
Vejamos então, no caso, qual deveria ter sido o prazo considerado razoável.
Resulta da factualidade provada que o proc. nº 857/08 iniciou-se no Tribunal Judicial de Lisboa, passou pelo Tribunal da Relação de Lisboa e chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, percorreu as três instâncias.
E se na 1ª instância, o processo decorreu com uma normalidade que, pese embora, prazos ordenadores e disciplinadores tenham sido desrespeitados, não podemos, concluir que, ainda assim, tal se mostre enquadrável num funcionamento anormal e, consequentemente, se possa considerar ter havido um atraso que se deva considerar anormal, mas sim aceitável e razoável.
E as mesmas considerações valem para a tramitação que ocorreu no Supremo Tribunal de Justiça, onde nada de relevo importa considerar em termos de prazos razoáveis.
Mas, o mesmo não podemos dizer no que respeita à tramitação do processo que ocorreu no Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que o processo deu entrada neste Tribunal em 10.02.2011 e só teve acórdão em 11.07.2013; mais grave ainda, foi o facto de, na sequência da apresentação de recurso de revista, ter sido aberta em conclusão em 25.11.2013 e o respectivo despacho de admissão da revista, só ter ocorrido em 03.05.2018, ou seja 4 anos e 5 meses depois, sem que qualquer facto o justificasse [cfr. o § 33 do Acórdão proferido em 24.11.1994, proc. nº 15287/89, BEAUMARTIN v. FRANCE, e o § 40 do Acórdão proferido em 10.08.1984, proc. nº 8990/80, GUINGHO v. PORTUGAL].
E nenhum destes atrasos pode ser imputável às partes intervenientes, designadamente aos AA/ora recorrentes, como veremos infra.
Deste modo, considerando o grau de complexidade do processo, o facto do mesmo haver percorrido as três instâncias e o prazo que decorreu desde a apresentação da petição inicial até ao trânsito em julgado da decisão final, é inequívoco que efectivamente se violou o prazo razoável de acordo com o disposto no artº 6º da Convenção dos Direitos do Homem e jurisprudência que tem sido fixada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo que este prazo se deve fixar no máximo de 5 anos, como aliás entendido pelas instâncias [o Tribunal Europeu tem entendido esta bitola entre os 4 a 6 anos, considerando todo o tempo de tramitação do processo].
Ora, tendo em consideração que o processo esteve em tramitação cerca de 10 anos e 9 meses, mostra-se assim excedido o prazo razoável para os AA obterem uma decisão em tempo razoável que se fixa em 5 anos e 9 meses.
E esse atraso/excesso ficou sem sombra de dúvidas a dever-se ao funcionamento anormal dos Tribunais por onde o processo tramitou [cfr. artº 7º, nº 4 do Regime da Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado e Demais Entidades Públicas], pelo que dúvidas não subsistem, como aludimos, quanto à verificação da ilicitude no caso concreto dos autos [cfr. nº 4 do artº 20º e, nº 2 do artº 8º, ambos da CRP.]
*
(ii) DA CULPA
Verificada que está a ilicitude, presume-se a culpa, face ao disposto no artº 10º, nº 2 do Regime da Responsabilidade Civil que temos vindo a fazer referência, sendo que o Estado Português não logrou alegar e provar os factos pertinente a ilidir essa culpa, de acordo com as regras legais de repartição do ónus da prova, segundo o disposto nos artºs 349º e 350º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil – cfr. Acs. deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2003, in proc. nº 736/03, de 01.02.2001, proc. nº 46805, de 30.11.2004, proc. nº 320/04
Alega o Estado Português, no que foi acompanhado pelo acórdão recorrido, que os AA contribuíram para a delonga do processo, designadamente quanto à paragem do processo no Tribunal da Relação – cfr. artº 4º do RRCEE – uma vez que podiam ter utilizado o mecanismo de impulso processual, com o objectivo de indagar do estado do processo ou requerer o seu andamento, através do mecanismo de aceleração processual, pois se o tivessem feito, teriam com toda a certeza alertado o juiz da causa, de que o processo se encontrava parado e que aguardava apenas a prolação de um mero despacho, assim evitando o atraso de 4 anos, 5 meses e 8 dias em que o processo esteve parado no Tribunal da Relação de Lisboa [princípio da cooperação e dever de boa-fé processual previstos respectivamente nos artº 7º e 8º do CPC].
Não podemos, contudo, acompanhar esta linha argumentativa do acórdão recorrido, desde logo, porque o pedido de aceleração processual não é um ónus que recaia sobre os interessados que recorrem à justiça, ao ponto de, quando não fizerem uso do mesmo poderem ser acusados de, por alguma forma, terem concorrido para o resultado.
Acresce que, o mecanismo de aceleração processual não se encontra previsto para as acções cíveis, uma vez que, o mesmo se mostra previsto nos artºs 108º e 109º do Código do Processo Penal, situação em que esta iniciativa é conferida ao arguido, assistente ou parte cível, quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase processual.
Igualmente, os princípios da cooperação e da boa fé processual, não podem ser entendidos da forma como o foram no acórdão recorrido, uma vez que não têm em vista acelerar a inércia da tramitação processual, mas sim, a cooperação de uma parte com as demais ou como o próprio Tribunal.
Deste modo, não se acompanha a repartição de culpas decidida no acórdão recorrido, mas ao invés, concluiu-se pela total ausência dos AA nos atrasos verificados no processo nº 857/08.7TVLSB.
*
(III) DO DANO e NEXO DE CAUSALIDADE
Relativamente a este requisito e como supra se referiu, para haver obrigação de indemnizar constitui condição essencial que o facto ilícito e culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562º, 563º e 566º do CC].
E o dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas, também, os danos não patrimoniais, impondo-se a consideração, no direito interno do regime legal que resulta do disposto no artº 496º do CC na interpretação e aplicação dos princípios decorrentes da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH» [cfr. neste sentido, os referidos Acs. deste Supremo Tribunal de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16], sendo que, quanto à verificação/existência dos “danos não patrimoniais” e à sua concreta valoração pecuniária, se vem entendendo que, relativamente a estes danos suportados pelas vítimas de violação da CEDH, a sua dignidade indemnizatória não se mostra restringida aos de especial gravidade.
O TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial:(i) constitui uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; que (ii) essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza, sendo que, então, o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente; e que, (iii) quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no artº 41º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália nº 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55], sendo que tal jurisprudência já foi acolhida pela jurisprudência deste STA [vide, entre outros, os citados Acs. de 17.01.2007, proc. nº 01164/06, de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16].
Daqui se extrai que, uma vez constatada uma violação do art. 6º, § 1º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, que será sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêem as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo em tempo razoável – cfr. Ac. deste STA de 05.07.2018, in proc. nº 0259/18.
Cientes de todos estes considerandos e estando em causa apenas danos não patrimoniais, temos, efectivamente, que os AA têm de ser ressarcidos pelos danos que sofreram em virtude [nexo causal] do processo nº 857/08.7TVLSB ter sido decidido, com trânsito em julgado [que é terminus a ter em consideração, contrariamente ao defendido pelos AA], para além do que seria razoável, devendo esse excesso ser fixado em 5 anos e 9 meses.
Quanto ao quantum dessa indemnização, e tendo em consideração tudo quanto já se disse e os padrões fixados pela jurisprudência do TEDH, esse valor tem como bitolas 1.000€ a 1.500€ por cada ano de atraso injustificado e não por cada ano de duração total do processo em Tribunal, como pretendem os AA, uma vez que é o trânsito em julgado que determina o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à causa nos termos do disposto no nº 1, do artº 613º do CPC e deste modo define o momento em que a decisão judicial, tendo sido já proferida, já não pode ser alterada – artº 619º, nº 1 do CPC; e assim, todas as fases posteriores ao trânsito da decisão judicial já não se prendem com o direito a obter uma decisão de mérito em prazo razoável, segundo os ditames constitucionais e emanados das fontes de direito internacional.
Assim, julga-se adequada uma indemnização fixada em 1.200€ por cada ano, para além do razoável, o que perfaz a quantia de 6.900€ (para cada um dos AA), quantia esta, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, nos termos dos artigos 805º, nº 3 e 806º, nº 1 do Código Civil.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pelos AA, revogar o acórdão recorrido e condenar o Réu Estado Português a pagar a cada um dos AA a quantia de 6.900€ acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
Custas a cargo dos AA na proporção do decaimento.

Lisboa, 07 de Outubro de 2021. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Cláudio Ramos Monteiro – José Francisco Fonseca da Paz