Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:066/15.9BEFUN 074/18
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O procedimento de inspeção tributária e aduaneira, na maioria das situações, não integra, se necessário, o ato de liquidação stricto sensu e, muito menos, termina, fica concluído, com a notificação deste a alguém; ou seja, a liquidação, na aceção de operação consistente na, casuística, aplicação, aritmética, da taxa do tributo ao rendimento e/ou à matéria tributável fixada, consubstancia uma realidade exógena, independente, quanto ao procedimento de inspeção tributária, obedecendo a regras e trâmites próprios, privativos.
II - No mandato com representação, vigora o princípio de que procuração (enquanto ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos) se extingue, além do mais, quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, exceto se outra for a vontade do representado.
III - A caducidade (ou perenção) tem por objeto direitos potestativos, poderes ou faculdades de constituir ou anular uma situação jurídica subjetiva e encontra a sua razão de ser no facto, objetivo, da falta de exercício do direito no prazo pré-estabelecido.
IV - O ato de liquidação tributária não se pode considerar como “ato pessoal”, nos termos e para os efeitos (de notificação) positivados no art. 40.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
V - O ato tributário de liquidação de imposto, também, por necessidades de respeitar exigências de sigilo, confidencialidade, na defesa de direitos individuais, pessoais, tem de ser comunicado a cada um dos sujeitos passivos, na esfera jurídica dos quais (e só na deles) se repercutem os efeitos da competente notificação, destacadamente, o do surgimento (ou não) da caducidade do direito de liquidar; deste modo, fica assegurada a finalidade deste instituto de regular o tempo do exercício do direito, na relação entre o seu titular e o visado com a sua ativação.
Nº Convencional:JSTA000P26461
Nº do Documento:SA220201014066/15
Data de Entrada:01/31/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP), recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, em 2 de agosto de 2017, que julgou procedente impugnação judicial, apresentada por A………., com os demais sinais dos autos, visando ato de liquidação, adicional, de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, referente ao ano de 2010.

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

A) Vem a ora recorrente interpor o presente recurso da douta sentença, pela qual, veio o Meritíssimo Juiz a quo a julgar procedente a impugnação interposta, porquanto considerou ter ficado provada nos presentes autos, a falta de notificação da liquidação ora posta em causa dentro do prazo de caducidade, notificação essa levada a efeito pela administração fiscal (doravante designada abreviadamente por AF) porquanto considerou que tal notificação da liquidação do tributo ora em causa foi feita de forma ilegal, em desrespeito ao disposto, nomeadamente, nos artigos 45.° da LGT e 36.° e 40.° ambos do CPPT, o que implicou, a final, a ineficácia da própria liquidação.

B) No âmbito da petição inicial apresentada, nomeadamente nos artigos 9.° a 21.º dessa peça, o impugnante ora recorrido vem arguir - entre outros vícios e ilegalidades que não chegaram sequer a ser apreciadas pelo tribunal a quo, na medida em que considerou, a final, estar prejudicado o conhecimento dos demais vícios evocados -, o vício de violação de lei dado que a notificação da liquidação foi enviada ao contribuinte, ora recorrido, sem o ter sido igualmente ao mandatário por ele constituído no procedimento de inspecção tributária.

C) Nessa senda, o Meritíssimo Juiz a quo veio a pronunciar-se no sentido de que há a “obrigatoriedade de a notificação dos interessados que tenham constituído mandatário ser feita na pessoa do seu mandatário, tanto no procedimento tributário como nos processos judiciais tributários”.

D) Todavia, a Fazenda Pública não se pode conformar com esse entendimento, pois, de facto, advoga todo o processado havido, quer no âmbito do procedimento gracioso de inspecção tributário, quer no procedimento gracioso de liquidação do tributo em causa — vd. Artigos 44°, n.° 1, alíneas a) e b) do CPPT a conjugar com os artigos 54°, n.° 1, alínea a) e 63.° ambos da LGT; DL 41 3/98, de 31.12 e, ainda, 59.° a 65.° do CPPT.

E) Na verdade, no presente processo judicial foram postos em causa dois procedimentos tributários distintos, tendo o contribuinte ora recorrido apenas apresentado a procuração pela qual constituiu o seu mandatário tributário - posteriormente, igualmente constituído mandatário forense, com mandato judicial ou forense, para o representar na presente acção -, no procedimento de inspecção tributária, cuja última notificação foi feita, e bem, nos termos do disposto no art.° 62.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e tendo antes havido lugar à audiência prévia a que aludem os artigos 60.° da LGT e 60.° do RCPIT — cfr. processo administrativo (PA) junto aos autos.

F) Pelo que, em conclusão, não se coloca sequer a questão da AF ter de notificar no procedimento de liquidação do imposto em causa, conforme previsto, nomeadamente, nos artigos 59.° a 65.° do CPPT, o advogado antes constituído no procedimento de inspecção tributária, até porque dessa notificação não cabe qualquer meio de reacção meramente gracioso, mas apenas e sim judicial, o que implica novo mandato, mas desta feita judicial - vide nomeadamente artigos 5.° e 6.° do CPPT.

G) Aliás, esse facto nunca pôs em causa a defesa do contribuinte, como atesta a oportunidade e teor da PI.

H) Por outro lado, conclui-se que tal circunstância não tinha aqui razão de existir, pelo que nem poderia por em causa a notificação do tributo dentro do prazo de caducidade, afectando, desse modo, a eficácia do acto administrativo de liquidação, como parece ser o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo.

I) Como se demonstrou, a administração fiscal agiu de acordo com os princípios da tipicidade e da legalidade; da justiça e da verdade material; da investigação; da decisão; de boa fé; de participação e de colaboração, a que se encontrou, como se encontra, vinculada, previsto (nomeadamente, no artigo 103°, números 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 5°, 8.° e 55.° e ss da LGT), pelo que tais alegações invocadas nos artigos 9.° a 21.° da PI não colhem.

J) Deste modo, não se vislumbra qualquer acto ou omissão por parte da administração fiscal que enferme o acto de liquidação em causa, quer de anulabilidade, quer de nulidade e, designadamente, que se verifiquem as também invocadas, mas não apreciadas pelo tribunal a quo, erro sobre os pressupostos de facto e da alegada falta de fundamentação da liquidação, situações em relação às quais, tal como em relação à natureza da notificação, a Fazenda Pública defende e mantém o já por si alegado em sede de contestação e de alegações a que alude o art.° 120.° do CPPT.

K) Porquanto, deve o presente recurso proceder, por provado, com as legais consequências.

Fazendo-se, assim, a necessária, sã e habitual JUSTIÇA! »


*

Não houve contra-alegação.

*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, concluindo ser de negar provimento ao recurso.

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Cumpridos os trâmites legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, vem expresso: «

1. Por escritura de alteração de denominação social, a sociedade “B……… - Promoção Imobiliária, Lda.”, passou a denominar-se sociedade “C………. - Promoção Imobiliária, Lda.”, NIPC ……….., no início de 2004 (conforme documento n.° 9, junto à p.i., que dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

2. Em 07/04/2004, no Cartório Notarial da Dra. …………, o Impugnante subscreveu documento intitulado “compra e venda, mediante o qual declarou vender à sociedade C……… - Promoção Imobiliária, Lda. o prédio urbano, terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo 5929 pelo preço de € 200.000,00 (conforme documento n.° 4, junto à p.i., que dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

3. No dia 02/09/2004, no mesmo Cartório Notarial o Impugnante subscreveu documento intitulado “compra e venda, mediante o qual declarou vender à sociedade C………… - Promoção Imobiliária, Lda., as frações autónomas, destinadas a estacionamento automóvel, individualizadas pelas letras “EB” e “EC”, integradas no prédio “………….”, inscritas na matriz sob os artigos 5651-EB e 5651-EC, pelo preço global de € 10.000,00, já recebido (conforme cópia da escritura junta à p.i. como documento n.° 5 e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais).

4. No dia 02/09/2004, no mesmo Cartório Notarial o Impugnante subscreveu documento intitulado “compra e venda, mediante o qual declarou vender à sociedade C…………- Promoção Imobiliária, Lda., as frações autónomas, destinadas a habitação e comércio, individualizadas pelas letras “V-Segundo” e “H-R/C”, respetivamente, integradas no prédio urbano localizado no …………, no Caniço, inscritas na matriz sob os artigos 4125-V e 4125-H-R/C pelo preço global de € 160.000,00 (conforme cópia da escritura que aqui se apresenta como documento n.° 6 e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais).

5. Por cheque datado de 03/04/2004, o Impugnante recebeu o valor de € 40.000,00 de “B……….. - Promoção Imobiliária, Ld.ª” (conforme cópia do cheque que junto como documento n.° 7 à petição inicial e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

6. Por cheque datado de 09/09/2004, o Impugnante recebeu o valor de € 65.000,00 de “B………. - Promoção Imobiliária, Ld.ª” (conforme copia dos cheques que aqui se apresenta como documento n.° 8 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

7. Por cheque datado de 09/2004, o Impugnante recebeu o valor de € 16.000,00 de “B……… - Promoção Imobiliária, Ld.ª” (conforme cópia dos cheques que aqui se apresenta como documento n.° 8 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

8. Em cumprimento da ordem de serviço OI201200546, de 18/07/2012, foi determinada ação de inspeção externa ao Impugnante, com âmbito parcial IRS e extensão ao ano de 2010 - cfr. doc. de fls. 26, 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Por ofício n.° 167 de 07/01/2014, foi o Oponente notificado pela Direção Regional dos Assuntos Fiscais, para facultar “documentação que serviu de suporte ao preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS, bem como justificar e comprovar a natureza dos valores recebidos nesse ano.” - cfr. doc. de fls. 46 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Em 30/05/2014, pelo Diretor Regional dos Assuntos Fiscais, foi proferido despacho de prorrogação da ação inspetiva ao Impugnante - cfr. doc. de fls. do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. Por ofício n° 5906 de 02/06/2014, foi o Impugnante notificado da ampliação do prazo do procedimento inspetivo por três meses. - cfr. doc. de fls. do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. Por ofício n° 8937 de 03/09/2014, foi o Impugnante notificado do projeto de relatório de inspeção tributária e para se pronunciar em sede de audição prévia - cfr. doc. de fls. Dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. O Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia em 25/09/2014, mediante requerimento subscrito por mandatário. - cfr. doc. de fls. do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Com o requerimento a que alude o número anterior, foi junta procuração forense a favor do Sr. Dr. …………, a quem foram conferidos poderes pelos gerentes da Impugnante, para “assinar e apresentar reclamações graciosas, impugnações judiciais, oposições fiscais e recursos, ou por qualquer forma reagir das decisões que sejam tomadas em processos de natureza fiscal (…)”. - cfr. doc. de fls. do p. a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Em 25/09/2014, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, o qual foi despacho datado em 25/09/2014 - cfr. doc. de fls. 27 a 44 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. Por ofício n° 10117 de 30/09/2014, foi o Impugnante notificado, em 01/10/2014, do relatório de inspeção tributária, na pessoa do seu mandatário - cfr. doc. de fls. 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17. Em 06/(1)0/2014 [ ( Aditou-se o n.º 1, por ser essa a data da liquidação impugnada, comprovada pelo competente documento, disponível nos autos.) ] foi emitida a liquidação n° 20145005319940, no total de € 72810,27, com prazo de pagamento voluntário em 17/11/2014 - cfr. doc. de fls. 22 a 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. A liquidação n° 20145005319940 foi notificada ao sujeito passivo, ora Impugnante, em 17/10/2014 - cfr. doc. de fls. 22 a 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.»


***

Compulsado o conteúdo integral da alegação e competente síntese conclusiva, produzidas pela rte, respigamos como única questão a precisar de solução, neste recurso jurisdicional, saber se a sentença recorrida errou no julgamento, consubstanciado na procedência da impugnação judicial e anulação da liquidação impugnada, assente no pressuposto, singelo e linear, da verificação de caducidade do direito de liquidar, decorrente do facto de, entretanto, ter decorrido o prazo de 4 anos, previsto no artigo (art.) 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), sem que, o ato tributário de liquidação de IRS, referente ao ano de 2000, tenha sido notificado a mandatário constituído pelo sujeito passivo/impugnante, no âmbito de um procedimento de inspeção tributária externa, até 31 de dezembro de 2014; apesar de, comprovadamente, ter sido notificado ao sujeito passivo, em 17 de outubro de 2014.

Na visada decisão da 1.ª instância, para fundamentar tal veredicto, entre o mais, entendeu-se: «

- Da alegada caducidade da liquidação -

(…).
Resulta dos autos que a liquidação n.º 20145005319940, relativa ao ano de 2010, foi notificada ao sujeito passivo, ora Impugnante em 17/10/2014. Portanto, dentro do prazo de quatro anos a que alude o n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

Não consta dos autos que tenha sido notificada ao Mandatário constituído.

O que importa saber é se a notificação da liquidação efetuada somente ao sujeito passivo não pode ter-se por suficiente e eficaz.

Resulta do artigo 40.º do CPPT, sob a epígrafe “Notificações aos mandatários”


(…)

Assim, quando o interessado estiver representado por mandatário, as notificações que não sejam destinadas à prática de atos de natureza pessoal, serão efetuadas na pessoa do mandatário e no escritório deste (n.º 1).

Tratando-se de notificação para a prática de ato pessoal, será notificado não só o mandatário como também o interessado, sendo estas notificações feitas por carta ou aviso registados (n.º 2).

A Fazenda Pública defende que a liquidação é um ato pessoal, pelo que a Administração Tributária tinha de notificar o Impugnante. Não sendo obrigatória, assim, a notificação do mandatário.

Porém, carece de razão. Pois que o n.º 1 do artigo 40.º do CPPT, consagra, exatamente, a obrigatoriedade de a notificação dos interessados que tenham constituído mandatário ser feita na pessoa do seu mandatário, sendo que tal normativo se aplica às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como nos processos judiciais tributários.

No n.º 2 de tal artigo prevê-se uma exceção à regra formulada no n.º 1, nos termos da qual as notificações dos contribuintes para assistência ou participação em atos ou diligências com cariz pessoal são feitas através de carta dirigida também ao próprio interessado, para além da notificação que deve ser feita ao mandatário.

Da exegese do regime acabado de mencionar deve-se concluir que, tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário, é obrigatória a notificação deste do ato de liquidação, não sendo esta notificação substituível pela notificação do próprio sujeito passivo. É que sendo constitucionalmente imposta a notificação dos atos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (cfr. artigo 266.º, n.º 3, da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos atos lesivos nele praticados como condição de eficácia do ato notificando (artigo 36.º, n.º 1, do CPPT), ter-se-á de concluir que a notificação feita somente na pessoa do sujeito passivo é ineficaz, nomeadamente para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T. anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 394 e seg.).

Só assim não aconteceria se o ato de notificação de uma liquidação tributária se devesse considerar um ato pessoal, conforme defende o órgão de execução fiscal, mas tal não é verdade.

Atos pessoais, para efeitos de enquadramento no artigo 40.º, n.º 2, do CPPT, serão aqueles que implicam a participação/assistência pessoal do sujeito passivo em diligências, para tanto devendo comparecer o próprio, tanto em serviços da Administração Tributária como no Tribunal, tudo levando em consideração o conteúdo e alcance do próprio mandato (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.T. anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 395).

Ora, levando em consideração esta noção de atos pessoais, não pode considerar-se o ato de notificação de uma liquidação tributária como um ato pessoal, assim devendo a mesma notificação seguir a regra prevista no artigo 40.º, n.º 1, do CPPT, e, por consequência, devendo ser efetuada na pessoa do mandatário e no seu escritório.

(…). »

O dissenso vindo de sintetizar implica, em primeira linha, consignar-se que o art. 40.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com a epígrafe “Notificações aos mandatários”, objetivamente, impõe a regra, segundo a qual, as notificações necessárias efetuar aos interessados, sujeitos passivos, contribuintes…, que hajam, em procedimento tributário (Nos termos do art. 44.º do CPPT, o procedimento tributário compreende:

- As ações preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos, incluindo parafiscais, ou de confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários;
- A liquidação dos tributos, quando efetuada pela administração tributária;
- A revisão, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, dos atos tributários;
- A emissão, retificação, revogação, ratificação, reforma ou conversão de quaisquer outros atos administrativos em matéria tributária, incluindo sobre benefícios fiscais;
- As reclamações, incluindo as que tenham por fundamento a classificação pautal, a origem ou o valor aduaneiro das mercadorias e os recursos hierárquicos;
- A avaliação direta ou indireta dos rendimentos ou valores patrimoniais;
- A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial;
- Todos os demais atos dirigidos à declaração dos direitos tributários.) e/ou processo judicial tributário, constituído mandatário/mandatário judicial, sejam, exclusivamente, feitas na pessoa deste, com exceção das notificações destinadas a chamar o interessado, sujeito passivo, contribuinte…, para a prática de ato pessoal, casos em que, além de ser notificado o mandatário/mandatário judicial, será enviado, pelo correio, um aviso registado ao próprio interessado…, indicando a data, o local e o fim da comparência. Anote-se, ainda, a sintonia deste regime com a definição de notificação, positivada no art. 35.º n.º 1 do CPPT, enquanto ato “pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo. (Impõe-se, ainda, ter presente, no tratamento de questões relacionadas com a notificação de atos (administrativos) da Administração Pública, a obrigatoriedade constitucional (art. 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP)) de que a mesma seja feita, aos interessados,” na forma prevista na lei”.).
Na operação destas regra e exceção, importa, também, não olvidar as regras disciplinadoras do contrato de mandato, firmadas no art. 1157.º e segs. do Código Civil (CC), em particular, no mandato com representação, o princípio de que procuração (enquanto ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos) se extingue quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, exceto se outra for, neste caso, a vontade do representado - cf. arts. 1178.º n.º 1 e 265 .º n.º 1 do CC.

Dito isto, in casu, assente que, em janeiro de 2014, tiveram início os atos pertinentes de uma ação de inspeção externa ao contribuinte (impugnante), no âmbito do IRS, que englobou o ano de 2010, no dia 3 de setembro de 2014, foi o mesmo notificado do projeto de relatório de inspeção tributária e para se pronunciar em sede de audição prévia, tendo exercido o seu direito de participação, mediante requerimento subscrito por mandatário/advogado, que juntou procuração forense, acrescendo que, em 25 de setembro do mesmo ano, elaborado o competente relatório de inspeção tributária, de cujo teor, o contribuinte (impugnante) foi notificado, a 1 de outubro de 2014, na pessoa do seu mandatário, mostra-se, sem dúvidas, cumprida a regra, acima coligida, do art. 40.º do CPPT. O problema reside, portanto, apenas, na circunstância de, tendo, em resultado do apurado na identificada inspeção tributária, sido emitida liquidação de IRS, respeitante aos rendimentos, do ano de 2010, auferidos pelo sujeito passivo A……….., tal ato tributário (de liquidação) ter sido notificado a este em 17 de outubro de 2014 e não ao advogado, que havia constituído no momento do exercício do direito de audiência prévia, em relação ao projeto de relatório da inspeção efetuada.

Portanto, de seguida, temos de responder a estas duas interrogações (sendo a segunda, conexa com a primeira, mas, especificamente, relacionada com o concreto sentido da decisão, proferida na sentença recorrida):

- o aludido ato de liquidação, além de notificado ao sujeito passivo, tinha, também, de o ser ao advogado/mandatário, que teve intervenção na parte final do procedimento de inspeção tributária, dirigido contra o primeiro ?

- não tendo o mesmo ato tributário de liquidação sido notificado ao advogado/mandatário (interveniente na parte final …) em 17 de outubro de 2014 (como foi ao sujeito passivo) e até ao dia 31 de dezembro desse ano, caducou o direito de liquidar (ao sujeito passivo, aqui, impugnante/recorrido (rdo)) IRS, referente ao ano de 2010 ?

Volvendo ao art. 44.º do CPPT, no pressuposto de que o procedimento tributário compreende toda a linha de sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários, é axiomático afirmar que um desses diversos/vários atos se consubstancia na liquidação dos tributos, quando efetuada pela administração tributária - cf. alínea (al.) b) do n.º 1. Em ordem a perceber a seguinte exposição, importa, em especial, realçar que as ações preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos… ou de confirmação dos factos tributários…, previstas no mesmo normativo - al. a), correspondem a um conjunto de atos mais diversificados e abrangentes (do que a liquidação stricto sensu), equivalentes às ações preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária, previstas no art. 54.º n.º 1 al. a) da LGT; as segundas reguladas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) (Instituído e regulamentado pelo DL. 413/98 de 31 de dezembro.). Assim, podemos assentar em que, face à factualidade provada nesta impugnação judicial, na situação julganda, o sujeito passivo (de IRS) foi submetido a uma ação/procedimento externo de inspeção tributária, abrangendo o ano de 2010, na sequência do qual (do que foi, aí, apurado/esclarecido) teve lugar uma ação/procedimento de liquidação (adicional) de IRS e juros compensatórios, em que se quantificou, mediante operação de apuramento aritmético incidindo sobre a matéria tributável determinada na primeira, o montante total de € 72.810,27.

Estabelecida esta divisória, em pinceladas esbatidas, o típico procedimento de inspeção tributária, visando “a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias” e sujeito a obedecer aos princípios da verdade material, proporcionalidade, contraditório e cooperação, pode iniciar-se até ao termo do prazo do direito de liquidação dos tributos, deve ser contínuo e concluído, regra geral, no prazo de seis meses, a contar da notificação do seu início, que (tal como as demais) pode ser pessoal, por via postal ou por transmissão eletrónica de dados (Nos casos específicos de procedimento externo de inspeção, por princípio, o mesmo deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início, efetuando-se a notificação por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.). No caso, similar ao presente, em que concluída a prática dos atos inspetivos, emirjam atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao inspecionado, este (na hipótese de haver constituído, o seu mandatário) tem de ser notificado do projeto de conclusões do relatório e para, num prazo entre 15 e 25 dias, se pronunciar (audiência prévia), após o que, em 10 dias, será elaborado o relatório definitivo, final. A elaboração deste visa proceder “à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária” e a peça escrita tem de ser notificada ao contribuinte (se constituído, ao seu mandatário), por carta registada, considerando-se concluído, finalizado, o procedimento na data em que se efetiva esta derradeira comunicação.

Desta apresentação de características, podemos, seguramente, isolar a conclusão de que o procedimento de inspeção tributária e aduaneira, em regra, nos casos do aparecimento de atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao contribuinte (inspecionado), fica concluído (extingue-se, na terminologia do Código do Procedimento Administrativo (CPA)) com a sua notificação ou do seu mandatário, no caso de o haver constituído no âmbito do procedimento de inspeção, por imposição do art. 40.º n.º 1 do CPPT, do teor/conteúdo integral do relatório final (da inspeção). Implicantemente e em aproximação à primeira questão acima formulada, o procedimento de inspeção tributária e aduaneira, na maioria das situações, como é o caso da que nos ocupa (Como resulta da factualidade provada, em 1.ª instância, o impugnante foi notificado (na pessoa do seu mandatário) do relatório de inspeção e, 1 de outubro de 2014, data em que, por lei, se encerrou o procedimento respetivo, sendo que, o ato tributário de liquidação, originado pelos atos da mesma inspeção, somente, foi emitido em 6 de outubro de 2014 e notificado ao sujeito passivo a 17 do mesmo mês e ano.), não integra, se necessário, o ato de liquidação stricto sensu e, muito menos, termina, fica concluído, com a notificação deste a alguém; ou seja, a liquidação, na aceção de operação consistente na, casuística, aplicação, aritmética, da taxa do tributo ao rendimento e/ou à matéria tributável fixada, consubstancia uma realidade exógena, independente, quanto ao procedimento de inspeção tributária, obedecendo a regras e trâmites próprios, privativos.

Isto concluído e sem olvidarmos que, no mandato com representação, vigora o princípio de que procuração (enquanto ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos) se extingue, além do mais, quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, exceto se outra for a vontade do representado, in casu, com a notificação, ao mandatário do impugnante, do relatório de inspeção, não só se concluiu o procedimento (administrativo) para que havia sido mandatado, como, de igual modo, no mesmo momento/dia, se extinguiu o instrumento de mandato, junto aquando do exercício da audiência prévia, relativo ao projeto daquele, com o inerente desaparecimento da obrigação de sequentes atos, ainda que, de cariz administrativo, mas alheios ao procedimento inspetivo, terem de ser notificados ao anterior e, por lei, desvinculado mandatário (Sintoma de, também, o impugnante e o seu mandatário (judicial) entenderem ser assim, encontramos a junção de procuração forense, com o articulado inicial deste processo de impugnação judicial.), como, no caso, o ato de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, do ano de 2010.

Obviamente, o sentido desta resposta à primeira das duas perguntas supra elencadas seria suficiente para considerar prejudicada a necessidade de responder à segunda; se o ato de liquidação só tinha de ser notificado ao sujeito passivo/contribuinte, como foi e dentro do prazo disponível, não caducou o direito, de liquidar, exercido pela administração tributária e aduaneira (AT). Contudo, por esta (2.ª questão) envolver uma aspeto muito sensível e determinante das relações jurídico-tributárias, a caducidade do direito de liquidar tributos, entendemos debruçar-nos, brevemente, sobre esta matéria, objetivando estabelecer alguma orientação jurisprudencial, para futuras situações equiparáveis.

A caducidade (ou perenção) tem por objeto direitos potestativos, poderes ou faculdades de constituir ou anular uma situação jurídica subjetiva e encontra a sua razão de ser no facto, objetivo, da falta de exercício do direito no prazo pré-estabelecido. Por isto, este instituto é justificado por razões de ser assegurada a certeza dos direitos e das relações jurídicas, bem como, de interesse público da paz familiar e segurança social da circulação e interesse da brevidade das relações jurídicas, pelo que, a respetiva relevância/entrada em ação está, apenas, dependente do decurso do tempo, fixado na lei (Ver, A caducidade face ao direito tributário - Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, Vislis, Joaquim Gonçalves, pág. 227 segs.).

Destas breves notas importa destacar a ideia de que a caducidade (de direitos/poderes/faculdades) atua, liga-se ao campo da subjetividade jurídica, no sentido de regular, disciplinar, as relações entre sujeitos (entidades/indivíduos) das diversas relações, em particular, jurídico-tributárias. Por outras palavras, o instituo da caducidade pretende assegurar que, correndo (ou não) determinado período de tempo, o sujeito titular de um direito não pode (ou pode) exercê-lo contra, visando a esfera jurídica (económica, financeira…) de outro sujeito, devidamente identificado na sua individualidade, que passa a ser o beneficiário (ou não) da extinção, quanto a si, do direito em causa.

Serve este apontamento para, em função de discussão que ocorreu na 1.ª instância, concordarmos com o entendimento de que o ato de liquidação tributária não se pode considerar como “ato pessoal”, nos termos e para os efeitos (de notificação) positivados no art. 40.º n.º 2 do CPPT. Porém, sendo um ato, em matéria tributária, que, por excelência, afeta os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, só é capaz de produzir efeitos, quanto a estes, se lhes for, individualmente, pessoalmente, notificado, de forma válida, em cumprimento dos requisitos legais - cf. art. 36.º n.º 1 do CPPT. Portanto, nesta perspetiva, o ato tributário de liquidação de imposto, também, por necessidades de respeitar exigências de sigilo, confidencialidade, na defesa de direitos individuais, pessoais, tem de ser comunicado a cada um dos sujeitos passivos, na esfera jurídica dos quais (e só na deles) se repercutem os efeitos da competente notificação, destacadamente, o do surgimento (ou não) da caducidade do direito de liquidar; deste modo, fica assegurada a finalidade deste instituto de regular o tempo do exercício do direito, na relação entre o seu titular e o visado com a sua ativação.

Em suma, na situação em apreço, a AT procedeu à única notificação que se lhe impunha do ato de liquidação adicional de IRS e juros, a qual, foi concretizada na pessoa do respetivo sujeito passivo/contribuinte e dentro do prazo de 4 anos disponível, pelo que, não podemos acolher o, em contrário, julgado na sentença recorrida. Só resta consignar que o (duplo) apelo à “exegese” do art. 40.º do CPPT, para concluir que “a notificação feita somente na pessoa do sujeito passivo é ineficaz, nomeadamente para fazer operar o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação (…)”, não está em sintonia com a jurisprudência vertida no acórdão do STA de 4 de maio de 2011 (927/10) (« I - Tendo sido constituído mandatário judicial no procedimento tributário de reclamação é obrigatória a notificação deste do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa, não sendo esta notificação substituível pela notificação do reclamante (artigo 40.º do CPPT).
II - Sendo constitucionalmente imposta a notificação dos actos administrativos aos interessados, na forma prevista na lei (artigo 266.º n.º 3 da Constituição da República), e impondo a lei tributária a notificação aos mandatários constituídos no procedimento dos actos lesivos nele praticados (artigo 40.º do CPPT) como condição de eficácia do acto notificando (artigo 36.º n.º 1 do CPPT), ter-se-á de concluir que a notificação feita na pessoa do reclamante é ineficaz, designadamente para o efeito da determinação do termo inicial do cômputo do prazo de impugnação do indeferimento expresso da reclamação, não sendo, por isso, intempestiva, a impugnação deduzida. ») e, igualmente, afirma o que, no comentário do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, não se diz…

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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- devolver os autos, ao TAF do Funchal, onde prosseguirão os termos necessários à apreciação/julgamento dos demais vícios imputados, pelo impugnante, à liquidação visada neste processo impugnatório e cujo conhecimento foi, na decisão, agora, revogada, tido por prejudicado.


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Custas a cargo do recorrido, sem taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

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[ Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco ]


Lisboa, 14 de outubro de 2020. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.