Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01456/03
Data do Acordão:04/05/2005
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ROSENDO JOSÉ
Descritores:PARQUE EÓLICO.
DEFESA DO AMBIENTE.
DIREITO DO AMBIENTE.
ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL.
DECLARAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL.
ZONA DE PROTECÇÃO
Sumário:I - As zonas de protecção especial definem áreas territoriais mais apropriadas ao objectivo especifico de protecção das aves mencionadas no anexo A-1 do DL 140/99, de 24.4, bem como das aves migratórias cuja frequência no território nacional seja regular, por forma a evitar alterações nessas áreas com impactes negativos significativos sobre as condições de sobrevivência daquelas espécies. A criação das zonas de protecção especial, através dos DL 140/99 e 384-B/99, de 23.9, corresponde à efectivação no direito interno da regulação exigida pela Directiva do Conselho de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, 79/409/CEE.
II - A autorização ou licenciamento na Zona de Protecção Especial (ZPE) da Costa Sudoeste de um parque eólico para produção de electricidade implicando a implantação de um número de torres superior ao indicado no n.º 3 do anexo II ao art.º 1.º n.º 2 do DL 69/2000, de 3.05, refere-se a um projecto para área sensível (art.º 2.º n.º 2 b) i) do DL 69/2000) pelo que está sujeito a avaliação de impacte ambiental.
III - A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) negativa proferida pelo membro do Governo competente é a decisão emitida no procedimento de AIA de inviabilidade de execução do projecto cuja força jurídica determina a nulidade dos actos não conformes com o conteúdo da declaração ou “com desrespeito” dela – art.º 20.º n.ºs 1, 2 e 3 do DL 69/2000.
Atentas estas características, quando a DIA for desfavorável ou imponha condições que o proponente não aceitar, é susceptível de recurso contencioso (após 1.1.04 de impugnação em AAE) com fundamento em algum dos vícios próprios das decisões administrativas que são vinculativas para os particulares.
IV - O art.º 10.º do DL 140/99 permite que apesar de se ter concluído na AIA, ou análise de incidências ambientais, que um projecto implica impactes negativos numa ZPE ou outra zona protegida, na ausência de solução alternativa e ocorrendo razões imperativas de interesse público, atendendo ainda aos condicionamentos traçados naquele dispositivo, seja declarada, em despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do ministro competente em razão da matéria, a excepção à inviabilidade da execução do projecto, autorizando-o.
A DIA negativa não é pressuposto desta excepção, mas sim a situação complexa descrita.
Nº Convencional:JSTA00061949
Nº do Documento:SA12005040501456
Data de Entrada:09/15/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO AMBIENTE
Recorrido 2:SE DO AMBIENTE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO AMBIENTE DE 2003/05/14.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Área Temática 2:DIR AMB.
Legislação Nacional:DL 186/90 DE 1990/06/06 ART6.
DL 69/2000 DE 2000/05/03 ART1 ART2 N1 ART12 ART13 N3 N4 ART18 N1 N2 ART19 ART20.
CPA91 ART140 N1 B ART141.
DL 140/99 DE 1999/04/24 ART7 N3 N4 N5 N6 N7 N8 ART10.
DL 226/97 DE 1997/08/27 ART4 N1 N2 N3 N4 N5.
RCM 142/97 DE 1997/08/28 ART8 N1.
DL 384-B/89 DE 1989/09/23 ART1 ART7 N1 ART9 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC46058 DE 2002/04/18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA:
I - Relatório.
A....
Interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 14 de Maio de 2003, do
SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE
Que emitiu declaração de impacte ambiental negativa relativamente ao “Parque eólico de Barão de São João”.
Diz, em resumo, que:
- Em 8 de Março de 2003 formou-se deferimento tácito no procedimento uma vez que a localização do projecto se inseria em área de preservação dos habitats naturais e de espécies referidas nos anexos B-I e B-II do DL 140/99.
- O facto de se tratar de local integrado na Lista Nacional de Sítios não significa que de forma automática se opte pelo parecer negativo sem valorar as condições concretas e ponderar o interesse público ambiental com o interesse público do aproveitamento da energia eólica.
- Assim, ao invocar apenas significativos impactos sobre a avifauna migradora decorrentes da implementação do projecto, quando a lei não impõe que nesta situação o parecer seja necessariamente desfavorável, não consubstanciou reconhecimento da invalidade do deferimento tácito, mas mero juízo insuficiente para fundamentar o acto e a substituição do anterior constitutivo de direitos.
- A declaração de impacte ambiental favorável não pressupõe a verificação dos requisitos do artigo 10.º do DL 140/99, de 24 de Abril e o parecer do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) não é vinculativo apenas se integra na Comissão de Avaliação.
- Os pareceres do ICN e da Comissão de Avaliação limitam-se a referir que na área de implementação do parque eólico não ocorre nenhum habitat prioritário, nada referem sobre eventuais impactos do projecto naquelas espécies e, quanto à flora, não apontam interferências com o projecto.
- O local situa-se em zona bastante humanizada que dificilmente se pode ajustar a espécies como o lince ibérico e grande parte dos terrenos previstos para o projecto estão afectos a uma reserva de caça associativa, pelo que existe erro nos pressupostos de facto da decisão ao considerar impactes negativos sobre espécies e habitats naturais que inexistem no local ou a existirem são compatíveis, podendo ser minimizadas com medidas adequadas.
- Existe erro ao considerar que a zona está inserida em corredor migratório em que o projecto introduziria significativos impactes negativos, porque essas são zonas de protecção especial, que no caso da costa Sudoeste estão traçadas em conformidade com o DL 384-B/89, de 23 de Setembro, mas não inclui o local de implantação do parque eólico.
- Todos os elementos disponíveis apontam para que não existe naquele preciso local necessidade de protecção de avifauna migradora, nem são necessárias as medidas da Directiva aves (Directiva 79/409/CEE, do Conselho de 2 de Abril), mas apenas a protecção de habitats compatíveis com o projecto (Directiva 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio – habitats).
- Como foi referido no estudo de impacte ambiental apresentado o movimento migratório das aves em direcção ao promontório de Sagres parece não ser prejudicado pelo parque eólico uma vez que entre a sua localização e a orla costeira, que as aves usam predominantemente, de acordo com os estudos disponíveis, existe uma faixa de 7 a 8 Km desimpedida de linhas eléctricas de alta tensão que funcionará como corredor de segurança para o movimento migratório se vierem a verificar-se fenómenos de afastamento desta estrutura.
- A inclusão pelo parecer final da Comissão de Barão de São João, com um ponto mais alto de 180 m, na mesma linha das serras do Cercal e de Monchique parece totalmente despropositada.
- Ao contrário do que exige o n.º 4 do art.º 15.º do DL 69/2000 não foi realizada acta da Consulta Pública, facto que representa omissão grave na situação em apreço em que foram emitidas opiniões divergentes.
- Mesmo que o local fosse um corredor migratório, as características dos aerogeradores e os estudos mais recentes mostram que existe uma baixa mortalidade por colisão e existem comportamentos de evitação.
- A orientação N-S dos aerogeradores não forma uma barreira ao corredor migratório e o intervalo de 1 Km entre as cumeadas permite a passagem das aves.
- Os dois parques eólicos da zona estão a mais de 9 Km de Barão de São João.
- O elevado número de pretensões de instalação de parques eólicos na zona não pode ser fundamento da decisão.
- Em todos estes pontos ocorrem erros nos pressupostos de facto da decisão.
A entidade recorrida apresentou a resposta de fls. 125-133, em que diz, em resumo:
- A avaliação de impacto ambiental é um acto interno da Administração pelo que a existir deferimento tácito ele não cria direitos para os particulares.
- Porém, o prazo de 120 dias terminava em 15 de Maio de 2003 e a declaração foi emitida em 14 de Maio.
- O acto - Declaração negativa - baseou-se no parecer técnico e no relatório da Consulta Pública que contêm a motivação.
- A fundamentação substantiva assenta em conhecimentos técnicos de especialistas pelo que os argumentos em contrário não demonstram que a decisão não tenha sido correctamente tomada.
A recorrente produziu depois alegações em que formula as conclusões:
a) O despacho de Sua Excelência o Secretário do Ambiente, de 14 de Maio de 2003, que emitiu Declaração de Impacte Ambiental desfavorável relativamente ao projecto “Parque Eólico de S. João” está inquinado de invalidade, a vários títulos;
b) Em primeiro lugar, e porque, nos termos conjugados dos artigos 13.° e 19.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 69/2000, antes da emissão do acto recorrido ocorreu a formação tácita de Declaração de Impacte Ambiental favorável — acto constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos válido —, a sua substituição pela declaração expressa em sentido contrário violou o disposto nos artigos 140.°, n.° 1, alínea b), e 141.° do Código do Procedimento Administrativo;
c) De facto, dada a natureza da decisão sobre a Avaliação de Impacte Ambiental, que não tem o seu conteúdo estritamente vinculado, resultando de uma ponderação de interesses — o interesse público na preservação do ambiente e o interesse público nas instalações de energias renováveis, por exemplo —, de um juízo valorativo, de oportunidade, orientado pelos princípios que regem a Administração — inexistindo qualquer vinculação legal sobre que interesses devem prevalecer sobre outros —, o facto de se reconhecerem impactes negativos do projecto sobre o ambiente não implica ou reconhece, de forma imediata, a invalidade de acto tacitamente formado, sem que sejam antes pesados com os impactes positivos;
d) Aliás, tais mais-valias ambientais proporcionadas pelos parques eólicos têm vindo a ser reconhecidas, nos últimos anos, pela legislação nacional e comunitária, e serão tanto mais importantes quando se tomar em consideração as penalidades a que o Estado português ficará sujeito quando incumpridos os limites de emissão de dióxido de carbono e a necessidade de um programa nacional de alocação de emissões a países que não excedam a sua quota, o que seria evitado caso a capacidade de produção eléctrica a partir das energias renováveis fosse aquela que se prevê na Política energética portuguesa;
e) O acto recorrido encontra-se, também, inquinado de erro sobre os pressupostos de Direito da decisão e de falta de fundamentação da mesma, em violação do disposto nos artigos 124.° e 125.° do Código do Procedimento Administrativo, na parte em que faz referência ao parecer do Instituto da Conservação da Natureza e às excepções estabelecidas no artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 140/99,
f) na medida em que não só a lei não estabelece, em parte alguma, a vinculatividade daquele parecer, mas também porque o mencionado artigo 10º não pode ser tomado como pressuposto da Declaração de Avaliação de Impacte Ambiental quando pressupõe, ele próprio, a prévia realização daquela avaliação;
g) Finalmente, enferma também o despacho ora impugnado de erro sobre os pressupostos de facto da decisão, porquanto considera que a execução do projecto em questão, situado no Sítio PTCON00I2 - Costa Sudoeste, interfere com espécies de conservação prioritária ao abrigo da Directiva Habitats, quando o Parecer Final da Comissão de Avaliação, para que remete, apenas se limita a enunciar as espécies existentes naquele Sítio sem, contudo, retirar quaisquer conclusões relativas à interferência do projecto com as referidas espécies,
h) e sem considerar a relevância do facto de o local de implementação do projecto ter sido assolado por um incêndio e repovoado por espécies sem objecto de protecção específica e de se localizar em zona excessivamente humanizada para que nele se localizem, como referido no parecer, espécies como a do lince ibérico;
i) Erra a decisão quanto aos pressupostos de facto, também, na medida em que considera estar a zona de implantação do projecto inserida num importante corredor migratório, pelo haveria impactes negativos muito significativos;
j) Ora, ao considerar a existência de um corredor migratório naquela zona, a Autoridade recorrida não caracterizou bem o local em questão que, apesar de incluído no Sítio Costa Sudoeste, não se encontra inserido na Zona de Protecção Especial da Costa Sudoeste (delimitada pelo próprio Instituto da Conservação da Natureza para a protecção das espécies de aves referidas na Directiva Aves);
k) Se é aquele Instituto que propõe a localização das Zonas de Protecção Especial, muito se estranha, agora, que considere a existência de um corredor migratório tão importante em local que não incluiu naquela zona;
l) De qualquer modo, e ainda que fosse admitida a localização de tão importante corredor migratório, não parece também ter sido tomado em consideração aquilo que se mencionou no Estudo de Impacte Ambiental sobre a existência de corredores de segurança para os movimentos migratórios, de fenómenos de afastamento e das fortes diferenças existentes entre a realidade dos estudos em que se fundamentam e a dos parques eólicos em Portugal.
m) De facto, a informação constante do Parecer Final da Comissão de Avaliação parece, no que diz respeito aos corredores migratórios, carecer de suporte em estudos actualizados que permitam fundamentar razoavelmente as afirmações que ali se fazem, sendo certo também que as mesmas foram, em sede de Audiência Pública, refutadas pelo representante da Liga da Protecção da Natureza, profundo conhecedor da matéria, o que não pode ser comprovado pelo facto de, ao contrário do exigido no artigo 15.°, n.°4, do Decreto-Lei n.° 69/2000, não ter sido realizada qualquer acta da consulta pública.
A entidade recorrida, agora pelo Ministro das Cidades do Ordenamento do Território e do Ambiente, contra alegou em termos idênticos aos da resposta.
O EMMP emitiu douto parecer em que considera não dever o recurso merecer provimento nos termos expostos pela entidade recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
II – A Matéria de Facto Provada.
Considera-se provada e com relevância para a decisão a seguinte matéria de facto:
A) A recorrente é uma sociedade que se dedica à produção da electricidade a partir da energia eólica.
B) Requereu na Direcção Geral de Energia o licenciamento do projecto “Parque Eólico de Barão de São João”, em cujo procedimento foi pedida ao Instituto do Ambiente, em fase de “Estudo Prévio”, a emissão de Declaração de Impacte Ambiental.
C) Em 23 de Maio de 2003 foi notificada da declaração de Impacte Ambiental negativa proferida pelo Secretário de Estado do Ambiente em 14 de Maio de 2003 do seguinte teor:
Tendo por base o Parecer Final do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental relativo ao Projecto “PARQUE EÓLICO DE BARÃO DE S. JOÃO”, em fase de Estudo Prévio, emito parecer desfavorável ao mesmo.
A emissão de Declaração de Impacte Ambiental desfavorável é fundamentada pela seguinte ordem de razões:
1. O Projecto “PARQUE EÓLICO DE BARÃO DE S. JOÃO” está situado no Concelho de Lagos, freguesia de Barão de S. João, na cumeada de Barão de S. João e na cumeada de Charrascosa, e está inserido no Sítio PTCON0012 — Costa sudoeste — incluído na Lista Nacional de Sítios classificados ao abrigo da Directiva Habitats (Directiva n° 92/43/CEE transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n° 140/99 de 24 de Abril). A sua inclusão na Lista Nacional de Sítios justificou-se pela existência de algumas espécies e habitats naturais, cuja conservação é prioritária ao abrigo da Directiva Habitats, e com os quais a execução do projecto iria interferir.
2 A zona de implantação do projecto está inserida num corredor migratório identificado como muito importante — Península de Sagres e Serra do Espinhaço do Cão —, pelo que os impactes sobre a avifauna migradora decorrentes da implementação do projecto seriam muito significativos e não minimizáveis.
3. O desenvolvimento do projecto em causa, que levaria à ocorrência de impactes negativos muito significativos e não minimizáveis ao nível da avifauna migradora, não é enquadrável em nenhuma das situações excepcionais previstas no artigo 10º do Decreto-Lei 140/99, de 24 de Abril.
4. A proposta de Declaração de Impacte Ambiental efectuada pelo Instituto do Ambiente, como Autoridade de AIA, tendo em consideração o parecer do Instituto de Conservação da Natureza (enquanto autoridade nacional com competência nesta matéria) e o parecer final da Comissão de Avaliação, foi no sentido da emissão de parecer desfavorável à execução deste projecto.
D) O despacho baseou-se no Parecer Técnico da Comissão de Avaliação de fls. 38 a 65 que se dá por integralmente reproduzido e o Relatório da Consulta Pública de fls. 68-74 que igualmente se dá por reproduzido.
E) Pelo ofício fotocopiado a fls. 34 o IA solicitou à DGE informação sobre a fase em que o projecto se encontra e um exemplar do projecto.
F) Este ofício contém ao alto do lado direito: IA OF.110626 ‘021111’ carimbo de entrada na DGE de 13.11.2002 e ao fundo à esquerda: CR-2002/11/05.
G) Efectuado o esclarecimento pela recorrente de fls. 35 a DGE comunicou que o projecto estava em fase de estudo prévio e enviou um exemplar do projecto eléctrico pelo ofício fotocopiado a fls. 36, com carimbo de 20.11. 2002 e n.º 012588.
H) O Gabinete do SEA comunicou por fax de 15.05.2003, às 13.40 h ao Director Geral de Energia a DIA negativa quanto ao projecto Parque Eólico Barão de São João (doc. juntos ao Proc. Instrutor no final do vol. de documentos)
III - Apreciação. O Direito.
1. A recorribilidade.
Ainda que não suscitando a questão da recorribilidade diz a entidade recorrida que a declaração que proferiu é um acto interno, dirigido exclusivamente à Administração que o solicitou.
E este STA no domínio de vigência do DL 186/90, de 6.6 no Ac. de 18.04.2002, P. 46058, decidiu que o parecer sobre a avaliação de impacte ambiental era instrumental do acto final “sem envolver de per si a definição autoritária de uma situação jurídica, não provocando por isso, efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares”.
Este entendimento podia encontrar apoio no art.º 6.º do referido DL 186/90, de 6.6 segundo o qual “a entidade competente para a aprovação do projecto deve ter em consideração o parecer …. e, em caso da sua não adopção, incorporar na decisão as razões de facto e de direito que para tal forem determinantes”.
Porém, revogado que foi aquele DL e entrado em vigor o DL 69/2000, de 3 de Maio, a força jurídica do acto final da avaliação de impacte ambiental, agora designado Declaração de Impacte ambiental (DIA) passou a impor-se à entidade autorizante ou licenciadora dos projectos sujeitos ao procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) nos termos que resultam do artigo 20.º deste novo diploma, que dispõe:
“1. O acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a procedimento de AIA só pode ser praticado após a notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável ou após o decurso do prazo necessário para a produção de deferimento tácito nos termos previstos no n.º 1 do artigo anterior.
2. Em qualquer caso o licenciamento ou a autorização do projecto deve compreender a exigência do cumprimento dos termos e condições prescritos na DIA ou, na sua falta, no EIA apresentado pelo proponente, conforme previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 17.º e no n.º 2.º do artigo anterior.
3. São nulos os actos praticados com desrespeito pelo disposto nos números anteriores, bem como os actos que autorizem ou licenciem qualquer projecto sujeito ao disposto no artigo 28.º sem o prévio cumprimento do disposto nesse artigo.”
Ou seja, como refere o preâmbulo do DL 69/2000 “… estabelece-se o carácter vinculativo da decisão ou, como é designada no diploma, da «declaração de Impacte Ambiental» (DIA) do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, salvaguardando o primado dos valores ambientais”.
Portanto, uma vez que a DIA passou a ser vinculativa em todos os seus aspectos para a entidade licenciadora ou autorizante, já não pode dizer-se que os seus efeitos são apenas internos e preparatórios do acto final de autorização ou licenciamento, porque uma vez definida a posição do Ministério do Ambiente através do membro do Governo competente, ela prevalece e tem primazia sobre todo e qualquer entendimento que possa ter outro membro do Governo.
É também significativo o facto de este acto de definição do interesse ambiental ter deixado de ser designado de “parecer” e ser agora designado “declaração”.
Na respectiva definição diz o art.º 2.º do DL 69/2000, de 3/5, que a Declaração de Impacte Ambiental ou DIA é “a decisão emitida no âmbito da AIA sobre a viabilidade da execução dos projectos sujeitos ao regime previsto no presente diploma”
Acto ou decisão que, além de ter efeitos externos por definir desde logo a posição da Administração e dos particulares interessados quanto à matéria de inserção ambiental do projecto, só por um mecanismo jurídico forçado ou mesmo difícil de aceitar poderia deixar de ser sustentado em controle jurisdicional pelo ministério donde provém, para ficar dependente da sustentação por outro ministério.
De modo que não há agora dúvidas sobre a recorribilidade contenciosa da declaração de impacte ambiental.
2. A pretensa revogação do deferimento tácito.
A recorrente começa por apontar ao acto recorrido (DIA desfavorável) violação dos artigos 140.º n.º 1 al. b) e 141.º do CPA porque seria revogatório do deferimento tácito ocorrido nos termos do art.º 19.º n.º 1 do DL 69/2000, de 3 de Maio, porque a documentação do pedido da declaração foi enviada ao Instituto do Ambiente em 30 de Outubro de 2002, iniciando-se o prazo no dia 4 de Novembro seguinte.
Vejamos se ocorreu deferimento tácito.
Realmente está provado que os elementos foram enviados ao Instituto do Ambiente (IA) em 30.10.2002 e que o IA pediu em ofício cuja data parece ser 11.11, mas que também pode ser 5.11.2002, conforme a interpretação das datas nele apostas, elementos que foram remetidos por ofício da DGE de 20.11.2002 (fls. 36).
O n.º 3 do art.º 19.º estatui que
“O prazo previsto no n.º 1 suspende-se durante o período em que o procedimento esteja parado por motivo imputável ao proponente, designadamente na situação prevista no 4 do artigo 13.º”
E, o n.º 4 do artigo 13.º refere que a comissão de avaliação pode pedir informações complementares, suspendendo-se entretanto o prazo de 20 dias para a Comissão de avaliação se pronunciar sobre a conformidade do EIA com o âmbito e conteúdo que ele deve ter – n.º 3 do artigo 13.º e remissão para o artigo 12.º.
Por seu lado o n.º 1 do artigo 19.º determina que o prazo para a formação de declaração tácita favorável se começa a contar a partir da data da recepção da documentação prevista no n.º 1 do art.º 13.º que “é toda a documentação relevante para a AIA” ou seja, só após o recebimento das informações pedidas é que se pode considerar iniciado o prazo de 120 dias aplicável para se formar a declaração favorável tácita – art.º 19.º n.º 1.
Esse prazo começou em 25 de Nov. de 2002, porque 23 foi Sábado e 24 Domingo e portanto, como o prazo de 120 dias se suspende durante o prazo em que o procedimento aguarda elementos (art.ºs 19.º n.º 3 e 13.º n.º 4 do DL 69/2000), e só contam os dias úteis (art.º 43.º do DL 69/2000), a contar 25 de Nov. teremos 4 dias de Novembro, 21 de Dez, 22 de Janeiro, 19 de Fev, sem o dia de Carnaval; 21 de Março; 21 de Abril e 12 de Maio, perfazendo assim os 120 dias em 16 de Maio de 2003.
A DIA foi proferida em 14 de Maio, mas foi comunicada por ofício de 20 de Maio à interessada. Como o prazo de 120 dias tem como termo a comunicação à entidade licenciadora – n.º 1 do art.º 19.º - e a comunicação imediata e simultânea da declaração pelo seu autor deve ser efectuada também ao proponente – art.º 18.º n.º 1 e 2 – entende-se que a recorrente, que só foi notificada por carta datada de 20 de Maio, da DGE tenha considerado ultrapassado o prazo legal e sustente que se formou tacitamente declaração favorável.
Porém, não é assim.
Na verdade, a comunicação foi efectuada em 15.05.2003, por ofício SEA N.º 1956, enviado por fax enviado e recebido às 13.40h, conforme consta do documento junto ao instrutor. Como o n.º 1 do artigo 19.º faz relevar indubitavelmente a comunicação à entidade licenciadora, tal comunicação teve lugar dentro dos 120 dias.
O que não teria sido cumprido foi o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, comunicação simultânea ao proponente, mas este facto não projecta efeitos para a formação do acto tácito positivo regulada no artigo 19.º, pelo que não se pode aceitar a conclusão da recorrente sobre a respectiva formação.
E, neste contexto também improcede quanto vem alegado sobre a revogação daquele inexistente acto tácito positivo.
3. Erro nos pressupostos de direito.
Passemos agora ao vício de erro nos pressupostos de direito que a recorrente localiza na referência ao parecer do ICN e excepções do art.º 10.º do DL 140/99, quando aquele parecer não é vinculativo e o artigo 10.º não é pressuposto da DIA, mas pressupõe ele próprio a prévia realização daquela avaliação (conclusões e) e f).
A referência que a DIA faz ao artigo 10.º do DL 140/99, de 24 de Abril é no sentido de que considera não se estar no caso daquele projecto de aproveitamento eléctrico perante uma situação excepcional de imperativo interesse público que imponha ao autor da declaração passar a propor a declaração de tal interesse pelo despacho conjunto previsto na mesma norma.
De modo que semelhante referência ao artigo 10.º não revela, de per si, nenhum erro de direito, porque se conforma logicamente com o regime da norma que refere, embora seja em sentido negativo, isto é, manifesta o entendimento de não existir um interesse público tão relevante na realização do projecto que o autor da declaração proponha, ele mesmo, uma declaração de interesse excepcional, em derrogação, ou para se sobrepor, ao parecer ambiental negativo que através dela é emitido.
É certo que o art.º 10.º pressupõe a prévia realização da avaliação e a emissão da DIA, e foi isso o que fez o acto recorrido.
Só que o autor da DIA também apresentou a sua perspectiva quanto ao facto de ser ou não pertinente considerar a hipótese de uma declaração de imperativo interesse público e adiantou que por sua iniciativa não existiria e também não era favorável a que viesse a ser proferida. Mas, este ponto não faz parte da Declaração de Impacte Ambiental, senão na medida em que se haja de considerar que esta apreciação ainda faz parte do mesmo procedimento pela sua colocação sistemática no DL 140/99, ou que deve ser oficiosamente suscitada pela entidade competente para a DIA.
Quanto ao argumento de que o parecer do ICN não é vinculativo também não tem nenhum efeito sobre a apreciação constante da DIA, a qual, nos termos literais do ponto 4, afirma que teve em conta o parecer do ICN (enquanto autoridade nacional com competência na matéria) e o parecer da Comissão de Avaliação.
No caso, como existia um instrumento de natureza especial tendente a garantir os objectivos de conservação para a área em causa, o licenciamento não estava abrangido pela vinculação a prévio parecer favorável do ICN, que se encontra prescrita no n.º 8 do artigo 7.º do DL 140/99, pelo que o parecer daquela entidade não tinha o dito carácter vinculativo. Daí não se segue que, como entidade tecnicamente apetrechada para o efeito não lhe fosse pedido parecer, como de facto sucedeu, parecer este que foi devidamente ponderado pela entidade decisora, como refere o texto da DIA.
Mas, a afirmação que é feita na DIA a este propósito, significa que a entidade decisora acolheu os pareceres do ICN e da Comissão de Avaliação e decidiu com base neles integrando-os na formação da vontade como motivos para decidir, mas não afirma, nem nada permite concluir, que tenha partido do pressuposto de se achar vinculada aos respectivos conteúdos na formação da vontade funcional, o que é inteiramente diferente de concordar e acolher o conteúdo dos pareceres.
Portanto, também não se consegue aqui detectar erro de direito na perspectiva levada pela recorrente às conclusões.
E, assim, improcede o vício de erro nos pressupostos das conclusões e) e f).
4. Erros nos pressupostos de facto.
4.1. Aponta depois a recorrente vários erros nos pressupostos de facto da decisão.
Primeiro que o parecer da Comissão de Avaliação enuncia espécies existentes no sítio PTCON0012 – Costa Sudoeste, sem indicar as interferências do projecto com as referidas espécies.
Porém, o acto incorporou também o Parecer do ICN no qual se explicitam especificadamente as interferências com a avifauna residente e migradora, concluindo que o estudo omite as colisões possíveis com pequenos pássaros “omissão particularmente grave na medida em que observações não sistemáticas revelam a presença e nidificação na área em questão de espécies passeriformes ameaçadas” que também especifica.
Quanto a avifauna migradora concluiu que os impactes negativos são “de elevada magnitude e de significância também elevada, com repercussões a nível internacional…”
4.2. Passa a recorrente a indicar como erro de facto não se ter considerado que o local foi assolado por incêndio, e repovoado por espécies sem protecção específica.
Porém, o parecer do ICN assenta na preocupação de preservação de toda a área da Costa Sudoeste e da sua flor a e fauna, pelo que o facto de ter havido um incêndio com todas as desastrosas consequências que se conhecem sobre estes elementos naturais não permite que se desista da referida preservação, ou mesmo reconstituição de ambientes naturais e habitats, pois que se se retirasse a protecção em todas as áreas assoladas por incêndios em breve estaríamos sem áreas protegidas.
4.3. Sustenta depois a recorrente que para decidir se considerou estar a zona do projecto inserida em corredor migratório, pelo que haveria impactes negativos muito significativos, mas realmente o local não está abrangido na Zona de Protecção Especial (ZPE) da Costa Sudoeste que o ICN definiu e se fosse um corredor assim importante deveria tal área ter sido incluída na ZPE.
Mas, o que sucede é o seguinte:
O DL 142/97, de 28 de Agosto aprovou a lista nacional de sítios (1.ª fase) para tornar efectivo um primeiro passo complementar do DL 226/97, de 27 de Agosto no sentido da transposição para o direito interno da Directiva 92/43CEE do Conselho, de 21 de Maio relativa à preservação dos habitats naturais.
Tais sítios ficaram desde esse momento a constituir áreas de protecção de espécies ou habitats, ou pelas normas do DL 19/93, de 23.01 e legislação anterior; ou pelas normas das zonas de protecção especial já criadas àquela data, na medida da coincidência de áreas territoriais – n.º 1 do artigo 4.º do DL 226/97, de 27/8.
E, nos casos em que sobre as áreas dos sítios constantes da lista aprovada pela RCM 142/97 não recaísse nenhum regime específico de protecção da respectiva conservação, até que ele fosse definido (n.ºs 2,3,4 e 5 do art.º 4.º) as actividades referidas no n.º 1 do art.º 8.º daquela Resolução ficaram sujeitas a prévio parecer do ICN.
Posteriormente, com o DL 384-B/89, de 23 de Setembro, foram criadas as zonas de protecção especial (ZPE) enumeradas no artigo 1.º, em que se integra a “Costa Sudoeste” nas quais, até à definição em instrumentos de planeamento do regime de protecção os actos e actividades enunciados no artigo 8.º do DL 140/99, de 24.4, ficam sujeitos a parecer favorável do ICN ou da Direcção Geral do Ambiente – n.º 8 do art.º 7.º do mesmo DL – sem prejuízo da obrigação decorrente do artigo 9.º n.º 1 de “quaisquer acções ou projectos, individualmente ou em conjunto com outras acções ou projectos susceptíveis de afectar significativamente um sítio de importância comunitária, uma ZEC ou ma ZPE, e tendo em vista o objectivo de conservação dos mesmos, podem ser sujeitos a uma avaliação de impacte ambiental ou a um processo prévio de análise de incidências ambientais, como formalidade essencial da autorização”.
Ou seja, como resulta do regime legal exposto, Portugal optou por efectuar uma regulação geral conjunta das matérias versadas nas Directivas “Aves Selvagens” – 79/409/CEE, do Conselho de 2 de Abril de 1979 e na Directiva “Habitats Naturais” – 92/43CEE, do Conselho, de 21 de Maio de 1992, e planeava desenvolver esta normação através de um plano sectorial de orientação genérica e enquadramento das medidas relativas à conservação da fauna, flora e habitats seguido depois de inserção nos planos de ordenamento territorial (na respectiva revisão) das medidas necessárias para os sítios e áreas neles abrangidos, conforme os n.ºs 3,4,5,6 e 7 do artigo 7.º do DL 140/99, de 24.4.
Apesar desta regulação conjunta a criação das ZPE responde à necessidade particular de defesa das aves, porque as zonas de protecção especial definem áreas territoriais mais apropriadas ao objectivo especifico de protecção das aves mencionadas no anexo A-1 do DL 140/99, de 24.4, bem como das aves migratórias cuja frequência no território nacional seja regular, por forma a evitar alterações nessas áreas com impactes negativos significativos sobre as condições de sobrevivência daquelas espécies.
E deste modo, a criação das zonas de protecção especial, através dos DL 140/99 e 384-B/89, de 23.9, corresponde à introdução no direito interno da regulação exigida pela Directiva do Conselho de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens – Directiva 79/409/CEE.
De harmonia com o regime legal referido e com a lista e critérios do anexo II da Directiva 97/11/CE, do Conselho de 3 de Março de 1997, bem como do diploma que efectuou a respectiva transposição, o DL 69/2000, de 3 de Maio, designadamente o último item do n.º 3 do Anexo II, projectos abrangidos pelo n.º 2 do artigo 1.º que inclui os aproveitamentos eólicos de energia com 20 ou mais torres ou mais de dez torres em áreas sensíveis, há reconhecidamente lugar a avaliação de impacte ambiental para a acção pretendida para aquela área, a qual se insere na Costa Sudoeste que o DL 384-B/99 no seu artigo 1.º classifica como ZPE, pelo que não se podem acolher as aliás contraditórias conclusões i), j) e k), porque ao reconhecer que o local está incluído no Sítio Costa Sudoeste não pode deixar de concluir-se que integra a ZPE criada com o mesmo nome a partir da entrada em vigor do DL 384-B/89, de 23/9, conforme o seu art.º 1.º.
De modo que a argumentação da recorrente parece esquecer a criação da ZPE operada por este último diploma quando argumenta que a ara não foi incluída em ZPE para protecção do corredor de aves migrantes.
4.4. Por último a declaração é atacada por não ter tomado em conta o que o Estudo de Impacto Ambiental considerava sobre corredores de segurança para movimentos migratórios, fenómenos de afastamento das aves e condições específicas do estudo e suas conclusões no sentido do pequeno impacte e da eficácia de medidas e condições minimizadoras das consequências indesejadas para as aves.
Mas, o certo é que o parecer não concordou com tais indicações do estudo apresentado, mas não significa isto que tenha deixado de as considerar o que é diferente.
E, quanto à valia de uma e outra das posições em confronto o tribunal não tem elementos para se pronunciar nem deve fazê-lo porque os estudos técnicos em que se baseia a Administração não podem ser substituídos por outros pareceres, ainda que de reputados autores, apresentados pelos particulares, salvo quando enfermem de erros demonstrados de forma objectiva e segura, nunca podendo substituir-se um juízo provindo de técnicos da Administração por outro de técnicos privados apenas porque há divergências entre os respectivos autores sobre a interpretação dos dados, se não for perfeitamente convincente a demonstração do erro dos técnicos da Administração. Ora, no caso, não existem elementos minimamente seguros no sentido das teses da recorrente quanto à pouca relevância e minimização em concreto, dos prejuízos para as aves protegidas que resultariam da realização daquele projecto.
O mesmo se aplica quanto à actualidade ou não dos estudos usados pela Administração e dos usados pelos peritos da recorrente, que este tribunal não pode arbitrar senão perante uma demonstração objectiva. Mas uma tal demonstração não pode resultar da apresentação de opiniões técnicas contraditórias na interpretação de fenómenos cujos dados de facto são objecto de recolha também em constante ajustamento.
Assim, não podem acolher-se os alegados vícios de erros nos pressupostos de facto.
IV - Decisão.
Em conformidade com o exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 450€ e a procuradoria de 70%.
Lisboa, 5 de Abril de 2005. – Rosendo José – (relator) – António Madureira - São Pedro