Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01780/17.0BEBRG 0122/18
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:APENSAÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:I - Quando é interposto um único recurso para impugnar diversas decisões administrativas que aplicaram sanções relativas a diversas infracções, as quais não foram apensadas na fase administrativa, mas todas deram entrada em Tribunal na mesma data, o juiz deve verificar se estão reunidos os requisitos legais da conexão e, em caso afirmativo, ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25.º do Código de Processo Penal;
II - Quando se verifique o preenchimento dos requisitos para a apensão, a mesma deve ser ordenada pelo juiz no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes de ser proferida decisão por mero despacho nos termos do artigo 64.º do RGCO.
Nº Convencional:JSTA000P26023
Nº do Documento:SA22020060301780/17
Data de Entrada:02/07/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A…………, interpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, em 25 de Setembro de 2017, indeferiu liminarmente a petição inicial na qual a Recorrente se insurgiu contra os actos de aplicação das coimas praticados pelo Chefe de Serviço de Finanças de Braga – actos praticados nos processos contra-ordenacionais com os seguintes números: 04502017060000036139, 04502017060000036147 e 04502017060000036155, nos montantes, respectivamente, de €94,89, €183,86 e €81,90 com fundamento na falta de pagamento de taxas de portagem, e peticionou, ainda, a apensação destes processos, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
I. A sentença ora recorrida assenta num pressuposto, que não é válido, de que cada contraordenação tem de ter a sua própria alegação de recurso, não sendo admitida uma alegação de recurso dirigida a vários processos de contraordenação.
II. Em 08 de Maio de 2017, foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1, o processo de contraordenação n.º 04502017060000036155, por falta de pagamento de taxas de portagem no dia 09 de Dezembro de 2014 (cfr. Doc. N.º 1).
III. Em 08 de Maio de 2017, foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1, o processo de contraordenação n.º 04502017060000036147, por falta de pagamento de taxas de portagem nos dias 03, 09 e 10 de Dezembro de 2014 (cfr. Doc. N.º 2).
IV. Em 08 de Maio de 2017, foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1, o processo de contraordenação n.º 04502017060000036139, por falta de pagamento de taxas de portagem no dia 10 de Dezembro de 2014 (cfr. Doc. N.º 3).
V. Dispõe, a este propósito, o artigo 25.º do C.P.P., aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 3.º, al. b) do R.G.I.T. e artigo 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, quanto à conexão subjetiva de processos, a possibilidade de apensação dos processos.
VI. Do qual resulta que, independentemente da existência ou não de conexão objetiva, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 24.º,
VII. Prevendo, ainda, o artigo 29.º do mesmo Código que todos os crimes determinantes de uma conexão se organizam num só processo.
VIII. Compulsados os processos de contraordenação em causa, certo é que foram instaurados no mesmo dia, tem por base a mesma infração, os mesmos dispositivos legais, praticada pelo mesmo agente.
IX. Saliente-se que a conexão de processos é determinada, não só pela conveniência do próprio Infrator, mas essencialmente por conveniência da Justiça.
X. Ou porque há entre as contraordenações uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados juntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se, consequentemente, melhor a justiça;
XI. Ou porque o mesmo agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo processo, até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes (art. 77.º do Código Penal).
XII. E a este respeito, pronunciou-se também já o Supremo Tribunal Administrativo, que fundamentou a sua posição jurídica da seguinte forma:
“…esta conexão pode, e deve, operar nas diversas fases procedimentais e processuais tendentes à apreciação e punição (ou absolvição) da infração cometida pelo mesmo infrator. (…) Portanto, encontrando-se o juiz, a quem compete o julgamento da impugnação da decisão administrativa que aplicou a sanção, perante uma multiplicidade de processos, em que o infrator é o mesmo, que lhe foram distribuídos a si, ou aos outros juízes do mesmo Tribunal, deve averiguar da possibilidade de ordenar a apensação de todos os processos àquele que for o determinante da competência por conexão, de modo a que realize um só julgamento.”
XIII. Com efeito, é este, precisamente, o caso que está sob a apreciação jurisdicional nos presentes autos,

XIV. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, al. c) do Código de Processo Penal, é indubitável que existe conexão subjetiva suficiente para se proceder à apensação dos mesmos.

XV. Na situação em apreço, quer na fase administrativa, quer na fase judicial, requereu a aqui Recorrente a apensação de todos os processos de contraordenação, alvo de recurso – como é possível verificar pelo processo administrativo junto aos autos,

XVI. Requerimento esse que não mereceu qualquer pronúncia e apreciação tanto pela entidade administrativa, como pelo tribunal a quo.

XVII. Deste modo, encontrando-se o juiz, a quem compete o julgamento da impugnação da decisão administrativa que aplicou a sanção, perante uma multiplicidade de processos, em que o infrator é o mesmo, que lhe foram distribuídos a si, deveria ter averiguado a possibilidade de ordenar a apensação de todos os processos,

XVIII. Ao invés de, como sucedeu, indeferir liminarmente o recurso interposto, sem apreciação dos elementos de conexão de todos os processos cuja apensação havia sido requerida.

XIX. Não o tendo feito, incorreu naturalmente, a decisão ora recorrida, em erro de direito.

XX. Desta feita, a não determinação da apensação dos processos contraordenacionais, quando, como sucede in casu, entre os mesmos se verificar qualquer das situações de conexão previstas na lei – conexão objetiva ou subjetiva –

XXI. E não se verificando as exceções legalmente previstas para a separação dos processos (cfr. Artigo 30.º do C.P.Penal) – aplicáveis mutatis mutandis para a manutenção da autonomia de processos conexos entre si –

XXII. Constitui ilegalidade por errada aplicação do direito, por violação do preceituado no artigo 25.º e 29.º da C.P.Penal.

XXIII. Desta feita, e atento o supra exposto, certo é que devem os processos de contraordenação n.ºs 04502017060000036147 e 04502017060000036139 ser apensados ao n.º 04502017060000036155, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, al. c) do C.P.Penal

Termos em que, e nos melhores de direito, V/Exas. Venerandos Desembargadores deverão decidir no sentido de revogar a sentença recorrida proferida pelo tribunal a quo, julgando os processos de contraordenação em causa apensos, pela conexão subjetiva»



2 – A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.


3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.


4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. O despacho recorrido tem o seguinte teor
«…

Nos presentes autos, vem a Recorrente apresentar uma única petição de recurso referente às decisões de aplicação de coima proferidas nos processos de contra-ordenação n.ºs 04502017060000036139, 04502017060000036147 e 04502017060000036155, pedindo a apensação de processos tendo em vista a aplicação de uma coima única.
Com efeito, verifica-se que os processos de contra-ordenação a que respeitam as decisões recorridas não foram apensados entre si na fase administrativa, nem tão pouco foram abstratamente apensados pela entidade administrativa para efeitos de aplicação de uma coima única, tendo, pelo contrário, sido aplicadas coimas distintas, através de decisões administrativas de aplicação de coima proferidas individualmente em cada um dos processos.
Ora, sendo certo que a cumulação de recursos poderia ser benéfica em termos de economia processual e uniformidade de julgados, pelo menos naqueles casos em que a fundamentação de facto e de direito das decisões é idêntica e em que tais decisões são notificadas ao Recorrente na mesma data, a verdade é que o legislador não o previu.
Isto é, a partir do momento em que a autoridade administrativa não procedeu à apensação dos processos de contra-ordenação, antes tendo proferido decisões de aplicação de coima autónomas em cada um deles, a impugnação de tais decisões de aplicação de coimas, não pode ser concretizada através de um único recurso, não podendo a parte proceder, por sua iniciativa, à cumulação ou apensação de recursos.
A cada decisão de fixação de coima deverá, pois, corresponder uma única petição de recurso, conforme resulta dos artigos 80.º do RGIT e 59.º do RGCO.
Ademais, não se olvida que no momento em que a impugnação da decisão administrativa de aplicação de coima dá entrada em Tribunal conjuntamente com outras respeitantes ao mesmo infrator deve o juiz ordenar a apensação de processos, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25.º do Código de Processo Penal (“CPP”)1, porém, é pressuposto de tal apensação, a efetuar pelo juiz, que existam diversos recursos judiciais de aplicação de coima referentes ao mesmo infrator, por infrações idênticas, pendentes no Tribunal, o que, in casu, não se verifica porque a Recorrente interpôs um único recurso judicial abrangendo as três decisões de aplicação de coima de que foi notificada.
Nesta conformidade, porque é ilegal a cumulação de recursos de contra-ordenação referentes a decisões de aplicações de coimas autónomas, deverá o presente recurso ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 3.º, alínea b) e 80.º do RGIT, 59.º e 63.º, n.º 1 do RGCO.
De notar, que tal não significa que a Recorrente não possa vir a ver os seus pedidos apreciados, porquanto poderá, nos termos do disposto no artigo 560.º do CPC, aplicável ex vi artigos 3.º, al. b) do RGIT, 41.º, n.º 1 do RGCO e 4.º do CPP, deduzir recursos autónomos contra as decisões de aplicação de coima em causa, no prazo aí estabelecido, considerando-se as mesmas apresentadas na data em que as alegações deste recurso foram apresentadas, podendo, então, requerer a apensação de recursos na fase judicial.

*
Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, rejeita-se o presente recurso.
…»


2. Questão a decidir
Saber se nos casos em que é apresentado um mesmo recurso para vários actos de aplicação de contra-ordenações sem que as mesmas tenham sido apensadas na fase administrativa se deve considerar verificada a excepção de "Cumulação ilegal de Recursos".


3. De direito
3.1. O recurso aqui em apreço vem interposto do despacho de rejeição do recurso que a arguida interpôs de três decisões de aplicação de coimas em três procedimentos de contra-ordenação não apensados entre si, numa situação em que a Recorrente requereu expressamente no recurso, de forma prévia, a apensação desses processos em observância do princípio da economia processual, na dimensão relativa à unidade e apensação de processos que se encontrem na mesma fase processual, como é o caso dos autos (cfr. fls. 1 a 80 do processo no SITAF). Acrescenta-se, ainda, que os três processos de contra-ordenação foram remetidos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

3.2. A questão que nos cumpre decidir não é nova na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e tem sido seu entendimento reiterado que a conduta adoptada pela aqui Recorrente não merece a censura que o Tribunal a quo lhe assacou. Neste sentido se pronunciou o acórdão de 29 de Maio de 2019 (proc. 01826/17.1BEBRG 0140/18), cujo teor aqui transcrevemos:
“A circunstância de a Recorrente ter interposto um só recurso de impugnação judicial de duas decisões administrativas de aplicação de coima proferidas em distintos processos de contra-ordenação, mas ter, concomitantemente, identificado os dois processos a que dirige o recurso (e que foram remetidos a tribunal), requerendo, a final, de forma expressa e inequívoca, a sua prévia apensação de modo a possibilitar a utilização de uma única petição judicial para impugnar ambas as decisões, aliada à circunstância de o Ministério Público ter formulado idêntica pretensão quando fez a apresentação dos autos ao Juiz, devia ter determinado a análise desse pedido e a prolação de decisão de deferimento caso nada obstasse a essa apensação.
Na verdade, a apensação dos processos administrativos onde foram proferidas as decisões administrativas impugnadas viabiliza a apresentação de uma única peça de judicial de contestação a ambas as decisões, com ganhos de eficiência formais e substanciais, atenta a instrução, a discussão e o julgamento conjunto da legalidade dessas duas decisões, sendo esta a razão legal justificativa da junção por conexão.
Deste modo, impunha-se ao Mmº Juiz analisar e decidir o aludido pedido de apensação, pedido que, como tem sido frisado pela jurisprudência do STA, pode e deve ser acolhido caso se mostrem verificados os respectivos pressupostos legais, e que pode e deve ser ordenada (até oficiosamente) no despacho liminar, em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento, ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64º do RGCO – cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 17/06/2015, no proc. nº 0137/15, de 28/10/2015, no proc. nº 069/15, de 15/11/2017 no proc. nº 01026/17, e de 20/03/2019, no proc. nº 01895/17.
Como se deixou frisado no acórdão proferido no processo nº 0137/15, «o facto de não se ter ordenado a apensação de todos os processos na fase administrativa, não impede que seja ordenada essa mesma apensação na fase judicial, cfr. artigo 29º nº 2, no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT. // Nesta medida, incumbe ao juiz a quem compete o julgamento das impugnações das decisões administrativas, apreciar da aplicabilidade do disposto naquele artigo 25º do CPP, configurando-se, assim, o reconhecimento da conexão de processos e a determinação da apensação dos mesmos como um dever e não como uma faculdade que é concedida ao juiz, tudo em vista da melhor realização da justiça e da economia de meios.».

3.2.1. Ora, no caso, as três contra-ordenações respeitam a infracções cometidas em Dezembro de 2014 por falta de pagamento da taxa de portagem, pelo que estão verificados os pressupostos legais ― atento o disposto nos artigos 24.º, 25.º, 28.º e 29.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO) ― da conexão subjectiva (artigo 25.º do RGCO “há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca”) e, por essa razão, deve instruir-se um único processo ou apensarem-se os distintos processos que tenham sido instaurados.

3.3. Em suma, em vez de rejeitar o recurso de impugnação, devia o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em cumprimento dos princípios da celeridade processual e do favorecimento do processo, ter apreciado o pedido de apensação e, caso concluísse pelo preenchimento dos requisitos, ter ordenado a apensação dos processos de contra-ordenação que lhe foram remetidos e depois prosseguido com os ulteriores termos do recurso, como se concluiu, também, perante factualidade semelhante, no antes mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Maio de 2019 (proc. 01826/17.1BEBRG 0140/18).

Razão por que, sem necessidade de outras considerações, se impõe também neste caso conceder provimento ao presente recurso e revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que aprecie e decida o pedido de apensação dos três processos de contra-ordenação e, no caso do seu deferimento, que conheça, se a tal nada mais obstar, do mérito do recurso impugnatório das decisões que neles foram proferidas.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para os efeitos antes mencionados.

Sem custas [nos termos dos artigos 94.º, n.ºs 3 e 4 do RGCO e artigo 66.º do RGIT].


Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Paulo José Rodrigues Antunes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.