Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01175/16
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Incumbe ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, independente da sua pertinência ou viabilidade, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
II - A violação dessa obrigação de conhecimento determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia [cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC], que o Supremo Tribunal Administrativo não pode suprir (cfr. art. 684.º, n.º 1, do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P22862
Nº do Documento:SA22018013101175
Data de Entrada:10/19/2016
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2898/14.6BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……………., S.A.” (doravante Impugnante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2008 e respectivos juros compensatórios, na sequência do indeferimento do recurso hierárquico da decisão que indeferiu a reclamação graciosa que deduziu contra aquele mesmo acto.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A- A douta sentença recorrida não tomou posição sobre questões de que devia conhecer suscitadas pela parte, nem decidiu explicitamente que não podia delas tomar conhecimento, pelo que é nula por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 665.º do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 125.º do CPPT.

B- A sentença recorrida entende a fls. 16/23, estar unicamente “em causa nos autos a liquidação do IVA relativo à transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, que nos termos do artigo 3.º n.º 3 do CIVA, são considerados como transmissões a afectação de bens pela recorrente a um sector de actividade isento, que ocorreu em 2008”,

C- Todavia, não é essa a única “questão” que faz parte do “thema decidendum”, pois, acresce-lhe uma outra questão suscitada, acerca da ilegalidade que inquinou as liquidações, decorrente da notificação da liquidação ter antecedido a notificação do relatório de inspecção que fixou a matéria tributável corrigida.

D- À luz do conceito de “questão” relevante avulta necessidade de analisar e decidir, acerca da preterição de formalidade legal, consistente na concretização das liquidações antes da sua notificação da decisão de fixação da matéria colectável (neste sentido o Acórdão 02834/09 de 15/07/2009 do TCA Sul).

E- A sentença recorrida não se pronunciou sobre esta questão, o que constitui uma nulidade cometida, que pode influir no exame ou na decisão da causa, razão pela qual se enquadra no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, enfermando do vício de violação de lei revestido sob a forma de nulidade.

F- A sentença recorrida deu nos pontos P e Q da “Matéria de Facto - Factos Provados”, como provadas as datas em que foram efectuadas as notificações das liquidações impugnadas e consumada a notificação do relatório, daí se concluindo, que as liquidações foram notificadas antes da notificação do próprio relatório, contendo nos termos do artigo 62.º n.º 1 alínea i) do RCPIT [sic].

G- Como corolário, a recorrida estava impedida, antes da elaboração desse relatório final, de exercer o direito de liquidação por desconhecimento dos pressupostos fácticos em que se deve basear, nos termos do artigo 62.º n.º 1 alínea i) do RCPIT.

H- Todavia, em evidente omissão de pronúncia apenas se debruça sobre questão diversa, atinente ao efeito suspensivo do prazo de caducidade decorrente da notificação do relatório.

I- Na verdade, em questão suscitada e não analisada nem decidida, fixando o relatório inspectivo a matéria tributável, e sendo esta notificação realizada em momento posterior, existe uma violação aos artigos 77.º n.º 6 e 36.º. n.º 1 do CPPT (neste sentido os Acórdãos n.ºs 0697/12 de 21/11/2012 e 0655/09, ambos do STA), o que inquina o acto tributário de liquidação, que assim está eivado por vício de violação de lei.

J- Termos em que deve atentas as razões expendidas, ser dado provimento ao recurso anulando a decisão recorrida

Sem conceder:

L- Noutro segmento, sempre se dirá que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao não reconhecer a caducidade do direito à liquidação do imposto na base da liquidação adicional impugnada, incorreu a decisão em erro de julgamento [sic].

M - Violando o alcance normativo do artigo 36.º n.º 1 do RCPIT, que determina, no entender da recorrente, uma diferente interpretação e aplicação, não resultando, ao contrário da sentença recorrida, que seja legalmente admissível recolhendo elementos a coberto do Despacho n.º 201201733 de 02/10/2012, utilizá-los numa inspecção de 2008.

N- Inspecção essa, que iniciada em 2008, viria a corrigir as declarações periódicas de 2007 e consequentemente praticando actos de liquidação adicional.

O- Da interpretação do artigo 36.º do RCPIT, resulta para os autos que a inspecção realizada em 2012, eliminando o direito à dedução de IVA do ano de 2007, já foi efectuada para além do prazo consignado no artigo 45.º da LGT, que se compagina “in casu” com o artigo 36.º do RCPIT.

P- A sentença recorrida transcreve em 4.2.7 de fls. 11/23, a posição do Acórdão do STA proferido no recurso 0303/07 de 12/07/2007 – fls. 11/23, mas com o devido respeito, que é muito, este aresto apenas tem aplicabilidade às situações de reembolso.

Q- O prazo de caducidade do direito à liquidação, actualmente previsto no artigo 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária e que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte.

R- É o caso dos actos que a coberto da regularização liquidaram imposto em 2008, referente a uma dedução operada em período caduco, pois deles resultou para a recorrente uma obrigação que não tinha anteriormente.

S- Para além do mais, existe suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que eliminam um direito à dedução de IVA, por serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, que justificam a aplicação do artigo 45.º.

T- Conclui-se, assim, que há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, sendo-lhe legalmente impedido de em 2012 eliminar o direito à dedução de 2007, pretendendo que a pretexto de uma transmissão de bens ocorrida ao abrigo do artigo 3.º n.º 3 alínea g) do CIVA em 2008, haja uma regularização do imposto de 2007.

U- O IVA deduzido em 2007, consta de facturas emitidas na forma legal, referentes a materiais ou prestação de serviços relacionados com a construção do “lar de idosos” e a destinatária das mesmas foi a recorrente.

V- Face ao expendido, e uma vez que o bem (imóvel onde foi construído o lar de idosos), foi adquirido e utilizado pela recorrente para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas, afigura-se-nos estarem preenchidas as condições para o exercício do direito à dedução do imposto suportado com a construção do dito “lar de idosos”, quanto ao IVA mencionado nas facturas.

X- Ora, uma coisa são as deduções de imposto e outra coisa, diversa, são as regularizações a que se referiam os artigos 24.º e 25.º do CIVA na redacção aqui aplicável, as quais, como resulta dessas normas legais, consistem nas modificações das deduções inicialmente efectuadas – cf. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 3.ª edição, Almedina, pág. 209.

Z- Ora estas regularizações, que modificam as deduções iniciais, através de liquidação adicional, têm imperiosamente de respeitar o prazo de caducidade, o que não sucedeu no caso sob a égide recursiva.

AA- Assim em 2012, eram inatacáveis as declarações de IVA de 2007, no que toca à possibilidade de serem corrigidas ou por via do direito à dedução ou de liquidação adicional, por decorrência da caducidade.

AB- Os valores emergentes e constantes do quadro 6 das declarações periódicas de IVA do ano de 2007 não podem sofrer alterações a partir do dia em que a caducidade do direito à liquidação operou.

AC- A questão da caducidade é pois prévia e prejudicial no âmago do “thema decidedum”, postergando a questão da “regularização”.

AD- Só pode ser objecto de “regularização”, na óptica do IVA, o que pode ser regularizado legalmente, daí redundando que, operando a caducidade, se extingue a regularização que afecta o imposto inscrito nas declarações periódicas de 2007, quer em “outputs” quer “inputs”.

AE- Sem conceder, ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica, dever de patrocínio e a benefício de raciocínio se traz a pleito, sempre se dirá que a decisão fez uma incorrecta aplicação do direito aplicável, padecendo de erro de julgamento, o qual se circunscreve à análise exegética dos artigos 23.º e 24.º do CIVA.

AF- No período compreendido entre 01/07/2011 e 14/04/2008, a recorrente esteve enquadrada no regime normal trimestral, tratando-se de um sujeito passivo misto que pratica operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito, realidade insofismável e confirmada pela própria Autoridade Tributária.

AG- A recorrente praticava operações que conferem direito à dedução do imposto, mormente as atinentes à cedência onerosa e carácter duradouro, de um espaço para instalação de antenas, por parte de uma empresa de telecomunicações e operações abrangidas pelo Dec.-Lei 21/2007.

AH- As pretensas regularizações das deduções relativas a bens do activo imobilizado, com enquadramento no artigo 24.º do CIVA, não podem ser feitas de uma só vez como pretende a Autoridade Tributária.

AI- Não é aplicável o artigo 24.º n.ºs 6 e 8 do CIVA, porque a recorrente sempre teve operações activas (provam-no inclusive os próprios autos, no período compreendido entre 2003 e 2008), a regularização das deduções relativas aos bens referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º teria de ser feita em 1/20 e por um período de 20 anos.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, pelas razões expendidas, revogando a decisão recorrida, e anulando as liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária acima melhor identificadas».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa proferiu despacho – ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – no qual, apreciando a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, considerou que a mesma se não verifica, uma vez que, «[c]omo resulta da sentença recorrida, a caducidade do direito à liquidação foi conhecida e analisada em termos em que prejudicaram o conhecimento da invocada ilegalidade».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, declarada nula a sentença por omissão de pronúncia e devolvidos os autos à 1.ª instância para conhecimento da questão omitida, com a seguinte fundamentação:

«1. A omissão de pronúncia, enquanto causa de nulidade da sentença, inquina a sua estrutura formal imperativa; é consequência da violação do dever funcional de o juiz se pronunciar sobre todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as questões de conhecimento oficioso (art. 608.º n.º 2 CPC/art. 2.º al. e) CPPT; art. 125.º n.º 1 CPPT).
Cada questão jurídica exigindo pronúncia judicial decompõe-se num binómio causa de pedir-pedido, exprimindo a causa de pedir o fundamento fáctico-jurídico invocado pelo interessado para a satisfação da sua pretensão e o pedido o conteúdo da tutela jurisdicional reclamada.
Com as questões jurídicas, configuradas em cada binómio causa de pedir-pedido, não devem confundir-se os argumentos aduzidos pelas partes, no âmbito de cada questão enunciada, para lograr o convencimento do tribunal no sentido da obtenção de solução favorável à sua pretensão.

2. No caso concreto a recorrente explicitamente enunciou na petição de impugnação judicial questão jurídica que não mereceu apreciação pelo tribunal: ilegalidade da liquidação adicional de IVA com fundamento na circunstância de a notificação da liquidação ter antecedido a notificação do relatório da inspecção que fixou a matéria colectável corrigida, com a implícita alegação de preterição de formalidade legal inquinante do acto final do procedimento de liquidação (petição arts. 20.º/24.º, conclusões do recurso C-/G-).
Esta questão, contrariamente à justificação apresentada pelo juiz relator da sentença (despacho a fls. 167), não ficou prejudicada pela análise da questão da caducidade do direito de liquidação (apreciada na sentença de forma manifestamente elíptica), na medida em que o fundamento fáctico-jurídico invocado é distinto, consistindo numa alegada preterição de formalidade legal, inquinante da validade do acto final do procedimento de liquidação.

3. A intervenção do STA na qualidade de tribunal de revista, com poder de cognição circunscrito a matéria de direito, não permite a aplicação da regra da substituição ao tribunal recorrido no conhecimento da questão sobre a qual foi omitida pronúncia, impondo-se a devolução do processo aquele tribunal para reforma da sentença anulada (arts. 615.º n.º 1 al. d) primeira parte, 665.º n.º 2, 679.º e 684.º n.º 2 CPC vigente)».

1.6 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI201201186 de 16/07/2012 para o ano de 2008, e do Despacho n.º 201201733 de 02/10/2012 (recolha de elementos relativos ao ano de 2007) ambos emitidos pelo Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, foi desencadeado o procedimento de inspecção externo à actividade da Impugnante.
(Conforme resulta de fls. 3 do relatório de inspecção tributária).

B) A acção inspectiva foi iniciada em 25/09/2012, com a assinatura da Ordem de Serviço pela Mandatária da empresa e foi concluída com a assinatura das Notas de Diligências em 31/10/2012.
(Conforme resulta de fls. 1 do relatório de inspecção tributária e da nota de diligência constante do processo administrativo apenso).

C) A acção inspectiva visou a regularização do IVA dedutível relativo à construção do “Lar de Idosos”, aquando da alteração do enquadramento para “Isento do art. 9.º do CIVA”, tendo para o efeito sido enviada uma notificação através do ofício n.º 14746 datado de 08/06/2012, em que se proponha a regularização voluntária, a qual foi recebida pelo sujeito passivo.
(Conforme resulta de fls. 1 do relatório de inspecção tributária).

D) A acção inspectiva teve como âmbito o IVA referente ao exercício de 2008.
(Conforme resulta de fls. 1 do relatório de inspecção tributária).

E) A Impugnante iniciou a actividade de “Actividades Apoio Social para Pessoas Idosas, com Alojamento” a que corresponde o CAE 087301 em 22/01/2003 e tem a sua sede na área do Serviço de Finanças de Setúbal.
(Conforme resulta de fls. 2 do relatório de inspecção tributária).

F) Em matéria de IRC a Impugnante é tributada pelo seu lucro real e está enquadrada no Regime Geral.
(Conforme resulta de fls. 2 do relatório de inspecção tributária).

G) Em matéria de IVA, aquando do início de actividade em 22/01/2003, a Impugnante enquadrava-se no regime normal bimestral, tendo procedido à sua alteração em 14/04/2008 para “Isento do Art. 9.º do CIVA” em consequência de Declaração emitida pela Segurança Social.
(Conforme resulta de fls. 2 do relatório de inspecção tributária).

H) Actualmente está enquadrado no regime normal trimestral desde 01/0712011, é um sujeito passivo misto com afectação real. Segundo a Advogada da empresa, esta alteração deveu-se ao facto de terem dado permissão para a instalação de antenas de uma empresa de telecomunicações.
(Conforme resulta de fls. 2 do relatório de inspecção tributária).

I) A Impugnante apresentou uma Declaração de Alterações em 14/04/2008, em que o enquadramento em IVA passou para “Isento do art. 9.º do CIVA” em consequência de Declaração emitida pela Segurança Social emitida em 14/05/2008, mas cujos efeitos retroagem a 01/04/2008.

J) Em matéria de descrição dos fundamentos das correcções meramente aritméticas, resulta do relatório de inspecção:
«(...) Através da análise dos documentos contabilizados nas contas “IVA dedutível” (relativos aos anos de 2007 e 2006), cujos valores se encontram de acordo com os que constam no mapa resumo do IVA, elaborado com base nas DP’s enviadas pelo sujeito passivo (Anexo III), conclui-se que deduziu IVA desde o início de actividade em 22/01/2003, o que lhe era permitido uma vez que se encontrava enquadrado no regime normal, no entanto aquando da alteração para Isento do Art. 9.º do CIVA, deveria ter regularizado o IVA a favor do Estado nos seguintes termos:
> Quanto aos bens móveis, são considerados para efeitos de IVA, uma transmissão de bens nos termos da al. g) do n.º 3 do art. 3.º do CIVA, pelo que há lugar a liquidação de IVA no período de 200806T;
> Quanto aos imóveis, designadamente a construção do edifício do Lar, devem ser objecto de regularização pela totalidade, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 6 do art. 24.º CIVA, uma vez que o sujeito passivo alterou o enquadramento para Isento do Art. 9.º do CIVA em 14/04/2008, e pelo valor de 20/20 do IVA deduzido, dado que nunca declarou qualquer operação activa, e o início de utilização ou ocupação é no ano de 2006, devendo ter declarado regularizações a favor do Estado no período 200812T, ou seja, no último período do ano a que respeitam, de acordo com o n.º 8 do art. 24.º do CIVA.
Note-se que o IVA deduzido no imóvel foi totalmente autoliquidado nos serviços de construção civil, sendo que a autoliquidação foi uma obrigação. Independentemente de quem liquidou (mesmo que fosse um fornecedor/prestador), a regularização efectua-se ao IVA deduzido».
(Conforme resulta de fls. 4 e 5 do relatório de inspecção tributária).

K) Prossegue a Administração Fiscal:

«Foram verificadas as operações declarados nas DP’s de IVA do ano de 2007 no campo 1 e campo 3 sujeitas à liquidação do IVA, são respeitantes a obras relacionadas com a construção do edifício do Lar, sendo que as mais significativas são as da empresa “B……………., Lda.” com o NIPC ……………, as quais totalizam o montante de € 4.338.202,48 (Anexo IV), e tratam-se de operações activas enquadradas no DL 21/2007 de 29 de Janeiro (IVA devido pelo adquirente), sem liquidação de IVA, em consequência da inversão do sujeito passivo, conforme art. 2.º, n.º 1 alínea j) do CIVA, as quais passaram a ser tributadas na esfera do adquirente.
Por último, importa referir a existência de várias despesas directamente relacionadas com o imóvel, assim:
1. Contrato de leasing n.º 450000013 com o Millenium BCP iniciado em 14/04/2004, que tinha como objecto a locação de um lote de terreno para construção sito na Freguesia da ………….., prédio inscrito na matriz predial urbana n.º 2876, relativamente ao qual o sujeito passivo aceitou os elementos constantes do pedido de “Renúncia à Isenção do IVA”, apresentado pelo BCP, tendo deduzido o seguinte IVA (Anexo V):
- Renda n.º 38 no montante de € 6.515,07 + IVA o valor de € 1.368,16;
- Renda n.º 39 no montante de € 6.527,44 + IVA no valor de € 1.370,76 (esta renda veio a ser anulada, pois a factura foi emitida após o pagamento do VR, dando origem a uma regularização do campo 41);
- Valor residual foi € 1.362248,26 + IVA no valor € 286.072,13;

2. Contratos de fornecimento e montagem de elevadores da .........., em que deduziu o seguinte IVA (Anexo VI);
- Orcº/Contrato n.º 204605 no montante de € 14.305,00 + IVA € 3.004,05;
- Orcº/Contrato n.º 204606 no montante de € 14.335,00 + IVA € 3.004,05;
- Orcº/Contrato n.º 204607 no montante de € 17.530,00 + IVA € 3.693,90;
- Orcº/Contrato n.º 204608 no montante de € 5.330,00 + IVA € 1.218,00;

3. Fornecimento de material e mão-de-obra relativamente à instalação eléctrica pela empresa “C………….., Lda.” no montante de € 25.246,04 + IVA € 5.301,67 (Anexo VII).

As correcções propostas decorrentes da alteração do enquadramento em sede de IVA, conforme Mapa que consta como Anexo VIII, e quadro síntese, são as seguintes:

Período
Base Tributável
Campo 3
IVA tx. 21%
Campo 4
IVA a favor do Estado Campo 41
0806T
€ 302.172,38
€ 63.456,20
0812T
€ 1.214.684,46
(Conforme resulta de fls. 5 e 6 do relatório de inspecção tributária)

L) A Administração Fiscal, através do mapa que consta no Anexo IX, verificou a existência de um crédito de IVA no final do ano de 2008 no montante de € 345.968,82, o qual sofreu algumas alterações em consequência do enquadramento no regime normal trimestral em 01/07/2011, em que passa a liquidar IVA nas operações activas relacionadas com a instalação de antenas de uma empresa de telecomunicações, pelo que no período 201206T o crédito de IVA é de € 345.347,82, podendo o sujeito passivo solicitar o reembolso nesse montante.
(Conforme resulta de fls. 7 do relatório de inspecção tributária)

M) A Impugnante não exerceu o direito de audição.
(Conforme resulta de fls. 7 do relatório de inspecção tributária).

N) O chefe da equipa de Inspecção Tributária emitiu parecer sobre o relatório de inspecção, donde se extrai com interesse para a decisão:
«(...)
5.3. Ora, a passagem da actividade de Sector não isento para sector isento tem consequências, tais como:
5.3.1. Todos os bens existentes à data da alteração são considerados transmitidos, cfr. art. 3.º n.º 3, al. g), pelo valor tributável previsto no art. 16.º, n.º 1 al. d), todos do CIVA, que no caso em apreço é igual ao valor deduzido dado não existir desvalorização, pois nunca tinha entrado em funcionamento, com liquidação de IVA no período da alteração no caso 0806T;
5.3.2.Regularização do IVA deduzido em bens imóveis, cfr. art. 24.º, n.º 6 al. a) do CIVA, o período de 0812T, por n/20 do período de regularização ainda não decorrido cfr. cálculos do art. 24.º, n.º 5 segunda parte o que no caso se traduz em 100% (20/20) dado o início do período de regularização ano de ocupação ou de início de utilização ser precisamente 2008.
5.3.3. Em resumo, a passagem da actividade de sector não isento para sector isento, sem ter efectuado qualquer operação activa não isenta, tem a mesma consequência de nunca ter deduzido qualquer IVA, como se a isenção existisse desde o início da actividade.

6. IVA
6.1. Assim, apurou-se IVA em falta, por não liquidado sobre os bens móveis, no período de 0806T no valor de € 63.456.20, conforme descriminação no Relatório, infracção aos arts. 7.º n.º 4 e 27.º n.º 1 do CIVA, falta punível pelo artigo 114.º do RGIT.
6.2. E ainda se apurou IVA em falta, por falta de regularização do IVA suportado com os bens imóveis, no período de 0812T no valor de € 1.214.684,46, conforme descriminação no Relatório, infracção aos arts. 24.º n.º 6 al. a) e 27.º n.º 1 do CIVA, falta punível pelo artigo 114.º do RGIT.

7. Notificado o sujeito passivo e a mandatária do sujeito passivo, para no prazo de 10 dias, querendo, exercer o direito de audição previsto no art. 60.º da LGT e art. 60.º do RCPIT, decorrido o prazo o mesmo não foi exercido.
Foi nesta data elaborado o respectivo documento de correcção e levantado o competente auto de notícia. Deverá notificar-se o sujeito passivo nos termos do art. 62.º do RCPIT».
(Conforme resulta do relatório de inspecção tributária).

O) Sobre o relatório de inspecção e pareceres do Chefe de Equipa e do Chefe de Divisão recaiu o despacho de concordância que aqui se dá por integralmente reproduzido.

P) O Ilustre Mandatário da Impugnante foi notificado do relatório de inspecção em 27/11/2012.
(Conforme resulta de fls. 12 do processo de reclamação graciosa em apenso).

Q) Em 24/11/2012, a Administração Fiscal emitiu a liquidação adicional de IVA, do ano de 2008, na quantia de € 1.278.140,66 e as liquidações adicionais de juros compensatórios nas importâncias de € 183.034,64 e € 10.827,54.
(Conforme resulta de fls. 12 e 13 do processo de reclamação graciosa em apenso).

R) O prazo para pagamento voluntário terminou em 31/01/2013.

S) Em 03/04/2013 a Impugnante, inconformada, reclamou graciosamente.
(Conforme resulta de fls. 1 a 10 do processo de reclamação graciosa em apenso).

T) Em apreciação da reclamação graciosa, na Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi lavrada a informação de fls. 59 a 62 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

U) No âmbito da informação a que se refere a alínea anterior, ao nível do enquadramento da actividade exercida pela Impugnante considerou a Administração Fiscal:
«1. Enquadramento fiscal e actividade exercida
A reclamante está colectada em sede de IRC e de IVA pelo exercício da actividade principal de “ACTIVIDADES APOIO SOCIAL PARA PESSOAS IDOSAS COM ALOJAMENTO”. CAE 87301 (cf. fls. 57 em anexo).
Actualmente estamos perante uma sociedade anónima (SA) tendo inicialmente sido constituída sob a forma de sociedade por quotas, com início de actividade a 2003-01-22.
Em sede de IVA, encontra-se enquadrada no: regime normal desde 2003.01.22 até à presente data, excepto no período de 2008.04.14 a 2011.07.01 em que a reclamante procedeu à alteração para “Isento do art. 9.º do CIVA” Salientamos que a alteração para regime normal a partir de 2011.07.01 é devida pelo facto de terem dado permissão para Instalação de antenas de uma empresa de telecomunicações” (transcrição do relatório de Inspecção)»
(Conforme resulta de fls. 60 do processo de reclamação graciosa em apenso).

V) Em matéria de elementos do relatório de inspecção, considerou a Administração Fiscal:
Para melhor percepção das operações efectuadas no decorrer de 2008 transcrevemos alguns parágrafos do relatório de inspecção:
— “Em 14/01/2008 foi entregue pelo sujeito passivo a declaração Mod. 1 do IMI com o n.º 1663261, relativa a um “Prédio – ………….., artigo matricial n.º 3097 (teve origem no artigo matricial n.º 2876) situado na Freguesia …………….., Concelho de Setúbal, (151207). Onde consta 11/12/2007 como sendo a data da licença de utilização. Este imóvel tem como valor patrimonial actual € 2.158.850.00.
— Como tal, desde essa data não tem obrigação de liquidar IVA nas operações activas que pratica, e não tem qualquer direito à dedução do IVA suportado conforme disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 20.º CIVA.
— ... conclui-se que deduziu IVA desde o início de actividade em 22/01/2003, o que lhe era permitido uma vez que se encontrava enquadrado no regime normal, no entanto aquando da alteração para Isento do Art. 9.º do CIVA deveria ter regularizado o IVA a favor do Estado;
— o IVA deduzido no imóvel foi totalmente autoliquidado nos serviços de construção civil, sendo que a autoliquidação foi uma obrigação independentemente de quem liquidou (mesmo que fosse um fornecedor/prestador), a regularização efectua-se ao IVA deduzido”

W) Concluiu a Administração Fiscal:
«Tendo em consideração o exposto após análise dos elementos recebidos, constatamos que a reclamante não carreou para o processo dados relevantes e fidedignos pelo que afigura-se-nos que não deve ser aceite a dedução de € 1.278.140,66, em sede de IVA tendo em vista que a partir de 2008.04.14, a própria reclamante alterou o enquadramento da actividade do sector não isento para sector isento, passando assim a ser enquadrado no n.º 7 do art. 9.º do CIVA.
E como tal, deveria ter declarado regularizações a favor do Estado, relativas a IVA deduzido na fase de construção do edifício do lar no período 2008.12T ou seja no último período do ano a que respeitam, de acordo com o n.º 8 do art. 24.º do CIVA.»
(Conforme resulta de fls. 62 do processo de reclamação graciosa em apenso).

X) Resulta da informação que foi proposto:
«Face ao acima exposto e salvo melhor entendimento, propõe-se o indeferimento da presente reclamação graciosa de acordo com os fundamentos supra expostos»
(Conforme resulta de fls. 62 do processo de reclamação graciosa em apenso).

Y) A Impugnante, notificada do projectado indeferimento da reclamação graciosa, não exerceu o direito de audição.
(Conforme resulta de fls. 72 do processo de reclamação graciosa em apenso).

Z) Em 26/08/2013, foi proposta a convolação em definitivo do projecto de indeferimento da reclamação graciosa.
(Conforme resulta de fls. 72 do processo de reclamação graciosa em apenso).

AA) Por despacho de 16/09/2013, foi indeferida a reclamação graciosa.
(Conforme resulta de fls. 68 do processo de reclamação graciosa em apenso).

BB) Inconformada, a impugnante interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa.
(Conforme resulta de fls. 1 e segs. do processo de recurso hierárquico em apenso).

CC) Em apreciação do recurso hierárquico na Direcção de Serviços do IVA foi elaborada a informação de fls. 18 e segs. do processo de recurso hierárquico, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

DD) Com interesse para decisão extrai-se o seguinte parecer:
«Na sequência da apreciação dos elementos anteriormente expostos e em resposta aos argumentos apresentados pela recorrente, temos a referir o seguinte:
4.2.1. Conforme se infere dos elementos constantes no processo em resultado da acção inspectiva, que visou a regularização do IVA dedutível inerente à construção do “Lar de Idosos” decorreram correcções aritméticas ao ano de 2008, no montante total € 1.278. 140,66.
4.2.2. Na sequência de lhe ter sido concedida a licença provisória de funcionamento e ter procedido à entrega da respectiva declaração de alterações em 2006/04/14, a actividade desenvolvida pela ora recorrente passou a enquadrar-se na isenção prevista na alínea 7) do art. 9.º do CIVA, pelo que deveria ter procedido à regularização do IVA deduzido na aquisição dos bens afectos à actividade isenta.
4.2.3 Posto que assim não procedeu, os SIT consideraram que, uma vez que não declarou operações activas, para além das abrangidas pelo DL 21/2007, de 29/01 (IVA liquidado pelo adquirente) e o início de utilização ou ocupação ocorreu no ano de 2006, a ora recorrente deveria ter regularizado, a favor do Estado, o IVA que deduziu relativo a bens do activo imobilizado, de acordo com o disposto na alínea g) do n.º 3 do art. 3.º do CIVA e alínea a) do n.º 6 e n.º 8 do art. 24.º do CIVA, tendo apurado os valores de imposto em falta subjacentes às liquidações adicionais recorridas.
4.2.4. Vem agora a recorrente alegar que as liquidações em causa se encontram influenciadas pelo IVA deduzido no ano de 2007 e que, deste modo impedimento à dedução do imposto, relativo àquele ano, seria ilegal por ter sido efectuado após ter decorrido o prazo de caducidade. Pois, de acordo com o previsto no n.º 1 e 4 do art. 46.º da LGT, o direito de liquidar o imposto caduca no prazo de quatro anos, contados da data em que ocorre o facto tributário, e que, assim sendo o direito à liquidação em causa teria caducado em 2011/12/31.
4.2.5 Salienta-se que no caso em apreço, não se encontra em causa propriamente o imposto deduzido no ano de 2007 ou o reporte do IVA em crédito mas sim, as regularizações de imposto a favor do Estado que a ora recorrente deveria ter efectuado, na sequência da passagem obrigatória ao regime de isenção (n.º 7 do art. 9.º do CIVA), não tendo sido efectuados quaisquer actos de liquidação relativamente a 2007.
4.2.6. Contudo, sempre se refere que, não se encontrando no CIVA qualquer limitação temporal à utilização do direito de reporte, não parecendo existir em leis gerais qualquer prazo de caducidade que possa ser aplicável à utilização do direito ao reporte, de igual modo, as regras da caducidade e ou prescrição não se aplicam ao caso específico de exercício do reporte, conforme entendimento já expresso na informação n. º 1642 da DSIVA, de 2007/06/08.
4.2.7. Neste sentido vai o referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0303/07, de 2007/07/12 que versa sobre o prazo de caducidade em situações de análise do reporte do imposto em crédito, onde se conclui que a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos sujeitos passivos, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade.
4.2.8. Importa referir que o prazo de caducidade do direito a liquidação previsto no art. 45.º da LGT se reporta a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária, o que no caso em apreço, apenas se verificou relativamente ao ano de 2008.
4.2.9. Acrescendo que conforme se retira do relatório de inspecção (ponto III), foram verificadas as operações declaradas nas DP’s de IVA do ano de 2007, devido ao facto de respeitarem a obras relacionadas com a construção do edifício onde passou a funcionar o lar, encontrando-se as mesmas directamente relacionadas com as regularizações que estiveram na génese das liquidações adicionais ora em questão, referentes ao ano de início de utilização – 2008. Tendo sido emitido o Despacho n.º D1201201733 apenas para efeitos de recolha dos elementos relativos a 2007, credencial que, nos termos do n.º 4 do art. 46.º do RCPIT, se mostra adequada para o efeito.
4.2.10. Nesta conformidade, a argumentação da recorrente no que concerne à caducidade do direito à liquidação, não pode colher provimento, por falta de aplicabilidade, à situação em análise, do pressuposto da caducidade previsto no n.º1 e n.º 4 do art. 45.º da LGT.
4.2.11. Em concreto, a situação apresentada consubstancia-se ao facto de as liquidações adicionais de IVA terem surgido na sequência da obtenção da licença provisória de funcionamento do lar para idosos, tendo a ora recorrente procedido à entrega da declaração de alterações, nos termos do art. 32.º do CIVA, em 2008/04/4 face à obrigatoriedade de passagem ao regime de isenção. Pelo que, a alteração do seu regime de tributação implicava a regularização do IVA deduzido relativamente a bens do activo imobilizado, cuja utilização perdurasse no tempo conforme lhe foi informado pelos SIT no relatório de inspecção. No entanto, não efectuou quaisquer regularizações de imposto a favor do Estado tendo, deste modo, surgido as liquidações adicionais ora em causa.
4.2.12 Os SIT fundamentaram as correcções na alínea g) do n.º 3 do art. 3.º CIVA, que sujeita a imposto a afectação de bens por um sujeito passivo a um sector de actividade isento, assimilando a operação a uma transmissão de bens, no que respeita aos bens móveis e no disposto no n.º 6 e n.º 8 do art. 24.º do CIVA, no que concerne ao imposto deduzido na construção do imóvel onde funciona o estabelecimento. Tendo frisado que dado a mudança para o regime de isenção ser obrigatória, não tinha aplicabilidade a renúncia, nos termos do art. 12.º do CIVA.
4.2.13. Em suma, o que sucedeu no caso em análise foi que a ora recorrente, iniciou a sua actividade em 2003, estando enquadrada no regime normal de tributação tendo posteriormente, em 2008, passado ao regime de isenção por imposição legal ou seja por aplicação do disposto na alínea 7) do art. 9.º do CIVA. Assim, até ao reconhecimento da isenção pelas autoridades competentes, foi sujeito passivo de IVA, tendo liquidado IVA (embora apenas nas operações inerentes à construção do imóvel – IVA devido pelo adquirente), e deduzido o imposto relativo à aquisição de bens e serviços.
4.2.14 A partir desse reconhecimento, a actividade desenvolvida pela ora recorrente passou, então, a estar isenta de IVA, pelo que deveria ter procedido liquidação de imposto relativamente a todos os bens que passaram a estar afectos a actividade isenta, conforme foi entendimento dos serviços.
4.2.15. Com efeito, com a alteração de regime, a recorrente passou a praticar operações isentas de IVA, sem direito a dedução do imposto suportado a montante pelo que, a não regularização do imposto, nos termos do art. 24.º do CIVA colocaria em causa a sua neutralidade, dado que a dedução do IVA suportado a montante está ligada à liquidação a jusante.
4.2.16. A isenção prevista na alínea 7) do art. 9.º do CIVA abrange as prestações de serviços e as transmissões de bens efectuadas no exercício da sua actividade habitual por quaisquer dos equipamentos referidos naquela norma pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições particulares de solidariedade social, bem como as efectuadas por equipamentos sociais pertencentes a quaisquer outras entidades quando se encontre reconhecida a sua utilidade social nos termos do Decreto-Lei n.º 64/2007 de 14 de Março.
4.2.17. Nesta conformidade, verificando-se que a ora recorrente passou a ter na sua posse a licença de funcionamento ainda que provisória, emitida nos termos do Decreto n.º 64/2007, para o exercício da actividade de serviços de apoio social a pessoas idosas, o estabelecimento passou a encontrar-se licenciado, logo considerado de utilidade social conforme disposto no art. 23.º do referido Decreto-Lei, pelo que os serviços prestados pela recorrente passaram a beneficiar da isenção prevista na alínea 7) do art. 9.º do CIVA, a partir da emissão da mencionada licença Passando, assim a haver lugar à alteração do seu enquadramento, devendo, para o efeito, ser entregue a correspondente declaração nas termos do art. 32.º do CIVA.
4.2.18. Tal como se verificou no caso em apreço, tendo a ora recorrente entregue a referida declaração em 2008/04/14, data a partir da qual passou a estar enquadrada no regime especial de isenção, mostrando-se, assim, devidas as regularizações propostas pelos SIT e, consequentemente, as liquidações daí decorrentes.
4.2.19 Face ao exposto não tendo sido carreados ao processo quaisquer elementos novos capazes de comprovar o alegado e não se vislumbrando qualquer ilegalidade relativamente às liquidações ora recorridas, porquanto as mesmas não enfermam de qualquer vício, nomeadamente no que concerne à alegada caducidade do direito à liquidação, conforme ficou demonstrado, tendo a AT agido em conformidade com o quadro legal vigente, somos de opinião não assistir razão à recorrente.
4.2.20 Pelo que, não se verificando qualquer preterição de formalidades legais no procedimento que possam ferir de anulabilidade ou nulidade o acto tributário, deve o presente recurso ser julgado improcedente»
(Conforme resulta de fls. 21 a 24 do processo de recurso hierárquico em apenso).

EE) Por despacho de 19/08/2014, foi indeferido o recurso hierárquico.
(Conforme resulta de fls. 17 do processo de recurso hierárquico em apenso).

FF) O despacho a que se refere a alínea anterior, foi notificado à Impugnante em 29/08/2014.
(Conforme resulta de fls. 31 a 33 do processo de recurso hierárquico em apenso).

GG) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 01/12/2014.
(Conforme registo de fls. 26).

HH) A Impugnante foi constituída sob a forma de sociedade por quotas, no entanto, em 24/04/2010 registou uma alteração ao pacto social, em que foi transformada em sociedade anónima.
(Conforme resulta certidão permanente de fls. 33 a 45).

II) Em 14/04/2008, na sequência do processo administrativo desencadeado ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 133-A/97 de 30/05 e n.º 64/2007, que culminou com a obtenção de “Alvará” de funcionamento pelo Instituto de Segurança Social, para a prossecução da sua actividade, a impugnante entregou declaração alterando o enquadramento, passando a estar isento nos termos do artigo 9.º n.º 7 do CIVA.

JJ) O Despacho interno n.º 201201733 de 02/12/2012, este destinado exclusivamente a recolher elementos relativos ao ano económico e fiscal de 2007.
(Conforme invocado pela Impugnante e confirmado pelo relatório de inspecção).

KK) Em matéria de IVA, aquando do início de actividade em 22/01/203, a Impugnante enquadrava-se no regime normal trimestral, tendo procedido à sua alteração em 14/04/2008 para “Isento do Art. 9.º do CIVA” em consequência declaração emitida pela Segurança Social.

LL) No período compreendido entre 01/07/2001 e 14/04/2008, a impugnante esteve enquadrada no regime nominal trimestral, tratando-se de um sujeito passivo misto.
(Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Administração Fiscal).

LL) Em 14/04/2008, a impugnante entregou declaração alterando o enquadramento, passando a estar isenta.
(Conforme invocado pela Impugnante e confirmado pelo relatório de inspecção).

MM) E só o fez por imposição administrativa, procedimento incorrecto, que sempre achou tendo em conta que continuava a praticar operações activas.
(Conforme invocado pela Impugnante e não contrariado pela Administração Fiscal).

NN) Actualmente está enquadrado no regime normal trimestral desde 01/07/2011, é um sujeito passivo misto com afectação real.

OO) Em 24/01/2008, entre a Impugnante, na qualidade de Primeiro Outorgante e a D………………, S.A. pessoa colectiva n.º …………….., na qualidade de Segundo Outorgante foi celebrado um contrato de arrendamento, que constitui fls. 18 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

PP) Nos termos da cláusula 1.ª do contrato a que se refere a alínea anterior, o Primeiro Outorgante arrendou à D…………… uma área de 5m2, no prédio inscrição na matriz da freguesia da ………………, sob o artigo 2876.

QQ) Nos termos da cláusula 2 do referido contrato, “o local arrendado destina-se à instalação de quaisquer equipamentos de comunicações electrónicas, designadamente, infra-estruturas de suporte de radiocomunicações”.

RR) Os investimentos feitos na Construção do “Lar de idosos”, foram protagonizados quando a actividade era plenamente aceite como sendo mistas, em que se praticavam operações sujeitas a IVA e operações isentas.
(Conforme invocado pela impugnante e não contrariado pela Administração Fiscal).».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de inspecção, a AT liquidou adicionalmente à sociedade ora Recorrente IVA e respectivos juros compensatórios. Isto, em síntese, porque considerou que a sociedade, na sequência da passagem obrigatória do regime normal de periodicidade trimestral ao regime de isenção, tinha a obrigação de proceder às regularizações a favor do Estado do imposto deduzido enquanto se encontrava no regime normal, como lho impunham o art. 24.º, n.º 6, alínea a) para os bens imóveis ( Nos termos do referido preceito legal, impõe-se a regularização do IVA, «considerando-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas», designadamente quando «[o] sujeito passivo, devido a alteração da actividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução».), e, para os bens móveis, o art. 3.º, n.º 3, alínea g) (Nos termos do qual se consideram ainda transmissões de bens, para efeitos de incidência do IVA, «[a] afectação de bens por um sujeito passivo a um sector de actividade isento (…) quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial de imposto».), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), o que não fez.
Aquela sociedade apresentou impugnação judicial, pedindo ao Tribunal Tributário de Lisboa a anulação daquela liquidação, com os seguintes fundamentos: i) o acto enferma de vício de forma por preterição de formalidade legal, uma vez que foi notificado da liquidação antes do relatório da inspecção, que fixou a matéria tributável corrigida, ter sido notificado à Impugnante; ii) a caducidade do direito de liquidação relativamente ao ano de 2007 impunha que a inspecção só pudesse abranger o ano de 2008, de acordo com a ordem de serviço emitida, motivo por que enferma de ilegalidade a liquidação na medida em que se refere a correcções das declarações periódicas do ano de 2017; iii) a AT fez incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 23.º e 24.º do CIVA, pois no período entre 14 de Abril de 2008 e 1 de Julho de 2011 devia considerar-se como sujeito passivo misto e não como sujeito exclusivamente isento; por outro lado, ainda que houvesse lugar às exigidas regularizações, elas deveriam ser feitas ao longo de 20 anos e não de uma só vez, como pretende a AT.
A sentença julgou improcedente a impugnação judicial.
Para tanto, começou por apreciar o invocado vício de caducidade do direito à liquidação, para concluir pela não verificação do mesmo, uma vez que estão em causa liquidações do ano de 2008 – não se demonstrando que a acção inspectiva tenha abrangido o ano de 2007 –, cujo prazo de caducidade teria o seu termo em 31 de Dezembro de 2012, nos termos do disposto no art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo ainda que esse prazo se deve considerar suspenso pelo período da inspecção, nos termos do n.º 1 do art. 46.º da LGT, tanto mais que esta não excedeu o prazo de duração que lhe é assinalado no mesmo preceito legal. Assim, e também porque não houve correcção alguma das declarações do ano de 2007, concluiu pela improcedência da invocada caducidade do direito a liquidação.
Depois, a sentença passou a apreciar o invocado vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação das disposições do CIVA que impunham a regularização do imposto deduzido. Considerou, em síntese, que a passagem da Impugnante do regime normal para o regime de isenção impunha a regularização do IVA deduzido, regularização que a AT, perante a inércia da sociedade, promoveu através da liquidação adicional impugnada. Mais considerou que o facto de a Impugnante após 2011 ter ficado enquadrada no regime normal trimestral (por força de uma actividade relacionada com cedência de espaço para a instalação de antenas de uma empresa telecomunicações) e dever agora considerar-se um sujeito passivo misto, não influi na sua situação no período compreendido entre 14 de Abril de 2008 e 1 de Julho de 2011, período em que se manteve no regime da isenção.
Inconformada com a sentença, a Impugnante dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Alega, em síntese, que a sentença não se pronunciou sobre todas as questões suscitadas na petição inicial, deixando por apreciar a invocada questão da ilegalidade da liquidação por ter sido notificada antes da notificação do relatório final da inspecção e que fixou a matéria colectável; que o conhecimento dessa questão não pode considerar-se prejudicado pela decisão encontrada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, motivo por que a sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT. Mais alega que a sentença fez errado julgamento ao não reconhecer a caducidade do direito à liquidação e ao considerar que a AT actuou legitimamente ao exigir as regularizações do IVA deduzido.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida i) enferma de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. conclusões A a J) e incorreu em erro de julgamento ii) por não reconhecer a caducidade do direito à liquidação (cfr. conclusões L a AD) e iii) por considerar que a Impugnante estava obrigada às regularizações do IVA deduzido (cfr. conclusões AE a AI).

2.2.2 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Esta nulidade, prevista no n.º 1 do art. 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, está directamente relacionada com o comando constante do n.º 2 do art. 608.º deste último diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Tendo presentes os fundamentos invocados pela Impugnante na petição inicial – e que acima deixámos resumidamente enunciados – é fácil concluir que a sentença deixou por conhecer o respeitante à invocada preterição de formalidade legal por a notificação da liquidação ter precedido a notificação do relatório que fixou o montante do imposto.
Por outro lado, ao contrário do que sustentou o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa no despacho referido em 1.4, não pode considerar-se que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado pela solução dada à causa, designadamente pela solução dada à questão da caducidade do direito à liquidação. Como bem referiu o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, tal questão «não ficou prejudicada pela análise da questão da caducidade do direito de liquidação (apreciada na sentença de forma manifestamente elíptica), na medida em que o fundamento fáctico-jurídico invocado é distinto, consistindo numa alegada preterição de formalidade legal, inquinante da validade do acto final do procedimento de liquidação».
Impõe-se, pois, a anulação da sentença por omissão de pronúncia e o regresso dos autos à 1.ª instância para conhecimento da referida questão. Na verdade, na procedência deste fundamento do recurso, que prejudica o conhecimento dos demais, e sabido que o Supremo Tribunal Administrativo actua na qualidade de tribunal de revista – pelo que não pode, na sequência da declaração de nulidade da sentença, conhecer em substituição de questões sobre as quais não foi emitida pronúncia –, impõe-se determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí se proceda à reforma da sentença nos termos previstos nos arts. 679.º e 684.º, n.º 2, do CPC.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Incumbe ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, independente da sua pertinência ou viabilidade, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
II - A violação dessa obrigação de conhecimento determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia [cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC], que o Supremo Tribunal Administrativo não pode suprir (cfr. art. 684.º, n.º 1, do CPC).


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, declarar nula a sentença por omissão de pronúncia e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que proceda à sua reforma nos termos supra expostos.

Custas pela Recorrida, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade da questão apreciada (cfr. art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).

*
Lisboa, 31 de Janeiro de 2018. - Francisco Rothes (relator) – António Pimpão – Casimiro Gonçalves.