Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01760/15.0BELRS 0819/17
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS
IRC
Sumário:I - A não aplicação da norma do artigo 45º/3 do CIRC aos gastos, e concretamente aos "Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros", com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro.
II- Segundo esse modo de ver, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.
III- Tal visão é conforme ao disposto na al. a) do nº9 do artigo 18º do CIRC segundo o qual “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social.”
IV - Perante a literalidade e os elementos sistemático e teleológico desse preceito, estão verificados os pressupostos legais nele elencados, porquanto a variação patrimonial negativa decorrente da aplicação do método de mensuração do justo valor aos instrumentos financeiros detidos pela impugnante concorre para a formação do lucro tributável.
V- Quanto às variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais, operadas mediante a utilização dos limites previstos no nº 7 do artigo 43º do CIRC, uma vez que o impugnante esgotou a dedução ao abrigo do nº2 do artigo 43° do CIRC, a correcção efectuada ao lucro tributável do exercício de 2012 ora impugnada, relativa a uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado do período, resultou, da não-aceitação do excesso do valor correspondente ao registo de desvios actuariais do fundo de pensões do impugnante relativamente ao limite imposto pela alínea b) do nº 7 do artigo 43º do Código do IRC, não sendo esse valor fiscalmente dedutível naquele exercício.
VI -Acresce que, no tocante à restrição dos limites pressupostos no nº 2 do artigo 43° do CIRC à massa salarial dos colaboradores/trabalhadores da sede do impugnante, tem que existir uma correlação entre as despesas com "remunerações, ordenados ou salários" pagos pela empresa e as despesas de cariz eminentemente social, de forma que apenas se poderão ter por relevantes os gastos do período de tributação escriturados a título de remunerações, ordenados ou salários relativos aos trabalhadores que beneficiam do fundo de pensões do pessoal da sede em Portugal, e que apenas esses sejam tidos em consideração para o cálculo percentual a que alude o nº 2 do artigo 43º do Código do IRC.
Nº Convencional:JSTA000P26948
Nº do Documento:SA22020121601760/15
Data de Entrada:07/05/2017
Recorrente:A....................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1– Relatório

Vêm interpostos dois recursos jurisdicionais, um pela Fazenda Pública e o outro pelo A……………, S.A., que mudou a sua designação para B…………., S.A., melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 28-03-2017, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando o acto de liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2012, no montante de €4.223.714,06, na parte que resultou da correcção referente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, mantendo-se tal acto quanto ao demais e condenando-se a Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação de garantia, relativa à parte da liquidação ora anulada, em termos a liquidar em execução de sentença.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Fazenda Pública as seguintes conclusões:

a) A Fazenda Pública não se conforma que o Tribunal “a quo” tenha considerado que não se aplica a limitação prevista no art. 45º n.º 3 do CIRC às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 18º n.º 9 al. a) do CIRC.
b) As razões que presidiram à introdução no ordenamento jurídico do art. 45º n.º 3 do CIRC e ainda a sua manutenção durante vários anos (desde a sua introdução no CIRC com a Lei n.º 32-B/2002, até à sua revogação pela Lei n.º 2/2014), demonstram que a regra fiscal aplicável à valorização do justo valor não tem de ser igual à da desvalorização do ativo, não existindo assim qualquer violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (neste sentido foram as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 87/2016-T, em 29/10/2016 e 25/2015-T, de 24/09/2015).
c) O Tribunal Constitucional não considerou esta norma inconstitucional, nomeadamente atento os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real (“vide” acórdão n.º 85/2010).
d) Importa ainda ter presente que a manutenção desta norma legal durantes todos estes anos, decorre do facto do valor dado pelo mercado não pode ser considerado como imune a manipulações; o limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista; mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objetivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º n.º 3 do CIRC, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se refletem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (cf. nota 9). (conforme decisão arbitral dada no processo n.º 25/2015-T, de 24/09/2015).
e) Discorda-se ainda do sentenciado, por se afigurar que a opção pelo justo valor, com a consequente não aplicação da limitação prevista no art. 45º n.º 3 do CIRC, não afasta de forma alguma as razões de prevenção da fraude e evasão fiscal, que foram algumas das preocupações do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico-fiscal o ex art. 42º n.º 3 (atual art. 45º) do CIRC, pela Lei n.º 32-B/2002, para além ser uma medida de moralização, neutralidade e de consolidação orçamental, e que as manteve ao alterar a redação daquele preceito através da Lei n.º 60-A/2005.
f) Conforme ficou melhor demonstrado nas alíneas 8) e 9) das alegações, e seguindo os entendimentos dos autores ali referidos, a mensuração pelo justo valor revela incertezas, com reflexos na realidade económica, e com repercussões nas receitas fiscais, além de que a subjetividade inerente à contabilização pelo justo valor gera uma maior dificuldade do controlo da sua operacionalidade para efeitos fiscais.
g) A interpretação, segundo a qual, as perdas por justo valor aqui em causa, se subsumem no âmbito de previsão do art. 45º n.º 3 do CIRC, preconiza, por um lado, um tratamento mais igualitário relativamente às mais e menos-valias, uma vez que, sob certas circunstâncias, estas contribuem para o apuramento do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, e, por outro lado, concretiza um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.
h) O sentenciado não tomou em consideração a natureza dos ativos financeiros que estão na origem das perdas por justo valor, ou seja, desconsiderou o sentenciado que o regime legal previsto na al. a) do n.º 2 do art. 57º da Lei n.º 53-A/2006, veio permitir que uma concreta parte dos ativos das sociedades sejam mensurados ao justo valor, em oposição ao custo histórico, ou ao valor de aquisição, conforme vigorou até à entrada em vigor do referido regime legal.
i) Ou seja, até à ocorrência desta alteração legislativa, as perdas por justo valor não eram simplesmente aceites como custos fiscais, somente a partir daí veio admitir-se que as variações patrimoniais dos ativos e passivos financeiros mensurados pelo justo valor, nomeadamente, as perdas por justo valor, em participações inferiores a 5% do capital social, pudessem concorrer para a formação do lucro tributável.
j) Posteriormente, visando a adaptação do CIRC ao SNC, através do Dec. Lei n.º 159/2009, o art. 18º n.º 9 al. a) do CIRC, veio admitir que os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor sejam considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.
k) Contudo, afigura-se que o legislador, ao ter previsto sob a al. a) do n.º 9 do art. 18º do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”, e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, pretendeu pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no n.º 3 do art. 45.º do CIRC.
l) Dado que, somente desta forma é concretizado um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.
m) In casu”, a regulamentação especial e a geral completam-se ou complementam-se, pois, não obstante a perda seja aceite nos termos da al. a) do n.º 9 do art. 18º do CIRC, tem, ainda, na mesma, de passar pelo crivo do art. 45º n.º 3 do CIRC.
n) É certo ainda que, aquando a introdução do n.º 9 do art. 18º do CIRC (pelo DL n.º 159/2009, de 13/07), o n.º 3 do ex art. 42º do CIRC (atual art. 45º), que já existia no CIRC, não foi alterado, pelo que o mesmo se aplicaria em termos idênticos à situação de reconhecimento financeiro quando dissessem respeito a instrumentos de capital próprio.
o) Pois atente-se que, o n.º 3 do art. 45º do CIRC limita-se a considerar todas as perdas relativas a partes do capital ou outras componentes do capital próprio, sem qualquer ressalva das perdas por justo valor de quaisquer instrumentos financeiros através de resultados, considerados fiscalmente relevantes nos termos do CIRC, como refere o art. 5º n.º 1 do Dec. Lei n.º 159/2009.
p) Dos parágrafos 76 e 77 da Estrutura Conceptual do SNC resulta que “A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade. (…)” e no CIRC, após as alterações preconizadas pelo Dec. Lei n.º 159/2009, os conceitos “custos e perdas” são simplesmente substituídos por “gastos” no CIRC (art. 8º n.º 2 al. f) do identificado diploma legal).
q) Afigura-se que o art. 45º n.º 3 do CIRC inclui todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo, os gastos resultantes da aplicação do justo valor.
r) Não se nos afigura relevante a consideração feita pela lei fiscal entre gastos e perdas a propósito das duas normas em apreciação, porquanto na noção de gastos e da enunciação, a título exemplificativo dos mesmos descritos nas diversas alíneas do art. 23º do CIRC se refere a gastos e perdas, pelo que a mera referência a perdas feita no n.º 3 do art. 45º do CIRC não permite a conclusão de que não pretende abranger tais gastos, sob pena de todos os gastos previstos no n.º 9 do art. 18º do CIRC se encontrarem excluídos daquela limitação de dedutibilidade, o que não foi notoriamente o pretendido pelo legislador fiscal ao mencionar tais perdas.
s) A decisão arbitral proferida pelo CAAD, no processo n.º 96/2016-T, de 26/10/2016, confirma este entendimento, conforme, sinteticamente, se reproduz:
“100. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).”
t) Ainda sem conceder, As decisões proferidas pela jurisprudência arbitral (CAAD - processos n.ºs 87/2016 –T, de 29/10/2016, e 25/2015-T, de 24/09/2015, e ainda o voto de vencido dado no processo n.º 30/2015-T, de 11/12/2015) defendem que se “sobrevaloriza a dicotomia dos termos “gastos” e “perdas”, pois “no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas” e “se o legislador tivesse pretendido dar um tratamento diferente às perdas resultantes da aplicação do justo valor não poderia deixar de ter alterado a redacção da norma em conformidade”.
u) As variações negativas pelo justo valor apenas concorrem para o lucro tributável em 50% do seu valor, nos termos do art. 45º n.º 3 do CIRC, conforme alguns autores conhecedores do “thema” têm manifestado.
v) “Pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor.” (“O Justo Valor e o Código do IRC”, constante nas págs. 201 e 202 da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4, Inverno).
w) “Conforme referido acima, o actual CIRC prevê, na alínea a) do nº 9 do artigo 18º, o regime de tributação pela variação do justo valor, a acções cotadas, quando participadas em 5% ou menos e quando reconhecidas contabilisticamente ao justo valor por resultados. Com base neste normativo poder-se-ia concluir que, para aquelas acções, quer os ganhos decorrentes de aumentos de justo valor (seja no ano da venda, seja em anos anteriores), quer as perdas resultantes de descidas de justo valor, seriam consideradas fiscalmente. Não obstante, prevê o n.º 3 do artigo 45º que 50% dessas perdas de valor não serão aceites fiscalmente.” (Luísa Anacoreta Correia, Revista Revisores e Auditores, n.º 53, 2º Trimestre de 2011, págs. 34 e 35).
x) “O legislador, manteve, igualmente as condições em que se verificam limitações à dedutibilidade das menos-valias e outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital e outras componentes de capital próprio, constantes dos atuais artigos 23.º, n.os 3 a 5, e 45.º, n.º 3, todos do Código do IRC. Cabendo apenas salientar que parece resultar da redacção destas normas que estas limitações serão aplicáveis, inclusive, aos gastos que correspondam a ajustamentos de justo valor de partes de capital.
Ora, se no caso das normas do art.º 23.º tal não se nos afigura ter consequências dado que apenas se aplicam aos gastos suportados com a transmissão onerosa, o mesmo já não ocorre relativamente ao artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, pelo que eventuais perdas por reduções de justo valor em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio apenas serão aceites em 50%.” (João Pedro Santos, “in” “Estudos em memória do Prof. Dr. J.L. Saldanha Sanches”, Vol. IV, págs. 818 e 819, Coimbra Editora).
y) Em conclusão, a interpretação que deverá ser efetuada, a nosso ver, é no sentido de que, as perdas decorrentes da aplicação do justo valor às participações de capital de ativos financeiros detidos para negociação devem estar sujeitas à limitação do art. 45º n.º 3 do CIRC.
z) Atentas as razões alegadas e concluídas, afigura-se que a parte do sentenciado de que se recorre sofre de erro de julgamento, e deve ser revogada.
aa) Com fundamento nas razões indicadas na sentença proferida em primeira instância, requer-se que, nesta instância judicial superior, seja igualmente dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda os € 275.000,00.

III. Pedido:
Requer-se “doutamente” a este Venerando Tribunal que considere o presente recurso procedente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda € 275.000,00.

Também inconformado, o recorrente B………….., S.A., apresentou alegações que concluiu nos termos seguintes:

1ª) No presente recurso, está em causa uma correcção efectuada pela AT ao resultado tributável calculado e declarado pelo recorrente, em sede de IRC do exercício de 2012;
2ª) Tal correcção é apresentada pela AT sob a epígrafe “Variações patrimoniais negativas – Ajustamentos de experiência e desvios decorrentes da alteração de pressupostos actuariais”;
3ª) Estão em causa as relações entre o recorrente e o seu Fundo de Pensões;
4ª) O recorrente contabilizou em variações patrimoniais uma parcela dos ajustamentos contabilísticos referentes ao reconhecimento dos seus encargos com o seu Fundo de Pensões;
5ª) Esses ajustamentos dizem respeito às contribuições regulares feitas pelo recorrente para o seu Fundo de Pensões, havendo lugar a correcção em sede de custo de juros, custo dos serviços, ganhos ou perdas actuariais;
6ª) Nenhum desses ajustamentos gerou insuficiências no Fundo de Pensões;
7ª) Assim, o recorrente aplicou a essas variações patrimoniais resultantes dos indicados ajustamentos, o regime e, portanto, os limites estabelecidos no nº 2 do artº 43º do CIRC;
8ª) Ao invés, a AT veio considerar que a essas variações patrimoniais se aplicava o regime -, e, portanto, os limites – estatuído no nº 7 do artº 43º do CIRC;
9ª) Resulta claro e inequívoco que o regime previsto no nº 7 do artº 43º do CIRC, diz respeito, apenas e só, às situações excepcionais de insuficiência do Fundo de Pensões, que implique que a entidade patrimonial tenha que efectuar contribuições suplementares;
10ª) Ora, ao invés do defendido pela AT, e julgado, pela douta sentença recorrida como legal, as variações patrimoniais em causa nada têm a ver com a insuficiência do Fundo de Pensões nem, concomitantemente, com contribuições suplementares;
11ª) Por isso, a aplicação a essa variação patrimonial do regime do artº 43º, nº7, do CIRC, consubstancia uma errada interpretação e aplicação de tal norma;
12ª) Mas – sem prescindir – ainda que fosse aplicável à variação patrimonial em causa o regime do nº 7 do artº 43º do CIRC, a contestada correcção é ilegal;
13ª) É que, a AT considerou, para o cálculo do limite fiscalmente aceite, apenas 15% da massa salarial referente aos trabalhadores do recorrente que exercem as suas funções em Portugal, excluindo, de tal cálculo, a massa salarial referente aos trabalhadores do recorrente que exercem as suas funções em sucursais do recorrente no estrangeiro;
14ª) Essa restrição ou limitação, do cálculo da dedução aceite, apenas à massa salarial dos trabalhadores que exercem as suas funções em Portugal, não tem nenhum respaldo na letra ou no espírito da lei, já que esta faz referência, sem distinguir, à massa salarias da entidade patronal.
15ª) A sentença recorrida, não pode, assim, manter-se.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação, como é de Justiça.

O B………...., S.A., agora na qualidade de recorrido veio aduzir contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões:

1ª) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrido e anulou, parcialmente, a liquidação de IRC de 2012.
2ª) A Fazenda Pública, ora recorrente, apresentou recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo alegando, em suma, que a limitação quanto à dedutibilidade dos custos prevista no nº 3 do artº 45º do CIRC é plenamente aplicável à situação do ora recorrido;
3ª) A liquidação de IRC de 2012 emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), resulta, no que ao presente recurso diz respeito, da não aceitação da totalidade dos custos que o recorrido teve relativo a partes de capital de que era titular, em relação às quais houve aplicação do método do justo valor;
4ª) Sendo embora certo que o artº 18º, nº 1, do CIRC, estabelece como regra a da determinação do lucro tributável de acordo com o princípio da realização e, portanto, os proveitos e os custos só relevam fiscalmente em face de efectivas alienações de bens,
5ª) a verdade é que, com o Decreto-Lei nº 159/2009, de 13/7, o legislador veio alterar o referido CIRC, adaptando este às Normas Internacionais de Contabilidade;
6ª) Uma dessas alterações consistiu em se consagrar, embora com um carácter excepcional, um regime ou método de determinação de proveitos ou custos não baseados no princípio da realização;
7ª) Assim, como decorre do nº 9 do artº 18º do CIRC, sempre que esteja em causa a detenção de participações sociais que tenham um preço formado em mercado regulamentado (vulgo, “bolsa”) e se essas participações não representarem mais de 5% do capital social da entidade emitente, a determinação dos proveitos e dos custos é feita com base no método do justo valor;
8ª) Isto é: esses proveitos ou custos determinam-se mesmo que as participações não sejam alienadas, determinação essa que é feita todos os anos, verificando-se se, em relação ao ano anterior, o seu valor, fixado em bolsa, aumentou ou diminuiu;
9ª) Desde 2002, com uma alteração em 2005, que o CIRC estabelecia, primeiro no nº 3 do artº 42º e, depois, no nº 3 do artº 45º do CIRC, que as perdas realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital ou relativas a componentes do capital próprio, apenas relevavam, fiscalmente, em metade;
10ª) O legislador justificou essa limitação de tais perdas em metade pela necessidade de combater a fraude e a evasão fiscal;
11ª) Sendo certo que, em relação às mais e às menos-valias, encontramos uma simetria de regimes entre elas, nomeadamente, só sendo tributadas, em metade, as mais-valias de participações financeiras em caso de reinvestimento e só sendo dedutíveis em metade as menos-valias;
12ª) Sendo também certo que, no mecanismo do justo valor, não há qualquer fuga ou evasão fiscal, porque esse justo valor é o que resulta ou é fixado em mercado regulado e regulamentado (“bolsa”), sendo irrelevante a vontade e a manipulação de preços por parte do contribuinte;
13ª) Pelo que é completamente absurdo pretender aplicar, como fez a AT, a regra da aceitação do custo em apenas 50% para os custos sofridos pelo recorrente na aplicação do método do justo valor, situação em que não há, repete-se, hipótese de fuga ou evasão fiscal;
14ª) Como a doutrina e as decisões arbitrais têm assinalado, além de incoerente e não equitativo, aplicar a regra da limitação do custo em 50% a situações em que não há possibilidade de manipulação de valores, tal implica uma muito maior tributação do que a resultante da aplicação da regra ou princípio da realização;
15ª) Como também implica uma total assimetria, com o ganho do justo valor a ser tributado na totalidade e o custo desse mesmo justo valor a ser aceite em apenas metade;
16ª) Para além de que a regra estabelecida no nº 3 do artº 45º do CIRC – a limitação da dedutibilidade em 50% - diz respeito a perdas ou menos-valias;
17ª) Ora, o artº 23º, nº 1, i) do CIRC, não designava os gastos resultantes da aplicação do justo valor como perdas, o que demonstra, no plano da interpretação das normas, que a regra do nº 3 do artº 45º do CIRC não é aplicável a essas situações;
18ª) Para além de várias decisões arbitrais sufragando este entendimento, também o STA, embora em decisão sobre uma situação diferente, chamou à colação o acórdão arbitral de 25/11/2013, proferido no processo nº 108/2013-T, para concluir que não se incluem no âmbito do nº 3 do artº 45º do CIRC os factos qualificáveis como “gastos” à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes de capital próprio (cf. Acórdão do STA de 17/2/2016, Processo nº 01401/14);
19ª) A correcção em causa é, pois, patentemente ilegal, pelo que ilegal é a impugnada liquidação, razões pelas quais a sentença recorrida não merece censura.
Termos em que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, como é de Justiça.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da improcedência de ambos os recursos.
*

Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) O impugnante é um banco de investimento, encontrando-se registado, no ano de 2012, para efeitos fiscais, pelo exercício da actividade ―Outra Intermediação Monetária‖, e estando sujeito ao regime geral do IRC (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
B) No exercício fiscal de 2012, o impugnante encontrava-se sujeito ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras e à supervisão do Banco de Portugal, tendo apresentado as suas demonstrações financeiras individuais de acordo com as Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA´s), nos termos do Aviso nº 1/2005, de 21 de Fevereiro, e das Instruções nº 23/2004, de 17 de Janeiro, e nº 9/2005, de 15 de Abril, do Banco de Portugal IRC (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
C) Com origem na ordem de serviço nº OI201400212, de 15 de Julho de 2014, o impugnante foi sujeito a uma acção inspectiva de âmbito geral, com incidência no exercício de 2012, tendo, a final, sido elaborado o competente relatório de inspecção tributária (RIT) (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
D) No relatório de inspecção tributária referido na alínea antecedente foi proposta uma correcção de natureza meramente aritmética à matéria colectável de IRC do exercício de 2012, à qual foi acrescido o valor de €10.819.651,63, referente a variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de activos financeiros detidos para negociação, resultante do entendimento, em síntese, de que o regime do artigo 45º, nº 3 do Código do IRC é aplicável a eventuais perdas por reduções de justo valor em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio, pelo que as mesmas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
E) Tal correcção de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC do exercício de 2012 foi efectuada com base nos seguintes fundamentos extraídos dos termos do ponto 3.1.1.1. do ―Capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável‖ do relatório de inspecção tributária referido na alínea antecedente:
«(…)
Da análise ao balancete do Sujeito Passivo reportado a 31/12/2012 verificaram-se as seguintes contas:
- “722430 – PREJUIZ.E DIFER.DE REAVAL.EM APLICAÇÕES - DE RENDIM. VARIÁVEL – EMIT. P/RESIDENTES – ACÇÕES” (PCSB), com o saldo de € 3.987.987,98;
- “722440 – PREJUIZ.E DIFER.DE REAVAL.EM APLICAÇÕES - DE RENDIM. VARIÁVEL – EMIT. P/NÃO RESIDENTES – ACÇÕES” (PCSB) com o saldo de € 18.357.415,12;
- “832430 - LUCROS E DIFER.DE REAVAL.EM APLICAÇÕES - DE RENDIM. VARIÁVEL – EMIT. P/RESIDENTES – ACÇÕES” (PCSB), com o saldo de € 5.748.731,19;
- “832440 - LUCROS E DIFER.DE REAVAL.EM APLICAÇÕES - DE RENDIM. VARIÁVEL – EMIT. P/NÃO RESIDENTES - ACÇÕES (PCSB) com o saldo de € 19.336.417,58.

Desta forma, solicitou-se ao sujeito passivo elementos e esclarecimentos com vista a validar o tratamento conferido às perdas verificadas em partes de capital.
Da análise efetuada aos elementos fornecidos pelo Sujeito Passivo (extratos de conta e fichas dos títulos), constatou-se, desde logo, que o A………….. não promoveu qualquer ajustamento no quadro de apuramento do lucro tributável, com referência às perdas com partes de capital, classificadas na carteira de negociação, até porque, defende, que os resultados obtidos, porquanto financeiros e inerentes à atividade bancária, devem integrar na sua plenitude o resultado fiscal. Ora, em termos contabilísticos, esta carteira de “Ativos financeiros de negociação” compreende os ativos financeiros adquiridos com o objetivo principal de serem transacionados a curto prazo e, após o reconhecimento inicial, sendo ativos financeiros que estão mensurados ao justo valor através de resultados, as variações são reconhecidas diretamente em contas de resultados.
Por outro lado, no plano fiscal, nos termos expressamente previstos no nº 3 do art.º 45º do CIRC, as perdas ou variações patrimoniais negativas relativas as partes de capital, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
E, neste sentido, refira-se que o “…legislador, manteve, igualmente as condições em que se verificam limitações á dedutibilidade das menos-valias e outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital e outras componentes de capital próprio constantes dos atuais artigos 23º, nºs 3 a 5, e 45º, nº 3, todos do Código do IRC. Cabendo apenas salientar que parece resultar da redacção destas normas que estas limitações serão aplicáveis, inclusive, aos gastos que correspondam a ajustamentos de justo valor de partes de capital. Ora, se no caso das normas do art.º 23º tal não se nos afigura ter consequências dado que apenas se aplicam aos gastos suportados com a transmissão onerosa 2 o mesmo já não ocorre relativamente ao artigo 45º, nº 3, do Código do IRC, pelo que eventuais perdas por reduções de justo valor em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio apenas serão aceites em 50%.” 3 4
Para além disso, ainda que subsistisse qualquer dúvida sobre o alcance da redação daquela norma, aquela foi esclarecida com a emissão da informação vinculativa que versa sobre o “Tratamento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor”, no processo nº 39/2011, que mereceu despacho de 2011-02-24 do Diretor-Geral dos Impostos (atual Autoridade Tributária e Aduaneira - AT), de que passamos a transcrever os pontos 1 a 6:
“1. O artigo 18º, nº 9, alínea a) do Código do IRC (CIRC) estabelece que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, sendo instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social.
2. Contabilisticamente e fiscalmente estes ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor são considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.
3. O artigo 46º, nº 1, alínea b) do CIRC refere expressamente que não se consideram mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos ou perdas sofridos mediante transmissão onerosa de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do Código do IRC.
4. Não sendo aplicável o regime das mais-valias ou menos-valias, não será também consequentemente aplicável o regime do reinvestimento dos valores de realização previsto no artigo 48º do CIRC, pelo que no caso de ser apurado um ganho por aumento do justo valor, este concorre na íntegra para a formação do lucro tributável.
5. No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45º, nº 3 do CIRC estabelece que “…outras perdas…relativas a partes de capital,…, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
6. Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas nos termos do referido artigo 45º, nº 3 do CIRC, em 50% do seu valor.”
Mais, tanto quanto é do nosso conhecimento, no Código do IRC, não se encontra previsto qualquer regime específico, ou exceção, aplicável ao setor bancário, que afaste a aplicação da limitação em crise.
Dito isto, cumpre-nos recordar a norma inserta no nº 3 do art.º 45º do CIRC, segundo a qual, ainda que tenham sido contabilizados como gastos do período de tributação, “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, …, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital … concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.” 5
Da leitura daquele articulado legal depreende-se não existir qualquer exclusão ou exceção no que respeita a perdas relativas a partes de capital, pelo que se procede à correção no montante de €10.819.651,63 que corresponde a 50% das perdas verificadas em partes de capital (€21.639.303,25) classificadas na carteira de “Ativos financeiros detidos para negociação”, apuradas a partir da documentação facultada pelo sujeito passivo, que, por sua vez foram cruzados com a informação vertida na contabilidade, concretamente com os saldos das contas atrás discriminados (cfr. anexo nº 1 - 6 folhas). (…)» (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
F) No relatório de inspecção tributária referido em C) que antecede foi, ainda, proposta uma outra correcção de natureza meramente aritmética à matéria colectável de IRC do exercício de 2012, à qual foi acrescido o valor de €1.788.928,80, referente a variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alteração de pressupostos actuariais, correspondente à parte dos gastos por desvios actuariais indevidamente deduzida por não caber no limite imposto pela alínea b) do nº 7 do artigo 43º do Código do IRC, por exceder a folga do limite do nº 2 do mesmo artigo, referente ao exercício de 2011, ano em que ocorreu a última alteração de pressupostos actuariais (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
G) A correcção de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC do exercício de 2012 referida na alínea antecedente foi efectuada com base nos seguintes fundamentos extraídos dos termos do ponto 3.1.1.2. do ―Capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável‖ do relatório de inspecção tributária referido na alínea antecedente:
«(…)
Da análise efetuada verificou-se que o Sujeito Passivo deduziu no Campo 704 do Quadro 07 – Apuramento do lucro tributável‖ - da Declaração de Rendimentos de IRC - Modelo 22 o montante total de €4.284.789,72, como variação patrimonial negativa não refletida no resultado do período, dos quais €3.399.331,77 corresponderam ao registo de desvios actuariais do presente exercício relacionados com o Fundo de Pensões da sede (Portugal).
Por outro lado, constatámos também que o sujeito passivo para efeitos da determinação do limite aplicável aos gastos suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais bem como com contratos de seguros de Vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social que garantam exclusivamente o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa considerou correctamente, quer no exercício de 2011, quer no exercício de 2012, 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários (relativos a cada um daqueles exercícios) ou seja aplicou o limite previsto no nº 2 do art.º 43º do Código do IRC.
Isto porque apenas quando os trabalhadores de um sujeito passivo não têm direito a pensões da Segurança Social é que se mostra aplicável o limite de 25% previsto no artigo 43º do CIRC.
Ora, a este propósito consta da Nota 12 - Benefícios a empregados - Pensões de reforma sobrevivência: do Relatório e Contas 2012 - Notas explicativas às Demonstrações Financeiras Individuais (pág 264) o seguinte:
Em conformidade com o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) celebrado com os sindicatos e vigente para o setor bancário, o Banco assumiu o compromisso de conceder aos seus empregados ou às suas famílias, prestações pecuniárias a título de reforma por velhice, invalidez e pensões de sobrevivência.
Estas prestações consistem numa percentagem crescente em função do número de anos de serviço do emprego, aplicada à tabela salarial negociada anualmente para o pessoal no ativo. Estão abrangidos por este benefício os empregados admitidos até 31 de Março de 2008. As novas admissões a partir daquela data beneficiam do regime geral da Segurança Social.
Adicionalmente com a publicação do Decreto-Lei nº 1-A/2011 de 3 de Janeiro todos os trabalhadores bancários beneficiários da CAFEB - Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários foram integrados no Regime Geral de Segurança Social a partir de 1 de janeiro de 2011, que passou a assegurar a proteção dos colaboradores nas eventualidades de maternidade, paternidade, adoção, ainda de velhice, permanecendo sob a responsabilidade dos bancos a proteção na doença, invalidez, sobrevivência e morte.
As pensões de reforma dos bancários integrados na Segurança Social no âmbito do 2º acordo tripartido continuam a ser calculadas conforme o disposto no ACT e restantes convenções havendo contudo lugar a uma pensão a receber do Regime Geral, cujo montante tem em consideração os anos de descontos para este regime. Aos bancos compete assegurar a diferença entre a pensão determinada de acordo com o disposto no ACT e aquela que o empregado vier a receber da Segurança Social.
A taxa contributiva é de 26.6%, cabendo 23.6% à entidade empregadora e 3% aos trabalhadores em substituição da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) que foi extinta por aquele mesmo diploma. Em consequência desta alteração o direito á pensão dos empregados no ativo passa a ser coberto nos termos definidos pelo Regime Geral da Segurança Social, tendo em conta o tempo de serviço prestado de 1 de janeiro de 2011 até á idade da reforma, passando os bancos a suportar o diferencial necessário para a pensão garantida nos termos do Acordo Coletivo de Trabalho.‖
Assim, perante o atrás exposto encontra-se demonstrado, que a partir de 1 de Janeiro de 2011, os trabalhadores do A………….. passaram a estar integrados no regime geral da Segurança Social e, consequentemente no que respeita às Realizações de Utilidade Social deixou de usufruir do limite de 25% disposto no nº 3 do art.º 43º do CIRC.
Mais, o A…………. passou a contribuir mensalmente para a Segurança Social, sendo a taxa contributiva aplicável de 26,6% cabendo à entidade empregadora 23,6% e 3% aos seus trabalhadores.
E, de acordo com o art.º 51º da Lei nº 110/2009, 16 de Setembro, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdência de Segurança Social, a taxa contributiva que incide sobre as remunerações auferidas por aqueles trabalhadores que foram inseridos no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, é desagregada da seguinte forma […]. Se tivermos em conta que o Decreto-Lei nº 1-A/2011, de 3 de Janeiro mencionada na referida Nota 12 do Relatório e Contas relativo ao exercício de 2012 o qual “… estabelece que os trabalhadores bancários, actualmente abrangidos pela Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) passam a estar abrangidos pelo regime geral de segurança social para efeitos de protecção nas eventualidades de maternidade, paternidade e adopção e velhice.” Aliás, estas eventualidades, encontram-se expressamente elencadas no nº 1 do art.º 3º daquele diploma legal. E, o nº 2 do mesmo artigo determina que os trabalhadores bancários mantêm a protecção garantida pelo regime geral da Segurança Social quanto às eventualidades de desemprego e doenças profissionais.
Ora consultando a tabela atrás transcrita chegamos à referida taxa de 26,6%, conforme passaremos a evidenciar
- velhice 20,21%,
- desemprego 5,14%
- parentalidade 0,76%:
- doença profissional 0,5%.
Mais uma vez, é indubitável que tanto o A……….. como os trabalhadores descontam para o sistema de Segurança Social e a partir de 1 de janeiro de 2011 passam a ter direito a pensões e outras eventualidades providenciadas pelo regime geral de Segurança Social, com todas as consequências, de entre as quais se destaque, desde logo, no plano fiscal de passar a estar vedado a aplicação do limite de 25% do nº 3 do artº 43º do CIRC.
Prosseguindo, e recuperando a dedução ao lucro tributável de €3.399.331,77, relativa aos desvios actuariais do presente exercício relacionados com o fundo de pensões aos quais o sujeito passivo não aplicou qualquer dos limites previstos no art.º 43º do CIRC, passaremos a efectuar o respectivo enquadramento fiscal.
Ora, estando nós perante desvios actuariais que tanto podem decorrer de ajustamentos de experiência como da alteração de pressupostos actuariais, a sua dedutibilidade é aferida no âmbito do disposto no nº 7 do artº 43º do CIRC.
Assim, o nº 7 do art.º 43º do CIRC, trata das contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios de reforma, quando efectuadas quer em consequência de alteração de pressupostos atuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades, quer resultem de ajustamentos de experiência (os efeitos de diferenças entre os anteriores pressupostos atuariais aquilo que realmente ocorreu).
E dispõe o nº 7 do art.º 43º que:
“As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios de reforma, quando efetuadas em consequência de alteração de pressupostos actuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes, podem também ser aceites como gastos nos seguintes termos:
a) No período de tributação em que sejam efectuadas, num prazo máximo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos actuariais;
b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos n.ºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos actuariais e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos de tributação.”
Ora, nos termos da alínea a) do nº 7 do art.º 43º do CIRC, os desvios atuariais só têm relevância fiscal até à concorrência da respetiva dotação/contribuição sendo que a contribuição suplementar pode ser efectuada num prazo máximo de 5 anos.
E, no caso do A…………., tendo em conta que o seu fundo de pensões se encontra financiado em excesso (com responsabilidades de m€ 42.472 e saldo dos fundos de m€ 50.870 e uma contribuição em 2011 de m€ 16.447) entendemos estar verificada a condição disposta na alínea a) do nº 7 do mencionado artigo.
Ainda no nº 7 do art.º 43º do CIRC, constata-se que este, para além da exigência da contribuição suplementar, ou seja, requer que exista uma contribuição efetiva para o fundo de pensões, estabelece adicionalmente um limite até ao qual os gastos poderão concorrer para a formação do lucro tributável.
Assim, as contribuições suplementares só serão dedutíveis dentro dos seguintes limites previstos na alínea b) do nº 7 do art.º 43º que passamos a indicar:
- somatório das diferenças entre os valores correspondentes ao limite percentual estabelecido pelo nº 2, relativos aos 10 períodos de tributação anteriores a 2012 e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses exercícios;
- somatório das diferenças entre os valores correspondentes ao limite percentual estabelecido pelo nº 2 desde o período de tributação da transferência de responsabilidade até 2011 e os valores das contribuições efetuadas: aceites como gastos em cada um desses exercícios;
- somatório das diferenças entre os valores correspondentes ao limite percentual estabelecido pelo nº 2 desde a última alteração de pressupostos actuariais até 2011 e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses exercícios.
E, tendo em conta que, no caso do A…………, a última alteração de pressupostos actuariais ocorreu no exercício de 2011 (veja-se o conteúdo da Nota 12 – Benefícios a empregados - Pensões de reforma sobrevivência do Relatório e Contas 2011 - Notas explicativas às Demonstrações Financeiras Individuais nas suas páginas 115 e 116), origina que o limite para acomodar os desvios actuariais em análise, corresponde à ―folga‖ existente no limite do nº 2 do art.º 43º do CIRC relativo ao exercício de 2011.
Recorrendo ao mapa facultado pelo sujeito passivo intitulado ―Limite do artigo 43º‖ relativo ao exercício de 2011, que constitui o anexo nº 2 - (1 folha A3), constatamos que a ―folga‖ existente, correspondente ao diferencial positivo entre o limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação (€1.832.567,18) e os encargos que se encontram sujeitos àquele limite (€222.164,21), é de €1.610.402,97.
Resulta assim do atrás exposto, que parte da dedução de €3.399.331,77 se mostra indevida, isto por exceder a ―folga‖ do limite do nº 2 do art.º 43º do CIRC referente ao exercício de 2011, ano em que ocorreu a última alteração de pressupostos atuariais.
Em conclusão, procede-se a correcção ao lucro tributável no valor de €1.788.928,80 (€3.399.331,77 - €1.610.402,97), correspondente à parte dos desvios atuariais que não tem cabimento no limite imposto pela alínea b) do nº 7 do artigo 43º do CIRC (…)» (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
H) Em 2011, o impugnante alterou a sua política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais decorrentes dos planos de pensões de benefícios definidos, tendo passado a registar os mesmos, conforme opção permitida pelo parágrafo 93A do IAS 19 ―Benefícios a empregados‖, como uma dedução a capitais próprios na rubrica de outro rendimento integral (cfr. relatório e contas de 2012, a fls. 67v a 71v dos autos, e RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
I) As contas apresentadas (NCA) foram preparadas de acordo com o princípio do custo histórico, com excepção dos activos e passivos registados ao seu justo valor, nomeadamente, instrumentos financeiros derivados, activos financeiros ao justo valor através dos resultados, investimentos disponíveis para venda e activos e passivos cobertos, na sua componente que está a ser objecto de cobertura (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos);
J) O impugnante deduziu no campo 704 do quadro 07 – ―Apuramento do lucro tributável‖ da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, apresentada para o exercício fiscal de 2012, entre o mais, o montante de €3.399.331,77, relativo a uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado do período, correspondente ao registo de desvios actuariais numa conta de capital próprio, em resultado de alteração dos pressupostos actuariais ocorridos ano de 2011, relacionados com o fundo de pensões dos trabalhadores da sua sede, em Portugal (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso aos autos, resposta a pedido de elementos no decurso do procedimento inspectivo e extracto de lançamentos contabilísticos, a fls. 61 a 66 dos autos);
K) O fundo de pensões referido na alínea antecedente corresponde a um plano de benefícios definidos, que define os critérios de determinação do valor da pensão que um empregado receberá durante a reforma, usualmente dependente de um ou mais factores, como sejam a idade, anos de serviço e retribuição (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso, e relatório e contas 2012, a fls. 67v a 71v dos autos);
L) No exercício de 2012, o referido fundo de pensões tinha um excedente de financiamento no valor de m€8.398, considerando o saldo de fundos no valor de m€50.870 e as responsabilidades no valor de m€42.472, atenta a contribuição suplementar efectuada em 2011, no valor de m€16.447 (cfr. RIT, a fls. 65 a 90 do PAT apenso, e relatório actuarial 31/12/2012, Fundo de Pensões nº 231, a fls. 72v a 79 dos autos);
M) Em resultado das correcções constantes do relatório de inspecção parcialmente transcrito em E) e G) que antecedem, foi, em 22 de Janeiro de 2015, emitida a liquidação adicional de IRC nº 2015 8310035271, no montante de €4.677.840,91, incluindo juros compensatórios no valor de €339.122,78, referente ao exercício de 2012, vertida na demonstração de acerto de contas/ compensação nº 2015 1058243, de 28 de Janeiro de 2015, no valor de €4.223.714,06, com prazo para pagamento voluntário até 27 de Março de 2015 (cfr. demonstração de liquidação e de acerto de contas, a fls. 25 a 27 dos autos);
N) Em 14 de Abril de 2015, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3247201501136720, do Serviço de Finanças de Lisboa 2, para cobrança coerciva da quantia referente à liquidação e demonstração de compensação identificadas na alínea antecedente (cfr. print da tramitação extraído do SEF e informação dos serviços, a fls. 44 a 53 do PAT apenso aos autos);
O) A presente impugnação judicial, da liquidação adicional identificada em M) que antecede, foi apresentada no Tribunal Tributário de Lisboa no dia 26 de Junho de 2015 (cfr. p.i., a fls. 2 a 31 dos autos);
P) O processo de execução fiscal identificado em N) que antecede encontra-se suspenso por prestação de garantia bancária, nos termos do artigo 169º do CPPT, associada em 25 de Maio de 2015 (cfr. garantia, print da tramitação extraído do SEF e informação dos serviços, a fls. 33 a 53 do PAT apenso aos autos).
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso por ambos os recorrentes, cumpre decidir se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação:
i) padece de erro sobre os pressupostos de direito, no caso do recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira, por errada interpretação e não aplicação do disposto no artº 45º, nº 3 do CIRC, no que respeita a “variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de activos financeiros detidos para negociação”;
ii) padece de erro de julgamento, no caso do recurso do B………., por ter julgado procedente e conforme à lei a correcção referente a variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais, efectuada por aplicação do artigo 43º, nº 7 do CIRC.
Vejamos.
À guisa de enquadramento, diga-se que resulta da sentença recorrida que a questão em análise proporcionou duas correntes jurisprudenciais no CAAD: uma, no sentido da aplicação do regime previsto no nº 3 do artigo 45º do CIRC - Procs. nºs 25/2015-T, 87/2016-T e 90/2016-T e, outra, no sentido contrário - Procs. nºs. 108/2013-T, 231/2015-T e 393-2016-T.
São dois recursos, um, interposto pela Fazenda Pública e, o outro, apresentado pelo B……………., relativos à interpretação, à data, do art. 45º, nº 3 do CIRC, no caso do primeiro e do art. 43º, nº. 7 do CIRC, no caso do segundo.
A sentença recorrida, em abono da sua tese, invoca as decisões arbitrais nºs 108/2013-T, de 25/11/2013 e 393/2016-T, de 14/12/2016.
A Fazenda Pública, em apoio do seu entendimento convoca as decisões arbitrais nºs 25/2015-T, de 24/09/2015 e 87/2016-T, de 29/10/2016.
Atentemos com maior rigor:
No que respeita ao recurso da FP (AT), como se adquire do dispositivo da sentença, foi julgada a impugnação judicial parcialmente procedente, e, em consequência, anulou-se o acto de liquidação impugnado na parte que resultou da correcção referente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, mantendo-se tal acto quanto ao demais, condenando-se a Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação de garantia, relativa à parte da liquidação ora anulada, em termos a liquidar em execução de sentença.
Contra o assim decidido se rebela a AT no que tange ao segmento fundamentador em que o tribunal "a quo" sustenta e concluiu que o acto de liquidação impugnado padece de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação e não aplicação do disposto no artigo 45º, nº 3, do CIRC, no que respeita a "variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de activos financeiros detidos para negociação".
Já a impugnante dissente do vector da sentença em que considerou em harmonia com a lei a correcção relativa a variações patrimoniais negativas referentes a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais, realizada por aplicação do artigo 43º, nº 7, do Código do IRC.
Em sede fáctica, destaca-se do probatório firmado na sentença recorrida que, no seguimento de uma ação inspectiva realizada ao impugnante, foram efectuadas correcções à matéria tributável do IRC de 2012, tendo sido acrescido o valor de €10.819.651,63 euros, no tocante a “variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de activos financeiros detidos para negociação, resultante do entendimento, de que o regime do artigo 45º, nº 3, do CIRC é aplicável a eventuais perdas por reduções de justo valor em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio".
Ainda no probatório e com relevância para a decisão do pleito há que salientar terem sido produzidas correcções no valor de €1.788.928,80 euros, atinente "a variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alteração de pressupostos actuariais, correspondente à parte dos gastos por desvios actuariais indevidamente deduzida por não caber no limite imposto pela alínea b) do nº7 do artigo 43º do CIRC, por exceder a folga do limite do nº2 do mesmo artigo, referente ao exercício de 2011,ano em que ocorreu a última alteração de pressupostos actuariais".
Por fim, ainda patenteia o probatório que, em consequência das aludidas correcções, a AT emitiu a liquidação adicional de IRC no valor de €4.677.840,91 euros, de que resultou imposto e juros a pagar no valor de €4.223.714,06 euros (cfr. al. M) do probatório).
Com base em tal factualidade veio o julgador a decidir a procedência parcial da acção arrimado à percepção de que «a regra fiscal aplicável à valorização do justo valor tem de ser igual à da desvalorização do activo, sob pena de se criar uma assimetria fiscal do justo valor, violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva», mais aditando que «ao justo valor negativo também nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, porquanto a tributação do justo valor se cinge, reitera-se, aos activos transaccionados em mercado regulamentado, onde a cotação do activo e, portanto, a sua valorização e desvalorização, é completamente alheia à vontade fiscal do contribuinte».
Para sustentar a sua tese, o julgador trouxe à colação a já citada jurisprudência arbitral das decisões de 25/11/2013 e 14/12/2016, proferidas nos processos nºs 108/2013-T e 393/2016-T, na qual alicerçou a conclusão de que o acto de liquidação impugnado enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 45°, nº 3, do CIRC.
Ora, a AT manifesta-se contra a hermenêutica e aplicação plasmados na sentença recorrida do disposto no artigo 45º, nº3, do CIRC, que apoda de contraventor do disposto no artigo 8º, nº 2, alínea f) do Decreto-Lei nº 159/2009, alinhando com as decisões arbitrais proferidas em 24/0/2015, no processo 25/2015-T e 29/10/2016, no processo 87/2016-T, com o fundameno maior de que «estão incluídas naquele preceito legal- art. 45º, nº 3, do CIRC - todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo os gastos resultantes da aplicação do justo valor», pelo que «as variações negativas por justo valor apenas concorrem para o lucro tributável em 50% do seu valor, nos termos do artigo 45º, nº 3, do CIRC».
Contudo, entendemos que não lhe assiste razão sendo de subscrever a tese arquitectada na sentença recorrida postergadora da aplicação do regime do artigo 45°, nº 3, do CIRC por ser a que está mais conforme a uma hermenêutica sistemática e teleológica das normas aplicáveis e tem uma correspondência mínima na literalidade legal.
É que interpretar uma norma não é mais do que fixar o sentido e alcance com que há-de valer, determinando o sentido decisivo, sendo a letra ou o texto da norma o ponto de partida de toda a interpretação, constituindo a apreensão literal do texto já interpretação, embora incompleta, tornando-se sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal.
Assim, na actividade interpretativa, a letra da lei funciona simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação, sendo-lhe assinalada uma dimensão negativa que é a de eliminar tudo quanto não tenha qualquer apoio ou correspondência ao menos imperfeita no texto.
Não obstante, a lei é antes de tudo um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a essa finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela.
Isso significa que para determinar o alcance de uma lei, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as direcções possíveis. A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor, penetrar o mais que é possível no espírito do legislador, reconstruir o pensamento legislativo pois só deste modo a lei realiza toda a sua força de expansão e representa na vida social uma verdadeira força normativa.
Nessa senda, na actividade de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal intervêm elementos sistemáticos, históricos, racionais e teleológicos.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões paralelas; compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pela edição da norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
No exercício da hermenêutica, valendo-se dos instrumentos dogmáticos referidos, o intérprete não se deve restringir a uma leitura imediatista do texto da norma, aceitando o sentido que, aparentemente, daí imediatamente decorre, mas deve combinar todos esses elementos numa tarefa de conjunto de modo a descobrir o sentido decisivo da norma.
Ao culminar todo um trabalho hermenêutico, o intérprete atingirá um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa; interpretação extensiva; interpretação restritiva.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger o sentido literal ou um dos sentidos literais que o texto directa e claramente comporta, por esse caber no pensamento legislativo.
Na interpretação extensiva, o intérprete reconhece que o legislador foi traído pelas palavras que utilizou, «levando-o a exprimir realidade diversa», já que o sentido da norma ultrapassa o que resulta estritamente da letra. Neste caso para obedecer à letra da lei, o intérprete deve procurar uma formulação que traduza correctamente a regra contida na lei.
Na interpretação restritiva, o intérprete reconhece que o legislador, utilizou uma forma demasiado ampla, quando o seu sentido é mais limitado. Neste caso, deve proceder-se a operação inversa, ou seja, restringir o texto para exprimir o verdadeiro sentido da lei.
O certo é que, amiúde, ocorrem situações que o legislador não previu e que são merecedoras de tutela jurídica. Tais situações, designadas por lacunas da lei, terão que ser decididas pelo julgador de acordo com o processo de integração das leis.
Todavia, pode haver aparentemente lacuna, mas na realidade tudo se resolve por interpretação extensiva.
E em princípio, a distinção dos dois processos é muito simples: a interpretação dirige-se à determinação das regras, trabalhando sobre a fonte, enquanto, para haver integração, tem de se partir da verificação de que não há nenhuma regra, conclusão esta que pressupõe uma tarefa de integração das fontes.
Apesar disso, na prática podem surgir problemas da maior complexidade já que a interpretação extensiva pressupõe que dada hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está todavia no seu espírito, ou seja, há ainda regra, sendo o espírito decisivo.
Já quando há lacuna, porém, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes.
Seja como for, importa não olvidar que não há lacuna da lei quando a própria lei indica um direito subsidiariamente aplicável.
Na esteira de KARL LARENZ «Numa relação muito próxima com a analogia está o denominado argumentum a majore ad minus (…) Este diz: se, segundo uma disposição legal, para a previsão A vale a consequência jurídica C, então esta tem que valer “por maioria de razão” para a previsão B, semelhante àquela, pois a ratio legis da regra legal atende à previsão B ainda em maior medida.». Ainda segundo o mesmo Autor, «a verdadeira justificação do argumento da maioria de razão radica, do mesmo modo que a do argumento da analogia, no imperativo de justiça de tratar igualmente hipóteses que, do ponto de vista valorativo, são iguais, sempre que não seja imposto pela lei, ou esteja justificado por razões especiais um tratamento desigual».
No ensinamento de Francesco Ferrara in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª ed., pág. 130, traduzido pelo Prof. Manuel de Andrade, «O jurista há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela».
Isso pressupõe que o intérprete não se cinja a meras operações lógicas, antes devendo realizar complexas apreciações de interesses, obviamente dentro do âmbito legal, pois toda a norma tem um escopo a alcançar, uma função e uma finalidade a cumprir, pelo que ela tem de ser entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter.
E para se determinar a finalidade prática da disposição de direito, haverá que atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada e partir do princípio de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas e sociais que derivam das relações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa.
À luz das considerações supra expendidas temos por certo que as conclusões extraídas na sentença no segmento em apreciação estão esteadas no bloco normativo ao caso aplicável e que tão bem elencou e interpretou.
Na verdade, estava em causa a determinação do tratamento fiscal a dar às perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros do capital próprio, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o titular não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social.
Para enfrentar tal assunto, o julgador convocou o quadro normativo de referência, que se lhe afigurava de concreta relevância, na redacção aplicável à data dos factos.
Destacou, desde logo, as pertinentes normas do Código do IRC, a saber:
O artigo 17º, nº 1 dispõe, sob a epígrafe ―Determinação do lucro tributável, que:
―O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.‖
Nos termos do artigo 18º, sob a epígrafe ―Periodização do lucro tributável‖:
―1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica. (…)
9 - Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; (…).‖
O artigo 20º, nº 1, com a epígrafe ―Rendimentos‖, dispõe que:
―Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (...)
f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)
h) Mais-valias realizadas; (…).‖
Estatui o artigo 23º, com a epígrafe ―Gastos‖:
―1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(...)
i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)
l) Menos-valias realizadas; (…)
5 - Não são, igualmente, aceites como gastos do período de tributação, os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do nº 4 do artigo 63º, ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, bem como as menos-valias resultantes de mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais, nos termos do nº 9 do artigo 18º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) do nº 9 deste artigo.‖
Relativamente às variações patrimoniais positivas, dispõe o artigo 21º do Código do IRC que:
―1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal; (…).‖
No que respeita às variações patrimoniais negativas, o artigo 24º do mesmo diploma refere que
2―Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade; (…).‖
Por outro lado, dispõe o nº 3 do artigo 45º, com a epígrafe ―Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais‖, que:
―A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.‖
Por último, estabelece o artigo 46º do Código do IRC, sob a epígrafe ―Conceito de mais-valias e de menos-valias‖, o seguinte:
―1 - Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: (…)
b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do nº 9 do artigo 18º. (…)
5 - São assimiladas a transmissões onerosas: (…)
b) As mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais, nos termos do nº 9 do artigo 18º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) do nº 9 deste mesmo artigo. (…).‖
Seguidamente, salientou o julgador que “É – recorde-se – na interpretação e aplicação do nº 3 do artigo 45º do Código do IRC que reside a primeira questão de fundo a decidir nos presentes autos.
Antes de mais, refira-se que o citado normativo legal (com correspondência no anterior artigo 42º, nº 3 do Código do IRC) decorre de uma alteração legislativa que se guiou, de acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003, por ―duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável‖, enquadrando-se a alteração em concreto no âmbito do ―Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade‖. A redacção aqui aplicável da norma em análise resultou da alteração implementada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças, a medida em causa se enquadrou no âmbito do ―Combate à evasão e fraude fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental.‖
Assim, a norma passou a ter, com a referida Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, uma redacção mais ampla, abrangendo, na limitação das perdas em 50%, não apenas a ―diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital‖, mas, também, “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares.”
A norma em causa voltou a ser alterada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2014. A referida alteração ocorreu no âmbito daquele que foi um dos desígnios da reforma do IRC de 2014, aprovada pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, ou seja, a promoção da competitividade e investimento, através do regime da ―Participation Exemption‖, sendo princípios basilares deste regime o aumento da competitividade e a melhoria da eficiência. Com a referida reforma do IRC, o artigo 45º em apreço foi revogado, surgindo, entretanto, o artigo 23º-A, do qual não consta a limitação à dedutibilidade fiscal, anteriormente prevista no nº 3 daquele artigo 45º, respeitante a outras perdas relativas a partes de capital, segundo a qual estas concorriam em apenas 50% para a formação do lucro tributável.
Sustenta a Administração Tributária que o segmento do nº 3 do artigo 45º do Código do IRC que dispõe que “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” abrange casos como o dos autos, impondo, assim, que as perdas em apreço, apuradas através da aplicação do justo valor, concorram para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Em abono da sua posição, argumenta, em síntese, que, atenta a formulação aberta do elemento literal ―perdas‖ daquele preceito legal, estão abrangidas pelo mesmo todos os tipos de perdas relativas a partes de capital, incluindo as perdas potenciais, resultantes de ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, devendo entender-se por ―perdas‖ os factos qualificáveis como tal à luz do Código do IRC e, nesse seguimento, as perdas decorrentes da aplicação do justo valor.
Refere, em suma, que após ser definido no artigo 18º, nº 9, alínea a) do Código do IRC em que circunstâncias os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para o lucro tributável, o mesmo diploma impõe a restrição adicional do nº 3 do artigo 45º, em respeito pelo espírito do legislador, pelo que as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas em 50% do seu valor.
Apreciando, dir-se-á, desde logo, que a descrita posição da Administração Tributária não configura a interpretação mais correcta das normas legais supra citadas, nomeadamente, atendendo aos termos conjugados dos artigos 18º, nº 9, alínea a) e 45º, nº 3, ambos do Código do IRC, e a sua consequente aplicação ao caso dos autos.
Senão, vejamos.
Por influência das normas internacionais, a contabilidade tem vindo a introduzir o justo valor nas áreas onde o custo histórico era dominante. Com a introdução do justo valor, produziu-se uma mudança de paradigma contabilístico e alterou-se o Código do IRC com vista a sua adaptação às normas internacionais e, em particular, ao novo sistema de Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
A tributação do rendimento, do património e do consumo incorpora o princípio do justo valor, de natureza contabilística, na mensuração de um vasto conjunto de activos e na consequente determinação do respectivo imposto, que dessa forma exerce uma influência na tributação das sociedades.
Depois de décadas de avaliações pelo custo histórico, admitiu-se nos últimos 20 anos a possibilidade de mensuração pelo justo valor, acolhendo-se, na contabilidade, e, por arrastamento, na fiscalidade, o método do justo valor como o método que melhor representa a realidade e a vontade das partes e por não existir uma alternativa fiável à mensuração do justo valor.
O modelo da mensuração pelo justo valor, considerando o objectivo de as contas anuais transmitirem uma imagem fiel e verdadeira do património, da situação financeira e dos resultados da empresa (cfr. artigo 2º, nº 3 da Directiva 78/660/CEE, Conselho, de 25 de Julho de 1978), impõe às organizações a obrigação de registar os bens não por uma realidade abstracta mas por um valor de mercado ou um valor real, ou ainda o preço de venda (cfr. José de Campos Amorim, ―O justo valor e as suas implicações fiscais‖, Instituto Politécnico do Porto, Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, 2012, p. 1).
Assim, com a adaptação do Código do IRC ao Sistema de Normalização Contabilística, nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do referido Código, o justo valor, positivo e negativo, concorre para a formação do lucro tributável quando respeite a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social”.
O citado nº 9 do artigo 18º do Código do IRC foi introduzido neste Código com o Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, em cujo preâmbulo se pode ler a sua justificação: “Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5% do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)
No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.”
Esta intenção expressa tem correspondência naquela norma do nº 9 do artigo 18º do Código do IRC, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20º e 24º do mesmo Código, bem como, da alínea b) do nº 1 do artigo 46º, supra citado.
Do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, importa ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20º), passou a falar-se de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23º), passou-se a falar de gastos.
São, então, os seguintes os pressupostos legais para que o justo valor, positivo e negativo, concorra para a formação do lucro tributável:
a) Tratar-se de instrumentos de capital próprio com um preço formado num mercado regulamentado;
b) Tais instrumentos financeiros serem contabilisticamente reconhecidos pelo justo valor através de resultados; e
c) O sujeito passivo não deter, directa ou indirectamente, uma participação superior a 5% do respectivo capital social.
Verificados que sejam esses pressupostos, o facto tributário deixa de estar associado à realização dos títulos, passando a estar centrado na oscilação da respectiva cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação. Ou seja, o que se tributa é a mera detenção do activo e não já a sua venda, sendo que, por via daquela norma legal, se tributa o justo valor em situações de incontestada fiabilidade, pois apenas incide sobre instrumentos financeiros transaccionados em mercado regulamentado e a respectiva cotação oficial funciona como uma valorimetria fiável de mensuração do mesmo.
Assim sendo, julgamos que a regra fiscal aplicável à valorização do justo valor tem de ser igual à da desvalorização do activo, sob pena de se criar uma assimetria fiscal do justo valor, violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Com efeito, se o justo valor positivo é totalmente tributado (nunca se lhe aplica o regime das mais e menos-valias), então ao justo valor negativo tem de ser conferido um tratamento igual, assumindo-o como um custo total do exercício.
A argumentação justificativa da exclusão fiscal parcial dos custos realizados não pode, pelo exposto, ser estendida à tributação do justo valor negativo do artigo 18º, nº 9, alínea a) do Código do IRC, porquanto, como se referiu, nesse caso, o facto tributário dissocia-se da decisão de venda.
Acresce que ao justo valor negativo também nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, porquanto a tributação do justo valor se cinge, reitera-se, aos activos transaccionados em mercado regulamentado, onde a cotação do activo e, portanto, a sua valorização e desvalorização, é completamente alheia à vontade fiscal do contribuinte.
Como refere André A. Vasconcelos, in ―O justo valor e o Código do IRC‖, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº 4, Inverno, pp. 201-203, a propósito da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do Código do IRC: “(…) estando reunidas estas duas condições cumulativas, não será expectável uma “manipulação” dos valores de mercado e, consequentemente, do lucro tributável‖, pelo que este é “um caso em que a “manipulação” de resultados fiscais se encontra afastada”.
Por outro lado, como também já se referiu, se os proveitos do justo valor são totalmente tributados, também os gastos devem ser aceites na totalidade, não se vislumbrando razões fiscais ou extrafiscais que justifiquem a disparidade na tributação das componentes positivas e negativas do justo valor, potenciando, um tal tratamento diferenciado, um regime fiscal mais injusto do que o modelo da realização. Neste exacto sentido, conclui Tomás de Castro Tavares, in ―Justo Valor e tributação das mais-valias de acções de sociedade cotadas: a propósito da interpretação do art. 18º, nº 9, al. a) do CIRC‖, Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, volume IV, p. 1143, que “um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica.”
Nesta matéria, acolhe-se, assim, a posição sufragada no acórdão arbitral de 25 de Novembro de 2013, proferido no Processo nº 108/2013-T, em que foi árbitro-presidente o Sr. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, e reiterada na recente decisão arbitral de 14 de Dezembro de 2016, proferida no Processo nº 393/2016, ambas integralmente disponíveis em www.caad.org.pt, por com ela se concordar integramente, visando, dessa forma, obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8º, nº 3 do Código Civil), pelo que se reproduz seguidamente o essencial da respectiva fundamentação:
«(…) A adopção da aplicação do justo valor como critério de valoração contabilístico com relevância fiscal, corresponde a uma alteração coperniciana no regime da tributação dos rendimentos ou gastos resultantes da aquisição de instrumentos financeiros.
Com efeito, previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21º/1/b) do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.
Este enquadramento fiscal tinha (como tem na parte em que se mantém) três características bem vincadas, a saber:
Era uma tributação única, ou seja, que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros;
Estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo, na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse;
A valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária.
A conjugação destas três características que se vêm de apontar, propiciavam, desde logo, um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.
Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.
É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42º/3 do CIRC, que precede o actual artigo 45º/3 do mesmo.
Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.
***
A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.
Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter ―a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5% do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados‖.
Já relativamente a ―instrumentos financeiros‖ que correspondam a menos ―de 5% do capital social‖, ―cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada‖, a intenção legislativa foi a de aceitar ―a aplicação do modelo do justo valor‖, excluindo o princípio da realização.
Em consonância, o artigo 18º/9 do CIRC aplicável, veio dispor que, por regra, ―Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.‖ Trata-se aqui de um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.
Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, nos seguintes termos: ―excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;‖.
Ou seja, e igualmente conforme assumido pela entidade legislante, quando os ―rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor‖, ―concorrem para a formação do lucro tributável‖ ―desde que‖:
a. Sejam reconhecidos ―através de resultados‖;
b. Se tratem ―de instrumentos do capital próprio‖;
c. ―tenham um preço formado num mercado regulamentado‖; e
d. ―o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.‖.
Cumpridas estas condições:
a. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 20º/1/f) do CIRC); e
b. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 23º/1/i) d).
Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (artigos 20º/1/f) e 23º/1/i) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46º/1/b) do CIRC).
Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.
Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.
***
Não obstante todas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42º/3 do CIRC, renumerado para artigo 45º/3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.
Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18º/9/a) do CIRC. Prima facie, a resposta a tal questão seria afirmativa, como defende a AT, atenta a abrangência de previsão em questão, apontada já pelo Autor citado por aquela na sua resposta.
Uma leitura atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da causa, e que já se foram indicando, permitirá, todavia, concluir de outra forma.
Senão vejamos.
O artigo 45º/3 do CIRC, já transcrito, refere que:
―A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.‖
A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:
a. ―A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital‖;
b. ―outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio‖;
c. ―outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio‖.
Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.
A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, como porque o artigo 46º/1/b) exclui as situações descritas no artigo 18º/9/a) do conceito de mais valias realizadas. Deste modo, qualquer dificuldade que no caso exista, apenas se poderá reconduzir a alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.
A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que ―perdas‖ e ―outras variações patrimoniais negativas‖, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto. Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23º e 24º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.
Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:
 ―Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)‖;
 ―Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)‖.
Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45º/3 do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:
a. Custos;
b. Perdas;
c. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.
A previsão do artigo 42º/3 (predecessor do actual 45º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23º e 24º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos ―a partes de capital ou outras componentes do capital próprio‖, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24º), relativas àquelas partes.
E que assim é, ou seja, que a expressão ―outras perdas ou variações patrimoniais negativas‖ utilizada no actual artigo 45º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23º e 24º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregue a mesma distinção.
Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa, não só das perdas (tal como definidas no artigo 23º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23º), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável.
A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão ―perdas‖, incluindo no próprio artigo 23º (cfr. nº 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre ―gastos‖ e ―perdas‖.
Deste modo, conclui-se que o artigo 45º/3 do CIRC aplicável, se reportará a:
a. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
b. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
c. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.
sendo que por ―perdas‖ se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por ―variações patrimoniais negativas‖ se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24º.
Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como ―gastos‖, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.
(…)
De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18º/9/a) do CIRC, no âmbito do artigo 45º/3 do mesmo, teria:
incluído os ―Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros‖, não no artigo 23º, mas no artigo 24º do CIRC5; ou
referido tais situações como ―perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros‖ e não como ―gastos‖.
***
No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.
Esta circunstância não é, face à redacção actual do CIRC, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20º/1/f) e h), 23º/1/i) e l), e, em especial 46º/1/b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais e menos-valias.
Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45º/3 e 46º do CIRS, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.
É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.
Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45º/3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.
Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos. Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18º/9/a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com ―um preço formado num mercado regulamentado‖), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.
Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico quer de um ponto de vista jurídico.
É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepcionação ao regime do princípio da realização das situações abrangidas pelo artigo 18º/9/a) do CIRC aplicável. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18º/9, segundo o qual as mesmas não concorreriam ―para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados‖, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, instituído.
(…)
A não aplicação da norma do artigo 45º/3 do CIRC aos gastos, e concretamente aos ―Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros‖, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.
Já se se aplicasse a norma do artigo 45º/3 do CIRC, como pretende a ATA, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. (…)
Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9º do Código Civil, segundo as quais ―A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada‖ (nº 1), e ―Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.‖ (nº 3), entende-se ser de interpretar o artigo 45º/3 do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18º.(…)»
Em conclusão, em plena concordância com a argumentação das decisões arbitrais referidas, julgamos que, no caso dos autos, a interpretação assumida pela Administração Fiscal do artigo 45º, nº 3 do Código do IRC, na origem de parte da liquidação adicional impugnada, que desconsiderou, em metade do seu valor, os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do Código do IRC, é violadora do citado preceito legal, por não estar abrangida pela sua previsão normativa, nos termos assinalados.
O acto de liquidação adicional impugnado padece, assim, na parte em que resultou da correcção referente a variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de activos financeiros detidos para negociação – artigo 45º, nº 3 do Código do IRC - de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto naquela norma legal, o que constitui vício de violação de lei, determinante da sua anulação na parte correspondente, o que se julgará a final.”
Partilhando e com a devida vénia o ponto de vista do EPGA expressado no seu douto Parecer, a questão controvertida motivou duas correntes jurisprudenciais no âmbito da jurisprudência produzida no CAAD, enveredando a primeira por defender a aplicação do regime previsto no nº3 do artigo 45° do CIRC (cfr. decisões proclamadas nos processos nºs 25/2015, 87/2016 e 90/2016) e a outra perfilhando a opinião contrária (cfr. - decisões pronunciadas nos processos nºs 108/2013, 231/2015 e 393/2016).
Ora, como acabamos de ver, há que salientar que, segundo o discurso fundamentador vertido no já citado acórdão arbitral de 25/11/2013, no processo 108/2013 «o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade. Esta circunstância não é, face à redacção actual do CIRC, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20º/1/f) e h), 23º/1/i) e l), e, em especial 46º/1/b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais e menos-valias.
Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45º/3 e 46º do CIRS, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.
(…)
No ponto, é determinante atentar no disposto na al. a) do nº9 do artigo 18º do CIRC segundo o qual “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social.”
No nosso modo de ver e perante a literalidade e os elementos sistemático e teleológico que enquadram esse preceito feitos ressaltar na sentença e no aresto em que se apoia, sufragamos o ponto de vista de que estão verificados os pressupostos nele elencados, porquanto a variação patrimonial negativa decorrente da aplicação do método de mensuração do justo valor aos instrumentos financeiros detidos pela impugnante concorre para a formação do lucro tributável.
Por esse prisma e por lavrar nesse entendimento, há que confirmar o decidido na sentença recorrida.

*

No que tange ao recurso do impugnante "A……….., S.A.", patenteia o quadro conclusivo do seu alegatório que o mesmo dissente da sentença no vector em que esta atestou a legalidade das correcções concernentes a "variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais", operadas mediante a utilização dos limites previstos no nº 7 do artigo 43º do CIRC, isso pela razão substancial de tal aplicação traduzir uma desacertada interpretação e aplicação desse normativo que reputa só ser aplicável às situações excepcionais de insuficiência do Fundo de Pensões, que acarrete que a entidade patrimonial tenha que efectuar contribuições suplementares, o que não se verificou no caso vertente.
Ora, no que tange à aplicação do ordenado no nº7 do artigo 43º do CIRC aos gastos e às variações patrimoniais referentes ao Fundo de Pensões dos trabalhadores da impugnante, epilogou o tribunal recorrido, depois de esmiuçar a base factual pertinente, que «a correcção referente a variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais, efectuada por aplicação do artigo 43º, nº 7, do Código do IRC, não enferma das ilegalidades que o impugnante lhe assaca», e, em conformidade, julgou improcedente a acção nesta fracção.
Neste particular, também nos apraz excertar o discurso fundamentador da muito bem elaborada e esclarecida sentença:
“Vejamos, seguidamente, a outra correcção ao lucro tributável contestada pelo impugnante, referente a variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais – artigo 43º, nº 7 do Código do IRC.
Conforme resulta dos termos da petição inicial por si apresentada, alega o impugnante, a propósito da referida correcção, que a aplicação aos gastos e às variações patrimoniais referentes ao fundo de pensões dos seus trabalhadores da regra estabelecida no nº 7 do artigo 43º do Código do IRC é ilegal, porque, e em síntese, tal norma disciplina o regime das contribuições suplementares para os fundos de pensões quando há situações de insuficiência no seu financiamento, o que não era, em 2012, o que se passava com o fundo do impugnante. Mas, acrescenta, mesmo que houvesse lugar à aplicação da referida regra, a Administração Tributária cometeu erros nos cálculos efectuados, fundamentalmente, porque tomou em consideração o valor de 15% da massa salarial do impugnante, apenas em relação aos trabalhadores da sede, excluindo a massa salarial dos trabalhadores das sucursais, o que é ilegal.
Vejamos.
O impugnante deduziu no campo 704 do quadro 07 – ―Apuramento do lucro tributável‖ da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2012, o montante total de €4.284.789,72, como variação patrimonial negativa não reflectida no resultado do período, montante do qual €3.399.331,77 corresponderam ao registo de desvios actuariais do exercício, numa conta de capital próprio, em resultado de alteração dos pressupostos actuariais ocorridos no ano de 2011, relacionados com o fundo de pensões da sede do impugnante, e aos quais o impugnante não aplicou qualquer dos limites previstos no artigo 43º do Código do IRC.
É a seguinte a redacção, ratione temporis, do referido normativo, com a epígrafe ―Realizações de utilidade social‖:
«1 — (…).
2 — São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.
3 — O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.
4 — Aplica-se o disposto nos nºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:
a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;
b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;
(…)
7 — As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios de reforma, quando efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes, podem também ser aceites como gastos nos seguintes termos:
a) No período de tributação em que sejam efectuadas, num prazo máximo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos actuariais;
b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos nºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos actuariais e os valores das contribuições efectuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos de tributação.
(…)» (sublinhados nossos)
Por seu lado, também o artigo 23º do Código do CIRC, com a epígrafe ―Gastos‖, dispõe que:
«1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) (...)
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
(…)» (sublinhados nossos)
Nos termos conjugados dos citados artigos do Código do IRC, as contribuições – regulares e suplementares – realizadas para fundos de pensões podem ser aceites como custos fiscais, mediante o cumprimento de determinados pressupostos.
Desde logo, conforme resulta do nº 2 do artigo 43º, tem de existir uma correlação entre as despesas com remunerações, ordenados ou salários, pagas pela empresa e as despesas de cariz eminentemente social (contribuições para fundos de pensões).
Por outro lado, só podem ser consideradas como despesas com o pessoal, para efeitos do cálculo do limite de 15%, aquelas que forem objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer regime substitutivo.
No caso vertente, estão em causa contribuições para fundo de pensões destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com pensões em consequência de alteração dos pressupostos actuariais.
Concretamente, trata-se de um fundo de pensões do impugnante com um plano de reformas de ―benefícios definidos‖, detendo, tal explicitação, grande relevo, porquanto só nestes casos a alteração dos pressupostos actuariais tem impacto nas responsabilidades assumidas pela entidade empregadora, por oposição ao que sucede nos planos de ―contribuição definida‖ (cfr. IAS 19 – NCRF 28: 8 - Planos de benefícios definidos: são planos de benefícios pós-emprego que não sejam planos de contribuição definida. Planos de benefícios pós-emprego: são acordos formais ou informais pelos quais uma entidade proporciona benefícios pós-emprego a um ou mais empregados. Planos de contribuição definida: são planos de benefícios pós-emprego pelos quais uma entidade paga contribuições fixadas a uma entidade separada (um fundo) e não terá obrigação legal ou construtiva de pagar contribuições adicionais se o fundo não detiver ativos suficientes para pagar todos os benefícios dos empregados relativos ao serviço dos empregados no período corrente e em períodos anteriores. 25 - (…) Em consequência, o risco actuarial (…) e o risco de investimento (…) recaem no empregado. 38 - Consequentemente, não são necessários pressupostos atuariais para mensurar a obrigação ou o gasto e não há possibilidade de qualquer ganho ou perda atuarial. 27 - Pelos planos de benefícios definidos: a) A obrigação da entidade é a de proporcionar os benefícios acordados com os empregados correntes e antigos; e b) O risco atuarial e o risco de investimento recaem, na substância, na entidade. Se a experiência atuarial ou de investimento forem piores que o esperado, a obrigação da entidade pode ser aumentada).
Importa também esclarecer que as contribuições para fundos de pensões podem assumir um carácter regular ou um carácter suplementar.
As contribuições com carácter regular constituem os valores que as sociedades têm que contribuir regularmente para financiar o fundo, de acordo com o plano de pensões determinado para assegurar os compromissos assumidos pela entidade empregadora.
Por seu lado, as contribuições com carácter suplementar resultam de alterações nos pressupostos actuariais que serviram de base a determinado plano de pensões, que tiveram como consequência o aumento das suas responsabilidades futuras, cuja cobertura é necessária para garantir os benefícios contratados. Por esse motivo, as contribuições de natureza suplementar são exclusivas dos planos de benefícios definidos.
O enquadramento fiscal das contribuições, regulares e suplementares, para fundos de pensões insere-se nos limites previstos no artigo 43º, nºs 2, 3 e 7 do Código do IRC.
Assim, as contribuições regulares para fundos de pensões, juntamente com outros gastos suportados com seguros de doença, de acidentes pessoais ou seguros de vida, só são considerados gastos do período de tributação até ao limite de 15% ou 25%, conforme se aplique o nº 2 ou o nº 3 do 43º do Código do IRC, das despesas com o pessoal.
No que respeita, concretamente, às contribuições suplementares, é aplicável o disposto no nº 7 do artigo 43º do Código do IRC, relativo às “contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com pensões quando efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais”.
A norma em questão pretende, assim, abranger todas as contribuições suplementares que visem cobrir responsabilidades por encargos com benefícios de reforma em virtude de alterações nos pressupostos actuariais, não resultando da mesma que, para aquele efeito, apenas relevem contribuições que se destinem a situações de insuficiência no financiamento do fundo de pensões, excluindo-se situações de financiamento em excesso, como era o caso do fundo do impugnante (cfr. alínea L) dos factos provados supra).
A Administração Tributária aplicou à variação patrimonial negativa não reflectida no resultado do período, deduzida ao lucro tributável no valor de €3.399.331,77, e relativa ao registo de desvios actuariais do exercício relacionados com o Fundo de Pensões da sede (Portugal) do impugnante, a regra estabelecida no referido nº 7 do artigo 43º do Código do IRC, segundo a qual, recorde-se, podem também ser aceites como gastos “As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios de reforma, quando efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes (…)”.
Com efeito, no âmbito da acção inspectiva desenvolvida, os Serviços de Inspecção Tributária verificaram que o fundo de pensões do impugnante, relativo aos trabalhadores da sede, se encontrava financiado em excesso, por ter responsabilidades no valor de m€42.472 e saldo dos fundos de m€50.870, tendo, em 2011, sido realizada uma contribuição suplementar no valor de m€16.447.
Ora, sendo, de facto, indisputado que a referida contribuição suplementar foi realizada no exercício de 2011, do excesso da mesma foi, como se referiu, imputado fiscalmente ao exercício de 2012, aqui em causa, o valor de €3.399.331,77, a título de ―variação patrimonial negativa‖ por desvios actuariais relacionados com o fundo de pensões do impugnante, pelo que a sua dedutibilidade tinha de ser aferida, como foi, no âmbito do disposto no nº 7 do artigo 43º do Código do IRC.
Prosseguindo.
Ainda nos termos do disposto no nº 7 do artigo 43º do Código do IRC, as contribuições podem ser aceites como gastos nas seguintes condições: “a) No período de tributação em que sejam efectuadas, num prazo máximo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos actuariais; b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos nºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos actuariais e os valores das contribuições efectuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos de tributação”.
Relativamente à primeira das condições, a Administração Tributária considerou-a verificada, atendendo à contribuição efectuada em 2011, no valor de m€16.447 - que originou um excedente de m€8.398 no fundo de pensões, do qual o impugnante registou €3.399.331,77 em 2012 -, e à alteração dos pressupostos actuariais ocorrida naquele mesmo ano.
Mas, para além do limite temporal previsto na alínea a) do nº 7 do artigo 43º do Código do IRC, na alínea b) deste normativo estabelece-se adicionalmente um limite até ao qual os gastos poderão concorrer para a formação do lucro tributável.
Ora, tendo em conta a última alteração de pressupostos actuariais ocorrida no ano de 2011, o limite para acomodar os desvios actuariais em análise corresponde à ―folga‖ existente no limite do nº 2 do artigo 43º do Código do IRC relativo àquele exercício, correspondente à diferença positiva entre o limite de 15% das despesas com o pessoal, escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação (€12.217.114,56 x 15% = €1.832.567,18), e as contribuições efectuadas e aceites como gastos naquele exercício (€222.164,21), ou seja, €1.610.402,97.
A correcção efectuada ao lucro tributável do exercício de 2012 ora impugnada, relativa a uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado do período, resultou, assim, da não aceitação do excesso do valor correspondente ao registo de desvios actuariais do fundo de pensões do impugnante relativamente ao limite imposto pela alínea b) do nº 7 do artigo 43º do Código do IRC: €3.399.331,77 - €1.610.402,97 = €1.788.928,80, valor, este, que não é, nos termos assinalados, fiscalmente dedutível naquele exercício.
Alega, por último, o impugnante, ainda a propósito da correcção ao lucro tributável em análise, que, ainda que o regime do nº 7 do artigo 43º do Código do IRC fosse aplicável, a Administração Tributária deveria ter considerado, para efeitos de determinação da referida ―folga‖ do exercício de 2011, o valor global de 15% da massa salarial do impugnante, ao invés de fazer uma distinção entre a massa salarial dos colaboradores/trabalhadores da sede e a massa salarial dos colaboradores/trabalhadores das sucursais, distinção, essa, que, no seu entendimento, não tem apoio no texto da lei.
Apreciando, recorde-se que a alteração dos pressupostos actuariais em causa nos autos verificou-se no fundo de pensões dos trabalhadores da sede do impugnante (Portugal). Trata-se de um plano de pensões de benefícios definidos (cfr. alíneas J) a L) dos factos provados supra), sendo que, como se referiu, no âmbito dos planos de benefícios definidos a entidade empregadora tem de garantir aos seus empregados os benefícios pós-emprego acordados, pelo que, se a experiência actuarial ou de investimento implicar maiores encargos do que o esperado, a obrigação contributiva da entidade pode aumentar, e, nessa medida, o risco actuarial ou de investimento recaem, em substância, sobre a entidade.
Como também se referiu, nos termos conjugados dos artigos 23º e 43º do Código do IRC, as contribuições realizadas para Fundos de Pensões podem ser aceites fiscalmente como gastos, mediante o cumprimento de determinados pressupostos.
Ora, conforme resulta do nº 2 do artigo 43º do Código do IRC, desde logo, tem de existir uma correlação entre as despesas com ―remunerações, ordenados ou salários‖ pagas pela empresa e as despesas de cariz eminentemente social (contribuições para fundos de pensões).
E, se assim é, apenas se poderão ter por relevantes os gastos do período de tributação escriturados a título de remunerações, ordenados ou salários relativos aos trabalhadores que beneficiam do fundo de pensões do pessoal da sede em Portugal, e que apenas esses sejam tidos em consideração para o cálculo percentual a que alude o nº 2 do artigo 43º do Código do IRC, para efeitos da posterior aceitação das contribuições realizadas para esse mesmo fundo de pensões.
Com efeito, não faria sentido incluir num cálculo único, e com o limite de 15% sobre a mesma massa salarial, a totalidade dos gastos do período de tributação elencados no nº 2 do artigo 43º do Código do IRC, quando os respectivos benefícios apenas podem ser usufruídos por um determinado grupo de trabalhadores – no caso, os trabalhadores da sede em Portugal, beneficiários do fundo de pensões do impugnante onde foram registadas alterações dos pressupostos actuariais – pelo que apenas esses devem entrar para o cômputo da massa salarial global e para o cálculo do limite de 15% a considerar, nos termos do artigo 43º, nº 2 do Código do IRC.
Conclui-se, assim, face à argumentação desenvolvida, que a correcção referente a variações patrimoniais negativas relativas a ajustamentos de experiência e desvios decorrentes de alterações dos pressupostos actuariais, efectuada por aplicação do artigo 43º, nº 7 do Código do IRC, não enferma das ilegalidades que o impugnante lhe assaca, pelo que a presente impugnação terá de improceder na parte que lhe corresponde, o que se julgará a final.”
Brota cristalino do antecedente bloco fundamentador que o recorrente está falho de razão não só porque, como flui do probatório da sentença recorrida, o impugnante esgotou a dedução ao abrigo do nº2 do artigo 43° do CIRC, como também e como enfatiza o EPGA no seu douto Parecer e se deixou de forma bem desenvolvida assinalado na sentença recorrida «a correção efectuada ao lucro tributável do exercício de 2012 ora impugnada, relativa a uma variação patrimonial negativa não refletida no resultado do período, resultou, assim, da não aceitação do excesso do valor correspondente ao registo de desvios actuariais do fundo de pensões do impugnante relativamente ao limite imposto pela alínea b) do nº 7 do artigo 43º do Código do IRC: €3.399.331,77 - €1.610.402,97 =€1.788.928,80, valor, este, que não é, nos termos assinalados, fiscalmente dedutível naquele exercício».
Mas ainda acresce que, no tocante à restrição dos limites pressupostos no nº 2 do artigo 43° do CIRC à massa salarial dos colaboradores/trabalhadores da sede do impugnante, se nos afigura que a sentença faz um irrepreensível enquadramento ao expender que «tem que existir uma correlação entre as despesas com "remunerações, ordenados ou salários" pagos pela empresa e as despesas de cariz eminentemente social...», de forma que «apenas se poderão ter por relevantes os gastos do período de tributação escriturados a título de remunerações, ordenados ou salários relativos aos trabalhadores que beneficiam do fundo de pensões do pessoal da sede em Portugal, e que apenas esses sejam tidos em consideração para o cálculo percentual a que alude o nº 2 do artigo 43º do Código do IRC,...».
O que vale por dizer que, também neste segmento, é digna de aprovação a tese delineada na sentença recorrida, não ocorrendo o vício que lhe é exprobrado pelo Recorrente.

*
Do que ficou antecedentemente dito decorre inelutavelmente a improcedência de ambos os recursos e o outorgamento da apreciação e enquadramento legais das questões efectuadas pelo tribunal “a quo”, o que se ditará no dispositivo a seguir.


*


3. DECISÃO


Termos em que se decide negar provimento a ambos os recursos e confirmar a sentença recorrida.


Custas pela Fazenda Pública e pelo impugnante na proporção dos decaimentos, que também se fixam em 85% e 15%, respectivamente (artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC), com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.