Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0134/19.8BECTB
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECORRIBILIDADE
Sumário:De acordo com o critério de recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas pela autoridade administrativa no processo contra-ordenacional fornecido pelo n.º 2 do art. 55.º do RCGO – aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT – não é admissível recurso judicial do despacho que se limita a preparar a decisão e que não assume carácter imediatamente lesivo dos direitos ou interesses do arguido.
Nº Convencional:JSTA000P25990
Nº do Documento:SA2202006030134/19
Data de Entrada:01/13/2020
Recorrente:A………, Lda.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 134/19.8BECTB

1. RELATÓRIO

1.1 Discordando da decisão por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco rejeitou liminarmente o recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada (adiante denominada Recorrente ou Arguida) do despacho por que a autoridade administrativa indeferiu o pedido de inquirição de testemunhas em processo contra-ordenacional, veio esta, após convite para correcção do requerimento (cfr. despacho a fls. 104 do processo físico), apresentar «Reclamação para o Venerando Presidente do Supremo Tribunal Administrativo», conjuntamente com alegação, com conclusões do seguinte teor:

«I- A Meritíssima juiz [do Tribunal] a quo” ao decidir sobre a rejeição do recurso, enuncia em síntese, a sua inadmissibilidade com o facto de o “thema decidendum” versar matéria que se destina apenas a preparar a decisão final de arquivamento ou aplicação da coima e por conseguinte vedada a estas decisões recorridas;

II- Limita-se pois a enunciar a letra da lei, sem explicitar o raciocínio lógico que seguiu para determinar a rejeição do recurso e com isso, a Reclamante entender e compreender, a falta de razão que lhe assiste;

III- Com o devido respeito, no limite, à luz do douto entendimento do Tribunal “a quo” e salvo melhor opinião, nenhuma decisão interlocutória admite recurso, nos termos do art. 55.º do RGCO;

IV- Por outro lado, entende a Meritíssima juiz [do Tribunal] a quo” que a decisão interlocutória que faz prosseguir os autos omitindo as requeridas diligências de prova, por si só, não é lesiva dos direitos da arguida, em sede de exercício do seu direito de defesa;

V- Não cabendo por conseguinte, por essa razão, na previsão do art. 55.º n.º 1 do RGCO;

VI- Sempre com o devido respeito, entende a Reclamante que as razões apontadas pelo Tribunal “a quo”, para o indeferir o recurso, não constituem uma verdadeira fundamentação, exigível em qualquer decisão judicial;

VII- A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art. 205.º, n.º 1 da CRP;

VIII- O art. 64.º n.º 4 do RGCO estabelece que “em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção”;

IX- Por sua vez, o art. 41.º, do mencionado regime dispõe que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”;

X- Da fundamentação da sentença deverá constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de direito que fundamentam a decisão;

XI- A falta de fundamentação da sentença tem também tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art. 379.º, alínea a), que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.º 2, ambos do mesmo CPP;

XII- Com os expendidos fundamentos, nos termos conjugados do art. 64.º, n.º 4 do RGCO com o art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicável por força do art. 41.º, n.º 1 daquele Regime, o douto despacho de rejeição do recurso de que ora se reclama é nulo, por falta de fundamentação;

Termos em que, com os expendidos fundamentos deve ser admitida a presente Reclamação, revogado o douto despacho que rejeitou o recurso e substituído por outro que o admita e determine a apreciação do seu mérito».

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco salientou que, apesar de «o Recorrente, após convite para aperfeiçoar o requerimento de recurso mantenha o mesmo dirigido como reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, face aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e acesso ao direito, os articulados devem ser interpretados com alguma flexibilidade». Consequentemente, interpretando o requerimento como de interposição de recurso, proferiu despacho nos seguintes termos:
«Assim, por legal, legítimo e tempestivo, admito o recurso interposto pela Recorrente, para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, conforme o disposto nos artigos 83.º e 84.º do RGIT e artigos 73.º n.º 1 alínea d) do RGCO».

1.3 Apenas o Ministério Público apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1- A recorrente pugna pela substituição do “despacho … por outro … que o [recurso judicial] admita e determine a apreciação do seu mérito”.

2- Acontece que o despacho recorrido visou apenas e somente a preparação da decisão final de aplicação de coima que veio a ser proferida,

3- não colidindo de imediato com direitos ou interesses das pessoas,

4- ademais os fundamentos invocados sempre podendo ser utilizados para recurso da decisão final de aplicação da coima.

5- A decisão a quo fez devido e adequado enquadramento jurídico e correcta e ajustada interpretação e aplicação da lei, não violando qualquer preceito legal, pelo que deverá ser mantida».

1.4 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, após considerar que não se verifica a invocada nulidade por falta de fundamentação, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal ad quem.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, com a seguinte fundamentação: «[…]

O art. 55.º do RGCO estabelece que:
1- As decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são susceptíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa contra quem se dirigem.
2- O disposto no número anterior não se aplica às medidas que se destinem apenas a preparar a decisão final de arquivamento ou de aplicação da coima, não colidindo com os direitos ou interesses das pessoas”.
Da interpretação conjugada dos preceitos resulta que é possível recorrer de decisões finais e interlocutórias.
No que respeita ao leque de decisões recorríveis são só estas as regras a atender uma vez que, contendo o RGCOC normas expressas que elencam as decisões recorríveis, inexiste qualquer lacuna no sistema pelo que não há que recorrer ao direito processual penal enquanto regime subsidiário.
O recurso previsto no art. 59.º do RGCOC corresponde ao recurso da decisão final condenatória que aplica uma coima e/ou outras sanções.
O recurso previsto no art. 55.º do RGCOC corresponde ao recurso das decisões intercalares ou interlocutórias proferidas no decurso do processo.
Com efeito, o art. 55.º, n.º 2 refere expressamente as decisões e despachos tomados no decurso do processo (n.º 2), ou seja, as decisões intercalares, excepcionando o seu n.º 2 algumas decisões intercalares que não são recorríveis: as que se destinem a preparar a decisão final e que não colidam com direitos ou interesses das pessoas.
Efectivamente, no caso em apreço, a Autoridade Tributária, não aplica qualquer coima, qualquer sanção legal nem sequer determina a adopção ou abstenção de determinadas condutas destinadas a fazer cessar a infracção ou os seus efeitos, constitui, isso sim, uma medida que se destina apenas a preparar a decisão final de aplicação da coima.
Por conseguinte, não sendo a decisão impugnada recorrível, não pode o recurso ser admitido.
Posto isto, entendemos, não merecer censura o julgamento do tribunal recorrido quando conclui que o recurso interposto pela recorrente ao abrigo do art. 55.º do RGCOC não vem interposto de uma decisão de aplicação de coima, pelo que não é admissível.
Não se verifica por outro lado qualquer violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça previsto no artigo 20.º da CRP».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco elencou o seguinte circunstancialismo processual, que entendeu «[c]om relevo para a apreciação preliminar» do requerimento de interposição do recurso judicial que lhe foi apresentado:

«1. Em 09.10.2017 foi autuado, no Serviço de Portalegre, o processo de contra-ordenação n.º 17322018060000036422, contra a Recorrente, em suma, por falta de entrega da prestação tributária referente a IUC do veículo com a matrícula ……….– cfr. autuação e auto de notícia de fls. 49 e 50 do processo em suporte informático.

2. Em 16.11.2018 a Recorrente apresentou defesa escrita no âmbito do identificado processo de contra-ordenação, tendo requerido a inquirição de duas testemunhas e a tomada de declarações de parte da sua legal representante – cfr. defesa de fls. 51 a 59 do processo em suporte informático.

3. Em 30.01.2019 a técnica responsável do Serviço de Finanças de Portalegre elaborou a informação de fls. 77 a 80 do processo que aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
(…)
Pelo que, face ao exposto, verificando-se não assistir razão à ora requerente não só por a notificação conter os factos descritos de forma sucinta, o que de resto se fez de forma fundamentada, de igual modo, às razões de direito, conforme estabelece o art. 70.º do RGIT, mas também por até à presente data não ter regularizado a sua situação fiscal por falta do pagamento do imposto devido, devem os presentes autos de defesa ser arquivados, indeferindo-se o pedido, continuando o PCO a sua normal tramitação no SF de Portalegre até que ocorra a sua extinção.
(…)” – cfr. informação de fls. 77 a 80 do processo em suporte informático.

4. Em 30.01.2019 o Chefe do Serviço de Finanças de Portalegre exarou o seguinte despacho sobre a informação identificada no ponto anterior do probatório: “Face à informação, proposta, decisão e parecer emitido, com o que concordo, indefiro o pedido com aqueles fundamentos, devendo os autos prosseguir os seus trâmites até à extinção, podendo o infractor da fixação da coima recorrer para o tribunal face ao disposto no art. 80.º, ou solicitar o pagamento em prestações, nos termos do art. 88.º do Dec. Lei 433/82. (…)” – cfr. despacho de fls. 77 a 80 do processo em suporte informático.

5. Em 31.01.2019 foi enviado, em correio registado, o ofício destinado a notificar a Recorrente do despacho e informação melhor identificado nos dois pontos anteriores do probatório – cfr. ofício de fls. 76 do processo em suporte informático.

6. Em 31.01.2019 o Chefe do Serviço de Finanças de Portalegre elaborou, no âmbito do processo de contra-ordenação, a decisão de fixação de coima cuja cópia de fls. 87 a 88 do processo em suporte informático aqui se dá por reproduzida, pela qual foi a Recorrente condenada ao pagamento de uma coima no valor de 50,00 EUR e custas no valor de 76,50 EUR – cfr. decisão de fixação de coima de fls. 87 a 88 do processo em suporte informático.

7. Em 04.03.2019 a Recorrente apresentou o requerimento de recurso interlocutório nos termos do artigo 55.º do RGCO – cfr. fls. 3 e 4 do processo em suporte informático».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, há que considerar o seguinte circunstancialismo processual:

a) em 20 de Junho de 2019 a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco proferiu despacho de rejeição liminar do recurso apresentado pelo requerimento dito em 7. (cfr. fls. 121 a 127 do processo electrónico);

2) a sociedade arguida, em 27 de Junho de 2019, fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco um requerimento de «Reclamação», mediante a invocação do disposto «a disposto no art. 405.º n.º 1 do Código do Processo Penal (CPP) “ex vi” do art. 41.º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27.10, Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO), “ex vi” da alínea b) do art. 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, (RGIT)», endereçado ao «Presidente do Supremo Tribunal Administrativo», pedindo que, admitida a reclamação seja «revogado o douto despacho que rejeitou o recurso e substituído por outro que o admita e determine a apreciação do seu mérito» (cfr. fls. 133 a 143 do processo electrónico);

3) Por despacho de 12 de Julho de 2019, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco salientou, para além do mais, que «[n]o caso em apreço, a Recorrente insurge-se contra o despacho que indeferiu liminarmente o requerimento de recurso interposto de uma decisão administrativa interlocutória proferida em processo de contra-ordenação, pelo que é manifesto que não tem aqui cabimento a reclamação prevista no referido preceito legal. // Não obstante, por dever de gestão processual, impõe-se concluir pela existência de um erro na qualificação do meio processual apresentado pela Recorrente, a fim de apreciar a viabilidade de convolação da presente reclamação em recurso jurisdicional (que é, afinal, o que a Recorrente pretende, como se retira do teor da reclamação apresentada) – a interpor nos termos do artigo 83.º do RGIT, n.º 2 do artigo 63.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 73.º do RGCO aplicável ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT.// Para tanto importa que estejam verificados todos os requisitos de ordem formal. Ora, no caso em apreço, a Recorrente não formulou conclusões nem comprovou o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso» e, em consequência, ordenou a notificação da Recorrente para «no prazo de 10 (dez) dias, apresentar nova peça processual, na qual identifique correctamente o meio processual, formule conclusões e à qual junte o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sob pena de rejeição» (cfr. fls. 146/147 do processo electrónico);

4) Em 9 de Setembro de 2019, a Arguida apresentou novo requerimento, de teor em tudo idêntico ao dito em 2), ao qual se limitou a acrescentar as conclusões que deixámos transcritas em 1.1 (cfr. fls. 150 a 162 do processo electrónico);

5) Por despacho de 16 de Setembro de 2019, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, registou que «embora a Recorrente, após convite para aperfeiçoar o requerimento de recurso mantenha o mesmo dirigido como reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, face aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e acesso ao direito, os articulados devem ser interpretados com alguma flexibilidade» e, em consequência admitiu o recurso «para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, conforme o disposto nos artigos 83.º e 84.º do RGIT e artigos 73.º n.º 1 alínea d) do RGCO» (cfr. fls. 164 do processo electrónico).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

No âmbito de um processo contra-ordenacional em fase administrativa e com o requerimento de defesa que apresentou ao abrigo do disposto no art. 71.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, a ora Recorrente requereu à autoridade administrativa – o Chefe do Serviço de Finanças de Portalegre – a inquirição de duas testemunhas e a tomada de declarações de parte da sua legal representante e pedindo o arquivamento do processo e, subsidiariamente, que lhe seja feita de novo a notificação para apresentar defesa, com a comunicação de todos os elementos essenciais para o efeito.
Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Portalegre de 21 de Novembro de 2018, esses pedidos foram indeferidos, por remissão para a informação no sentido de «não assistir razão à ora requerente não só por a notificação conter os factos descritos de forma sucinta, o que de resto se fez de forma fundamentada, de igual modo, às razões de direito, conforme estabelece o art. 70.º do RGIT, mas também por até à presente data não ter regularizado a sua situação fiscal por falta do pagamento do imposto devido, devem os presentes autos de defesa ser arquivados, indeferindo-se o pedido, continuando o PCO a sua normal tramitação no SF de Portalegre até que ocorra a sua extinção».
Notificada desse indeferimento e da prossecução do processo contra-ordenacional, a Arguida interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, mediante a invocação do disposto no art. 55.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco rejeitou liminarmente esse recurso por inadmissibilidade legal. Em síntese, considerou: que, nos termos do n.º 2 do art. 55.º do RGCO, aplicável subsidiariamente às contra-ordenações tributárias, ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, estão excluídas do âmbito do recurso previsto nesse artigo as decisões «que se destinem apenas a preparar a decisão final de arquivamento ou aplicação da coima, não colidindo com direitos ou interesses das pessoas»; que, contrariamente ao que alega a Recorrente, na decisão recorrida inexiste «qualquer pronúncia expressa quanto à inquirição das testemunhas arroladas», antes visando o despacho em causa apenas preparar a decisão final, motivo por que «não constitui qualquer decisão, despacho ou medida tomada pela autoridade administrativa que seja imediatamente lesiva para os interesses da Recorrente».
Insurgindo-se contra essa decisão, a Arguida apresentou «reclamação para o Venerando Presidente do Supremo Tribunal Administrativo».
Convidada a corrigir o requerimento para requerimento de interposição de recurso e formular conclusões, a Arguida apresentou novo requerimento em que insiste nesse meio processual, mas acedeu ao convite para formular conclusões.
O Juiz que no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco apreciou o requerimento apresentado na sequência do convite endereçado pela sua Colega naquela Tribunal à Arguida e considerou – ao abrigo dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e acesso ao direito, que recomenda que os articulados sejam interpretados com alguma flexibilidade, em ordem a deles extrair o sentido útil mais favorável à pretensão do seu apresentante – ser de admitir requerimento como de interposição de recurso jurisdicional, como o admitiu, «para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, conforme o disposto nos artigos 83.º e 84.º do RGIT e artigos 73.º n.º 1 alínea d) do RGCO».
Sendo manifesto que a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo não constituía o meio processual adequado para reagir contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que não admitiu o recurso judicial (Tenha-se presente que a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um verdadeiro recurso, já que tem o efeito de atribuir a um tribunal a competência para decidir da causa, retirando-a da esfera administrativa. Ou seja, a impugnação (também chamada recurso judicial) da decisão administrativa não vai ser decidida por outra entidade administrativa, hierarquicamente superior à recorrida, mas por um órgão jurisdicional.) que lhe foi apresentado de uma decisão administrativa proferida em sede de processo contra-ordenacional e que o meio adequado para essa reacção é o recurso jurisdicional, concordamos com a interpretação do requerimento que foi efectuada pela 1.ª instância (cfr. art. 98.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), motivo por que nos cumpre apreciar e decidir se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco fez correcto julgamento ao rejeitar liminarmente o recurso judicial, o que passa por indagar da admissibilidade do recurso interposto.
Antes, porém, impõe-se uma nota no sentido de explicar por que, apesar das alegações e conclusões induzirem o entendimento de que a Recorrente apenas invocou a falta de fundamentação da decisão recorrida, vamos interpretá-las como imputando também a esta decisão erro de julgamento.
Na verdade, é inequívoco e manifesto que a decisão recorrida fundamentou plenamente o julgamento de facto e de direito que nela foi feito. Assim, depois de enumerar as circunstâncias processuais relevantes, referindo expressamente as pertinentes folhas do processo, indicou a legislação aplicável e a interpretação que dela fazia, apoiando-se inclusive na doutrina, e conclui com a aplicação da lei ao caso.
Concluímos, pois, com todo o respeito, que não faz sentido assacar à decisão recorrida nulidade por falta de fundamentação.
No entanto, a divergência da Recorrente com o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco parece-nos residir, não só ao nível formal, da estrutura da decisão, na invocada falta de fundamentação, como também ao nível da substância da mesma. Ou seja, a alegação permite também que dela se extraia o sentido de que a Recorrente discorda da decisão porque entende que nesta se deveria ter considerado que o despacho proferido pela autoridade administrativa é susceptível de recurso judicial ao abrigo do disposto no art. 55.º do RGCO.
Seja como for, como este Supremo Tribunal tem dito por várias vezes, não é a errada qualificação feita pela Recorrente que dispensa o tribunal ad quem de apreciar a questão, uma vez que não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa.

2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO JUDICIAL – NATUREZA DO DESPACHO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA

Como bem salientou a decisão recorrida, o meio judicial previsto no RGIT para reagir judicialmente contra a decisão administrativa que aplique uma coima ou sanção acessória é o recurso judicial previsto no art. 80.º do RGIT. Para além desse recurso, tem também aplicação subsidiária em sede do direito contra-ordenacional tributário, ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, o regime previsto no art. 55.º do RGCO, que, sob a epígrafe “Recurso das medidas das autoridades administrativas” prevê o recurso judicial das «decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo».
Como também realçou a decisão recorrida, o critério da recorribilidade desses actos é fornecido pelo n.º 2 do mesmo art. 55.º: só serão recorríveis os actos que colidam com os direitos ou interesses das pessoas; trata-se de uma expressão do princípio consagrado no n.º 4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa.
Dito isto, podemos dizer, sempre com a decisão recorrida: primeiro, que não existe decisão administrativa expressa a recusar a inquirição das testemunhas; segundo, que o despacho da autoridade administrativa referido em 4) é um mero despacho procedimental destinado a preparar a decisão final, sem carácter imediatamente lesivo e, por isso e de acordo com a regra do n.º 2 do art. 55.º do RGCO, irrecorrível (Neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, citado na decisão recorrida.).
Se a Arguida queria questionar a falta de inquirição de testemunhas pela autoridade administrativa sempre o poderia fazer no recurso a interpor da decisão final de aplicação de coima ou sanção acessória, a interpor ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT.
Não merece, pois, censura a decisão de rejeição liminar do recurso judicial que dele foi interposto.
Ao jeito de nota final, diremos ainda que, atentas as datas em que o referido despacho da autoridade administrativa foi notificado à Arguida (a carta registada para notificação foi remetida em 31 de Janeiro de 2019) e em que esta apresentou o requerimento de interposição do recurso judicial (4 de Março de 2019), este, se não houvesse de ser rejeitado por inadmissibilidade legal, sempre haveria de ser rejeitado por intempestividade.

2.2.3 CONCLUSÃO

Entendemos, pois, que o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

De acordo com o critério de recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas pela autoridade administrativa no processo contra-ordenacional fornecido pelo n.º 2 do art. 55.º do RCGO – aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT – não é admissível recurso judicial do despacho que se limita a preparar a decisão e que não assume carácter imediatamente lesivo dos direitos ou interesses do arguido.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 3 de Junho de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Paulo José Rodrigues Antunes.